O treinador de bancada no Banco de Portugal

Propaganda
Com a devida vénia transcrevemos artigo publicado na edição de hoje do Jornal de Negócios on line
OPINIÃO
O treinador de bancada no Banco de Portugal
Que bom deve ser estar sentado numa confortável sala climatizada a emitir opiniões sobre uma realidade que apenas
se conhece através de indicadores e estudos. Se assim não é, assim parece ter sido feito o trabalho do Banco de
Portugal sobre os efeitos de mais concorrência nos mercados de trabalho e de bens e serviços.
Uma das declarações a causar a maior das perplexidades - apesar de não ser a mais importante - é a que diz respeito à
intervenção do Estado. Começa o Banco de Portugal por citar indicadores da OCDE que "sugerem que Portugal está
entre os países em que a regulação económica põe entraves visíveis à concorrência".
E prossegue, já sem se perceber quem é a fonte, referindo que "uma análise mais detalhada revela que tal se deve ao
grau de envolvimento do Estado na actividade empresarial", entre outros factores.
É caso para dizer: "importa-se de repetir?" Mas a que título é que o Banco de Portugal tem legitimidade para se
pronunciar sobre a intervenção do Estado na economia, concretizada pelos seus legítimos representantes, eleitos
democraticamente? Se a análise é técnica, então é preciso complementá-la com explicações sobre o sucesso de países
como os do Norte da Europa - com fortes apoios sociais - ou como a Alemanha (com parte da banca controlada pelos
"lander"), ou ainda como o Brasil - com uma política empresarial fortemente intervencionista.
Esta coluna pode criticar a intervenção empresarial do Estado, pode considerar que este Governo foi longe de mais nas
redes que construiu de protecção e intervenção em empresas, algumas delas cotadas. O Banco de Portugal não pode,
nem deve, pronunciar-se subjectivamente sobre opções que são políticas e determinadas pela escolha dos eleitores.
O trabalho que desenvolve sobre o mercado de trabalho merece ainda mais críticas pela ligeireza técnica com que o
tema é tratado. O Banco de Portugal comete um erro de partida que é usar o indicador de rigidez do mercado de
trabalho da OCDE quando os seus economistas sabem - ou deviam saber - que a realidade laboral é muitíssimo mais
flexível.
O argumento não pode ser do tipo "vejam o que se anda a passar à vossa volta e como tem sido fácil despedir". Nem é
preciso. Bastava que os economistas que fizeram esse trabalho levassem em consideração que Portugal é o terceiro país
da União Europeia com a maior contratação a prazo para não usarem o indicador da OCDE às cegas.
Como a realidade do mercado de trabalho é muito diferente do retrato de rigidez que o Banco de Portugal assume, os
resultados que obtém estão, obviamente, errados. Ou seja, a flexibilização do mercado de trabalho tem muito menos
efeitos no crescimento da economia do que os previstos pelo modelo do banco central. As alterações à lei laboral,
abrindo caminho a um despedimento mais fácil nas empresas e no Estado - o que inclui o Banco de Portugal -, teriam
mais efeitos na distribuição do rendimento (equidade) do que na eficiência.
Uma instituição como o Banco de Portugal, das poucas que temos com massa crítica para estudar a economia
portuguesa, tem de valorizar mais a sua credibilidade. Um bom treinador de bancada não pode pertencer a clube
algum.
2010.07.15
Download