Implante Coclear e Meningite - estudo da percepção de fala com

Propaganda
Implante Coclear e Meningite - estudo da percepção de fala com amostras
pareadas
Descritores: implante coclear, meningite, percepção de fala.
Introdução:
O Implante Coclear (IC) é um dispositivo capaz de restaurar funcionalmente o sistema
sensorial auditivo. Apesar de garantir a percepção dos sons e a capacidade de detecção de fala em
intensidade próxima à audição normal, clinicamente observam-se diferenças de desempenho em
testes de discriminação e reconhecimento de fala entre os indivíduos implantados1.
A meningite bacteriana é uma das causas freqüentes de surdez no Brasil. Em alguns casos,
há a possibilidade de lesão estendida a fibras neurais e ao tronco encefálico, além das células do
gânglio espiral, o que poderia comprometer o processamento dos sons, prejudicando a discriminação
da fala2-4.
Objetivo:
Verificar o desempenho de usuários de Implante Coclear multicanal com surdez pós-meningite
e por outras etiologias em testes de reconhecimento de fala em apresentações aberta e fechada.
Método:
Ao que se refere aos aspectos éticos, o estudo foi retrospectivo (coleto em banco de dados),
tendo sido autorizado pelo responsável.
Estudo clínico com amostra pareada.
Participaram do estudo indivíduos de ambos os sexos usuários de IC modelos Nucleus 22 e
Nucleus 24 em adaptação monoaural.
Para evitar viés, a amostra escolhida foi selecionada com o tempo de um ano de uso do IC
para evitar indivíduos em fase de adaptação com os programas iniciais do dispositivo. Esta, ainda, foi
formada por indivíduos pós linguais para que o domínio da língua, diferenças de método terapêutico
ou a idade, não influenciassem no desempenho nos testes.
Os indivíduos foram pareados em dois grupos: Grupo I (surdez pós-meningite) e Grupo II
(surdez por outras etiologias) de acordo com sexo, idade (variação máxima de ± 1 ano), tempo de
surdez (variação máxima de ± 1 ano) e tempo de uso do dispositivo.
Os critérios de inclusão na amostra foram:
•
Surdez de caráter pós-lingual;
•
Uso efetivo do IC por, pelo menos, um ano;
•
Possuir exames de imagem comprovando a inserção adequada do feixe de eletrodos e
teste de impedâncias normais em todos os modos de estimulação.
O critério de exclusão foi:
•
Indivíduos com média dos limiares tonais de 500Hz a 4000Hz, com média dos limiares
maior do que 40dBNA, um ano após o IC.
Do total de pacientes implantados com surdez pós-meningite, 25% não puderam entrar na
amostra por apresentarem limiares acima do estabelecido (melhor que 40dBNA), enquanto apenas
3% dos indivíduos com surdez por outra etiologia foram excluídos. Os grupos foram constituídos de
26 indivíduos cada (N total = 52).
A avaliação da percepção de fala foi realizada com base no Protocolo Latino-Americano para
avaliação de IC, sendo utilizados testes de reconhecimento de fala em apresentação somente
auditiva (sem o apoio de leitura labial ou gestos). Os testes utilizados em apresentação aberta foram:
Identificação de Sentenças5, Reconhecimento de Monossílabos6 e Consoante medial7. O teste
utilizado em apresentação fechada foi de Detecção e Discriminação de Vogais8 (as vogais são
apresentadas na combinação consoante/vogal/consoante).
O desempenho dos indivíduos foi medido em porcentagem de acerto por teste. Todos os
testes foram aplicados após 12 meses da data da ativação do dispositivo.
A análise estatística foi realizada por meio do teste de Wilcoxon para amostras pareadas.
A tabela 1 apresenta os dados demográficos da amostra estudada:
Tabela 1 – Dados demográficos referentes aos indivíduos do Grupo I e Grupo II. (N = 26 em
cada grupo. N total = 52).
GRUPO I
GRUPO II
Sexo Masculino (número absoluto)
14
12
Sexo Feminino (número absoluto)
12
14
Idade na Cirurgia (média em anos)
30,5
32
Tempo de surdez (média em anos)
12,6
10,7
Limiares tonais *
34,12
*Média dos limiares de 500Hz a 4000Hz (BIAP, 2004)
28,7
9
Resultados:
Embora o critério de inclusão tenha sido a média dos limiares tonais com o Implante Coclear
melhor que 40dBNA, os resultados mostraram haver diferença estatisticamente significante entre os
Grupos I e II nas freqüências de 1000Hz e 2000Hz, como mostra a Tabela 2.
Tabela 2 – Resultados dos limiares tonais por freqüência do Grupo I e do Grupo II expressos
em mediana e intervalo interquartil (25% - 75%).
GRUPOS
Grupo I
Grupo II
(n = 26)
(n = 26)
p(valor)
500Hz
40 (40-45)
32,5 (32,5-41,2)
0,07
1000Hz
40 (40-45)
30 (30-36,2)
0,03*
2000Hz
35 (35-40)
22,5 (22,5-35)
0,004*
4000Hz
32,5 (32,5-40)
25 (25-35)
0,089
Limiar Tonal
p(valor): Teste Wilcoxon para amostras pareadas.
*: Resultado significante (p<0,05)
A figura 1 mostra os resultados dos testes de reconhecimento de fala em apresentações
aberta e fechada para cada um dos grupos.
Figura 1: Boxplot dos resultados de cada teste de reconhecimento de fala em apresentações
aberta e fechada (em %), sendo o Grupo I representado em azul e o Grupo II em verde. Cada caixa
apresenta a mediana, quartis e valores extremos dentro de uma categoria. “Outliers” estão
representados como círculos e asteriscos. Valores de p obtidos do teste Wilcoxon para amostras
pareadas.
Discussão:
A meningite é uma causa comum de deficiência auditiva neurossensorial profunda adquirida10,
e por este motivo foi tema de interesse do presente estudo.
Foram critérios de exclusão, indivíduos com média dos limiares tonais de 500Hz a 4000Hz,
superior a 40dBNA para garantir o acesso aos sons da fala11. Utilizando estes critérios, no momento
da seleção da amostra já houve diferença entre os grupos considerando-se que 25% dos indivíduos
com surdez pós-meningite apresentaram limiares superiores aos da seleção, mostrando assim, que
estes mesmo com o IC podem não alcançar acesso aos sons de fala.
A amostra selecionada mostrou diferença estatisticamente significante entre os grupos nas
freqüências de 1000Hz e 2000Hz. Esta diferença levanta a hipótese de que pacientes com surdez
pós-meningite podem possuir menos fibras neurais funcionais restantes, levando a um maior prejuízo
na detecção de sons. Há autores que referem que as infecções por meningite afetam não somente as
células sensoriais, mas também os componentes neurais do sistema12.
Todos os testes de fala apresentaram diferença estatisticamente significante entre os dois
Grupos estudados. Estes achados corroboram os resultados de um estudo longitudinal que, ao
avaliar crianças usuárias de IC com surdez pós-meningite e por outras etiologias verificaram pior
desempenho naquelas com surdez pós-meningite3. Em estudos realizados com adultos com surdez
pós-lingual causada por meningite e outras etiologias, também foi encontrado pior desempenho em
testes de percepção de fala em indivíduos com surdez pós-meningite2,13. Em outro estudo14 não
houve diferenças estatisticamente significantes quanto ao reconhecimento de fala entre o grupo de
crianças com surdez pós-meningite e o grupo de crianças com surdez por etiologias diversas,
implantadas no período pré-lingual. Há que se considerar que, em crianças pré-linguais outros fatores
influenciam os resultados como o método de reabilitação, a estimulação recebida, entre outros.
Autores relataram a hipótese de pacientes adultos com surdez pós-meningite possuir menor
população de células no gânglio espiral devido às características da lesão no sistema auditivo que
ocorrem após a meningite e que o tempo de surdez seria fundamental para essa degeneração2.
O grau de sobrevivência neural pode ser considerado um fator importante para a habilidade
em processar os estímulos de fala. Dessa forma, a determinação mais precisa de estruturas neurais
eletricamente estimuláveis seria de grande utilidade, já que se supõe que a sobrevivência de células
ganglionares e outros elementos da via auditiva central possam ser uma das causas para a
variabilidade do desempenho no reconhecimento de fala encontrada entre os indivíduos
implantados15.
Diante dos resultados observados neste estudo e da literatura existente, outras investigações
são necessárias para identificar as causas das diferenças encontradas no desempenho da percepção
de fala em pacientes usuários de IC com surdez pós-meningite.
Conclusão:
Os indivíduos usuários de Implante Coclear com surdez pós-meningite, após um ano de uso
do dispositivo, apresentaram resultados nos testes de reconhecimento de fala em apresentações
aberta e fechada significantemente inferiores aos indivíduos com surdez por outras etiologias com o
mesmo período de uso.
Referências Bibliográficas:
1. Bento RF, Brito Neto RV, Castilho AM, Gomez MVSG, Giorgi SB, Guedes MC. Resultados auditivos
com o implante coclear multicanal em pacientes submetidos a cirurgia no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Rev. Bras. Otorrinolaringol 2004, 70(5): 6327.
2. Blamey P, Arndt P, Bergeron F, Bredberg G, Brimacombe J, Facer G, et al. Factors affecting
auditory performance of postlinguistically deaf adults using coclhear implants. Audiol Neurootol
1996, 1(5): 293-306.
3. El-Kashlan HK, Ashbaugh C, Zwolen T, Telian AS. Cochlear implantation in prelingually deaf
children in ossified cochleae. Otol Neurotol 2003; 24(4): 596-600.
4. Gantz BJ, Tyler RS, Tye-Murray N, Fryauf-Bertschy H. Long-term results of multichannel cochlear
implants in congenitally deaf children. Proceedings of the 3rd International Coclhear Implant
Conference. Innsbruck, Austria. April, 1993.
5. Costa MJ, Iorio MCM, Mangabeira-Albernaz PL. Desenvolvimento de um teste para avaliar a
habilidade de reconhecer a fala no silêncio e no ruído. Pró-fono 2000; 12(2): 09-16,.
6. Pen MG, Mangabeira-Albernaz PL. Lista de monossílabos para discriminação vocal. In:
Mangabeira-Albernaz PL, Ganança MM (ed.). Surdez Neuro-sensorial. São Paulo: Editora Moderna;
1976.
7. Gomez MVSG. Lista de palavras para percepção auditiva em apresentação fechada. São Paulo
Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Universidade de São Paulo, 1999 (Relatório Técnico).
8. Behlau MS, Pontes PAL, Ganança MM, Tosi O. Análise espectrográfica de formantes das vogais do
português brasileiro. Acta AWHO, 7(2): 74-85, 1988.
9. BIAP - Bureau internacional d'audiophonologie: recomendaciones. Rec 02/1 Classificación de las
deficiencias auditivas. 2004. Disponível em http://www.biap.org
10. Green JD, Marion MS, Hinojosa R. Labyrinthitis ossificans: histopathologic consideration for
cochlear implantation. Otolaryngol Head Neck Surg, 1991; 100:712-6.
11. Behlau M, Russo ICP. As pistas acústicas das vogais e consoantes. In: Behlau M, Russo ICP.
Percepção da fala: análise acústica. Editora Lovise, 1993.
12. Wellman MB, Sommer DD, McKenna J. Sonsorioneural hearing loss in postmeningitic children. Otol
Neurotol 2003; 24 (6): 907-12.
13. Guedes MC. Telemetria de resposta neural: repercussões dos fatores etiológicos e no
reconhecimento de fala após o implante coclear [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo; 2007.
14. Bevilacqua MC, Moret ALM, Costa Filho OA, Nascimento LT, Banhara MR, Implantes cocleares em
crianças portadoras de deficiência auditiva decorrente de meningite. Rev. Bras. Otorrinolaringol,
2003; 69( 6 ):760-4.
15. Ferrari DV. A telemetria de respostas neurais para registrar o potencial de ação composto
eletricamente evocado do nervo coclear em crianças usuárias de implante coclear multicanal [tese].
São Paulo: Instituto de Psicologia. Neurociências e Comportamento da Universidade de São Paulo;
2003.
Download