UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CARLA SOLANGE GOMES VANESSA PRAXEDES DA SILVA ANOREXIA E BULIMIA O que fazer? OSASCO 2006 UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CARLA SOLANGE GOMES VANESSA PRAXEDES DA SILVA ANOREXIA E BULIMIA: O que fazer? Monografia apresentada como Exigência à Comissão Julgadora da Uniban para obtenção do grau de Psicologia orientado por Profª Drª Jurema Teixeira OSASCO 2006 Gomes, Carla Solange Anorexia e Bulimia : o que fazer? / Carla Solange Gomes, Vanessa Praxedes da Silva. -- Osasco: [s.n.], 2006. 56f. ; 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) - Universidade Bandeirante de São Paulo, Curso de Psicologia. Orientador: Profª. Drª. Jurema Teixeira 1. Anorexia 2. Bulimia 3. Tratamento I. Título Folha de Aprovação Carla Solange Gomes Vanessa Praxedes da Silva Anorexia e Bulimia: o que fazer? Trabalho de Conclusão de Curso Universidade Bandeirante de São Paulo Curso de Psicologia Orientador Nome Jurema Teixeira Titulação Profª. Drª. Em Ciências Sociais (Antropologia) Assinatura Instituição Universidade Bandeirante de São Paulo Banca Examinadora Nome Jurema Teixeira Titulação Profª. Drª. Em Ciências Sociais (Antropologia) Assinatura Instituição Universidade Bandeirante de São Paulo Nome Luiz Carlos Tarelho Titulação Prof°. Dr°. Em Estudos Psicanalíticos na Paris VII Assinatura Instituição Universidade Bandeirante de São Paulo Avaliação: _________ Osasco, ___/___/2006 Agradecimento Agradecemos aos nossos pais pela paciência e dedicação no decorrer dos nossos cinco anos de graduação e por todo o apoio e incentivo por parte de professores, amigos e familiares. Dedicatória Dedicamos este trabalho com muito carinho a todos os familiares de pessoas que sofrem de distúrbios alimentares. Podemos imaginar, jamais sentir como eles, os seus medos diante da impotência de não saber lidar com um problema que é tão pouco discutido. Fizemos este trabalho pensando neles e nas próprias pessoas que têm estes distúrbios com o intuito de poder estar levando ao seu conhecimento informações sobre diferentes aspectos reunidos em uma única publicação. Resumo Fizemos neste trabalho um levantamento de dados sobre a anorexia/bulimia. Pudemos observar estes distúrbios sob a ótica de diversos aspectos: culturais, sociais, físicos e biológicos. Para a realização desta pesquisa foi adotado o delineamento de levantamento e como método foi utilizado o levantamento bibliográfico. Não podemos nos esquecer que existe uma unidade indissolúvel entre o corpo e a psique, daí a necessidade de uma abordagem multidisciplinar quando tratamos deste tema, pois enquanto se molda um corpo, molda-se também uma personalidade. Palavras-chave: Anorexia, Bulimia, Tratamento Abstract In this essay we did a research of anorexia/bulimia related data. We were able to observe these diseases, under the optics of various aspects: cultural, social, physical and biological. In order to proceed with this research, we adopted a survey outlining and the method used was a bibliographic survey. We can not forget that there is an insoluble unity between the body and the psique, hence the need of a multidisciplinar approach when dealing with this theme, for while a body is molded, so is a personality. Keywords: Anorexia, Bulimia, Treatment Sumário Agradecimento Dedicatória Resumo Abstract Sumário 1. Introdução _____________________________________________________________ 7 1.1 Tema_______________________________________________________________ 7 1.2 Problema ___________________________________________________________ 7 1.3 Justificativa _________________________________________________________ 7 1.4 Objetivo ____________________________________________________________ 7 2. Anorexia e Bulimia ______________________________________________________ 9 3. Aspectos importantes na abordagem dos transtornos alimentares_______________ 12 3.1Depressão __________________________________________________________ 12 3.2 Imagem Corporal nos Transtornos Alimentares __________________________ 15 3.3 Tratamento Psicoterapêutico da Anorexia e da Bulimia ____________________ 18 3.4 Anorexia e Bulimia Nervosa - abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia _____________________________________________________________________ 25 3.5 Terapia Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Alimentares ___________ 27 3.6 Transtornos Alimentares e os espectros do humor e obsessivo-compulsivo_____ 30 3.7 Tratamento farmacológico dos transtornos alimentares ____________________ 32 3.8 A comorbidade entre transtornos alimentares e de personalidade e suas implicações clínicas _____________________________________________________ 35 3.9 Epidemiologia dos Transtornos Alimentares: estado atual e desenvolvimentos futuros _______________________________________________________________ 39 3.10 A abordagem familiar no tratamento da Anorexia e Bulimia nervosa________ 39 3.11 Manifestações precoces dos transtornos de comportamento na criança e no adolescente ____________________________________________________________ 43 3.12 Instrumentos para avaliação dos Transtornos Alimentares ________________ 45 4.Metodologia ___________________________________________________________ 52 5. Resultados ____________________________________________________________ 53 6. Conclusão_____________________________________________________________ 54 Referências______________________________________________________________ 55 7 1. Introdução 1.1 Tema Aproveitamos a oportunidade de fazer esta monografia e levantamos um tema que ainda requer muitos estudos para se obter uma compreensão mais ampla e com uma visão holística do paciente – a anorexia/bulimia. 1.2 Problema “O que fazer?” 1.3 Justificativa Esta pesquisa está sendo entregue como monografia de conclusão do Curso de Psicologia da UNIBAN - Universidade Bandeirante de São Paulo – Osasco/2006. Aproveitamos a oportunidade para utilizar um trabalho realizado em 2003 para a disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia e do qual gostamos muito. A justificativa pessoal para este projeto de pesquisa é, na verdade, muito além de uma exigência de um curso. Como futuras psicólogas, independente da nossa área de atuação a ser escolhida, é muito importante entendermos as pessoas, o que ocorre com elas e com a sociedade que às rodeiam em muitas situações. Nesta oportunidade optamos por estudar a anorexia e a bulimia. 1.4 Objetivo Nossa pesquisa poderá ser de grande auxílio à nossa sociedade (equipes multidisciplinares, familiares, amigos e, também, aos próprios pacientes), sempre sedenta de informações e que, em horas de aflição, não sabe onde procurá-las. Temos aqui as principais características de uma pessoa acometida da anorexia e bulimia. Informações estas, colhidas de diferentes fontes e reunidas de forma clara e resumida para quem delas precisar. Temos certo que o propósito institucional foi desempenhado da melhor maneira possível, pois temos consciência da importância de termos pessoas dedicadas ao desenvolvimento científico de nossa sociedade. Falando em desenvolvimento científico esperamos que esta pesquisa, tal como é – 8 uma evolução de outras já feitas - seja um objeto de futuros estudos em relação ao tema abordado. 9 2. Anorexia e Bulimia Desde o inicio dos tempos, podemos verificar através da história fortes incidências da anorexia e da bulimia. Segundo pesquisas, no século XV as bases da Igreja Medieval já discriminavam a gula como pecado e várias beatas, assim como a Santa Catherina de Siena acreditavam na “dieta santificada”, onde sentiam-se mais puras e próximas de Deus após longos períodos de jejum. Hoje a realidade não é mais essa , esses conceitos foram revertidos para atingir as revistas de moda, desfiles etc. (VALLIM JR., A. et al., 1993) A sociedade e os meios de comunicação contribuem profundamente para criar estereótipos na mente de muitos indivíduos. O peso ideal depende do tipo físico de cada um, mas por idéias propostas na mídia através das modelos, muitas pessoas acabam ignorando essa realidade e passam a enxergá-la sem restrições, colocando em seu entendimento que para ficar magra vale tudo, até ficar doente. Esse é o início do ciclo vicioso que leva muitas pessoas à anorexia e à bulimia. Felizmente os meios de comunicação parecem estar se direcionando a novos rumos em relação à supervalorização da imagem anoréxica e depressiva das modelos com peso muito abaixo do normal. Isso é um fator positivo pois, por serem formadores de opinião, influenciam na imagem ideal estereotipada por muitas pessoas. Com a queda desse mito, conseqüentemente, será proporcionada uma queda relativamente significativa nos índices de indivíduos com transtornos alimentares (TA) , tanto a anorexia quanto a bulimia. As pessoas com TA passam a viver em função da perda de peso, passam a ter uma obsessão descompassada por um corpo magro. Muitas pessoas que sofrem desse mal são levadas à morte pela desnutrição. Derivado do grego o termo anorexia, que significa falta de apetite, não condiz necessariamente com a realidade das anoréxicas, pois essas não apresentam a falta de apetite, mas sim o contrário, por várias vezes experimentam estados de fome intensa, e se submetem a várias estratégias e comportamentos para controlar ou negar esses estímulos. O termo Bulimia, também derivado do grego, bous = boi e limos = fome, pode designar um indivíduo capaz de comer um boi inteiro, ou quase, tamanha sua compulsão. (VALLIM JR., A. et al., 1993) 10 As principais características da anorexia nervosa (AN) são: recusa a manter um peso corporal normal, pânico de engordar, amenorréia, confusão na percepção da forma e tamanho do corpo, o que caracteriza uma distorção da imagem corporal. Existem dois tipos: o tipo restritivo e o tipo purgativo. No tipo restritivo há uma obsessiva recusa a alimentar-se, prática compulsiva de exercícios físicos, abuso de laxantes, diuréticos. No tipo purgativo há momentos de comer compulsivos seguidos de vômitos auto-induzidos e também de abuso no uso de laxantes, diuréticos e exercícios físicos. De acordo com o Manual DSM-IV o paciente anoréxico perde peso adotando uma dieta radical, quase total. A maioria escolhe uma dieta muito pobre, quase líquida. A perda de peso é vista como autocontrole e disciplina – o que não pode ser abandonado pois esta atitude pode denotar fracasso e fraqueza. Nesses casos para que a morte seja evitada é necessária a internação da paciente para que receba alimentação involuntariamente. Para a Bulimia Nervosa (BN) existem outros critérios diagnósticos: comer compulsivamente e eliminar o ingerido por meio de vômitos auto-induzidos, uso de laxantes, diuréticos e exercícios físicos – para eliminar o ingerido e compensar o ganho de peso. Os pacientes com bulimia conseguem manter o peso normal ou ficar acima dele, o que os diferencia da anorexia purgativa. Na bulimia também existem dois tipos: o purgativo e o não-purgativo – jejum alimentar depois de comer compulsivo e exercícios físicos compulsivos para queimar calorias. Em crise bulímica a única regra é a de que não há regras. O individuo ingere alimentos diversos ao mesmo tempo e depois, culpado, condiciona o vômito. Tanto a anorexia quanto a bulimia são produtos da inter-relação de aspectos psicológicos, físicos e sócio-culturais, prova disso é que esses transtornos manifestam-se cerca de 90% em mulheres; são mais comuns hoje do que há 20 anos e são mais freqüentes em determinadas classes culturais e sociais. Desde o período após a segunda guerra mundial, a mídia de um modo geral tem como alvo convencer a mulher de que além de seu papel de mãe, esposa, dona de casa, profissional bem sucedida e dinâmica, ela precisa ser magra. Porém se todos somos bombardeados por esses conceitos, porque apenas alguns indivíduos desenvolvem essas doenças ? Os estudos nos mostraram que a resposta está numa prédisposição orgânica e genética em interação com aspectos sócio-culturais e psicológicos daí a relação da anorexia e bulimia com a depressão, por exemplo. 11 A relação do individuo com o corpo e com sua imagem corporal, já foi descrita por vários autores da psicologia ao longo dos tempos. Freud e Jung, descreviam o corpo como sendo o centro da personalidade da realidade psíquica do homem. Adler, por sua vez descrevia o corpo como maior centro de sentimentos de inferioridade sentido na infância, pois a criança segundo ele, sentia-se inferiorizada diante dos adultos maiores e mais fortes do que ela e esse sentimento segundo ele , marcaria a relação do individuo com seu corpo, pelo resto de sua vida. Para Reich, corpo e mente eram apenas uma unidade, através das couraças corporais ele desenvolveu sua teoria que visava trabalhar o corpo para solucionar questões da psique. Perls, maior representante da Gestalt – terapia, acreditava que através de comportamentos físicos como: respiração e postura poderíamos aprender com os outros. Na chamada terapia centrada no cliente de autoria, de Carl Rogers, foram colocadas questões sobre o auto-conhecimento e subseqüentemente a autoimagem, como a visão que o individuo tem de si, baseado em experiências passadas e presentes e em expectativas futuras. Para Abrahan Maslow, expressões do corpo como dança, arte etc, seriam um importante suplemento a educação. A questão da imagem corporal, já foi e continua sendo alvo de muitos pesquisadores de várias áreas. Na psicologia esse interesse refere-se ao estudo da percepção e avaliação da aparência do próprio corpo, que o individuo tem e, conseqüentemente, a relação dele com o mundo. E assim é a relação do homem com seu corpo. Há busca incessante da “perfeição”, aprisionamento feito pelo fascínio do externo, que reflete não no corpo que temos, mas a ilusão do que queremos e imaginamos poder ser. (VALLIM JR., A. et al., 1993) 12 3. Aspectos importantes na abordagem dos transtornos alimentares Nesta etapa de nossa pesquisa procuramos levantar informações relevantes quando o assunto a ser abordado é a Anorexia e a Bulimia. Assuntos estes de grande importância para conhecimento de familiares e de uma equipe multidisciplinar encarregada de acompanhar um paciente com estas enfermidades. Acreditamos que há, ainda, muito a ser feito e pesquisado - sempre. Novas tecnologias e novas abordagens estarão sempre surgindo. Novos conceitos sempre estarão sendo formados, possibilitando uma melhor qualidade de vida para quem sofre destas doenças. 3.1Depressão Estima-se hoje que pelo menos boa parte da população adulta teve ou terá um episódio de depressão com grau de severidade clínico que seja suficiente para justificar um tratamento psicanalítico. Diversos estudos relevantes são publicados no dia a dia referente às causas e tratamentos medicamentosos da depressão. Embora tenham ocorrido avanços na farmacologia para o tratamento da depressão, não há evidência de que essa tenha diminuído entre as pessoas. Estudos afirmam que a depressão corresponde à maioria de todas as hospitalizações psiquiátricas (cerca de 75%): 15% são de adultos na faixa etária de 18 a 74 anos que podem sofrer sintomas depressivos significativos e, que a depressão afeta 15-25% das mulheres e 5-10% dos homens. O que é depressão? É uma doença que afeta pensamentos, sentimentos, comportamentos e saúde. Geralmente é acompanhada de alterações do humor, sono, apetite e várias outras funções do organismo. A pessoa que sofre desta doença não consegue livrar-se dela com suas próprias forças. Para sentir-se bem novamente, é necessário tratamento adequado para que os sintomas não persistam por semanas, meses ou anos. Causas: 13 A causa da depressão é a carência de um neurotransmissor e sua produção não está sob o controle da nossa vontade, por isso não adianta ficar dando conselhos para o deprimido de: ser forte, reagir, dar a volta por cima e sim, oferecer apoio e solidariedade. A depressão também pode ser causada por diversos fatores isolados ou combinados como: · Histórico familiar (fatores genéticos); · Outras doenças não-psiquiátricas como: câncer, hipotireoidismo, alterações hormonais, etc. · Alguns medicamentos; · Uso de álcool ou drogas; · Doenças psiquiátricas; · Algumas situações de vida que levam ao stress intenso; · Perda importante (morte, trabalho, etc.) ou, · Pode surgir sem uma causa aparente. Sintomas: A pessoa não precisa apresentar todos os sintomas que serão descritos, mas apenas alguns deles de forma grave suficiente para interferir no seu funcionamento normal: · Sentimentos persistentes de tristeza; · Perda do interesse e prazer nas atividades de rotina ou passatempos preferidos; · Desespero, sem causa aparente; · Crises de choro; · Ansiedade; · Sentimentos de desesperança, pessimismo; · Sentimentos de culpa; · Distúrbio do sono (insônia, despertar matinal, hipersonia); · Irritabilidade fácil; · Falta de apetite com perda de peso; · Perda de energia; · Dificuldade de concentração, de tomar decisões, de relembrar fatos; · Dificuldade de relacionamento pessoal, com tendências ao isolamento; · Falta de interesse em atividades prioritárias e abandono delas; 14 · Negligência ou prazer nas atividades sexuais; · Pensamentos de morte ou suicídio e · Tentativas de suicídio. Tratamento: Para a depressão existem três principais modalidades de tratamento: · A prescrição de medicamento antidepressivo (por um psiquiatra); · Psicanálise · Tratamentos alternativos à psicanálise. · Uso concomitante das alternativas acima. Alguns dos sintomas geram reações que envergonham tanto o deprimido que ele quase nunca se sente livre para falar, exceto no contexto da terapia, onde o terapeuta com sua sensibilidade oferece condições para o paciente abrir-se e revelar o que o incomoda gerando um alívio - visto seu esforço em esconder seus sentimentos. A terapia cognitiva comportamental tem objetivo de aliviar a angústia emocional e outros sintomas da depressão buscando assim, o bem estar da pessoa deprimida. (SILVA, 2003) Depressão - Determinante Biológico Nas áreas psiquiátrica e psicológica, os avanços obtidos nos últimos anos foram enormes e, graças a investimentos maciços da indústria farmacêutica, novos conhecimentos acerca dos transtornos mentais e o desenvolvimento de novos medicamentos vêm ganhando força. Apesar de os anos 90 terem sido considerados a “década do cérebro”, ainda temos grandes desafios a enfrentar, como a compreensão do funcionamento mental humano e as causas de transtornos psiquiátricos. O mesmo esforço que vem sendo enviado para combater os transtornos do comportamento ditos “maiores” também oferece conhecimento suficiente para a melhora da qualidade de vida de pessoas psiquiatricamente saudáveis, com desconfortos que nunca as levariam para um consultório psiquiátrico, mas que são queixas freqüentes nos clínicos-gerais, como uma certa dificuldade para dormir, fadiga permanente, aborrecimento constante com a vida ou uma dificuldade especial em alcançar determinado objetivo. Para muitas dessas pessoas, que sempre passaram longe de um consultório psiquiátrico ou psicológico, a vida é qualificada 15 como pouco satisfatória, mas, por não apresentarem um quadro de transtorno mental clássico, nunca receberam cuidado especializado. É fato constatado que o comportamento do indivíduo influencia os processos bioquímicos cerebrais e há uma evidência crescente de que processos psicossociais provocam alterações nos mecanismos neuroquímicos dos indivíduos. Acreditasse que cada ser humano nasce com um potencial geneticamente determinado para a produção de serotonina. Para aqueles cujo potencial é alto, a vida e seus obstáculos são mais fáceis de serem transpostos e a formação pessoal e educacional recebida favorece a postura de ousadia desempenhada no cotidiano. (Santos, 2003) 3.2 Imagem Corporal nos Transtornos Alimentares Para Schilder (1994), a imagem corporal é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se nos apresenta. Segundo Thompson (1996), o conceito de imagem corporal envolve três componentes: • Perceptivo, que se relaciona com a precisão da percepção da própria aparência física, envolvendo urna estimativa do tamanho corporal e do peso; • Subjetivo, que envolve aspectos como satisfação com a aparência, o nível de preocupação e ansiedade a ela associada; • Comportamental, que focaliza as situações evitadas pelo indivíduo por experimentar desconforto associado à aparência corporal. Para McNarnara (2002), crenças culturais determinam normas sociais na relação com o corpo humano. Práticas de embelezamento, manipulação e mutilação, fazem do corpo um terreno de significados simbólicos. Mudanças artificiais em seu formato, tamanho e aparência são comuns em todas as sociedades e têm uma importante função social. Elas comunicam a informação sobre a posição social do indivíduo e, muitas vezes, demonstram um sinal de mudança em seu status social. De acordo com Adams (1977), percebe-se que o mundo social, claramente, discrimina os indivíduos não atraentes, numa série de situações cotidianas importantes. Pessoas julgadas pelos padrões vigentes corno atraentes parecem receber mais suporte e encorajamento no desenvolvimento de repertórios cognitivos sociaimente seguros e 16 competentes, assim, indivíduos tidos como não atraentes, estão mais sujeitos a encontrar ambientes sociais que variam do não-responsivo ao rejeitador e que desencorajam o desenvolvimento de habilidades sociais e de um autoconceito favorável. Segundo Stice (2002), sociólogos têm proposto dois processos que promovem atitudes e comportamentos: reforço social e a modelagem. O reforço social refere-se ao processo por meio do qual pessoas internalizam atitudes e comportam-se mediante aprovação dos outros. Como exemplo, um adolescente pode querer seguir uma dieta caso perceba que a mídia glorifica o corpo esbelto e magro e critica as pessoas com excesso de peso. A modelagem refere-se ao processo em que o individuo observa comportamentos de outros e os imita. A sociedade pode ser um modelo de preocupações com as medidas corporais, dietas excessivas, comportamentos não-saudáveis de controle de peso e, em última análise, compulsões alimentares. Influências da mídia na insatisfação e distúrbios da imagem corporal Para Stice (2002), existem evidências que dão suporte de que a mídia promove distúrbios da imagem corporal e alimentar. Análises têm estabelecido que modelos, atrizes e outros ícones femininos vêm se tornando mais magras ao longo das décadas. Indivíduos com transtornos alimentares sentem-se pressionados em demasia pela mídia para serem magros e reportam terem aprendido técnicas nãosaudáveis de controle de peso (indução de vômitos, exercícios físicos rigorosos, dietas drásticas) através desse veículo. Em estudo realizado nas ilhas Fiji, Becker et al. (2002) avaliou o impacto da exposição das adolescentes à televisão e conseqüentes atitudes e comportamentos alimentares desses indivíduos. O estudo foi dividido em duas etapas, a primeira em 1995 e a segunda em 1998, já com três anos de exposição à televisão. Os resultados mostraram que os indicadores de transtorno alimentar foram significanternente mais prevalentes após 1998, demonstrando também maior interesse em perda de peso, sugerindo um impacto negativo da mídia. Distorção da imagem corporal na anorexia nervosa e bulimia nervosa A anorexia nervosa e a bulimia nervosa são transtornos alimentares caracterizados por um padrão de comportamento alimentar gravemente perturbado, um controle 17 patológico do peso corporal e por distúrbios da percepção do formato corporal. Está presente, na anorexia nervosa, um inexplicável medo de ganhar peso ou de tornarse obeso, mesmo estando abaixo do peso, ou mais intensamente, uma supervalorização da forma corporal como um todo ou de suas partes, classicamente descrito como distorção da imagem corporal. Russeli (2002) descreveu a bulimia nervosa como uma urgência poderosa e irresistível de comer demais, comportamentos compensatórios conseqüentes, tais como vômitos, uso inadequado de laxantes e diuréticos e exercícios físicos abusivos acompanhados de um medo mórbido de tornar-se obeso. Bruch (1962) desenvolveu a primeira teoria sistemática a respeito de problemas de imagem corporal nos transtornos alimentares, sendo que esta distorção da imagem corporal é um dos três fatores necessários ao desenvolvimento da anorexia. Mais ainda, afirma que este era o aspecto mais importante do transtorno e também notou que a melhora dos sintomas da anorexia poderia ser temporária se não houvesse uma mudança corretiva na imagem corporal. De acordo com Bruch (1962), mais alarmante do que a má nutrição em si na anorexia nervosa é sua associação com a distorção da imagem corporal que, entre outros fatores, apresenta-se como uma ausência de preocupação com a magreza, mesmo quando esta já está em um estágio bem avançado. Conclui Bruch (1973) que, nesta distorção, incluemse os seguintes distúrbios: da consciência cognitiva do próprio corpo, consciência das sensações corporais, senso de controle sobre as funções corporais e razões afetivas para a realidade da configuração corporal. Segundo Cash e Deagle (1997), o distúrbio da imagem corporal é um sintoma nuclear dos transtornos alimentares, caracterizado por uma auto-avaliação dos indivíduos que sofrem desse transtorno, influenciada pela experiência com seu peso e forma corporal. Distorções cognitivas relacionadas à avaliação do corpo, comuns em indivíduos com transtornos alimentares, incluem: pensamento dicotômico - o indivíduo pensa em extremos com relação à sua aparência ou é muito crítico em relação a ela; comparação injusta - quando o indivíduo compara sua aparência com padrões extremos; atenção seletiva - focaliza um aspecto da aparência e erro cognitivo - o indivíduo acredita que os outros pensam como ele em relação à sua aparência. Dentre os vários instrumentos para avaliação da imagem corporal, um dos mais utilizados é o Body Shape Questionnaire (BSQ), de amplo uso em estudos com populações clínicas e não-clínicas (Cooper et al., 1987). Embora uma insatisfação ou distorção da imagem corporal possa estar presente em outros 18 quadros psiquiátricos como transtorno dismórfico corporal, delfrios somáticos, transexualismo, depressão, esquizofrenia e obesidade, é nos transtornos alimentares que seu papel sintomatológico e prognóstico é mais relevante. 3.3 Tratamento Psicoterapêutico da Anorexia e da Bulimia Existem pesquisas em laboratórios de transtornos alimentares que são feitas utilizando-se equipes multidisciplinares – psiquiatras, psicólogos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais. O maior desafio terapêutico em casos de anorexia é o paciente não reconhecer que tem um traço patológico, o que dificulta ou impossibilita o desenvolvimento de uma aliança terapêutica entre médico e paciente. O objetivo inicial e principal no tratamento psiquiátrico da anorexia nervosa é fazer com que os paciente desenvolvam práticas alimentares adequadas e retomem o peso ideal. Para isso se usam abordagens psicoterapêuticas individuais e familiares a partir desta meta inicial. No caso da bulimia, são usadas técnicas comportamentais e cognitivas e orientação nutricional – obtendo resultados imediatos. A grande maioria dos estudos psiquiátricos sobre transtornos alimentares não reconhece o tratamento psicanalítico como eficaz, o que dá margem a outras tentativas de compreensão psicodinâmica, onde se destaca o trabalho de Hilde Bruch (1973). Partindo de observações clínicas, Bruch diferencia a anorexia primária da chamada anorexia atípica (que não traz o medo de engordar como preocupação central). A perda de peso possui características subjetivas e pode, por exemplo, ser conseqüência de uma depressão expressa. A anorexia atípica consiste numa verdadeira perda de apetite, isto é, a perda de peso é secundária. Não há, nestes casos, a negação delirante de sua imagem corporal, hiperatividade, busca da perfeição e a preocupação constante com a comida, nem episódios de bulimia. A anorexia primária, por outro lado, é caracterizada por um medo aterrador de engordar. A queixa principal manifesta é a busca de controle de peso com o desejo de dominar o próprio corpo, problema que encobre outros subjacentes: “a busca de capacidade de controle em geral, de um sentido de identidade pessoal e de autonomia” (Bruch, 1973: 251). 19 Segundo Bruch, a anorexia primária consiste no distúrbio de três áreas do funcionamento psíquico: A primeira área é “um distúrbio de proporções delirantes da imagem corporal e do conceito do corpo”. Geralmente, os pacientes com anorexia não se incomodam com sua aparência doentia e fazem tudo para mantê-la; podem até ganhar peso durante o tratamento (muitas vezes, ganham peso para se verem livres do tratamento), mas, se não houver uma profunda modificação na percepção que têm de si mesmos, “a melhora” será por pouco tempo. A segunda área é “um distúrbio no modo de distinguir a percepção ou a interpretação cognitiva dos estímulos provenientes do corpo”. Percebe-se que não há perda do apetite, como na recusa a alimentar-se da melancolia. Há, na verdade, uma imensa dificuldade em reconhecer a fome e as sensações corporais dela decorrentes. A terceira área é um “forte sentimento de “ineficácia paralisante”. As pacientes sentem-se como objetos nas mãos dos outros e não fazem nada pelo próprio desejo. Para defenderem-se desse sentimento, de dóceis e obedientes passam a ser exigentes e rígidas com os outros, utilizando, por exemplo, a alimentação. Acabam fazendo com que a família, principalmente a mãe, passe a viver em função dela e de suas exigências alimentares (Bruch, 1973: 252-3). Com sua experiência Bruch percebeu como os pacientes anoréxicos não aderiam bem a um trabalho tradicional de psicanálise, levando-a a pensar que os motivos desse fracasso se dão em função do não tratamento das áreas psíquicas comprometidas, ou seja: estas acabam sendo reforçadas no enquadre analítico, já que aí o paciente expressa seus pensamentos íntimos e o analista interpreta seus significados inconscientes. Isto acaba representando na transferência a relação de dependência do paciente com seus pais como se ele constatasse algo como: “minha mãe/analista sempre sabe como me sinto”. Uma interpretação sobre as necessidades do paciente, no sentido de denunciá-las para ele, compreendendo como se sente, muitas vezes tem efeitos persecutórios vindo confirmar e reforçar o seu senso de inadequação e ineficácia (Bruch, 1973: 336). Estas observações levaram-na a reformular a terapêutica para estes pacientes. Para um tratamento eficaz, o paciente deve expressar-se como participante ativo no processo terapêutico. Se algo deve ser interpretado, é importante que o paciente descubra sozinho e possa falar primeiro. O psicoterapeuta pode concordar ou não, 20 se achar relevante. Isto tudo é necessário para desenvolver sua autonomia, iniciativa e senso de responsabilidade. O método terapêutico de Bruch, denominado “uso construtivo da ignorância”, tem como principal objetivo estimular o surgimento das capacidades próprias de seus pacientes pensarem por si mesmos. Eles costumam responder bem a esta postura terapêutica, reconhecendo no psicoterapeuta um colaborador e não alguém possuindo segredos a seu respeito (Bruch, 1973: 338). Bruch fala como a anoréxica se sente nas mãos dos outros e vive em função do desejo do outro. Entretanto, este quadro é freqüentemente invertido e, de dócil e obediente, passa a exigir que todos façam o que ela quer. Há uma alternância entre dominar e ser dominada, ser destruída e destruir. Refletindo sobre o método terapêutico, no que diz respeito à questão da destrutividade, Bruch evita entrar em contato com a destrutividade desses pacientes quando propõe um trabalho no sentido de atenuar os efeitos dela. Mas estes pacientes apresentam um desafio, através da destrutividade expressa na relação terapêutica pela repetição. Desta forma, faz-se necessário pensar como a vivência da destrutividade, é fundamental para o tratamento dessas patologias. Neste sentido, apresenta-se uma posição opondo-se aos autores que afirmam que o método psicanalítico não é eficaz. Retornando às propostas da psiquiatria e de Bruch, pode-se perceber uma preocupação excessiva com os sintomas e com a sua eliminação. O proposto, por exemplo, é que o paciente se alimente e consiga enfrentar suas dificuldades quanto à autonomia. O tratamento, tendo como objetivo fundamental fazer com que os pacientes voltem a comer normalmente, não seria o contrário da recusa? Ocupar esta posição parece favorecer a fantasia de luta de poder entre psicoterapeuta e paciente, em que um será eliminado. A dificuldade em fazer os pacientes ganharem peso e diminuírem a obsessiva preocupação com o peso e a comida é um problema apresentado nos tratamentos visando a eliminação dos sintomas anoréxicos e bulímicos. A preocupação com o peso parece funcionar como um equilíbrio narcísico, ou seja, o sujeito só pode existir por meio do ato compulsivo e, por isso, pode vir a sentir-se profundamente desamparado e ameaçado quando forçado a deixar o seu ato. Esta posição trabalha com regras que podem vir a ser sentidas como intrusivas e violentas pelos pacientes e produzindo uma intensificação de sintomatologia. Trabalhar nesta posição não facilita a contenção da destrutividade, mas, ao contrário, luta-se contra ela estimulando-a como sair dessa relação dual, espelhada, onde uma posição é contrária a outra? 21 Seguindo o conselho de Bruch quanto ao uso construtivo que podemos fazer da nossa ignorância frente a estas patologias, parece interessante a pergunta: é possível aprender com estes pacientes, em vez de incentivar a alimentação e a autonomia neles sem, no entanto, compreender os possíveis significados para tal recusa e dependência? A anorexia e a bulimia como adicções: a relação com a melancolia Adicto significa “que se apega ou se afeiçoa a, dedicado, devotado, submisso”. Então, adicção significa propensão, algo a que se é fiel, de que se está dependente. Neste sentido, uma relação de dependência deste tipo se faz evidente no anoréxico e no bulímico. Estes pacientes referem-se à comida como uma droga com a qual estabelecem uma relação de submissão. O psicanalista Marcelo Heckier (Heckier & Miller, 1995), baseando-se nos pressupostos de Lacan, afirma que a anorexia e a bulimia têm a dimensão de um ato que não pode ser evitado. Para ele a compulsão bulímica é caracterizada pelo comer compulsivo e por comportamentos compensatórios posteriores de vômito, uso de diuréticos, de laxantes e exercícios físicos exagerados. Já a compulsão anoréxica está centrada na sustentação de uma rígida restrição alimentar. Estas duas compulsões levariam alguns profissionais, principalmente médicos, a compreendelas como formas de adicção à comida. Existe entre o sujeito bulímico, o sujeito anoréxico e a comida, um vínculo de sujeição. Sujeição que é escravidão, como um laço, um vínculo muito especial, intenso e exclusivo, amoroso e despótico entre o sujeito e aquilo que ele considera como seu objeto. Objeto este idealizado e temido, idealizado e sinistro (Heckier & Miller, 1995: 25). Para Heckier (Heckier & Miller, 1995), adicto pode significar também não-dito, e é a partir daí que ele sustenta sua prática analítica com pacientes anoréxicos e bulímicos. Ele desenvolve a idéia da necessidade de os pacientes falarem sobre aquilo que não pode tornar-se dito e, em vez disso, é atuado através dos sintomas. Assim, a dimensão do ato compulsivo é uma característica mais importante do que o ato de comer ou não comer. O fazer desses pacientes parece dominar o tratamento. O dizer resume-se a uma fala sobre o corpo, a gordura, a comida e as dietas. Como conseqüência, o sujeito coloca-se fora da cadeia significante, tornando-se dependente e escravo do seu não-dizer de si, capturado num processo repetitivo e 22 destrutivo, totalmente alienado e impossibilitado de interromper este estado de coisas. A comida, as dietas, o corpo e o peso passam a ocupar o seu pensamento, fazendo parte de sua identidade. “Como entender a transferência quando esta se apresenta além de um dizer que pode acarretar a perda da vida?” (Heckier & Miller, 1995: 30). A dimensão do fazer remete a transferência às formações do objeto. Estas de forma diferente das formações do inconsciente, impossibilitam o movimento associativo. De fato, o psicanalista, diante delas, fica fora do lugar de sujeito suposto saber. A maneira encontrada para retornar ao local do qual fora desalojado parece ser a de transformar o silêncio do objeto em um enigma para, assim, retomar o trabalho associativo. Mas como fazer essa passagem? Com esses impasses clínicos, o autor decidiu incluir nas sessões, em alguns casos, principalmente aqueles nos quais o fazer na sessão é um fazer silêncio, o uso de materiais lúdicos como papel, lápis de cor, massa para modelar e argila. Sustenta este recurso prático a partir das contribuições teóricas de Françoise Dolto (1984) em A imagem inconsciente do corpo. O autor observa que, quando as associações são interrompidas ou quando a mudez constante e uma imensa angústia impedem a fala, a introdução do fazer do paciente na sessão (desenhar, pintar ou modelar) possibilita ao sujeito, através de sua produção, articular um dizer funcionando como “suporte de seus fantasmas em sua relação de transferência” (Heckier & Miller, 1995: 34). É a imagem inconsciente do corpo, projetada em toda a representação. A imagem do corpo não é a desenhada e/ou modelada, mas aquela revelando-se no diálogo analítico sobre o material produzido. Este caminho possibilitará um movimento da clínica do fazer (gozo) para a clínica do dizer (significantemente). Esta modalidade de intervenção permite, paulatinamente, o cessar da dificuldade do sujeito de pôr em palavras o que as crises representam para ele, e isto facilita “uma passagem da pura mudez pulsional ao discurso significante” (Heckier & Miller, 1995: 34). Mas por que estes sujeitos ficam capturados nessa dimensão do fazer? Estes autores não responderam esta questão. Jeammet (1993) indica que a tentativa de encontrar um objeto substituto no comportamento adictivo dessas sintomatologias configura uma organização perversa, constituindo uma defesa contra um sentimento aniquilante de dependência. Trata-se de uma organização perversa porque o objeto não é visto como uma organização independente do eu. 23 A relação com um objeto mantido no exterior protege o sujeito do vazio interno e do risco de perder este objeto-eu, sem deixar penetrar ou se desvencilhar dele. Esse é um recurso que o sujeito consegue usar para fugir de sua dependência. Nesse comportamento adictivo há uma alternância de completude e vazio. Na anorexia o sentimento de completude está ligado ao trunfo de não precisar satisfazer uma necessidade, ao contrário do que ocorre nas toxicomanias, onde há necessidade de drogas e da bulimia onde há necessidade de comida. O risco para estes pacientes é a repetição de um processo de recusa do objeto – o auto-erotismo, onde a pulsão não está dirigida para outro, satisfaz-se no próprio corpo – no sentido de ter uma relação asseguradora e de prazer. Devemos observar que este auto-erotismo tem o seu aspecto negativo – onde a busca de sensação se caracteriza por um objeto que é permanentemente introduzido e expulso. Esse mecanismo não é suportado pelo eu, que não suporta perder o objeto. A partir daí, esta busca de sensações passa a ser caracterizada por um aumento da destrutividade e se intensifica na adolescência, quando o sofrimento expresso no corpo da anoréxica se apresenta como recusa de um corpo de mulher – que diz respeito à sua relação com a mãe e, também, com a figura do pai – colado a este objeto, ausente de sua função paterna. Isto se inicia com as alterações corporais: ocorre o desenvolvimento dos seios, menstruação, quadris largos – que remetem a um assemelhar-se à mãe – o que se torna inaceitável. A anorexia e a bulimia revelam uma enorme dificuldade de diferenciação sujeito-objeto – onde, na anorexia existe o orgulho de não precisar do objeto e na bulimia a vergonha de depender dele. Para a anorexia o corpo com carne, isto é, com sexualidade e erotismo, é vergonhoso. Este corpo deve ser transformado num corpo vazio, oco, purificado de seus pecados. A bulimia traz a marca do pecado e a vergonha por tê-lo cometido. Por esta razão, no tratamento da bulimia vivencia-se mais resultados positivos, pois há uma possibilidade de o sujeito deprimir e reconhecer-se como portador de algum sofrimento psíquico. É preciso ter em mente que, na clínica com pacientes apresentando sintomatologias anoréxicas e bulímicas, o psicoterapeuta é investido da mesma força que o objeto, é atacado e solicitado constantemente, numa relação baseada no tudo ou nada. Para passar de uma clínica do fazer para uma clínica do dizer é preciso compreender este processo; senão, ao focalizar somente o comportamento alimentar, corre-se o risco de se ficar capturado pelo comportamento aditivo extremamente destrutivo. 24 Observações sobre um fragmento clínico de sujeito bulímico. Ocorreu a idéia da possibilidade de ocorrer um manejo transferencial da destrutividade simbiótica. Este fragmento nos faz pensar sobre a modalidade terapêutica e da necessidade de outros profissionais para uma importante discussão sobre o atendimento compartilhado. A paciente, Marina, é uma moça de 23 anos, dependente de uma mãe invasora e um pai muito ausente que não sabe o que a filha faz. Marina não admite as regras de sua casa, é inteligente, criativa, mas paralisada. Tem o ideal de um corpo perfeito, consome bebidas alcoólicas sem limite, sofre de insônia, come e vomita até chegar à exaustão. Dorme durante o dia e deixa de cumprir seus compromissos. Seu pai, quando está em casa, não conversa com ela sobre suas vidas, fica o dia todo em frente ao computador. Já com a mãe, ela fala sobre as suas intimidades sem pudor. Se revolta com a mãe por viver em função dela e lamentando-se da ausência do marido. O ódio pela mãe ocupa a maior parte de suas sessões e, o seu discurso deixa claro o relacionamento difícil que tem com seus pais. Marina não se deixa envolver pelo atendimento e adota um comportamento transferencial semelhante aos ataques bulímicos: ela fala sem parar, sem se ouvir, sem olhar a terapeuta. Diante desta situação a terapeuta tenta agrupar as falas da paciente e realiamentá-la. Entre palavras vomitadas, acaba dizendo-se incapaz de ser normal. Sente-se sozinha, horrível e monstruosa. Pede à terapeuta para enfrentar sua impulsividade e voracidade. Marina parece, assim, querer vincular-se ao tratamento, ao mesmo tempo que este vínculo a ameaça em demasia. Diz que se deixar de vomitar deixará de existir, pois ela é essa relação com a comida, ela se sustenta aí. Ao mesmo tempo, tem a sensação de que vai morrer se continuar vomitando todas as refeições. Marina resolve pedir uma indicação médica, alguém podendo avaliar a sua saúde, um clínico geral. Aproveitando a oportunidade a terapeuta indica um psiquiatra, profissional conhecedor dos transtorno alimentares. Marina aceita a indicação, e começa uma nova etapa em seu tratamento, parece estar mais presente, mais disposta a falar com a terapeuta sobre o que sente e pensa. Marina sofre e pensa em seu sofrimento, não mais se livra compulsivamente daquilo que a incomoda. Este é um momento muito importante no tratamento. Estar mais presente significa estar presente na transferência, seu sofrimento precisa ser acolhido e tratado. Aqui o tratamento se inicia, provocando angústia na terapeuta, angústia agora compartilhada com o psiquiatra – que cuida da insônia, da alimentação, do 25 vício. O psiquiatra representa para a paciente alguém que ela nunca teve em seus cuidados e, ao mesmo tempo, representa alguém que lhe impõe limites. O tratamento compartilhado tem, assim, a função de mediar a relação dual estabelecida transferencialmente na maioria dos casos com distúrbios de oralidade: se há lugar, os aspectos somáticos, dietéticos e psiquiátricos são assumidos por outro terapeuta. Essa forma de triangulação oferecida tem efeitos estruturantes e preserva a continuidade do tratamento nos momentos difíceis, venham eles do paciente ou do meio (Brusset, 1999: 139). Marina passa a se engajar em algumas atividades, retoma a faculdade e inicia um namoro com um rapaz muito respeitador. Atualmente ela não fala somente dos vômitos e da bulimia. Pensa na vida, na relação com os amigos, no namorado, no medo de trabalhar e ser independente. A literatura mostra como os tratamentos baseados unicamente na suspensão dos sintomas fracassam, levando a um questionamento sobre cura nesses pacientes. A posição que procura eliminar os sintomas e transformá-los num comportamento normal e ideal é perigosa, porque o ideal de cura é tão capturante quanto o corpo ideal obsessivamente almejado pelas anoréxicas e bulímicas. Para desenvolver um trabalho compartilhado é preciso superar dificuldades e preconceitos, ou seja, é preciso abrir-se ao trabalho de interlocução com ocupantes de outras posições, caso contrário criam-se verdadeiros impasses no trabalho terapêutico e, principalmente, leva-se à morte qualquer esperança de devolução. 3.4 Anorexia e Bulimia Nervosa - abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia Na concepção construtivista, os significados são construídos obedecendo às regras do processamento conceitual e processamento vivencial, neste último estando em uma condição pré-conceitual e implícita. Para o construtivismo o desenvolvimento humano é contínuo. Este desenvolvimento, por sua vez, dá-se a partir da contínua reorganização do sistema. Podemos compreender que os transtornos alimentares são decorrentes de uma desorganização na maneira como as pacientes constroem a realidade, porém, uma desorganização necessária para manter o equilíbrio, enfim, manter coerentes a maneira de pensar, sentir e agir. 26 Bulimia Nervosa – Aspectos psicológicos e tratamento em psicoterapia Os autores afirmam que paciente com BN apresentam uma auto-estima flutuante, fazendo-as acreditar que uma das maneiras de resolver os problemas de insegurança pessoal é através de um corpo bem delineado e, para alcançar seu objetivo, acabam por desenvolver dietas impossíveis de serem seguidas. Crêem que ter o controle de suas medidas lhes proporcionará uma condição de segurança emocional. As premissas psicológicas envolvidas nestas práticas de comportamento baseiam-se na idéia de que “ser magra é o mesmo que ser atraente, ter sucesso ou ser feliz”. Não é de se espantar que tais pacientes busquem algo que nem elas próprias sabem especificar. O tratamento proposto por C.N.Abreu, um dos autores deste texto, é baseado no modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia. Trata-se de uma seqüência de dezoito semanas, onde em cada semana um eixo temático é abordado, fazendo com que as pacientes consigam progressivamente reapropriar-se do controle r do manejo de sua vida emocional e, consequentemente, reorganizar seus hábitos alimentares. Anorexia Nervosa – Aspectos psicológicos e tratamento em psicoterapia A anorexia nervosa é um tipo de transtorno alimentar que, se comparado à bulimia nervosa, apresenta dimensões que requerem seriedade maior no tratamento. Em um olhar mais amplo em mais de cem estudos os autores puderam verificar que cerca de 50% das pacientes se “recuperam totalmente” (e isto quer dizer o restabelecimento do peso, a normalização dos comportamentos alimentares e o retorno da menstruação regular). Outros 30% experienciam uma recuperação parcial caracterizada por algum tipo de resíduo ou distúrbio no comportamento alimentar e pela falta de habilidade em manter o peso normal. E, finalmente, nos 20% restantes, a doença assume uma forma crônica, não apresentando qualquer sinal de remissão. Estamos diante de uma das populações mais refratárias a qualquer forma de ajuda. Nesse sentido o que se procura alcançar com as pacientes com anorexia nervosa é: a) o restabelecimento dos padrões normais de alimentação (pois 50% das anoréxicas apresentam compulsão alimentar, portanto, esta é uma das principais metas de intervenção do tratamento); b) promover uma auto-regulação do peso 27 corporal; c) reduzir (eliminando) atitudes purgativas ou mesmo restritivas para, finalmente, d) criar a motivação para a mudança (Wilson, 1993). Enquanto podemos assegurar à paciente, no tratamento da BN, que a melhora de seu quadro praticamente não tem maiores efeitos sobre o peso corporal, nos quadros de AN, não é possível oferecer tal garantia, pois este é um dos objetivos do tratamento, ao mesmo tempo em que coloca tais pacientes face àquilo que mais temem. A AN é uma doença complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do tratamento e, na melhor das hipóteses, os indivíduos com anorexia nervosa são continuamente ambivalentes na busca de tratamento. Permanecem resistentes a qualquer tipo de intervenção externa, o que contribui para um dos mais altos índices de recusa e desistência prematura do tratamento. Aqueles que permanecem em tratamento, frequentemente, não aderem às orientações e, quando aderem às primeiras intervenções, correm grande risco de recaída (Cordas, Guimarães e Abreu, 2003). 3.5 Terapia Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Alimentares Os TA sofrem influência multifatoriais, de níveis culturais, biológicos e pessoais e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) vem de encontro a esses transtornos como um método terapêutico satisfatório por ser uma intervenção objetiva, semiestruturada e focada em metas específicas; identificando e buscando a correção das dinâmicas que favorecem o desenvolvimento e manutenção de determinados comportamentos insatisfatórios, o que tem sido eficaz nos tratamentos de quadros clínicos de TA. Anorexia (AN) Focada na diminuição da restrição alimentar, a técnica de tratamento concentra-se no estabelecimento de horários regulares para alimentação e gradativamente a exposição a alimentos e situações evitadas. Ao buscar a diminuição da freqüência da atividade física, o tratamento é focalizado em orientar o paciente a envolver-se em situações que possa competir com a prática de exercícios e que beneficiem as relações inter-pessoais. 28 A abordagem do distúrbio da imagem corporal é um ponto central do tratamento de AN e se faz necessário conhecer três componentes: percepção da imagem corporal, ansiedade associada à aparência e evitação da exposição corporal; a partir daí para a diminuição da distorção da percepção corporal. São solicitados ao paciente alguns procedimentos como: desenhos feitos pelo paciente ao olhar-se no espelho e o desenho feito do ponto de vista do terapeuta para que haja a comparação e perceba-se a diferença entre ambos, proposta de uso de roupas mais justas e curtas e um trabalho que propicie uma diminuição da ansiedade aprendendo a lidar de forma saudável com eventuais. A modificação do sistema de crenças é um ponto importante no desenvolvimento de sentimentos e comportamentos do individuo, e os pacientes portadores de TA nutrem crenças disfuncionais e distorcidas a cerca de alimentação, formato corporal, peso e valores de estima pessoal. Eles associam a magreza a valores pessoais a atentam-se sempre a informações que confirmam essas crenças, desatentando-se a fatos que às questionem. A TCC emprega técnicas que levam o paciente a analisar suas crenças, encontrando dessa forma os aspectos que confirmam ou repudiam esses pensamentos. Exposição gradual do corpo, entre outras, são técnicas usadas pelo terapeuta de TCC como sujeito ativo para auxiliar o paciente na mudança de suas crenças e comportamentos. Através da abordagem da auto-estima a terapia busca levar o paciente a reconhecer seus sucessos e qualidades visando reduzir as expectativas de desempenho, modificar comportamentos ligados a relacionamentos inter-pessoais e o crescimentos da auto-estima. O programa de TCC apresenta resultados de eficácia em relação à diminuição da restrição alimentar, aumento de peso, reduzindo também dessa forma o aparecimento de pensamento difusos a cerca de alimentação e peso; o que resulta em melhora nas funções sexuais e do humor. São utilizadas técnicas de manutenção de resultados, prevendo possíveis recaídas e dificuldades que possam ser encontradas futuramente. Bulimia Nervosa (BN) Para essa patologia a TCC utiliza técnicas que visam à normalização do padrão alimentar e controle das compulsões alimentares, aborda também modificação da imagem corporal, sistemas de crenças disfuncionais e manutenção da auto-estima. 29 Controle dos episódios de compulsão alimentar e da indução de vômito: inicialmente com a ajuda do terapeuta de TCC o paciente é incentivado a ingerir alimentos que normalmente desencadeariam episódios de compulsão alimentar e vômitos e desenvolver a partir daí o uso de técnicas de auto controle para redução da ansiedade, tristeza e outros sentimentos facilitadores de ECA (episódios de compulsão alimentar) e indução de vômito. Eliminação do uso de laxantes e diuréticos: essa eliminação se dá de maneira gradual, à medida que a alimentação vai se regularizando, e é importante ressaltar ao paciente que o possível aumento de peso que se dá nessa fase deve-se a retenção hídrica e não ao aumento de gordura corporal. Modificação dos sistemas de crenças: pacientes com BN adotam regras dietéticas inflexíveis e pequenos lapsos nessa dinâmica desencadeiam um descontrole alimentar, é o mecanismo de pensamento que a TCC chama de “tudo ou nada”. Os mecanismos de modificação de crenças central, aparência e valor pessoal se dão da mesma maneira que na anorexia nervosa. A TCC tem sido avaliada como uma forma de intervenção muito satisfatória até por superar resultados alcançados com o uso de medicação isolada. No tratamento de BN tem sido apontada como eficaz na redução e remissão da freqüência da ECA, comportamentos purgativos, restrição alimentar, preocupação com peso, formato corporal, redução dos sintomas depressivos, melhora da auto-estima e interação social. A TCC considera a relação terapêutica fundamental para obtenção de melhora nos TA. O terapeuta se coloca em atitude empática em relação às dificuldades e necessidades do paciente apresentando, dessa forma, a terapia como um trabalho em equipe. Tem se mostrado mais eficaz no tratamento dos transtornos alimentares do que outras terapias consultadas, entretanto, é necessário que o trabalho seja realizado em equipe multidisciplinar, sendo necessária à associação do tratamento psicológico com outros tratamentos tais como: médico clínico psiquiátrico e nutricional. E o envolvimento familiar também é muito importante, podendo ajudar a criar uma estrutura de colaboração e facilitação de mudanças. 30 3.6 Transtornos Alimentares e os espectros do humor e obsessivocompulsivo No estudo sobre a comorbidade dos transtornos alimentares (TA) com espectros do humor e obsessivo-compulsivo existem grupos que procuram atestar que existe uma relação estreita (os lumpers) e outros que acreditam que os TA são uma entidade clínica independente (os spliters). Transtornos alimentares e o espectro dos transtorno do humor A freqüente descrição de baixa auto-estima, insatisfação corporal e elevada taxa de suicídio, entre outros achados, levou parte da literatura científica, começando por Freud, a entender os TA como parte de um suposto espectro de transtornos de humor (TH). Estudos de seguimento que não se restringem a uma mera avaliação transversal mostram que após 6 a 7 anos, apenas 14% dos pacientes apresentam diagnóstico de depressão. Outro estudo mostrou um declínio significativo nos sintomas depressivos após 3 anos de seguimento. Sendo assim, a questão que se impõe quando se estuda depressão em pacientes com anorexia nervosa (AN) é: existiriam realmente uma comorbidade de tamanha magnitude ou os sintomas depressivos seriam simplesmente secundários ao estado nutricional do paciente? Estudos clássicos mostram que quadros de desnutrição podem causar sintomas depressivos, bem como alterações neuroquímicas e neuroendócrinas. Estas alterações podem estar presentes tanto em paciente com AN como em pacientes com transtornos alimentares. A diminuição do apetite e o caos alimentar presentes na AN são provavelmente os responsáveis pela freqüente presença de sintomas depressivos em um grande número de pacientes anoréxicos. Em relação à bulimia nervosa (BN), atualmente três possibilidades explicariam a relação desses dois transtornos: 1) a BN poderia levar a um quadro depressivo secundário; 2) alguns pacientes com quadros depressivos desenvolveriam sintomas bulímicos secundários como parte de sua síndrome depressiva; e 3) esses transtornos poderiam simplesmente coexistir sem relação entre si. Assim como na AN, a diminuição do apetite, os hábitos alimentares caóticos e as alterações metabólicas são os candidatos mais prováveis para justificar a freqüente associação 31 em BN e depressão. Estudos que tentaram estabelecer uma relação temporal entre esses transtornos não oferecem resultados consistentes: enquanto em cerca de 1/3 dos pacientes o início da BN é anterior ao da depressão, em cerca de 2/3 o início da BN é simultâneo ou posterior ao início do quadro depressivo. A associação dos TA, particularmente a BN, com quadros bipolares está limitada a alguns relatos de caso. Um alerta recente em relação à comorbidade entre BN e quadros bipolares diz respeito á possibilidade de abuso de topiramato, estabilizador do humor com propriedades de causar perda de peso. Diversos estudos clínicos e biológicos sugerem existir uma grande semelhança entre os TA e os TH. Entretanto, estudos adicionais são necessários para esclarecer se os TA são uma expressão fenotípica dos TH ou se os TH pertencem a um espectro de manifestações clínicas dos TA. Enquanto os estudos revisados parecem apoiar a segunda hipótese, a experiência clínica sugere que a farmacoterapia antidepressiva deve ser iniciada na presença de história de depressão anterior ao quadro de AN, histórico familiar de quadros depressivos e persistência dos sintomas depressivos apesar do progressivo ganho de peso. Transtornos alimentares e o espectro do transtorno obsessivo-compulsivo A existência de uma relação próxima entre os TA e o TOC é reconhecida há diversos anos. Os pacientes com TA são freqüentemente atormentados por ruminações incessantes e intrusivas sobre comida e forma corporal, além de diversos comportamentos ritualizados, como a restrição da ingestão alimentar, a contagem de calorias e o exercício compulsivo. Em alguns pacientes, a alimentação se torna um ritual complexo que compreende a seleção, a compra e o preparo dos alimentos, a ornamentação dos pratos e a postura da mesa. Os pacientes podem também contar quantas vezes enchem a boca de comida ou mastigam os alimentos visando reassegurar a quantidade de alimento que ingerem. A maior gravidade dos sintomas obsessivo-compulsivos associados aos TA já foi relacionada a uma maior intensidade dos sintomas alimentares e pior prognóstico, embora ainda não exista consenso quanto a estes achados. Exames fenomenológicos, neuroquímicos, neuropsicológicos e neuroimunológicos, comparando diretamente pacientes com TA e pacientes com TOC, ainda são necessários para confirmar tais semelhanças. A existência de semelhanças clínicas e biológicas entre os TA, os TH, e os TOC é inegável. O estudos das relações dos TA com outros transtornos psiquiátricos 32 através dos modelos espectrais pode proporcionar não só um melhor entendimento da fisiopatologia destas síndromes como também a elaboração de tratamentos específicos que utilizem elementos empregados na terapêutica de outros transtornos psiquiátricos. Entretanto, o reconhecimento de que os TA possuem características peculiares e a adoção de uma postura crítica em relação a modelos excessivamente reducionistas que eliminem limites diagnósticos são também fundamentais para a evolução do conhecimento no campo do TA. 3.7 Tratamento farmacológico dos transtornos alimentares O tratamento dos transtornos alimentares (TA) geralmente exige uma abordagem multidisciplinar em que a farmacoterapia é adjuvante de abordagens psicológicas e nutricionais. Psicotrópicos são indicados para a maioria dos pacientes com TA para tratar as comorbidades e também os sintomas nucleares. O tratamento farmacológico dos TA tem mudado nas últimas três décadas. O uso de medicamentos na síndrome anoréxica baseia-se em três pontos principais: as distorções do pensamento associados aos transtornos da imagem corporal (que alguns consideram como uma forma de psicose), os sintomas depressivos associados e as alterações do apetite. Na bulimia nervosa (BN) o alvo principal da ação dos medicamentos tem sido os episódios de compulsão alimentar (ECA) e os sintomas comportamentais relacionados. Antes de prescrever um fármaco para um paciente com transtorno do comportamento alimentar o clínico deve estar afeito com as principais indicações terapêuticas, assim como com o perfil de eventos adversos dos medicamentos nesta população. Pacientes com transtornos alimentares apresentam um grande número de complicações clínicas concomitantes que devem ser consideradas antes da prescrição de um agente farmacológico. Anorexia Nervosa A consistência de resultados negativos em estudos farmacológicos sugere que o tratamento medicamentoso não proporciona nem acelera o restabelecimento do peso em pacientes hospitalizadas na fase aguda da doença. Resultados de um estudo indicam um potencial benefício da fluoxetina em prevenir recaídas de pacientes após recuperação do peso. Baseado nos resultados negativos 33 do uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) na fase aguda da NA, poderia-se especular que os antidepressivos não seriam eficazes na presença de desnutrição ou que necessitem de um tempo maior de uso para apresentar início de sua eficácia terapêutica. Estudos abertos indicam resultados positivos com a olanzapina e a risperidona. Baseando-se na experiência clínica, os ansiolíticos do tipo benzodiazepínicos tem sido recomendados, antes das refeições para tratar a ansiedade antecipatória relacionada à alimentação. Bulimia Nervosa Diversos medicamentos foram avaliados na BN, incluindo naltrexona, lítio, dfenfluramina, difenil-hidantoína, L-triptofano. No entanto, as drogas mais estudadas e frequentemente usadas são os antidepressivos. Antidepressivos Mais de vinte ensaios clínicos randomizados (ECRs) já foram completados avaliando a eficácia dos antidepressivos na BN, comparando com placebo, com psicoterapia, a eficácia de um segundo antidepressivo após falha do primeiro agente, tratamentos seqüenciais e de manutenção. Antidepressivos versus placebo Até o momento há pelo menos duas metanálises comparando antidepressivos com placebo no tratamento da BN e algumas conclusões reportadas são de que: Antidepressivos são mais eficazes que placebo na redução dos ECA e de manobras purgativas. A resposta parece ser semelhante para as diversas classes de antidepressivos. Apesar da redução nos sintomas ser importante – em trono de 60% - as taxas de remissão são cerca de 20% em média, e muito variáveis – de 0 a 68%. As taxas de abandono são altas – cerca de 35% - demonstrando que o tratamento medicamentoso isolado não é bem aceito pelas pacientes. Algumas classes de antidepressivos podem ter efeitos adversos particularmente negativos: tricíclicos (ganho de peso, boca seca, constipação); bupropiona (convulsões); IMAOs (dificuldade em seguir a dieta). Apenas um estudo avaliou a dose mais eficaz de antidepressivos: 60 mg/dia de fluoxetina foi superior ao placebo e 20 mg/dia não. Pacientes que não respondem a um antidepressivo podem responder a outro agente usado seqüencialmente. 34 A melhora dos comportamentos purgativos ocorre em paralelo à melhora dos ECA. Poucos estudos avaliaram outros aspectos da BN, tais como restrição alimentar, cognições disfuncionais, imagem corporal, ansiedade, problemas interpessoais e peso. Um estudo mostrou que a melhora dos sintomas comportamentais foi seguida por estes outros parâmetros. Não há evidências que os antidepressivos tenham um efeito favorável sobre as dietas rígidas e exageradas, que aumentam o risco de ECA. O efeito de longo prazo das medicações ainda não foi estabelecido. O tempo mínimo de tratamento é de 6 meses. Mesmo a médio prazo (4-6 meses) a interrupção precoce da medicação é acompanhada de taxas elevadas de recaída (30-45%). Estudos recentes com ISRS evidenciaram que pode haver uma redução nas taxas de recaída com o uso continuado destes agentes após resposta incial, mas as taxas de abandono observadas foram altas. Se nenhuma resposta é observada em 8-12 semanas o tratamento pode ser considerado não eficaz. É importante observar fatores que possam causar a falha terapêutica, como a não absorção completa do antidepressivo devido aos vômitos. Fatores preditivos de resposta ainda não foram identificados. Presença de depressão não é necessária para obtenção de resposta terapêutica com antidepressivos. O mecanismo pelo qual os antidepressivos exercem seus efeitos não é conhecido. Antidepressivos vs. Psicoterapia e associação de tratamentos Duas metanálises incluindo 5 estudos comparando antidepressivos com psicoterapia (todos os estudos com terapia cognitivo-comportamental) não mostraram diferenças estatisticamente significaticas entre os tratamentos, embora a superioridade da psicoterapia fosse clinicamente relevante (taxa de remissão de 39% versus 20%). Houve maior taxa de abandono no grupo tratado com medicação. As mesmas metanálises compararam a associação de psicoterapia mais antidepressivos com as abordagens isoladas. A associação proporcionou maiores taxas de remissão a curto prazo (49% versus 36%) e melhora nos sintomas depressivos quando comparada à psicoterapia isolada, porém a taxa de abandono foi maior. O topiramato é um novo agente neuro-psiquiátrico com múltiplos mecanismos de ação. Em pacientes com BN o topiramato parece reduzir a fissura por carboidratos, 35 aumentar a saciedade, estabilizar o humor e reduzir comportamentos impulsivos. Seus efeitos colaterais cognitivos, e os riscos de cálculo renal e perda de peso precisam ser mais bem avaliados em pacientes com BN. Os avanços recentes na pesquisa de novas abordagens farmacológicas para o tratamento da BN renovam as esperanças do surgimento de melhores tratamentos para os transtornos alimentares, inclusive AN. Para pacientes com BN os antidepressivos são os fármacos mais estudados e largamente utilizados como intervenção farmacológica. Idéias novas e provocativas, tais como o topiramato e o ondansetron, tem sido atualmente examinadas. Para os pacientes com NA, entretanto, a ausência de uma opção farmacológica cuja eficácia tenha sido demonstrada convincentemente é desapontadora, levando-se em conta a gravidade desta condição clínica. Novas abordagens, enfocando basicamente a prevenção de recaídas com fluoxetina e o uso dos novos agentes antipsicóticos, estão sendo avaliadas. 3.8 A comorbidade entre transtornos alimentares e de personalidade e suas implicações clínicas Definimos comorbidade a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos num mesmo indivíduo avaliado clinicamente. Em psiquiatria, as comorbidades são comuns. Alguns estudos sugerem que quase cinqüenta por cento dos pacientes psiquiátricos recebem mais de um diagnóstico (Andrade, 1988). Alguns tipos de comorbidade podem antecipar a procura pelo atendimento médico em decorrência do grande desconforto que a superposição de sintomas pode causar. Por outro lado, a presença de uma comorbidade pode, de forma direta, interferir no prognóstico da doença e no seu manejo clínico. (Cordas, 1999). Transtornos afetivos (depressivos principalmente), ansiosos (TOC), transtornos de personalidade (emocionalmente instável tipo boderline e impulsivo, histriônico e anancástico) segundo a literatura, têm grande prevalência em grupos de pacientes com transtornos alimentares, apesar da freqüência de estas patologias serem muito variáveis de trabalho para trabalho. 36 A relação existente entre transtorno de personalidade e transtornos alimentares é muito complexa e vem sendo estudada nas últimas décadas em decorrência das implicações na abordagem e no tratamento desses pacientes. Os resultados epidemiológicos encontrados são muito variados, entretanto, estes sempre mostram uma relação próxima entre os dois transtornos. Um exemplo disso é a prevalência de transtornos de personalidade encontrada na população geral, sempre menor que a encontrada em pacientes com transtornos alimentares (incluindo aqueles trabalhos onde o percentual foi muito pequeno). Métodos empregados, escalas e classificações utilizadas para a elaboração dos trabalhos (DSMIII,DSMIII-R, CID-9, CID-10) podem ser implicados como os principais responsáveis pela faixa tão larga encontrada. Trabalhos realizados anteriormente ao DSMIII ou CID-9 contêm dificuldades técnicas para a elaboração de um diagnóstico de personalidade e, para se considerarem os resultados obtidos, deve-se ter muita cautela. Um exemplo é encontrado no caso do transtorno de personalidade emocionalmente instável, tipo boderline e bulimia nervosa. Nessas classificações antigas, encontramos alguns itens sobrepostos, o que poderia, dependendo da interpretação do examinador, mostrar tendências variadas. Outro fator complicador é que, antes do DSMIII, as classificações conhecidas não eram multiaxiais. A avaliação de sintomas depressivos, principalmente naquelas pacientes com muito baixo peso ou em uso ou dependência de drogas, comorbidade muito freqüentemente encontrada nessa população, também pode influir nos resultados obtidos (Cloninger, 1999). Mesmo com o problema para elaboração de estatísticas, os transtornos de personalidade mais comumente encontrados em pacientes com bulimia são, de forma invariável, o emocionalmente instável, subtipo limítrofe, ou boderline (varia entre 14% e 83%, dependendo da metodologia empregada), o histriônico, em pacientes com anorexia nervosa boderline, e anancástico. Outros transtornos de personalidade também aparecem com porcentagens muito baixas (evitativo, dependente e paranóide). A genética de pacientes, implicação de neuro-transmissores envolvidos em comportamentos de busca (busca pela novidade), esquiva aos perigos (esquiva ao dano), dependência de gratificação e persistência (Clonninger, 1999) constituirão os traços do temperamento. Tais traços podem ser abordados de forma parcial com uso de medicações. Abordagens psicoterápicas específicas têm sido tentadas, visando ao caráter do paciente (Kernberg). 37 As relações que uma doença estabelece com outra podem ser muito variadas também e derivadas de casos crônicos. Têm sido observados inúmeros casos de transtornos alimentares surgindo em idades muito precoces. Esses pacientes “constroem” sua personalidade (marcando profundamente seu caráter e identidade) à luz de um transtorno alimentar. Quando chega ao fim da adolescência, início da idade adulta, o mesmo indivíduo pode apresentar uma forma de pensar, sentir e se relacionar muito diferente da média da população. Esse funcionamento pode perpetuar mesmo na ausência do transtorno alimentar, ser duradouro e desadaptativo. Com esse comportamento, o indivíduo pode sofrer ou fazer sofrer quem o cerca. Em outras situações, pacientes com transtornos de personalidade primários podem, por conseguinte, desenvolver transtornos alimentares (Cordas, 1999). As seguintes interpretações são possíveis diante de dois transtornos comórbidos (Francês e col., 1990): O transtorno A predispões ao transtorno B ou de alguma forma causa B; O transtorno B predispõe ao transtorno A ou de alguma forma causa A; A e B são influenciados por um fator subjacente C (predisponente ou sausal); A aparente associação de A e B é um resultado casual decorrente de serem relativamente freqüentes na amostra estudada ou por outros fatores ao acaso. Estratégias de Tratamento A estratégia de tratamento de pacientes com transtornos alimentares em comorbidade com transtornos de personalidade torna-se muito complexa e requer uma equipe multidisciplinar treinada para tal. A abordagem deve ser nutricional, psicológica e psiquiátrica. As estratégias de tratamento vão se configurando para algo muito individual, com poucas experiências grupais de sucesso. Traços anti-sociais em pacientes com transtornos de personalidade anancástico, limítrofe, ou histriônico podem comprometer de forma direta qualquer tratamento de abordagem grupal, mediante rigorosos ataques ao próprio tratamento, ou a melhoras individuais. Pacientes que melhoram podem ser vistos como “traidores”, fato muito comum em grupos de pacientes com anorexia nervosa. Os pacientes, além de necessitarem de períodos maiores de internação, tentam mais o suicídio, automutilam-se e mobilizam a equipe e outras pacientes de forma 38 maciça, despertando sentimentos variados em seus membros. Esses sentimentos e impressões devem ser discutidos em reuniões rotineiras com o supervisor experiente para que as “atuações” desses pacientes sejam minimizadas (Tyrer, 1993). Pacientes com transtornos alimentares e distúrbios da personalidade têm uma chance maior de cronificação. Mesmo que a palavra “cronificar” apresente conotação esdrúxula e malvista por alguns grupos que se dedicam à abordagem de doenças mentais, ela pode ser entendida como uma forma adaptativa nesses casos. Transtornos alimentares são doenças graves de grande morbidade. Esta morbidade, dependendo do tipo e da gravidade do transtorno de personalidade associado, pode chegar a patamares tão altos que o fato de uma paciente sobreviver em dez anos de tratamento deveria ser comemorado como uma vitória. Tornar-se crônico pode significar um sucesso. Uma paciente com medo do abandono muito acentuado e por não se sentir apta a viver sozinha, tende a cronificar-se, permanecendo por muitos anos em instituições destinadas ao tratamento de pessoas com transtornos alimentares. Assumem uma identidade de bulímica, ou de paciente com anorexia. Isso é muito notado, pois as expectativas do terapeuta são vivenciadas com grande ansiedade pelo paciente. Não raro, a paciente piora da sintomatologia e se automutila em certos momentos nos quais se sente eminentemente abandonada por uma melhora qualquer de seu estado clínico que repercurta numa atenção menor por parte de seus terapeutas. O emprego de psicofármacos nos transtornos alimentares está bem definido. Nos casos de comorbidade com os transtornos de personalidade encontramos grandes divergências. Alguns clínicos vivem indagando-se se “personalidade” é “medicável”. No caso dos transtornos de personalidade, terapêuticas farmacológicas podem, de forma direta, melhorar a impulsividade, possibilitar uma adequação melhor do afeto, reduzindo as marcantes oscilações do humor e a ansiedade. As medicações incluem neurolépticos, inibidores da captação de serotonina, noradrenalina e estabilizadores de humor (Liavesley, 2001). Martins e Sassi concluem que a comorbidade transtornos de personalidade e transtornos alimentares interfere, de forma direta, no curso e prognóstico da doença, verificando-se alto índice de suicídio, recaídas constantes e, ainda, dificuldade na elaboração de estratégias de tratamento. 39 3.9 Epidemiologia dos Transtornos Alimentares: estado atual e desenvolvimentos futuros Há um certo número de problemas recorrentes nos estudos comunitários sobre transtornos alimentares. Em primeiro lugar está a dificuldade de recrutar um número suficiente de indivíduos com anorexia nervosa. Estudos longitudinais e outros estudos também consideraram problemática (relativamente) baixa prevalência do transtorno e identificação de casos utilizando instrumentos de avaliação de boa qualidade. Os enfoques que têm sido e podem vir a ser utilizados para superar esses problemas são o aumento da amostragem de indivíduos com alto risco de transtornos alimentares (por exemplo, o estudo de Bushnell et al), o estudo de grupos diagnósticos mais amplos do que os definidos pelo DSM IV (como foi pela Price Foundation em seus estudos sobre epidemiologia genética), e a combinação com estudos maiores sobre a saúde em geral (como realizado por Garfinkel et al). Apesar desses problemas, os estudos sobre incidência e prevalência de transtornos alimentares alcançaram um consenso e, como regra, não confirmam uma incidência atual crescente, exceto possivelmente por um pequeno aumento de anorexia nervosa em mulheres jovens. A aplicação dos métodos da epidemiologia genética levou a uma maior compreensão sobre os fatores ambientais e genéticos, em comparação com os fatores sociais e econômicos, do risco do desenvolvimento de transtornos alimentares e auxiliaram no refinamento da nosologia desses transtornos. No futuro, a epidemiologia analítica poderá dar resposta a questõeschave sobre a natureza e os determinantes dos transtornos alimentares e ajudar a decidir o auxílio aos que mais necessitam, a fim de reduzir a morbidade dos transtornos alimentares na comunidade geral. 3.10 A abordagem familiar no tratamento da Anorexia e Bulimia nervosa Estudos mostram as relações familiares como parte integrante e significativa do tratamento multidisciplinar dos transtornos alimentares, especialmente da anorexia e bulimia (Cobello, Saiaki, Schomer, 2004). Ampliar nosso entendimento de como a estrutura familiar, as práticas conversacionais, os legados transgeracionais e, 40 sobretudo, a cultura alimentar específica de cada família afetam o desenvolvimento e/ou manutenção destes transtornos tem sido o grande desafio de nossa prática clínica no atendimento às pacientes e suas famílias. A partir dos anos 1950, a família passa a ser tratada, porém de forma isolada da paciente. Somente na década de 1970 é que a psicoterapia familiar incorpora-se à abordagem multidisciplinar da anorexia nervosa e também da bulimia nervosa, a partir dos trabalhos de Salvador Minuchin nos EUA e Mara Palazzoli na Itália (Minuchim, 1978). A partir de 1980, Vanderlenden e Vanderycken (1989) colocam que a segunda geração de terapeutas de família surge com os transtornos alimentares e integram elementos de vários modelos, além de utilizar, de forma mais pragmática, conceitos e estratégias advindas de diferentes escolas de psicoterapia familiar. Estrutura familiar Pode-se falar numa estrutura familiar particular tanto para a anorexia como para a bulimia? Será que existem característica significativas e que possam, com a identificação de seus aspectos intrínsecos, fazer uma diferença válida para um tratamento mais eficiente? No que tange a caracterização da família de uma paciente com anorexia ou bulimia nervosa resultaria de produtivo para a prática clínica? Estas e muitas outras perguntas vêm sendo colocadas pelos terapeutas de família envolvidos com os transtornos alimentares. Partindo de uma epistemologia sistêmica, inicialmente, mostrou-se interessante, útil e facilitador traçarmos mapas que esclarecessem os conceitos de um “organismo familiar” como uma estrutura. O grande estudioso das estruturas familiares foi e ainda é Salvador Minuchin. Segundo este autor, “o que tornava esses mapas tão úteis era o fato de nos mostrar como o comportamento de uma pessoa se relaciona à estrutura dos relacionamentos na família completa” (1995). Práticas Conversacionais Concomitantemente com o desenho da estrutura de funcionamento, ouvir o conteúdo das conversações que a família traz e compartilhar suas histórias como um membro qualquer que participa é outro grande instrumento para que o terapeuta possa penetrar na imensa e intrincada rede das relações familiares. 41 As famílias que convivem com o transtorno alimentar, como qualquer outra família que traz em seu bojo uma disfunção, encontram-se empobrecidas nas histórias que contam sobre si mesmas. Geralmente estão aprisionadas nos problemas que a anorexia ou a bulimia promovem em suas pautas conversacionais, isto por anos, às vezes, e acabam por rotular-se através desses problemas. Tais rótulos trazem o grave perigo de descarregar a “culpa” no paciente identificado, e as conversações podem ficar limitadas a um só tema – o transtorno alimentar. O indivíduo é o grande problema de quem se fala, se esconde ou se controla e que faz sofrer o restante da família. Ao longo de anos compartilhando as narrativas destas famílias, as autoras percebem as profundas dificuldades, presentes em quase todos os seus membros, acerca da aceitação da própria imagem corporal, inseguranças quanto ao valor de si mesmo perante a comunidade em que estão inseridos e a indefinição de objetivos pessoais. Em suas falas, pode-se perceber, constantemente, a intolerância para com as diferenças individuais dentro da família nuclear como um todo. Os terapeutas de família se filiam a cada grupo familiar que atendem, considerando suas histórias específicas, impregnadas dos costumes e legados transgeracionais, da cultura, seja de modo geral ou mais relacionada com o significado, e a importância do alimento e do comer. Respeitasse suas idiossincrasias, pois sabesse que cada sistema familiar é único. Partesse do pressuposto básico que todas as famílias são mais ricas em recursos do que imaginam, apenas desconhecem tal fato. Compete ao trabalho conjunto, terapeuta e família, descontruir as histórias limitantes que os transtornos alimentares lhes impôs, desenvolver o sentido de confiança para que possam compartilhar as possíveis crises que irão surgindo ao longo dos encontros e manter a luta pela mudança.Existem vários modelos de tratamento familiar, entre eles, podemos citar o Modelo Tradicional, o de Terapia Familiar Estrutural, o de Terapia Familiar Estratégica, o de Terapia Familiar Sistêmica e o Modelo Milão e Pós-Milão (Garner, Garfinkel, 1977). Entrevistas individuais com as famílias, cujo objetivo consiste em oferecer aos familiares um espaço que possibilite acolher sentimentos conflitantes como culpa, raiva, hostilidade, assim como exercer uma função de suporte à angústia e à sensação de impotência presentes na maioria das famílias nos primeiros encontros. As sessões possibilitam, também, um espaço para perguntas, dúvidas e questionamentos, oferecendo esclarecimentos centrados na conscientização da 42 família sobre a doença, seus riscos, o tratamento e a necessidade e importância da equipe multidisciplinar. Outro atendimento oferecido pelo PROTAD é o grupo psicoeducacional multifamiliar que visa a oferecer informações e esclarecimentos com respeito a diferentes aspectos da doença e do tratamento. Além deste grupo, há também um grupo psicoterapêutico para as mães dos pacientes, com orientação psicodinâmica e foco na relação mãe-filho. Na enfermaria do AMBULIM, as famílias são convocadas na primeira semana da internação. Esta abordagem é realizada uma vez por semana, com uma hora de duração. No início, o objetivo é fornecer à família orientações básicas a respeito dos transtornos alimentares, seus riscos e como lidar com eles. São avaliadas, também, a dinâmica e a interação familiar com o propósito de analisar sua relação com o transtorno alimentar. O segundo propósito é o de criar um espaço de reflexão sobre as relações familiares, desfocando da alimentação para vínculos afetivos. No Hospital Dia (HD), as pacientes permanecem no IPQ durante cinco dias por semana, das 10h às 18h. Além da atenção nutricional e psiquiátrica, as pacientes recebem vários outros procedimentos terapêuticos, sendo um deles o grupo Multifamiliar. O grupo Multifamiliar consiste em encontros semanais de duas horas de duração, com todas as pacientes internadas no HD e seus familiares. Este grupo tem como objetivo desenvolver e experienciar trocas verbais e afetivas, formar redes de sustentação para as pacientes e seus familiares e facilitar a transformação dos segredos familiares em conversação compartilhada buscando destruir estigmas e rótulos referentes aos transtornos alimentares. Esses encontros são realizados durante as 12 semanas do HD, sempre no formato de co-terapia. Acontecem, nesse período, duas reuniões com a nutricionista responsável pelo HD, uma no início e outra na penúltima reunião, com o objetivo de ampliar e refletir com as pacientes e suas famílias as principais dúvidas referentes à dieta alimentar e demais questões que circundam a alimentação. A maioria dos estudiosos dos transtornos alimentares concorda que a psicoterapia familiar abriu novas perspectivas nos tratamentos de pacientes com transtornos alimentares. O trabalho conjunto de uma equipe multidisciplinar trouxe um complemento importante ao tratamento, abordando vários aspectos e considerando o caráter multifatorial do transtorno. 43 Podesse afirmar que a família possui uma função de grande valor e de suma importância no tratamento dos transtornos alimentares. É fundamental que possamos unir família-paciente para, juntos, encontrarmos maneiras e alternativas variadas para que eles possam reconstruir e ressignificar suas vivências e, assim, libertar-se de padrões de comportamentos diferenciais e inadequados. Essas pacientes usam o corpo para cenário de suas necessidades, desejos, proibições e condenações; ao processo terapêutico caberia transformar isto em palavras e se libertar para relacionamentos mais adequados. 3.11 Manifestações precoces dos transtornos de comportamento na criança e no adolescente Os pediatras devem estar preparados e atentos para detectar precocemente um transtorno do comportamento, já que, em alguns destes transtornos, intervenções precoces podem melhorar a evolução. Transtornos alimentares Os principais transtornos do comportamento alimentar são a anorexia e a bulimia nervosa. Inicialmente, esses transtornos eram considerados próprios de mulheres jovens e brancas das camadas sociais mais altas. Nos países industrializados, essas condições têm sido observadas cedo na vida e não têm sido exclusividade de mulheres ricas e brancas, embora a ocorrência no sexo feminino seja muito maior. Essas pacientes demonstram medo extremo de ganhar peso, havendo uma distorção na imagem que têm do próprio corpo, ou seja, ainda que sejam muito magras, acham-se gordas. As pacientes com anorexia nervosa resistem em manter um peso mínimo para idade e estatura e insistem em ignorar os riscos de um peso muito baixo. Podem recorrer ao exercício físico excessivo para perder ainda mais peso. Freqüentemente, em adolescentes e mulheres, o ciclo menstrual torna-se irregular, com amenorréias prolongadas. Nas pacientes com bulimia nervosa, há compulsão por comer excessivamente durante curtos períodos, e, em seguida, para evitar o ganho de peso, induzem vômitos, usam laxantes, diuréticos, enemas, 44 medicações ou exercício físico em excesso. Essas manobras são em geral feitas em segredo, porque produzem vergonha. Na bulimia nervosa, o peso habitualmente se mantém dentro dos limites normais, o que não ocorre na anorexia nervosa. Os critérios para o diagnóstico estão bem definidos no DSM-IV4. Talvez mais do que em qualquer outro transtorno do comportamento na criança e no adolescente, a detecção precoce dos transtornos alimentares é fundamental. Evidências crescentes têm indicado que, quanto mais precoces as intervenções terapêuticas, melhor será o prognóstico em longo prazo. O pediatra deve, portanto, estar atento para detectar precocemente as primeiras manifestações desses transtornos. Nas consultas de rotina, deve averiguar os padrões alimentares em pré-adolescentes ou adolescentes e a satisfação com a aparência do corpo. Deve aferir peso e estatura e colocá-los em gráficos, já que a desaceleração na curva do peso pode ser a primeira pista para o diagnóstico. Muitas adolescentes demonstram preocupação excessiva com o peso, mas esta observação isolada não é suficiente para o diagnóstico de um transtorno alimentar. No entanto, essas adolescentes têm sete vezes mais chances de desenvolver um transtorno alimentar e devem ser acompanhadas com atenção. Sabe-se que as pacientes com transtornos alimentares tendem a esconder os sintomas de sua doença, o que pode oferecer problemas para o diagnóstico precoce. Os pais também podem negar o problema. Diante de um caso suspeito, o pediatra não deve sentir-se absolutamente seguro quando pais ou pacientes negam os sintomas. Convém destacar que, em uma parcela importante dos casos, nem todos os critérios do DSM-IV estão presentes no início, o que também não descarta a evolução para anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Perguntas simples durante a consulta podem selecionar as pacientes que necessitarão de maior atenção para um transtorno alimentar. A respeito do peso, por exemplo, o pediatra deve saber quando e qual foi o peso máximo de sua paciente, qual é o peso desejado, com que freqüência se pesa, como se sente em relação ao peso, quando começou a perdê-lo e que medidas têm sido usadas para controlá-lo. Em adolescentes, o pediatra deve saber sobre a idade da menarca e a regularidade dos ciclos menstruais. A preferência por comer sozinha, a escolha de poucos alimentos, rituais ao comer, como preferência por determinados pratos ou talheres, comer em uma ordem rígida, combinações inusuais de alimentos, a ingestão excessiva de líquidos ou mastigar gelo ou goma de mascar em excesso podem ser pistas para o diagnóstico. 45 3.12 Instrumentos para avaliação dos Transtornos Alimentares Os instrumentos para a avaliação dos transtornos alimentares (TA) surgiram com a necessidade de sintetizar os estudos destes transtornos a partir do estabelecimento e aprimoramento de seus critérios diagnósticos nas várias edições do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Internacional de Doenças (CID). Alguns destes instrumentos abramgem todo o espectro dos TA, outros são mais específicos para um ou outro transtorno isoladamente. A anorexia nervosa (AN) e a bulimia nervosa (BN), sendo transtornos de origem multifatorial, necessitam de avaliações e abordagens que contemplem os vários aspectos envolvidos em sua gênese e manutenção. Assim, a aplicação de instrumentos que avaliam as comorbidades (especialmente sintomas depressivos e ansiosos), a imagem corporal, a qualidade de vida e adequação social, além daqueles utilizados para o rastreamento ou diagnóstico do transtorno em si, será de grande utilidade para uma melhor compreensão do quadro clínico e elaboração de estratégias de tratamento mais adequadas, que poderão melhorar os indicadores de sucesso terapêutico. Há ainda muito controvérsia sobre os métodos mais adequados para a avaliação dos transtornos alimentares. De um modo geral, podemos agrupar os instrumentos de avaliação em, pelo menos, três categorias: 1) questionários auto-aplicáveis; 2) entrevistas clínicas e 3) automonitoração. Instrumentos auto-aplicáveis Os questionários auto-aplicáveis são fáceis de administrar, eficientes e econômicos na avaliação de grande número de indivíduos. Vários deles apresentam propriedades psicométricas adequadas e permitem aos respondentes revelar um comportamento que, por considerarem vergonhoso, poderia deixá-los relutantes numa entrevista face-a-face. Alguns fornecem uma medida da gravidade do transtorno alimentar, podendo ser utilizados na avaliação de mudanças ao longo do tratamento. Entretanto, muitos conceitos são difíceis de avaliar com exatidão, quando se utiliza um questionário auto-aplicável. Os instrumentos auto-aplicáveis mais utilizados são: 46 Eating Attitudes Test – EAT. Apresenta-se em duas versões: uma com 40 itens, e outra menor, com 26 itens; esta última traduzida para o português e em processo de validação – Teste de Atitudes Alimentares. É utilizado para o rastreamento de indivíduos suscetíveis ao desenvolvimento de AN e BN. O teste indica a presença de padrões alimentares anormais, mas não revela a possível psicopatologia subjacente. Eating Disorder Inventory – EDI. O EDI é um instrumento amplamente utilizado, com propriedades psicométricas bem estabelecidas em estudos de confiabilidade e validade. É composto por 64 itens que avaliam as características psicológicas e comportamentais comuns à AN e à BN. Consiste em oito subescalas, três das quais avaliam os aspectos psicopatológicos específicos dos TA (ímpeto para a magreza, insatisfação corporal e bulimia). As outras cinco avaliam os aspectos psicopatológicos gerais observados em pacientes com TA. Apresenta uma versão revisada EDI-2 que, além dos itens da escala original, contém mais três subescalas (asceticismo, regulação do impulso e insegurança social), totalizando 91 itens. Há uma versão do EDI para crianças (KEDS). Pode ser utilizado para o rastreamento de indivíduos em alto risco para o desenvolvimento de um TA. Em pesquisa clínica, pode ser útil como medida de desfecho e como indicador prognóstico em estudos de tratamento. Eating Disorder Examination versão questionário – EDE-Q. Foi desenvolvido como uma versão auto-aplicável do Eating Disorder Examination em formato de entrevista. É constituído por 41 itens e o seu resultado é apresentado em quatro subescalas: restrição alimentar, preocupação alimentar, preocupação com a forma corporal e preocupação com o peso. As subescalas dos dois instrumentos (EDE-Q e EDE) estão altamente correlacionadas, e sua validade e confiabilidade bem documentadas. É um instrumento útil para o rastreamento dos TA. Binge Scale – BS. Foi o primeiro questionário desenvolvido para avaliar episódios de compulsão alimentar periódica (CAP) segundo os critérios do DSM-III. Foi proposto como instrumento de rastreamento para BN em populações de alto risco. 47 Bulimia Test – BULIT. Contém 36 itens desenhados numa escala múltipla escolha de cinco pontos para detectar, na população geral, indivíduos com BN (escore ≥ 102) e em risco para bulimia (escore ≥ 88 e ≤ 101). Bulimic Investigatory Test, Edinburgh – BITE. Este questionário foi desenvolvido para o ratreamento e a avaliação da gravidade da BN e apresentou propriedades psicométricas adequadas no estudo original. Fornece os resultados em duas escalas: uma de gravidade e outra de sintomas. Escore ≥ 20 indica comportamento de compulsão alimentar com grande possibilidade de bulimia; escore entre 10 e 19 sugere padrão alimentar não usual, necessitando avaliação por uma entrevista clínica. Foi traduzido para o português – Teste de Avaliação Bulímica de Edinburgh – e está em processo de validação. Questionnare on Eating and Weight Patterns – QEWP. Foi especificamente desenvolvido para fornecer o diagnóstico do TCAP de acordo com os critérios do DSM-IV, tendo sido posteriormente revisado para atender integralmente às propostas estabelecidas no manual, passando a ser denominado QEWP-R. É composto de 28 questões sobre episódios de CAP, indicadores de perda de controle no comer, métodos compensatórios de controle do peso, história de peso e dieta, grau de preocupação com peso e o corpo e dados demográficos básicos. Pode ser administrado em forma de entrevista, quando estão é lido para o respondente. Está indicado para o rastreamento do TCAP na população geral e para distinguir BN purgativa e BN não purgativa. Pode também ser aplicado em amostras de pacientes, porém, o diagnóstico do TCAP deverá ser confirmado por uma entrevista clínica. Há uma versão em português – Questionário sobre Padrões de Alimentação e Peso – Revisado, em processo de validação. Entrevistas Clínicas Quanto às entrevistas clínicas, a mais utilizada, validada e considerada padrão-ouro para transtornos alimentares é a Eating Disorder Examination – EDE. O EDE é uma entrevista clínica semi-estruturada que fornece avaliações descritivas da gravidade da psicopatologia específica dos transtornos alimentares e gera diagnóstico de acordo com os critérios DSM-IV. Deve ser aplicada por um entrevistador treinado e pode ser utilizada tanto em estudos populacionais quanto em pesquisa clínica. A 48 avaliação abrange o período de quatro semanas que precede a entrevista. Quando utilizada para fins diagnósticos, o período é estendido para seis meses. O resultado é apresentado em quatro subescalas: restrição alimentar, preocupação alimentar, preocupação com a forma corporal e preocupação com o peso. Na entrevista, diferentes formas de excesso alimentar são identificadas: compulsão alimentar periódica objetiva ou subjetiva, com ou sem perda do controle. O instrumento, em vários estudos, apresentou bons índices de confiabilidade e validade. Porém, em muitas situações, seu uso não é viável, uma vez que sua aplicação é demorada e requer entrevistadores treinados que tenham uma compreensão ampla dos conceitos que estão sendo avaliados e que sejam treinados não apenas na técnica de aplicação da entrevista, mas também nos conceitos e regras de pontuação que norteiam o instrumento. Structured Clinical Interview for DSM-IV – SCID-I/P - Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV. Esta entrevista pode ser uma alternativa à EDE, até que esta esteja traduzida e validada no nosso idioma. É considerada uma entrevista padrão para a verificação dos diagnósticos psiquiátricos, segundo o DSM-IV, e amplamente utilizada em pesquisa psiquiátrica. Pode escolher aplicar apenas o módulo de maior interesse diagnóstico. Instrumentos de automonitoramento Diários Alimentares: o automonitoramento consiste de diários alimentares nos quais os pacientes anotam a ingestão alimentar diária (hora do dia e local, quantidade e qualidade dos alimentos sólidos e líquidos), geralmente no período de uma semana. É também solicitado ao paciente que registre seus afetos, cognições e mecanismos compensatórios relacionados à alimentação. É uma técnica bastante utilizada na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para identificar situações que serão o foco das intervenções, objetivando mudanças no comportamento alimentar. Pode ser utilizada também em pesquisas sobre desfechos de tratamento e avaliações clínicas, tendo a vantagem de evitar um possível viés de memória. Entretanto, o próprio automonitoramento pode resultar em efeito terapêutico, influenciando a freqüência e a natureza dos episódios de CAP, merecendo interpretação cuidadosa nos estudos em que for utilizado. As dificuldades com os diários incluem a falta de aceitação por parte dos pacientes e a incerteza quanto à fidedignidade das anotações – ou porque 49 não anotariam imediatamente após o próprio impacto emocional do episódio dificultaria as anotações. Instrumentos para a avaliação de outros aspectos relacionados aos transtornos alimentares Imagem Corporal Body Shape Questionnaire – BSQ. O BSQ é uma escala Likert com 34 itens autopreenchíveis construída para mensurar, nas últimas quatro semanas, a preocupação com a forma corporal e com o peso, especialmente a freqüência com que indivíduos com e sem TA experimentam a sensação de se “sentirem gordos”. O BSQ fornece uma avaliação contínua e descritiva dos distúrbios da imagem corporal em população clínica e não clínica e pode ser utilizado para avaliar o papel deste distúrbio no desenvolvimento, na manutenção e na resposta ao tratamento da AN e da BN. O instrumento tem demonstrado bons índices de validade discriminante e concorrente e boa confiabilidade teste-reteste, bem como adequada consistência interna. Há uma versão em português, ainda não validada – Questionário de Imagem Corporal – Versão para mulheres. Body Dissatisfaction Scale – BDS of the Eating Disorders Inventory. Esta subescala do EDI avalia crenças relacionadas a partes específicas do corpo, como a crença de que as coxas, o quadril ou as nádegas são muito grandes. Tem mostrado correlação estatisticamente significativa com outras medidas de distúrbio da imagem corporal. Controle sobre o comportamento alimentar Three-factor eating questionnaire – TFEQ. É um instrumento autopreenchível, com propriedades psicométricas estabelecidas, também chamado Eating Inventory. Contém três subescalas que avaliam três dimensões do comportamento alimentar: restrição cognitiva, desinibição e fome percebida. Esses aspectos são importantes para um melhor entendimento do distúrbio do comportamento alimentar associado aos TA e à obesidade. Sua utilização, na prática clínica, auxilia a definição da intervenção terapêutica mais adequada a cada paciente. 50 Psicopatologia geral Beck Depression Inventory – BDI. Instrumento de auto-avaliação de sintomas depressivos, amplamente utilizado em pesquisa e em clínica. Apresenta uma versão em português – Inventário de Depressão de Beck – cujo estudo de validação demonstrou adequadas propriedades psicoterápicas. Symptom Checklist – SCL-90. Utilizado como índice de gravidade global, é um instrumento autopreenchível que avalia sintomas de ansiedade, depressão, hostilidade, ideação paranóide, somatização e outros. Adequação social A interferência dos TA na qualidade de vida dos pacientes foi apontada em vários estudos. Em um estudo recente, Gonzáles et al observaram que a qualidade de vida dos pacientes com TA é pior do que a da população geral de mesma idade e sexo e semelhante à de pacientes com outros diagnósticos, tais como depressão, esquizofrenia e pânico. A adequação social integra múltiplos fatores que interferem no comportamento do indivíduo frente às situações da vida cotidiana. O desempenho do indivíduo é considerado adequado quando está de acordo com os padrões de seu grupo de referência social, educacional, etário e cultural. Entre os instrumentos que avaliam ajuste social, destaca-se: Social Adjustment Scale – Self Report – SAS-SR. Esta escala consta de 42 questões auto-preenchíveis e permite uma avaliação individual de sete áreas específicas: trabalho, vida social e lazer, relação com a família, relação marital, relação com os filhos, vida doméstica e situação financeira. Os itens avaliam aspectos do desempenho, a qualidade das relações interpessoais e os sentimentos e satisfações pessoais, em relação às duas semanas anteriores à pesquisa. Foi traduzida para a língua portuguesa e validada – Escala de Adequação Social – EAS. A avaliação dos TA deve abranger não apenas os aspectos psicopatológicos específicos destes transtornos, mas também outros aspectos como, por exemplo, os sintomas psicopatológicos gerais e distúrbios da imagem corporal que, na maioria das vezes, contribuem para a manutenção do transtorno e dificultam seu tratamento. 51 A proposta aqui apresentada pretendeu fornecer um painel do atual estágio em que se encontram os instrumentos de avaliação dos TA no Brasil e sugerir um protocolo psicométrico tendo por base esta realidade. 52 4.Metodologia Para a realização desta pesquisa foi adotado o delineamento de levantamento e como método foi utilizado o levantamento bibliográfico. Adotamos como material de apoio: levantamento bibliográfico de diversas origens: livros, jornais, revistas, notas fornecidas por amigos, mecanismos de busca na internet, endereços virtuais científicos, trabalhos científicos, teses, enfim, usamos um levantamento documental e todas as informações que chegaram até nós com relação ao nosso tema e problema foi estudado e aproveitado em nossa pesquisa. Utilizamos como variáveis os termos anorexia e bulimia. 53 5. Resultados Com esta monografia pudemos concluir o nosso intento, que era reunir em um mesmo local informações concernentes ao nosso tema. Com base nesta monografia queremos poder levar ao conhecimento das pessoas através, por exemplo, de congressos, todo o conhecimento a que pudemos ter acesso. 54 6. Conclusão Completamos com êxito nosso projeto. Pudemos encontrar importantes informações que falam sobre a história da anorexia e da bulimia e sobre pontos importantes, tais como: a distorção da imagem corporal, tratamentos psicoterapêuticos mais adequados, comorbidades mais encontradas, o papel da família no tratamento – que deve ser acompanhado por equipe multidisciplinar para uma melhor evolução clínica, dentre outras questões que levam a um melhor conhecimento deste campo que tem sido muito comentado na mídia em virtude da inserção do tema em canal de comunicação televisivo em horário nobre. É para nós muito gratificante saber que muitas pessoas poderão, através deste trabalho, ter acesso – de forma prática e rápida – a informações importantes sobre a Anorexia e a Bulimia. O primeiro passo foi dado. Nosso novo intento, agora, é ter oportunidades de expor este trabalho e poder levá-lo ao conhecimento de pessoas carentes de informações sobre o tratamento destes distúrbios. 55 Referências ABREU, C.N.; CANGELLI FILHO, R. Anorexia nervosa e bulimia nervosa: abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia. Rev. Psiquiatr. Clín., São Paulo, v. 31, n. 4, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010160832004000400010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 mar. 2006. APPOLINARIO, J.C.; BACALTCHUCK, J. Tratamento farmacológico dos transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 24, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462002000700012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 mar. 2006. BALLONE, G.J. Transtornos alimentares em adolescentes. In Psiq Web. Disponível em: <http//sites.uol.com.br/gballone/alimentar/alimentar2.html> Acesso em: 28 abr. 2003. BLEULER, E. Tratado de psiquiatria. Madrid: Espasa-Calpe, 1967. 9. 568 CAMPOS, L.F.L. Métodos e técnicas de pesquisa em psicologia. São Paulo: Alínea, 2001. COBELO, A.W.; SAIKALI, M. O.; SCHOMER, E.Z. A abordagem familiar no tratamento da anorexia e bulimia nervosa. Rev. Psiquiatr. 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