ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA - 2º JUIZADO - DA COMARCA DE PORTO ALEGRE Processo n° 00103278033 Ação ordinária com pedido de antecipação de tutela Autor: João Carlos Pereira Réu: DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito Objeto: Contestação O DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito, pessoa jurídica de Direito Público Interno, com domicílio legal nesta capital, por seus procuradores judiciais firmatários, nos autos acima identificados, vem apresentar contestação na forma e pelos fatos e fundamentos a seguir expostos: A) Resumo do feito Alega o autor que os pontos decorrentes de infração de trânsito (excesso de velocidade flagrado por controladores eletrônicos de velocidade) que lhe foram imputados devem ser transferidos a terceira pessoa. Isto porque o veículo que lhe pertence (ainda em aquisição, mediante arrendamento mercantil junto à ABN Amro Arrendamento Mercantil S.A.) teria sido cedido à empresa Auto Café Comércio e Serviços S.A., na qual trabalha como motorista Claudio Hiran Porto Dornelles, este o responsável pelas infrações de trânsito. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL Argumenta que o endereço incorreto constante no banco de dados do DETRAN ocasionou o envio das notificações à empresa Maggiore no município de Guaíba. Isto, por sua vez, impossibilitou-o de apresentar tempestivamente a impugnação cabível, o que também inviabilizou a transferência dos pontos, objeto, então, desta via judicial. Assim, estaria injustamente respondendo por ato a que não dera causa. Pediu a antecipação dos efeitos da tutela (deferida), apenas para que os pontos ficassem suspensos e, a final, a procedência do pedido, a fim de que os pontos sejam definitivamente transferidos a Claudio Hiran Porto Dornelles. B) Defesa do réu 1. Preliminares 1.1. Inépcia da petição inicial 1.1.1. O autor deduz fatos que em nada condizem com os fundamentos jurídicos apresentados. A argumentação quanto aos fatos tem como eixo nodal o envio a endereço incorreto das infrações de trânsito. Já quanto ao direito, limita-se a transcrever duas ementas onde basicamente cuida-se do procedimento atinente à impugnação das infrações de trânsito. Quer dizer: uma coisa nada tem a ver com a outra. Deveria o autor apresentar argumentos jurídicos no sentido de que não era ônus seu, e sim do réu, a manutenção do correto endereço junto ao banco de dados da autarquia, e isto passou ao largo da petição inicial. Por isso, apresenta-se inepta, a teor do § único, inc. II, do art. 295, do CPC, e deve, assim, ser indeferida (CPC, art. 295, I). ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL 1.1.2. Além disso, quanto à postulação liminar, o autor confunde os institutos da antecipação de tutela e medida cautelar. Veja-se: primeiro, menciona o art. 798 do CPC, justificando a desnecessidade de comprovação cabal do direito material em risco, já que de providência cautelar se trataria; depois, limita-se a transcrever (sem que se faça acompanhar da menor fundamentação), de forma absolutamente vazia, o art. 273, I, do CPC, que trata da antecipação de tutela. Então, ao fim, o que pretende o autor? Providência cautelar ou antecipação de tutela? Ressalte-se que, na emenda à inicial, limitou-se a trazer documentos exigidos por V. Exa., deixando passar em branco a oportunidade de, além de atender a determinação judicial, corrigir a distorção de técnica processual. 1.2. Citação de Claudio Hiran Porto Dornelles Há necessidade de figurar no pólo passivo da ação o Sr. Claudio Hiran Porto Dornelles. O autor pleiteia como pedido final a transferência dos pontos que lhe foram atribuídos ao Sr. Claudio. Logo, deduz-se que desta ação judicial poder-lhe-á resultar gravame. Assim, deve ser-lhe assegurado direito de defesa, a fim de que guarneça, se assim entender, seu direito. Tratando-se de ônus do autor (CPC, art. 282, VII, e § 2º do art. 219), a ele é que deverá ser determinado promova a citação do co-réu. 2. Mérito Uma vez superadas as preliminares do item 1.1, o que não deve ocorrer, o réu passa ao exame do mérito, em obediência ao princípio da eventualidade (CPC, art. 300). O autor pretende transferir os pontos que lhe foram atribuídos por reiteradas infrações de trânsito. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL 2.1. Inicialmente, cabe ressaltar que em nenhum momento foi questionada a inexistência das infrações. São admitidas, portanto. Se o agir da administração deve sempre estar pautado pela legalidade, há uma decorrência do reconhecimento da existência dos fatos: é que deveria haver, de sua parte, uma conseqüência. E qual seria esta conseqüência? A atribuição de pontos na carteira de alguém. De quem? Por presunção legal, do proprietário do veículo; ou, caso ele tempestivamente apresente o verdadeiro responsável, este. Foi o que ocorreu: o autor não apresentou tempestivamente o verdadeiro responsável. Logo, a autarquia atribuiu ao autor os pontos correspondentes às infrações de trânsito. O que se conclui de tudo isso? Que o agir administrativo respeitou a legalidade e não há qualquer possibilidade de que se lhe possa atribuir abuso ou incorreção nos procedimentos efetuados. 2.2. Além disso, o autor alega, mas não prova de modo convincente, que o condutor do veículo era o mencionado Claudio. Os documentos das fls. 12, 13 e 14 foram unilateralmente preenchidos por ele e supostamente assinados por Claudio. Todavia, sem reconhecimento de firma ou outro modo que se pudesse deixar estreme de dúvida quem é o verdadeiro responsável pelas infrações. Ficam impugnados tais documentos, portanto, por não servirem ao desate da questão. 2.3. Diz o postulante que efetuou uma "cessão" do veículo para a empresa Auto Café Comércio e Serviços Ltda. Contudo, não formalizou o ato. A declaração constante de fl. 10 evidentemente não serve para tanto. Logo, difícil de se averiguar a correta natureza jurídica de tal "cessão". Ademais o autor é médico veterinário e reside em Novo Hamburgo. Curiosamente, cede seu veículo a empresa cujo objeto social se desconhece (embora seja fácil de se presumir que veterinária não seja) e com sede em Porto Alegre. Afinal, qual sua relação com a empresa? Por que um veículo seu teria sido entregue a uma empresa cujo empregado acabaria então respondendo pelos pontos? ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL Pode ser que o vínculo existente entre o autor e a empresa Auto Café seja livre de qualquer vício, porém não veio aos autos a menor notícia de tal vínculo. 2.4. Passemos agora ao ponto central da questão: o endereço incorreto do autor junto aos bancos de dados da autarquia. Diz o autor que não deu causa ao atraso no recebimento das notificações, uma vez que, por incorreção do endereço, teriam sido enviadas à Maggiore de Guaíba (provavelmente a revendedora do veículo). O réu, por sua vez, entende que, sim, o autor deu causa ao atraso no recebimento das notificações. Isto porque é seu dever, a teor do Código de Trânsito Brasileiro, manter atualizado o endereço junto aos órgãos de trânsito. É o que se infere da simples leitura § 1º do art. 123 e do § 1º do art. 282: Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando: I - for transferida a propriedade; II - o proprietário mudar o Município de domicílio ou residência; III - for alterada qualquer característica do veículo; IV - houver mudança de categoria. § 1º. No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas. (...) Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade. § 1º. A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL Portanto, não cabia ao DETRAN saber o endereço do autor. Aliás, a norma tem a mais absoluta razoabilidade. Se não for atribuída aos proprietários de veículos a tarefa de atualizar seus endereços junto às autoridades de trânsito, a ninguém mais se poderá fazê-lo. E completamente desproposital seria cogitar-se que a autarquia deve manter atualizados todos os endereços sem que alguém lhe informe das eventuais alterações. Se a opção do legislador foi a de que isto cabe ao proprietário, que se obedeça à norma legal, pois ela existe exatamente para isso. Novamente, fique assentado que o réu obedeceu ao princípio da legalidade. 2.5. Como decorrência da falta de atualização do endereço, o autor teria recebido tardiamente as notificações, ocasionando a impossibilidade de poder apresentar tempestivamente a impugnação (§ 4º do art. 282 do CTB), e, conseqüentemente, indicar o verdadeiro condutor (§ 7º do art. 257 do CTB). Todavia, nada mais houve do que perda do prazo. E, a toda evidência, o que autor pretende agora é utilizar a via judicial como sucedâneo da via administrativa, na qual, por força da lei, não obteve êxito. 2.7. O autor, ainda, diz que procurou o serviço "Tudo Fácil", no qual ter-lhe-iam informado da impossibilidade de transferir os pontos. Aqui, repita-se: agiu-se dentro do que determina a lei: os pontos não podiam ser transferidos fora dos prazos acima referidos. 2.8. No item 07 da inicial, o autor diz que não foi notificado, e sim terceira pessoa, que sem autorização para assinar pelo autor reteve documentos, postando-os nos correios após decorrido o prazo para a defesa administrativa (...) (fl. 4). Pelo que se conclui, então o seu problema não é com o DETRAN, e sim com a empresa da qual adquiriu o veículo e, em seu nome reteve os documentos. Se em seu nome os reteve, e se o requerente considera isto de alguma forma irregular, que postule sua irresignação frente a esta terceira pessoa, e não contra o réu. Aliás, com nenhuma razão pode usar tal argumento em seu favor contra o réu. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL 2.9. Algumas considerações sobre os fundamentos jurídicos apresentados pelo autor, a saber, duas ementas de jurisprudência. Em suma, dizem os julgados que a autoridade de trânsito deve permitir ampla defesa antes de aplicar as sanções decorrentes do CTB. Haveria necessidade de permitir-se a defesa prévia e, além disso, a decisão deveria ser fundamentada. Inicialmente, já não serviriam pelo simples fato de se referirem a mandado de segurança, e a via escolhida pelo autor ter sido a da ação ordinária. Desnecessário referir que o objeto e o procedimento, no mínimo, são diferentes, o que evidentemente acarreta diferença também no resultado. Depois, não servem também quanto à questão de fundo. Isto porque não se discute nestes autos a possibilidade ou não de que seja assegurado ao autor o direito de defesa, e sim se cabia ou não a ele manter atualizado o seu endereço junto ao DETRAN (tema já tratado no itens 2.4 e 2.5 supra). Todavia, ainda que a matéria do direito de defesa se relacionasse aos autos, tampouco o autor teria maior sucesso, uma vez que não houve qualquer aplicação de penalidade, mas mera notificação para apresentar defesa no prazo de 15 dias, face ao art. 261, § 1º do CTB. Isto, no entender do autor, não deixa qualquer dúvida de que o direito de defesa foi respeitado. Quanto à necessidade ou não de assegurar-se a defesa prévia, já decidiu a MM. Juíza desta 4ª Vara da Fazenda Pública: 568/80. (...) 3. Inaplicabilidade da Resolução nº A Resolução nº 568/80 foi editada sob a égide do anterior Código de Trânsito. Dizia a resolução em tela que o infrator poderia apresentar defesa prévia no prazo de trinta dias, após o recebimento do auto de infração, antes da aplicação da penalidade. Ocorre que o vigente CTB adotou outra sistemática, contrária da Resolução 568/80, pelo que esta foi revogada, até porque por se tratar de resolução administrativa não pode contrariar a lei. A interpretação contida na inicial afasta a aplicação da lei vigente em prol da citada resolução, o que não se pode admitir. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL O teor da resolução analisada justificava-se porque na sistemática anterior o infrator, para defender da penalidade aplicada, devia primeiro pagar a multa. Já no sistema do vigente CTB a apresentação de defesa independe do pagamento da multa, portanto, assegurada a ampla defesa. (sentença proferida no Mandado de Segurança nº 00 10 I 862705 Comarca de Porto Alegre; Impetrante: Antonio Hygino Alcantara; Impetrados: Diretor Presidente do Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Rio Grande do Sul e DETRAN; Juíza prolatora: Maria José Schmitt Sant'Anna; Data: 12/01/2000) Portanto, de qualquer examine o tema, sem razão o autor. ângulo pelo qual se Mais do que isso não se pode contrapor aos argumentos de direito trazidos pelo autor porque, quanto à questão de mérito, limitou-se a colacionar a jurisprudência que ora se impugnou. Isto, evidentemente, dificultou - se não impossibilitou - a defesa (matéria já mencionada no item 1.1.1 supra). 3. Pedidos 3.1 Isso posto, o DETRAN em preliminar requer seja indeferida a inicial, nos termos explicitados no item 1.1 supra, com a conseqüente revogação da liminar initio litis concedida 3.2. Caso superada a preliminar, postula: 3.2.1. Seja determinado ao autor que promova a citação de Claudio Hiran Porto Dornelles, para que conteste também a ação, pena revelia; 3.2.2. A produção de todos os meios de prova juridicamente admitidos. 3.2.3. A vista ao Ministério Público de todos os atos do processo. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL 3.2.4. No mérito, ao final, a total improcedência do pedido, arcando o autor com todos os ônus sucumbenciais. Nestes termos, pede deferimento. Porto Alegre, 12 de abril de 2000. RODOLFO LUIZ RODRIGUES CORRÊA Procurador do Estado OAB/RS 28.990 LUÍS CARLOS KOTHE HAGEMANN Procurador do Estado OAB/RS