57 O QUE É ETNOCENTRISMO? ROCHA, Everardo. O que é

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Caderno Discente do Instituto de Ciências Jurídicas – Ano 1, n. 1 – Aparecida de Goiânia – 2011
O QUE É ETNOCENTRISMO?
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção
Primeiros Passos, 124)
Adjane Marione Vieira Silva*
Everardo Rocha é Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ.
Mestre em Comunicação pela Escola de Comunicação da UFRJ e Mestre em Antropologia
Social pelo Museu Nacional da UFRJ. Graduado em Comunicação Social pela PUC-Rio. É
professor universitário há vinte anos, lecionando em cursos de graduação e pós- graduação.
Publicou vários artigos e diversos livros entre os quais se destacam “O que é mito”,” Magia e
capitalismo: um estudo antropológico da publicidade”, “Palmares: mito e romance da utopia
brasileira”, “O que é etnocentrismo” e “A sociedade do sonho: comunicação, cultura e
consumo”.
O livro é constituído de cinco partes, que nos expõe exemplos de etnocentrismo no
mundo, nos mostrando que algo que faz sentido em uma determinada sociedade pode ser
insignificante em outra. Cada uma das partes é de responsabilidade do autor, traduzindo sua
experiência e fundamentação sobre o etnocentrismo, em abordagens que se complementam.
Ao ler o livro “O que é etnocentrismo”, obra de Everardo P. Guimarães Rocha, o que
mais nos impressiona é a contemporaneidade do tema que aborda. Desde as relações mais
simples que vivenciamos em nosso dia-a-dia, às grandiosas relações internacionais das quais
temos notícias nos telejornais, desde nossas relações mais íntimas às relações que traçam a
história da humanidade, o etnocentrismo se mostra latente.
Quem nunca questionou a criação dos filhos dos vizinhos: - Porque meus filhos têm
horário para comer, meus filhos têm horários para dormir. Já os filhos do vizinho... Não têm
limites! Quem nunca se pegou em conflito num simples relacionamento amoroso, traçando as
diferenças do “outro” como abusivas, imperdoáveis, inaceitáveis, frutos de uma forma
diferente de viver. E a entrada dos Estados Unidos no Iraque? E a colonização do Brasil pelos
portugueses, reduzindo a cultura dos índios a quase nada? Reside justamente nisso o
etnocentrismo.
Etnocentrismo é fenômeno que mistura tanto elementos intelectuais e racionais quanto
elementos emocionais e afetivos. Nos dizeres de Everardo, “no etnocentrismo, estes dois
planos do espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno
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não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente
encontrável no dia-a-dia das nossas vidas”.
A partir do etnocentrismo, o grupo ao qual pertencemos julga aqueles que pertencem a
outro grupo sob o prisma de nossos valores, nossa cultura, nossas acepções. Entendemos
nosso modo de agir, de pensar, de vestir como a forma correta, enquanto a do outro é
estranha, louca, absurda.
Este fenômeno não se verifica apenas em uma única época, ou apenas em uma
sociedade. Como lembra o autor, o etnocentrismo é quase que uma unanimidade. Esteve
presente tanto no século XVI, quando da descoberta “Do novo mundo”, quanto se encontra
presente hoje, no século XXI, quando o tema são os homossexuais, por exemplo. Percebe-se
tanto no trato dos índios para conosco, quanto em nosso trato para com eles. É problema,
portanto, de toda uma nação, seja de que época for.
Nos preocupamos, contudo, com o etnocentrismo em nossa sociedade, porque este
vem marcado por violência. Subjugamos o outro e o tornamos algo incapaz, inclusive, de
dizer algo sobre si mesmo. Colonizamos, colocamos o etnocentrismo como motivo para
dominar outras culturas usando até mesmo a força para tanto.
Daí a importância da Antropologia Social. Esta ciência vem para estudar as diferenças,
colocando-as não como erradas ou inviáveis, mas sim como alternativas, como contribuição
ao patrimônio da sociedade. O etnocentrismo não pode prevalecer, de forma que a ele se
contrapõem outras ideias, como o relativismo, o qual percebe que as verdades da vida são
menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição. Relativizar é ver o
“outro” sob o ponto de vista de seus próprios valores e não sob o nosso ponto de vista.
A Antropologia, hoje, após passar por inúmeras modificações, reflete justamente essa
ideia: vislumbra o mundo como complexo e relativo. As diferenças devem ser vistas como
alternativas, como generosidade, como escolhas, e não como forma de subjugar culturas,
impor modelos de vida, dominar povos inteiros, de colonizar. Exorciza-se o etnocentrismo.
Nem sempre, contudo, foi assim. A antropologia passou por diversos estágios até
chegar onde chegou. A começar pelo Evolucionismo, segundo o qual as sociedades eram
vistas como objetos em crescente progressão, desenvolvendo-se ao longo do tempo. Nesse
ponto, os estudiosos preocupavam-se em vislumbrar o passado de cada sociedade, a qual
passaria de primitiva a uma efetiva civilização na medida em que sua cultura (leis, moral,
costumes, artes, conhecimentos) ia se aprimorando.
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Contribui com o estudo, visto que passa a entender o “outro” como membro da
humanidade. Continuava sendo, contudo, uma visão do “eu” acerca do “outro”, uma visão do
outro a partir do nosso próprio conceito ocidental de cultura. Exemplifica Everardo: seria o
mesmo que o homem pensar, ao perder um cavalo, aonde este teria ido. O homem nunca
acharia: não pensa como um cavalo, mas como um homem.
Assim é que, mais tarde, Franz Boas percebe que existem inúmeras culturas. Cada
civilização, em razão de sua língua, de sua localidade, de seus hábitos, se desenvolve de
forma diferente, ocasionando culturas diferentes. O nosso conceito ocidental de cultura não
poderia ser levado em consideração na aferição de todos os grupos sociais.
Embora tenha contribuído e muito com o avanço de tal ciência, Franz tornou as coisas
ainda mais complicadas: como estudar o “outro” perante a existência de tantas culturas
diferentes? Diferentes atores, cenários, enredo. A história da passagem do etnocentrismo à
relativização assume contornos insuspeitados. Alguns nomes fundamentais para a vida da
disciplina fazem sua entrada aqui. Durkheim, Malinowski, Radcliffe-Brown são pesos
pesados dentro da Antropologia e das Ciências Sociais em geral.
Da mesma forma que não foi fácil, dentro da antropologia, alcançar-se o
funcionalismo, superando-se o etnocentrismo, abandonando a visão histórica do outro,
esquecendo o passado de cada sociedade, é difícil para que cada um de nós realize esta mesma
superação.
Precisamos nos livrar de nossos preconceitos, de nossas concepções acerca do que é
certo e do que é errado, ainda mais perante as funções que pretendemos ocupar: advogados,
juristas, doutrinadores. Tomemos como exemplo recente decisão do Supremo Tribunal
Federal segundo a qual os homossexuais passaram a configurar casos de união estável. Isto é
abandonar a visão do “eu” de nossa sociedade ainda machista, para vislumbrarmos o “outro”
diante de seus próprios valores, aceitando as diferenças como escolhas, alternativas e
generosidade.
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