Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Formação de Conselheiros Nacionais Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais Edgar Jose Farias A POPULAÇÃO DE RUA NO MUNICIPIO DE TUBARÃO – SUJEITOS DE DIREITO OU CLIENTES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL? Uma Reflexão a partir do Albergue Noturno Pousada da Paz Tubarão/SC 2010 Edgar José Farias A POPULAÇÃO DE RUA NO MUNICIPIO DE TUBARÃO – SUJEITOS DE DIREITO OU CLIENTES DA POLÍTICA DE ASSISTÃNCIA SOCIAL? Uma Reflexão a partir do Albergue Noturno Pousada da Paz Trabalho monográfico final apresentado ao Programa de Formação de Conselheiros, Curso Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais Nacionais da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para o título de Especialista. Profª Orientadora: Maria Amélia Gomes de C. Giovanetti Profª Co-orientadora: Ana Maria Prestes Rabelo Tubarão/SC 2010 Edgar José Farias A POPULAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO – SUJEITOS DE DIREITO OU CLIENTES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL? Uma Reflexão a partir do Albergue Noturno Pousada da Paz Trabalho de Conclusão de Curso do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais - apresentado a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como requisito parcial para a obtenção do Título de Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais Aprovado em 28 de Abril de 2010 BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________ Eleonora Cunha UFMG _______________________________________________________ Edite Cunha UFMG SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 02 CAPITULO I ............................................................................................................. 05 1. ESTADO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS ................ 05 2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR POLÍTICAS SOCIAIS....... 2.1 Pensando a Política de Assistência Social ................................................... ... 2.2 A População de Rua na Perspectiva da Política da Seguridade Social .... ... 2.3 População de Rua exclusão social e a Participação popular....................... 11 13 18 19 CAPITULO II............................................................................................................ 22 1. A REGULAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL .................. 22 2. A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE .......... 2.1 A Instituição Albergue Noturno Pousada da Paz ............................................ 2.2 Missão/Visão .................................................................................................... ... 2.3 Do Objetivo e do Público Alvo ........................................................................... 2.4 Objetivos Específicos ........................................................................................ 2.5 Recursos ............................................................................................................... 2.5.1 Humanos ........................................................................................................... 2.5.2 Físicos ................................................................................................................ 2.5.3 Metodologia ...................................................................................................... 3. DADOS ESTATÍSTICOS DO ATENDIMENTO DO ALBERGUE NOTURNO POUSADA DA PAZ .......................................................................... 3.1 Acompanhamento físico do atendimento / 2007 .............................................. 3.2 Acompanhamento Físico do atendimento de 2008 ........................................ 3.3 Acompanhamento Físico do atendimento de 2009 ......................................... 25 27 28 28 29 29 29 29 29 30 30 31 31 4. ALBERGUE NOTURNO POUSADA DA PAZ – ANDARILHOS E MORADORES DE RUA ACOLHIDOS NO PERÍODO DE 2007 A 2009.. 4.1 Albergamentos por sexo ...................................................................................... 4.2 Albergamentos por grau de instrução ................................................................ 4.3 Albergamentos por estado civil ........................................................................ 4.4 Albergamentos por origem (procedência) .......................................................... 4.5 Albergamentos por idade..................................................................................... 4.6 Albergamentos por profissão .............................................................................. 4.7 Albergamentos considerando Saúde ................................................................... 33 33 33 34 34 35 36 36 5. CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 43 A POPULAÇÃO DE RUA NO MUNICIPIO DE TUBARÃO – SUJEITOS DE DIREITO OU CLIENTES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL? Uma Reflexão a partir do Albergue Noturno Pousada da Paz Edgar José Farias 1 RESUMO As instâncias de tomada de decisão do poder público vem sendo construídas não com a participação de beneficiários das políticas públicas sociais, mas pela representação das organizações que prestam serviços em parceria com as instituições estatais; conquanto, as práticas de atendimento têm feito crer aos usuários, excluídos sociais, que as políticas públicas de direitos são benesses do Estado. Todavia, os serviços de Proteção Social Básica ou Especial, segundo a Política Nacional de Assistência Social e a Lei Orgânica da Assistência Social, disponibilizam serviços a quem deles necessitar, promovendo a Seguridade Social junto com a saúde e a previdência social. Reflexões sobre o ‘morador de rua’, nomenclatura genérica que define o grupo de andarilhos, trecheiros, albergados, etc., e a relação dessas ações com a Política de Assistência Social como direito, de acesso universal e da responsabilidade do Estado, e que permanecem na invisibilidade diante da sociedade, é o alvo desse trabalho. A Instituição Não Governamental de referência do estudo foi o Albergue Noturno Pousada da Paz que alberga a população adulta que atravessa a cidade de Tubarão/SC. A ação do Poder Público municipal na Proteção Social Básica é, pois, tão insuficiente a essa demanda específica, requerendo necessariamente a Proteção Social Especial, que tem implicações e complexidades múltiplas na perspectiva da política de assistência social. Palavras chaves: Política de Proteção Social. População de rua. Assistência Social 1 Licenciado em Filosofia, Oficial RR PMSC, Especialista em Meio Ambiente, Gestão e Segurança de Trânsito, Conselheiro Titular dos Conselhos Municipal de Assistência Social - CMAS e do Conselho Municipal Anti Drogas - COMAD de Tubarão/SC e aluno do Curso de Especialização Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais/UFMG 2 A POPULAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO – SUJEITOS DE DIREITO OU CLIENTES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL? Uma Reflexão a partir do Albergue Noturno Pousada da Paz 1. INTRODUÇÃO Os direitos sociais de atendimento às necessidades humanas básica estão continuamente em processo de construção segundo a concepção dos detentores do capital, hoje no poder político e no mundo empresarial capitalista. E, estes têm elaborado a cidadania através de políticas públicas de benefícios, apassivando a massa dos beneficiários. Os representantes do poder econômico, sócio, político, instituidores do estabelecido, são também os representantes deste vasto contingente de excluídos sociais, sem correlação de forças e vontades políticas, mantendo a atual situação de pobreza, ignorância e exclusão em que se encontra parcela expressiva do povo brasileiro. A sociedade moderna vive num contexto de grande mobilização democrática com exigência de práticas inovadoras para a formulação de política pública de direitos e especialmente a de Assistência Social. Para que o cidadão seja o sujeito de direito no complexo processo de nascimento da Política de Assistência Social, inscrita no campo democrático dos direitos sociais, a Constituição Federal de 1988 – CF/88 trouxe a sua inclusão na esfera da Seguridade Social, no Art.194: “A seguridade social compreende um conjunto integrados de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, p. 193). Essa noção de Seguridade Social, dentro da qual se incorpora a política de Assistência Social, junto à política de Saúde e Previdência Social, considera, pela primeira vez, a Assistência Social como política pública e dever do Estado. Para Raichelis e Wanderley (2004) foi justamente a partir desse momento que se criaram espaços públicos ampliados de participação e gestão, como o do orçamento participativo, os fóruns, os conselhos, e outros, como estratégias de democratização simultânea, tanto da sociedade civil quanto do Estado. Essa participação como exercício de 3 cidadania cujo atendimento à população moradora de rua, com direitos, se dá na dimensão da proteção Social Especial de Alta complexidade, conforme a Política Nacional de Assistência Social, requer o manejo dos serviços e recursos públicos submetidos à proposta do controle social. Portanto, também na política social da população de rua, “a democracia participativa é o caminho do futuro. Há que formar no povo a consciência constitucional de suas liberdades, de seus direitos fundamentais, de sua livre organização de poderes.” (BONAVIDES, 2005). De acordo com Cavalcante Pereira (2006), a população de rua precisa de atenção básica, inserção às oportunidades da sociedade, mas perpassa pelo empoderamento (Empowerment) que significa, de forma generalizada: [...] a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra, até atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam contextos econômicos e políticos mais abrangentes (PEREIRA, 2006). A emancipação propiciada ao cidadão, por esta tomada de parte legítima das discussões públicas e dos processos decisórios, favorece o despontar do empoderamento na coletividade. Esta consciência de “poder” participar efetivamente das ações e condutas públicas é necessária para que a pessoa supere processos de dominação política e promova mudanças sociais, além do que contribuem para o fortalecimento individual e coletivo da cidadania, da dignidade humana, da liberdade e da igualdade, preceitos estes que se constituem diretrizes da democracia participativa. Gohn (2004) destaca que a categoria empoderamento não apresenta um caráter universal, haja vista que: Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas (material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da realidade social); como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a pura integração dos excluídos, carentes e demandatários de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc., 4 em sistemas precários, que não contribuem para organizá-los – porque os atendem individualmente, numa ciranda interminável de projetos de ações sociais assistenciais (GOHN, 2004). “O ‘empoderamento’ da comunidade, para que ela seja protagonista de sua própria história [...]. Trata-se de processos que tenham a capacidade de gerar processos de desenvolvimento auto-sustentável [...].” Esta idéia do empoderamento deve instigar nos indivíduos a possibilidade de realização plena dos seus direitos e representar para a sociedade “[...] espaço institucional de articulação e emergência de novos agentes/atores políticos envolvidos na transformação democrática da relação Estado-sociedade.” (CAVALCANTI PEREIRA, 2006). Enfim, a população de rua que foi constituída como conseqüência de uma sociedade que historicamente promoveu a exclusão social ao longo do tempo precisa tornar-se visível aos olhos do poder requerendo políticas públicas próprias, mas acima de tudo pela dinâmica do exercício da democracia, conforme expõe Cavalcante Pereira “O empoderamento devolve poder e dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e principalmente a liberdade de decidir e controlar seu próprio destino com responsabilidade e respeito ao outro.” Dessa forma, a população sem identidade, comporá, certamente, a sociedade como um todo formado por cidadãos com ou sem as cifras da sociedade capitalista. 5 CAPITULO I 1. ESTADO, DEMOCRACIA E POLITICAS PÚBLICAS SOCIAIS Atualmente, no Brasil, depara-se com uma resignificação do contexto da participação efetiva e plena do cidadão na coisa pública, contribuindo para a inclusão social dos mais variados setores populares, cuja participação na ordem dos direitos fundamentais da democracia, conforme a Constituição Federal de 1988. Contudo, apesar destas ações serem lentas, oportunizam e capacitam a sociedade a se organizar e defender seus interesses em defesa da cidadania e dos seus direitos. O acesso às instâncias de tomada de decisão do poder público, somente é alcançado quando há pressão e demanda por parte das organizações representativas. A legitimidade desta representação tem sido construída não pela qualidade de relação e inserção dos beneficiários na elaboração dos programas, projetos e serviços disponibilizados e, sim, pelo acesso que tais organizações têm junto às instituições estatais. A relação entre tipos de organização mais espontâneas (nas quais emerge o sujeito coletivo) e outras mais estruturais (mesmo as que se propõem em defesa dos interesses dos trabalhadores ou da população mais ampla) merece uma certa atenção. Como fica a questão da cidadania diante de transfigurações que podem ser operadas por essas organizações, em relação aos interesses gerais que as geraram? (COVRE, 1999, p 68). Sob a alegação de representar o interesse dos usuários frente às instâncias do poder público, não há um conjunto de procedimentos consensuais, com o público alvo, para a escolha e o controle dos representantes; não buscam referendo e não prestam contas de sua atuação. O que se constitui numa flagrante prática anti-democrática, tornando ilegítima a representação. Tais práticas têm feito crer aos usuários, excluídos sociais, que as políticas públicas de atendimento, direitos constitucionais, são benesses do Estado. 6 Ainda antes de considerar a situação sob a luz da política pública de assistência social, já é evidente que a situação do país necessita de políticas sociais eficientes e sérias de combate à pobreza na dimensão do direito à assistência. A sociedade brasileira não tem a tradição da democracia, é certo, e a prerrogativa a Constituição atual refere-se à participação popular o caráter democrático na atividade interventiva sobre as políticas públicas. Logo, incluir os (as) representantes da sociedade civil nos processos políticos decisórios significa atuar na contra-mão das práticas políticas que, historicamente, caracterizaram o país e ainda persistem no imaginário coletivo e no fazer político na atualidade. Nesse sentido, a consolidação do Estado de direito democrático no Brasil implica a construção de uma nova cultura política (PEDRINI, 2007, p 79). Ribeiro (1995), falando do povo brasileiro, sua formação e o sentido do Brasil, como classe e poder, enfatiza que nosso tipo de classe social vê dois corpos conflitantes, mas complementares; os empresários, patrões, com a riqueza, gerando o poder, oriunda da exploração econômica, e o patriciado, no poder pelo desempenho de altos cargos. Naturalmente, cada patrício enriquecido quer ser patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio (RIBEIRO, 1995, p 208). Alcançar a democracia de forma justa e igualitária traz como implicação motivar e propiciar que os indivíduos participem ativamente da gestão pública; e para isto o Estado deve incentivar e valorizar a participação popular. Contudo, para alcançar estes valores, o indivíduo tem que deixar de lado a acomodação, emancipar-se como cidadão e de forma ativa e plena dispor dos poderes que estão assegurados constitucionalmente para participar das decisões políticas e administrativas. Na condição de cidadão, o indivíduo tem que se ‘empoderar’ e imbuir-se de vontade para tomar parte e participar dos debates públicos e das decisões sobre os interesses que melhor atenderão as necessidades sejam elas coletivas ou individuais, as quais irão compor as políticas públicas. A população de rua, tão desprezada pela sociedade, na ambigüidade ou ambivalência de caracterização tem denominações diversas: mendigo, morador de rua, sofredor de rua, sem teto, pedinte, indigente, excluído, andarilho, trecheiro, trabalhador sem teto, catador etc. Esta diversidade de (des) qualificações deve-se, em parte, à 7 diversidade de tipos e situações de viver na rua; e, também, a posições políticas que derivam da forma como se concebe o morador de rua. Este é, geralmente, definido pela falta, pela carência absoluta, cuja opção aqui pela denominação ‘morador de rua’ será porque define o grupo por um modo de vida em comum. Quando se interpreta o morador de rua, as representações podem ser resumidas em ‘excluídos’. No entanto, esta expressão leva-nos a indagações: excluídos de quê, de onde? As respostas mais imediatas dizem que os moradores de rua estão fora do mercado de trabalho, do acesso à moradia, à educação, à saúde, etc. Porém, determinada corrente teórica mostra a exclusão e a inclusão como duas partes de um mesmo processo, e que somente a lógica dialética possibilita superar essa dicotomia. Oliveira (1997) aponta para o fato de que o conceito de ‘exclusão’ já havia sido questionado pela crítica à razão dualista, ao estabelecer exclusão/inclusão como um par dialético inerente ao modo de produção capitalista em suas diferentes fases; deste modo, a visão dicotômica do processo de exclusão estaria ultrapassada. O sociólogo argumenta que, contemporaneamente, há excluídos cuja inclusão, possivelmente, nunca acontecerá. Então, propôs que os ‘excluídos’ sejam pensados de um ponto de vista valorativo acerca do que seja um modo de vida humano. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) divulgou no ano de 2009 que 15,7% da população que vive em situação de rua no país, têm a esmola como principal meio de sobrevivência. O estudo feito em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), também revelou que 70,9% exercem atividades remuneradas como catador de material reciclável, flanelinha, estivador, na construção civil e no setor de limpeza. A maioria (52,6%) recebe menos de 5% do Salário Mínimo por semana. Segundo informações da Agência Brasil, o levantamento foi realizado em outubro de 2007 e envolveu pessoas com mais de 18 anos que vivem nas ruas de 71 cidades brasileiras, com mais de 300 mil habitantes. A pesquisa identificou 31.922 pessoas em situação de rua no país (MDS, 2009) De acordo com a pesquisa, 58,6% dos entrevistados afirmou ter alguma profissão. A área de construção civil aparece como opção profissional para 27,2% dos moradores de rua. O comércio surge como trabalho para 4,4% dos entrevistados, o trabalho doméstico para 4,4% e a atuação na área de mecânica para 4,1% das pessoas. Segundo o texto da pesquisa “esses dados são importantes para desmistificar o fato de que 8 a população em situação de rua ser composta por 'mendigos' e 'pedintes'. Aqueles que pedem dinheiro para sobreviver constituem minoria”. No entanto, 1,9% dos entrevistados confirmam trabalhar com carteira assinada. Outros 47,7% nunca tiveram experiência em trabalho formal. O levantamento mostrou que os entrevistados vivem em calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, postos de gasolina, praias, barcos, túneis, depósitos e prédios abandonados, becos, lixões, ferro-velho ou pernoitando em instituições como albergues, abrigos, casas de passagem e de apoio e em igrejas. Entre os entrevistados 71,3% disseram que passaram a viver e morar na rua por conseqüência de alcoolismo ou uso de drogas, desemprego ou brigas familiares. Pela pesquisa 79,6% fazem, pelo menos, uma refeição por dia e 19% dos entrevistados não conseguem se alimentar todos os dias. A maioria das pessoas (69,9%) dorme nas ruas; 22,1% em albergues e 8,3% costumam usar as duas alternativas para dormir. A liberdade é um dos motivos apresentados pelos entrevistados para justificar a escolha por locais públicos para dormir, além da não proibição do consumo de álcool e drogas. Ainda de acordo com a pesquisa, os programas governamentais não alcançam 88,5% dos entrevistados, que negam receber qualquer benefício do governo. Do total 95,5% disseram não participar de nenhum movimento social e 61,6% não votam. Apenas 13,4% das pessoas consultadas se negaram a responder ao questionário da pesquisa. Desses 36,6% disseram desacreditar que o levantamento pudesse beneficiá-lo, outros 18% não acordaram para responder; 14,3% estavam embriagados e 14% aparentavam transtorno mental. O quadro de desigualdade e exclusão social que caracteriza a sociedade brasileira faz parte de um fenômeno global, experimentado dramaticamente por 80% da população mundial. Conforme Martin e Schumann (1999), apenas 20% da população mundial está inserida nos processos políticos, econômicos, sociais e culturais garantido pela vida digna. A luta pelos direitos sociais coloca-se como uma mediação capaz de provocar a transformação estrutural da sociedade. Como afirma Bobbio et al., (1998, p.401), “os direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida”. Nessa trama de relações estão imbricadas as políticas públicas, entre as quais particularmente as políticas sociais (Pedrini, 2007, p.103). 9 Considerando-se as condições políticas e institucionais, em dezesseis anos de Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, a sociedade brasileira conquistou avanços no reconhecimento do cidadão, como sujeito de direitos da política de assistência social. No entanto, sua implementação como política pública e direito social, universal e não contributiva, a quem dela necessitar, exige enfrentamento de conflitos. Um deles, o de que os sujeitos de direito das políticas públicas tem necessidades, mas, pela simples condição humanitária, são potencialmente capazes. Basta que se possibilite sua qualificação e capacitação para a auto-suficiência. Tudo, nos séculos, transformou-se incessantemente. Só ela, a classe dirigente, permaneceu igual a si mesma, exercendo sua interminável hegemonia. Senhorios velhos se sucedem em senhorios novos, superhomogêneos e solidários entre si, numa férrea união super armada e a tudo predisposta para manter o povo gemendo e produzindo. Não o que querem e precisam, mas o que lhes mandam produzir, na forma que impõem, indiferentes a seu destino. Não alcançam, aqui, nem mesmo a façanha menor de gerar uma prosperidade generalizável à massa trabalhadora, tal como se conseguiu, sob os mesmos regimes, em outras áreas. Menos êxito teve, ainda, em seus esforços por integrar-se na civilização industrial. Hoje, seu desígnio é forçar-nos à marginalidade na civilização que está emergindo (RIBEIRO, 1995, p 69). Esta análise retrata o quanto se pode pensar a legalidade por meio dos moradores de rua. Também nos faz relativizar a perspectiva de que a luta por direitos civis e a consolidação do Estado democrático de direito no Brasil garantiriam melhores condições para a população de rua. De acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, em seu artigo primeiro, ... a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (LOAS, 1993). Iniciando-se as reflexões sobre a assistência social no caminho do campo do direito, do acesso universal e da responsabilidade do Estado, há um estabelecimento de uma matriz nova, inserida no sistema social brasileiro propiciando bem-estar, concebido como triângulo da Seguridade Social, junto com a previdência social e a saúde. 10 Configura-se, assim, a possibilidade de reconhecimento público das demandas, como legítimas, de seus usuários como sujeitos de direito e da assistência social como espaço ampliado de seu protagonismo. Estendendo a proteção social a segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar. Constitui o público usuário da Política de Assistência Social, cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social (PNAS, 2004). Na sua dimensão histórica, a cidadania é um processo em construção com percurso histórico contínuo de conflito e, às vezes confrontos, pela busca de soluções. A idéia de cidadania sempre pugnou pela estratégia inclusiva e exclusiva de acesso aos direitos e deveres e esteve relacionada a status ou a identidade e, ainda, a idéia de pertencimento territorial, nacionalidade, pátria. Com associação direta do conceito de cidadania a esfera pública a existência do cidadão estava relacionada, ou condicionada, ao seu pertencimento à cidade, como habitante, geograficamente instalado. A Constituição Federal, em seus artigos 203 e 204 regulamentados em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei 8.622/93), garante que a assistência social deve ser global, direito de quem dela necessitar e que a assistência social deve ser capaz de reproduzir direitos inerentes aos cidadãos, incluindo-se aí o conhecimento destes, possibilitando que os sujeitos ajam e lutem por seus direitos. 11 2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR POLÍTICAS SOCIAIS. Historicamente, as mobilizações da sociedade civil receberam diferentes tratamentos. No período anterior a 1930, os movimentos sociais eram tratados como “caso de polícia”, com forte repressão. Segundo Weffort (1978), de maneira pueril, é possível dizer que o populismo é o produto de um longo processo de transformação da sociedade brasileira, instaurado a partir da Revolução de 1930, e que se manifesta de uma dupla forma: como estilo de governo e como política de massas. As manifestações ocorridas de 1930 a 1964 ficaram conhecidas como populismo e elas reivindicavam a reforma de base e melhores condições de vida para a classe trabalhadora do campo e da cidade, como forma de o governo manter a população passiva diante dos desígnios políticos Os motivos que iluminam a consagração da versão do populismo como política de manipulação de massas repõem a relação entre Estado e classes populares no centro das observações. É evidente, no caso, o reconhecimento da assimetria de poderes entre estes atores. Mas há mais do que isto. Há o desenho de uma relação em que um dos atores é concebido como forte e ativo, enquanto o outro é fraco e passivo, não possuindo capacidade de impulsão própria por não estar organizado como classe. As massas ou os setores populares, não sendo concebidos como atores/sujeito nesta relação política, mas sim como destinatários/objeto a que se remetem as formulações e políticas populistas, só poderiam mesmo ser manipulados ou cooptados (caso das lideranças), o que significa precipuamente, senão literalmente, enganados ou ao menos desviados de uma opção consciente. “Com efeito, a manipulação das massas entrou em crise abrindo a porta a uma verdadeira mobilização política popular, exatamente quando a economia urbanoindustrial começava a esgotar sua capacidade de absorção de novos migrantes e quando se restringiram as margens de redistributivismo econômico” (WEFFORT,1978. p. 70). O termo populismo, portanto, é utilizado para designar um conjunto de movimentos políticos que se propuseram a colocar, no centro de toda ação política, o povo enquanto massa em oposição aos (ou ao lado dos) mecanismos de representação próprios da democracia representativa (VESENTINI, 1997). 12 Antes de 1964, com alguns setores sindicais e a esquerda tradicional, o Estado passou a intervir na relação capital e trabalho, de maneira fragmentada e seletiva, deixando de fora os trabalhadores rurais e os do setor informal. Posteriormente a 1964, no período ditatorial, a atuação das camadas populares no âmbito econômico, político e cultural sofreu restrições redefinindo, portanto, o Estado e sua relação com a sociedade. A partir de 1964, ocorreu uma significativa mudança na relação das forças presentes no cenário político. Com o golpe de Estado, os governantes eleitos e reconhecidos foram sumariamente retirados do cenário político pela força militar, rompendo-se as regras do jogo político na escolha dos dirigentes. Os militares passaram a controlar as decisões econômicas, ocupando postos-chave da administração (SERVIÇO SOCIAL E REALIDADE, 1996, p.32). Neste momento o Brasil pára, proibindo-se expressamente as manifestações populares. Em 1968, os movimentos sociais voltam a se articular, com objetivos diferentes, mas com um único propósito de por fim ao regime ditatorial. Destacam-se os movimentos estudantis, religiosos, operários e camponeses. Os movimentos sociais não podem ser pensados, apenas como meros resultados de lutas por melhores condições de vida, produzidos pela necessidade de aumentar o consumo coletivo de bens e serviços. Os movimentos sociais devem ser vistos, também (neles, é claro, os seus agentes), como produtores da história, como forças geradoras de ideais que, além de questionar o estado autoritário e capitalista, questionam suas práticas, a própria centralização e/ou burocratização tão presente nos partidos políticos (RESENDE, 1985, p.38). Com toda a repressão, a sociedade civil busca maneira de por fim ao sistema ditatorial, surgindo vários focos de manifestações, como por exemplo, a guerrilha armada na zona urbana e rural, greves e movimentos contra a carestia. Em 1975, surgem os novos movimentos sociais e, dentro da Igreja Católica, o movimento da Teologia da Libertação, que buscava romper com a dominação a que a população pauperizada e os setores excluídos sofriam. Conforme Ana Maria Doimo (in AVRITZER, 1997) a trajetória de diversos movimentos populares surgidos no Brasil a partir dos anos 70 — o movimento do custo de vida, o movimento de moradia, o movimento contra o desemprego, o movimento de saúde, do transporte coletivo — tiveram o objetivo de mostrar os elementos que os transformam 13 em um campo ético-político comum. Tais elementos tinham a idéia de um coletivo "que não se deixa cooptar ou manipular", está predisposto à participação continuada na luta por seus interesses e é constituído por sujeitos "autônomos e independentes", capazes de se tornarem o fundamento da democracia e de políticas alternativas em torno dos direitos humanos e sociais. Ana Doimo sustenta que os movimentos populares no Brasil não constituem "[...] um conjunto diverso e fragmentado de ações diretas e sim [...] um campo ético-político identificado como movimento popular". Doimo estabelece uma dicotomia entre duas formas de entendimento da ação coletiva dentro do campo ético-político dos movimentos populares. Há, ainda, de forma progressiva, a presença de movimentos sociais na área da Saúde, Educação, e outros, para que seja garantida a sua inserção na Constituição Federal de 1988. O serviço social põe sua força em campo, para fortalecer o nascimento dessa política no campo democrático dos direitos sociais desenvolvendo múltiplas articulações e debates. Em meio a uma efervescência e poder de pressão dos movimentos sociais, as políticas sociais encontram campo fértil para desenvolverem-se e auxiliarem a efetivação dos direitos sociais na Constituição de 1988. Dessa forma, os movimentos sociais exerceram grande influência, emergindo com todo poder de pressão, conformando e norteando a configuração das políticas públicas e da Política de Assistência Social. Assim, os movimentos sociais com suas lutas contribuíram para trabalhar o rosto do Brasil e a configuração das políticas sociais. 2.1 Pensando a Política de Assistência Social As políticas de proteção social, nas quais se incluem a assistência social, são consideradas produto histórico das lutas do trabalho, na medida em que respondem pelo atendimento de necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado e pelo patronato. Quaisquer que sejam seus objetos específicos de intervenção, saúde, previdência ou assistência social, o escopo da seguridade depende tanto do nível de socialização da política conquistado pelas classes 14 trabalhadoras, como das estratégias do capital na incorporação das necessidades do trabalho. Originárias do reconhecimento público dos riscos sociais do trabalho assalariado, as políticas de seguridade ampliam-se a partir do II pós-guerra, como meio de prover proteção social a todos os trabalhadores, inscrevendo-se na pauta dos direitos sociais. Em geral, os sistemas de proteção social são implementados através de ações assistenciais para aqueles impossibilitados de prover o seu sustento por meio do trabalho, para cobertura de riscos do trabalho, nos casos de doenças, acidentes, invalidez e desemprego temporário e para manutenção da renda do trabalho, seja por velhice, morte, suspensão definitiva ou temporária da atividade laborativa (MDS, 2004). O SUAS – Sistema Único de Assistência Social organiza a gestão da política pública que, associada às demais políticas sociais e econômicas, deve concretizar direitos historicamente negados a uma ampla parcela da população. Possui uma complexidade que requer conhecimento particular, gestão qualificada e ação competente. Porquanto, não deve ser entendida apenas como distribuição de benefícios e serviços, mas como uma unidade de processos diversos, interligados entre si, que vão desde a compreensão e o estudo da realidade, o planejamento, a definição de opções, a decisão coletiva (geralmente conflituosa), até a implementação, o acompanhamento e a avaliação das ações, considerando que é um Sistema predisposto à consolidação dos direitos socioassistenciais (MDS, 2004). O SUAS busca integrar a política de assistência social em um modelo racional, eqüitativo, descentralizado, participativo e com financiamento partilhado entre os entes federados, regulador das atribuições das esferas de governo. E é, além disso, um sistema articulador e provedor de ações em diferentes níveis de complexidade intituladas de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial, capazes de disponibilizar ao cidadão em situação de vulnerabilidade ou risco social o acesso àquilo que é direito social. A Política de Assistência Social na lógica do SUAS estabelece instrumentos de gestão, normatiza competências de instâncias de articulação, pactuação e deliberação e institui uma nova sistemática de financiamento com o aprimoramento de mecanismos regulatórios para o reordenamento desta Política Pública. A rede socioassistencial que forma todo o sistema solidificado num comando único, com universalização de acessos com base territorial, aprofunda as dimensões de 15 especificidade e intersetorialidade, unifica e padroniza os serviços, definindo os fluxos no atendimento considerando as particularidades. A continuidade nas ações com construção de possibilidades de autonomia ressignifica os padrões de qualidade dos serviços e define as competências e as atribuições peculiares entre as esferas de governo quanto ao financiamento e a prestação de serviços, permitindo que os direitos preconizados nas políticas sociais sejam respeitados e disponibilizados em forma de serviços acessíveis de direito com base legal (MDS, 2004). Não obstante, a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado é política de seguridade social não contributiva, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, hábil a garantir o atendimento às necessidades básicas. Realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender às contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. A garantia dos direitos, implementada através das políticas sociais é responsabilidade do Estado e se consolida, pois, com as diferentes formas de proteção ofertadas através do SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS). No campo da assistência social, assim como no das políticas sociais em geral, “o fortalecimento das instituições, como também a democratização das relações sociais, depende da atuação do Estado a fim de assegurar condições para o exercício da cidadania, o que envolve, principalmente, efetivação de direitos fundamentais” (CARVALHO, 2005, p. 179-180). A política de assistência social tem, pois, refletido os impasses e dilemas vividos por uma cultura cheia de preconceito, conservadora que deve ser reconstruída possibilitando romper com os padrões do passado. Mormente, tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Inserida como política da Seguridade Social Brasileira, direito do cidadão e dever do Estado. Pressupõe a superação do assistencialismo e a consolidação da assistência social 16 como Política Pública e se estabeleceu na sociedade brasileira decorrente de movimentos e aspirações sociais para a garantia de oferta de serviços e benefícios associados a um determinado patamar de bem estar. Isto é, de uma proteção social visando o enfrentamento de situações de risco social ou de privações contingenciais. Historicamente, a proteção social na Brasil nasceu com o seguro social cujo acesso estava vinculado exclusivamente ao trabalhador formal. Com o advento da CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, a seguridade social passou a ser direito social com caráter de proteção e independe de contribuição. Silva, Yasbek e Giovani (2004) chamam a atenção para o caráter histórico e político dos sistemas de proteção social, conforme observamos a seguir: [...] os modernos sistemas de proteção social não são apenas respostas automáticas e mecânicas às necessidades e carências apresentadas e vivenciadas pelas diferentes sociedades. Muito mais do que isso, eles representam formas históricas de consenso político, de sucessivas e intermináveis pactuações [...] (SILVA, YASBEK E GIOVANI, 2004, p.16). A regulamentação dos artigos 203 e 204 da Constituição Federal com a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS [Lei N° 8.742/1993] definiu que a assistência social é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. O Primeiro texto da Política Nacional de Assistência Social (PNAS 1998/99) não revelou uma atuação suficiente em termos de coordenação e regulação do processo de organização do sistema em nível nacional, de forma que os investimentos federais pudessem alcançar impacto efetivo nas ações ofertadas pelos municípios, como materialização dos sistema de direitos que coube a assistência social afiançar. Contudo a Política Nacional de Assistência Social/PNAS, prevista nos artigos 18 e 19 da LOAS e aprovada em 22 de setembro de 2004 pelo Conselho Nacional de Assistência Social efetivou a assistência social a partir do SUAS. Ficou estabelecido os parâmetros do novo modelo de gestão do SUAS na direção da universalização dos direitos sociais, definindo o Sistema Único de Assistência Social para o Brasil e o direito à proteção social básica e especial no campo socioassistencial. 17 Seguindo essa base legal, a Norma Operacional Básica do SUAS de 2005 (NOB/SUAS, 2005) disciplinou e normatizou a operacionalização da gestão da Política Nacional de Assistência Social – PNAS neste novo modelo de gestão, estabelecendo uma sistemática de financiamento pautada em pisos de proteção social básica e especial, em conformidade com critérios de partilha arrolados em indicadores, porte de municípios, análise territorial realizada de fundo a fundo de forma regular e automática; a NOB 2005 definiu responsabilidades e critérios para a adesão ao SUAS e os níveis diferenciados de gestão de estados e municípios. As necessidades de regulamentação, normatização e efetivação da Norma Operacional Básica Recursos Humanos (NOB/RH, 2006) que foi aprovada pelo CNAS em 13 de dezembro de 2006 objetivou, inexoravelmente, a padronização das carreiras do SUAS, por meio de diretrizes nacionais para a implementação de ações específicas junto aos seus trabalhadores. Em síntese, as ações da política de assistência social são organizadas por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que materializa o conteúdo da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei 8.742, de 1993). Todavia, o SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada e cofinanciamento da política pelas três esferas de governo. Enfim, é perceptível então que a concepção do SUAS está fundada na participação, descentralização e articulação entre as políticas de assistência social e demais políticas sociais, visando as necessidades integrais da população alvo, consolidando os direitos socioassistenciais constitucionais. Para isso, os serviços prestados pelas Organizações Não Governamentais precisariam receber apoio e orientação técnica e co-financiamento público de forma a complementar os deveres e as responsabilidades do Estado diante da garantia de direitos a todos os cidadãos. 18 2.2 A População de Rua na Perspectiva da Política da Seguridade Social Segundo Lima (apud MARTINS FILHO, 2000, p. 5).: “A alma do Bem Comum é a Solidariedade. E a solidariedade é o próprio princípio constitutivo de uma sociedade realmente humana, e não apenas aristocrática, burguesa ou proletária. É um princípio que deriva dessa natureza social do ser humano. Há três estados naturais do homem, que representam a sua condição ao mesmo tempo individual e social: a existência, a coexistência e a convivência. Isto vale para cada homem, como para cada povo e cada nacionalidade." A CF/88, marco histórico “ao ampliar legalmente a proteção social para além da vinculação com o emprego formal”, trata-se de uma mudança qualitativa na concepção de proteção que vigorou no país até então, pois inseriu no marco jurídico da cidadania os princípios da seguridade social e da garantia de direitos mínimos e vitais à reprodução social. Nesse sentido, houve uma verdadeira transformação quanto ao status das políticas sociais relativamente a suas condições pretéritas de funcionamento. Em primeiro lugar, as novas regras constitucionais romperam com a necessidade do vínculo empregatício-contributivo na estruturação e concessão de benefícios previdenciários aos trabalhadores rurais. Em segundo lugar, transformaram o conjunto de ações assistencialistas do passado em um embrião para a construção de uma política de assistência social amplamente inclusiva. Em terceiro, estabeleceram o marco institucional inicial para a construção de uma estratégia de universalização no que se refere às políticas de saúde e à educação básica. Além disso, ao propor novas e mais amplas fontes de financiamento – alteração esta consagrada na criação do Orçamento da Seguridade Social –, estabeleceu condições materiais objetivas para a efetivação e preservação dos novos direitos de cidadania inscritos na idéia de seguridade e na prática da universalização” (IPEA, 2009, p. 8). Cabe ressaltar que a população de rua está diretamente ligada ao público que busca a seguridade social na perspectiva não contributiva, uma vez que é composta por cidadãos desqualificados profissionalmente e sem histórico de passagem pelo mundo do trabalho. Conquanto, a temática da população de rua desperta interesse especial, fruto de inquietações com a condição de vida precária destas pessoas, mas especialmente com as propostas ineficientes de enfrentamento do problema, constituinte alvo da política pública de assistência social, especialmente da atenção a proteção social especial de alta complexidade. 19 Considerando o indivíduo que se utiliza de albergues públicos como forma de garantia de dignidade, garantido pelos direitos humanos, mas, sobretudo pelos direitos sociais, previstos na constituição Federal, destacamos ser de extrema relevância para o pesquisador o trato desta questão por convergir com o contingente dos assuntos abordados cotidianamente pelos conselhos de direito. Porém, apesar de sua importância, essa discussão não alcança a prioridade das políticas públicas locais, permanecendo esse usuário da assistência social - andarilho, trecheiro, na invisibilidade para grande parte da sociedade. Diante de um universo tão carente de atendimento, mas especialmente carente de informações, optamos pela abordagem focada na demanda constituída pelos usuários do Albergue Noturno Pousada da Paz, que alberga a população adulta que passa por, ou procede de Tubarão/SC. 2.3 População de rua, exclusão social e a participação popular “Os interesses privados se fortaleceram de várias formas, ao longo da história, mas deixaram marcas significativas especialmente através das proposituras de políticas públicas com alcance para a sociedade em geral e consequentemente com repercussão na vida cotidiana da maioria da população brasileira2.” Os movimentos sociais advindos das reivindicações de segmentos excluídos socialmente ou representados por idealistas democráticos manifestam profundos descontentamentos por não sentirem a participação popular nas políticas públicas. Além disso, o interesse privado nas propostas de políticas públicas é muito mais para a promoção política do que a preocupação com a população brasileira em geral e o enfrentamento da dramática realidade em que vive. A participação é requisito de realização intrínseco ao próprio ser humano e para seu desenvolvimento social requer participação nas definições e decisões da vida social (SOUZA, 1991, p. 83). 2 Maria Eliane de Almeida Vaz - Coordenadora da Central de Movimentos Populares (CMP/Ceará). 20 Não obstante, a participação sempre esteve comprometida com aquilo que Marx e Engels apontam como pressupostos da existência humana: O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens e mulheres devem estar em condições de viver para poder fazer história. E para viver é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais (SOUZA, 2004). Considerando que participação, requisito obrigatório para a democracia, é um processo em que homens e mulheres se descobrem como sujeitos de direito, exercendo os direitos políticos, a consciência dos cidadãos e cidadãs, o exercício de cidadania e as possibilidades de contribuir com processos de mudanças e conquistas é requisito vital. O resultado do usufruto do direito à participação, seja a população de rua especificamente, seja outros segmentos da sociedade excluídos pelas diversas razões resultantes das distorções societárias precisa estar relacionado ao poder conquistado, à consciência adquirida, ao lugar onde se exerce e ao poder atribuído a esta participação3. A participação social atualmente é da sociedade em geral e não mais de uma comunidade ou de um grupo apenas, como ocorria até a década de 1980, especialmente porque ocorreu uma organização a partir de uma tomada de consciência em todos os níveis, resultando em reivindicação sob pressão por liberdade e democracia. O processo pós Constituição Federal/88 abriu espaço para uma diversidade de interesses e de propostas de inclusão, ampliação e universalização dos direitos colocados no cenário social e político. Segundo a professora Lígia Helena Hahn Lüchmann (2002) o modelo democrático que se quer hoje diz respeito a possibilidade de que a sociedade civil, no processo de democratização da sociedade, aprove que a população excluída esteja de fato representada na discussão das políticas públicas de acesso a serviços e direitos. A atuação política da organização civil Albergue Noturno Pousada da Paz, foco desse trabalho, quer favorecer, fundamentado numa literatura sobre democracia participativa e/ou deliberativa, a participação política desse público alvo atendido que deseja ser ouvido sobre seus anseios e necessidades sociais, ponderando que a democracia implica em que todos tenham direito a voz e possam interferir nos desígnios das políticas públicas sociais do país. 3 Conselhos dos Direitos no Brasil – Curso EaD- Módulo II - Participação e Controle Social na Garantia dos Direitos Humanos, 2009. 21 A sociedade civil constitui-se em sujeito por excelência da constituição da esfera pública, como espaço coletivo de comunicação pública dotado da capacidade de ampliação e/ou incorporação de novos temas, problemas e questões incluindo o pluralismo, autonomia, solidariedade e influências com impactos na esfera pública completando, portanto, um quadro de características dessa concepção de sociedade civil moderna, que procura compatibilizar o núcleo normativo da teoria da democracia com as complexas e diferenciadas estruturas da modernidade (DAGNINO, OLVERA & PANFICHI, 2006). Conquanto, o levantamento de informações que identifiquem o público alvo desse trabalho é o primeiro passo para delinear o perfil de uma população socialmente excluída e que, além disso, é profundamente discriminada simplesmente pelas aparências físicas explicitas na escassa higiene pessoal. Cabe registrar que a diretoria da Instituição entende que a participação constitui direito e deve ser estimulada como dever de todos, independentemente da categoria sócio econômica a que pertença. O próximo capítulo abordará as questões da política de assistência social identificando o perfil dos albergados - população de rua, considerando o grau de instrução, estado civil, profissão, origem/procedência, idade e percentual com DST, usuários de crack e alcoolismo com o intuito de iniciar um estudo do público alvo e a possibilidade de capacitá-los para o exercício pleno da cidadania, para a participação direta (voz e voto) nas instancias de controle e deliberação das políticas públicas sociais no município de Tubarão/SC, ora via Conselhos de Direitos, ora na manifestação cotidiana na própria instituição que os alberga. Sendo que o albergue noturno pousada da paz tem assento no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), Governamental (ONG), não representando os usuários. como Organização Não 22 CAPITULO II 1. A REGULAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Em um contexto de grande mobilização democrática e exigência de práticas inovadoras na área social, tem início uma intensa discussão para a formulação de uma política pública de Assistência Social, constitucionalmente assegurada. Para tanto, faz-se necessária a elaboração de diagnósticos, estudos e propostas, promovidas pelo Estado, categorias profissionais e organizações da sociedade civil, compreendendo o significado político e o vínculo de tal área com os setores populares. (SPOSATI, 2004) O contexto do processo constituinte que gestou a Constituição Federal de 1988 é marcado por grande pressão social, crescente participação corporativa de vários setores e decrescente capacidade de decisão do sistema político. A Constituição Federal de 1988 – CF/88, aprovada em 5 de outubro, trouxe uma nova concepção para a Assistência Social, incluindo-a na esfera da Seguridade Social: Art.194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 193.) A Política de Assistência Social é inscrita na CF/88 pelos artigos 203 e 204: Art.203 A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV- a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de 23 prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art.204 As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I–descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II–participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 130) Afirma Sposati (2004) que a Assistência Social garantida na CF/88 contesta o conceito de “(...) população beneficiária como marginal ou carente, o que seria vitimá-la, pois suas necessidades advêm da estrutura social e não do caráter pessoal” tendo, portanto, como público alvo os segmentos em situação de risco social e vulnerabilidade, não sendo destinada somente à população pobre. A CF/ 88 ofereceu a oportunidade de reflexão e mudança, inaugurando um padrão de proteção social afirmativo de direitos que superasse as práticas assistenciais e clientelistas, além do surgimento de novos movimentos sociais objetivando sua efetivação. Para regulamentar e institucionalizar os avanços alcançados na CF/88 tornou-se imprescindível a aprovação de leis orgânicas. A luta para a aprovação dessas leis exigiu um complexo procedimento de organização dos princípios preconizados na CF/88. Esse processo permite compreender que a Assistência Social não “nasce” com a Constituição Federal de 1988 e com a LOAS. Ela existe anteriormente como uma prática social, alcançando nesses marcos legais o status de política social, convergindo ao campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. (SPOSATTI, 2004, p.42). Entende-se por política social as formas de intervenção e regulamentação do Estado nas expressões da questão social, envolvendo o poder de pressão e a mobilização dos movimentos sociais, com perspectivas de problematizar as demandas e necessidades dos cidadãos, para que ganhem visibilidade e reconhecimento público. É certo que a história da Política de Assistência Social não termina com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 2004) visto que esta Lei introduziu uma nova realidade institucional, propondo mudanças estruturais e conceituais, 24 um cenário com novos atores revestidos com novas estratégias e práticas, além de novas relações interinstitucionais e intergovernamentais, confirmando-se enquanto “possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e serviços de ampliação de seu protagonismo” (YASBEK, 2004, p.13), assegurando-se como direito não contributivo e garantia de cidadania. 25 2. A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE Para prevenir as situações de risco social enfrentadas por moradores de rua, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), estabelece a Proteção Social Básica. Objetiva-se o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e o desenvolvimento de potencialidades e aquisições. Portanto, na dimensão dos direitos, a população de rua precisa que gestores da Política de Assistência Social estabeleçam uma plataforma a ser construída, de acordo com as propostas de Proteção Básica da Seguridade Social, considerando as nuances dos Direitos Humanos. Nesta lógica, o quadro abaixo quer associar, em cada parte do Direito do Cidadão, o que é possível proporcionar à população de rua de forma a garantir o mínimo necessário à sua sobrevivência, independente de albergamento institucional. DIREITOS HUMANOS CIVIS POLITICOS ECONOMICOS SOCIAIS CULTURAIS MINORIAS PESSOAIS E EXEMPLOS DA PLATAFORMA INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL Direito de dispor do próprio corpo, liberdade de expressão, locomoção, segurança, pertencimento, inclusão etc. DELIBERAÇÃO DO HUMANO SOBRE SUA VIDA Prática política, religiosa, pensamento, opinião, participação na vida pública, escolha, convivência com os outro. B OLSA SOCIAL Criação do Fundo Municipal de Direitos Humanos, para prover e assegurar o acesso a todos, com direito ao transporte coletivo, casa aberta, refeições, vestuário, inserção digital, vale cultura etc. ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES BÁSICAS Direito a um salário social, relativo ao direito a alimentação, saúde, cuidado, educação, habitação etc. ACEITAÇÃO DAS DIFERENÇAS E DIVERSIDADES DAS Políticas de inserção que reconheçam o caráter heterogêneo da sociedade e dos diferentes grupos, desmarginalizando-os, e não de políticas de integração que geralmente buscam um grande equilíbrio social, uma homogeneização. RECONHECIMENTO DA PRÓPRIA HUMANIDADE Produzir uma auto-imagem corporal favorável, marcada por sentimentos de adequação e apreciação. Quando a Proteção Social Básica não se faz presente, ou quando é insuficiente para a resolução de uma demanda específica, entra em cena a Proteção Social Especial, que pode ser de média ou de alta complexidade. 26 A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem acompanhamento individual, e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Da mesma forma, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo (PNAS, 2004, p. 31). A Proteção Social Especial de média complexidade engloba ações como o serviço de orientação e apoio sócio-familiar, o plantão social e a abordagem de rua, enquanto a Proteção Social Especial de alta complexidade, visando garantir proteção integral, oferece Atendimento Integral Institucional, Casa Lar, Albergues, Casas de Passagens, dentre outros. No caso da proteção social especial à população em situação de rua serão priorizados os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências na sociedade brasileira, enquanto sujeitos de direito (PNAS, 2004, p. 31). Contudo, como a liberdade é um direito de todo cidadão que não tenha sido julgado e condenado, uma pessoa apenas é abrigada de forma voluntária, seja através de um pedido de acolhida diretamente em uma instituição ou mediante abordagem de alguma equipe vinculada a abrigos ou órgãos públicos. Mas esse processo de saída não é tão fácil quanto pode parecer. Quando das abordagens, há certa resistência por parte do morador de rua, que muitas vezes já é conhecedor dos equipamentos de abrigagem disponíveis na cidade e se recusa a sair da rua para enclausurar-se em um abrigo, no qual continuará a viver em situação de dependência (SPOSATI, 2004). Conforme o levantamento mais recente do Ministério do Desenvolvimento social (MDS), feito em 2007, há no Brasil 31.992 pessoas com 18 anos ou mais que vivem na rua. Deste total, 72% trabalhavam em coleta de materiais recicláveis ou como flanelinhas. 27 Uma segunda pesquisa, também feita pelo MDS, desta vez entre agosto de 2007 a março do ano passado, aponta que 35,5% desta legião de brasileiros esquecidos vive nestas condições por conta do vício em álcool e/ou drogas. (IPEA, 2009). Ainda, 29,8% não saíram de casa porque quiseram e sim por falta de opção. São cidadãos que ficaram desempregados e perderam absolutamente tudo, inclusive a casa onde moravam. Outra parcela, 29%, fugiu do seio familiar por desavenças com os pais ou parentes próximos. Sujos, famintos e avessos inclusive ao contato social, eles começam a migrar para pequenos centros, como Tubarão, onde buscam o mínimo com que estão acostumados para sobreviverem, um dia de cada vez. O fato de a cidade ser cortada pela BR-101 também é fator que incide no aumento dos índices. Para completar o cenário precário registrado na cidade, no que diz respeito à assistência destas pessoas, Tubarão não possui um estudo específico com a população de rua - a prefeitura não tem dados de quantos vivem na cidade, onde ficam como vivem. Também não possui um lugar específico para assistir estas pessoas. Muitos precisam apenas de uma passagem de ônibus, comida e roupas pessoais. Uma pesquisa para traçar o perfil do público atendido no Albergue Pousada da Paz, em Tubarão/SC nos últimos três anos (2007, 2008 e 2009) constitui-se de elevada importância, uma vez que a Instituição dispõe de registros superiores a quarenta e dois mil (42.000) atendimentos em treze (13) anos de funcionamento. Não há estudos aprofundados para um diagnóstico social considerando os dados ou o perfil dessa população nesta pesquisa documental, do público albergado atendido nos três (03) últimos anos, entretanto dá indicativos possíveis de reconhecer que este serviço da política de Assistência Social do município de Tubarão/SC requer atenção diferenciada, quiçá a elaboração de um diagnóstico municipal identificando outros dados da população albergada que incidem ou refletem diretamente na dinâmica de vida do município como um todo. 2.1 A Instituição Albergue Noturno Pousada da Paz O Albergue Noturno Pousada da Paz, em Tubarão/SC é uma instituição não governamental (ONG) mantida por uma Fundação – Fundação Educacional e Assistencial Leon Denis, FEALD - que se destina exclusivamente a atender essa parcela da população 28 totalmente fragilizada. Não há indicativos de um real enfrentamento da questão por parte do poder público. Os profissionais, na maioria das vezes, impotentes e fragilizados pelas condições oferecidas a este contingente populacional, não sendo indiferentes à realidade, tentam de acordo com os princípios éticos transformar o cotidiano a sua volta, conforme regimento interno a seguir. A FEALD – Fundação Educacional e Assistencial Leon Denis, instituição sem fins lucrativos, foi fundada em 1998 pelo grupo de freqüentadores da Casa Espírita Mensageiros da Paz, mantenedora do ALBERGUE NOTURNO POUSADA DA PAZ, em funcionamento desde 03/05/1996. Decorrente da necessidade de um novo modelo de amparo social à população migrante, trecheiros e andarilhos, que faz da rua o lugar de moradia transitória ou permanente. Art. 1º - A FEALD com personalidade jurídica própria, sede e foro na comarca de Tubarão/SC, rege-se pelas normas estatutárias e se constitui na forma dos Ar.t 1º, Ar.t 2º e Art. 3º do Estatuto Social aprovado em assembléia geral. Devidamente registrado no Cartório de títulos, documentos e ofícios Porto, sob nº 002275 as folhas nº. 066 no livro A11 em data de 12 de Novembro de 1998. Art. 2º - A FEALD, manterá o “Albergue Noturno Pousada da Paz” como seu primeiro segmento, integrado a estrutura Básica da Fundação, diretamente vinculado ao seu agrupamento societário. Art. 03 - O Albergue Noturno Pousada da Paz, mantido pela FEALD, será dirigido por um presidente e um vicepresidente, sujeitos as normas estatutárias da FEALD e do seu Regimento Interno (Estatuto da FEALD). 2.2 Missão/Visão Conforme quadro fixado no hall de entrada a Missão/Visão da instituição assim está expressa: Assistência a toda e qualquer pessoa migrante, andarilho, trecheiro, em circunstância de vulnerabilidade, para amparo no período compreendido entre 19.00 e 07.00 horas, para pernoite e alimentação básica, sem distinção de raça, credo, cor, sexo, formação cultural ou condição socioeconômica. 2.3 Do Objetivo e do Público Alvo Em seu artigo 6º, ao tratar do objetivo e do público alvo, o Regimento Interno, diz: 29 O Albergue Noturno Pousada da Paz acolherá a população de rua e os migrantes andarilhos, que ao léu, pelas ruas, sozinhos ou em grupos familiares, sofrem abandono e desamparo, em circunstâncias sócio-econômicas especialmente difíceis, com vistas a realização de um trabalho filantrópico capaz de proporcionar, gratuitamente, higiene pessoal, pernoite e alimentação (jantar e café da manhã). 2.4 Objetivos Específicos - Oferecer banho, jantar, pernoite e café matinal; Propiciar atendimento fraterno; Lavar as roupas dos albergados; Doar roupas conforme a necessidade apresentada; 2.5 Recursos 2.5.1 Humanos: - Conselho diretor eleito em assembléia, bianualmente; Dois Guardas da Guarda Municipal; Vinte e cinco equipes de voluntários para os serviços de jantar; Dois voluntários para os serviços gerais. 2.5.2 Físicos - Alojamento feminino com camas e banheiro; Alojamento masculino com camas e banheiro; Cozinha equipada; Sala de recepção e dormitório do GM em plantão; Salão para palestra coletiva com temática cristã. 2.5.3 Metodologia - Recepção (realizada pelos serviços de Policiais Militares) Encaminhamento para banho; Jantar (serviço oferecido por equipe de voluntários) Acomodação de pernoite; Café da manhã; Liberação do albergado. 30 3. DADOS ESTATÍSTICOS DO ATENDIMENTO DO ALBERGUE NOTURNO POUSADA DA PAZ Considerando que o objetivo da Instituição é acolher a população de rua e os migrantes andarilhos, em circunstâncias especialmente difíceis, que dormem nas ruas do município de Tubarão/SC, com vistas à realização de um trabalho filantrópico, capaz de proporcionar banho, alimentação (jantar e café da manhã) e pernoite e que o Público Alvo são adultos que fazem da rua o espaço de moradia (trecheiros, migrantes e andarilhos). Os quadros a seguir revelam dados estatísticos da população atendida na Instituição cuja somatório geral considera o período inicial, desde que abriu as portas em 03 de maio do ano de 1996. Vale lembrar que os percentuais estabelecidos na análise de detalhes do público atendido consideram a totalidade como parâmetro estatístico. Acompanhamento físico do atendimento / 2007 Descrição Masculino Feminino Total Atendimento acumulado até dez/2006 Atendimentos janeiro 2007 253 18 271 240 14 254 Atendimentos março 2007 288 23 311 Atendimentos abril 2007 245 13 258 Atendimentos maio 2007 223 22 245 Atendimentos junho 2007 206 25 231 Atendimentos julho 2007 199 16 215 Atendimentos agosto 2007 228 14 242 Atendimentos setembro 2007 299 24 323 Atendimentos outubro de 2007 253 26 279 Atendimentos novembro de 2007 262 32 294 Atendimentos dezembro de 2007 266 27 293 Indicadores de Atendimentos fevereiro 2007 Desempenho 33.431 Total de pessoas atendidas em 2007 2.962 Total de atendimentos acumulados 1996/2007 254 3.216 36.647 31 3.2 Acompanhamento Físico do atendimento de 2008 Total de atendimentos acumulado 1996/2007 Descrição Indicadores de Desempenho Masculino 36.647 Feminino Total Atendimentos janeiro 2008 318 27 345 Atendimentos fevereiro 2008 368 37 405 Atendimentos março 2008 348 49 397 Atendimentos abril 2008 226 44 270 Atendimentos maio 2008 240 35 275 Atendimentos junho 2008 271 13 284 Atendimentos julho 2008 224 42 266 Atendimentos agosto 2008 235 46 281 Atendimentos setembro 2008 139 13 152 Atendimentos outubro 2008 144 05 149 Atendimentos novembro 2008 183 13 196 Atendimentos dezembro 2008 208 09 217 2.904 333 Sub Total 3.237 Total de pessoas atendidas em 2008 Total de atendimentos acumulado 1996/2008 39.837 3.3 Acompanhamento Físico do atendimento de 2009 Descrição Masculin Feminin o Total o Total de atendimentos acumulado 1996/2008 39.837 Atendimentos em janeiro 2009 206 22 228 Atendimentos em fevereiro 2009 214 19 233 Atendimentos em março 2009 233 24 257 Indicadores de Atendimentos em abril 2009 182 17 199 Desempenho Atendimentos em maio 2009 292 29 321 Atendimentos em junho 2009 271 25 296 Atendimentos em julho 2009 229 23 252 32 Atendimentos em agosto 2009 272 19 291 Atendimentos em setembro 2009 294 25 319 Atendimentos em outubro 2009 289 42 331 Atendimentos em novembro 2009 169 27 196 2.651 272 Atendimentos em dezembro 2009 Sub Total Total de pessoas atendidas em 2009 Total de atendimento acumulado 1996/2009 2.923 42.760 Conforme os dados acima ocorreram 9.376 atendimentos entre 01 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2009. Deste universo, 8.517 (oito mil quinhentos e dezessete) foram albergados masculinos e 859 (oitocentos e cinqüenta e nove) femininos. Entendendo que a Política de Assistência Social é direito do cidadão e dever do Estado (LOAS/93) apresentar-se-á, a seguir, dados significativos referentes às condições gerais sociais desse público, uma vez que tem relação direta com a história da exclusão, causa da legislação vigente de inclusão social. A fonte de pesquisa são os livros de registro da Instituição, com dados sobre o pernoite, o grau de instrução, estado civil, profissão e Estado de origem. O objetivo desse levantamento de dados é, especialmente, a identificação de fatores que justificam as necessidades de políticas próprias dessa população, incluindo aqui, proposituras ao poder público municipal, uma vez que o número representa um percentual preocupante num município de menos de cem mil habitantes. 33 4. ALBERGUE NOTURNO POUSADA DA PAZ – ANDARILHOS E MORADORES DE RUA ACOLHIDOS NO PERÍODO DE 2007 A 2009 Conforme citado acima, o universo considerado de 100% refere-se a 9.376 atendimentos entre 01 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2009, cujo numero é a soma dos albergamentos de 2007 (3.216), 2008 (3.237) e 2009 (2.923). 4.1 Albergamentos por sexo 8571 homens 859 mulheres 9376 Total 91% HOMENS 9% MULHERES Ilustração 1 – albergamento por sexo Deste universo, 8.517 (oito mil quinhentos e dezessete) foram albergados masculinos e 859 (oitocentos e cinqüenta e nove) femininos. Sendo que não é objeto desta pesquisa a separação por gênero dos dados que seguem. 4.2 albergamento por grau de instrução 45% 40% 35% 30% 6% analfabeto 25% 20% 15% 10% 5% 0% 22% até a 4ª 31% até a 7ª 41% até 8ª ou mais 6% 22% 31% Ilustração 2 – albergamento por grau de instrução 41% 34 Considerando que a população albergada é alvo de uma política específica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, o quesito grau de instrução revela que cerca de 41% tem instrução igual ou superior ao ensino fundamental, dado que possibilita pensar em políticas públicas com cursos de capacitação ou formação capazes de alcançar essa demanda. Apenas 28% compõem a categoria de semi-analfabeto, e 31% está prestes a concluir o ensino fundamental. 4.3 albergamentos por estado civil 100,00% 72% solteiro 19,4% separado 2,5% amasiado 2,5% divorciado 2,0% casado 1,6% viuvo 0,00% 72,00% 19,40% 2,50% 2,50% 2,00% 1,60% Ilustração 3 – albergamento por estado civil Os dados indicam que 72% da população de rua é formada por solteiros, percentual significativamente alto, uma vez que juntam-se a esse dado a desqualificação profissional. Isso significa dizer que há uma juventude perdendo as razões de viver em sociedade submetido a regras e ordenamento social, gerando desdobramentos possíveis de outros estudos. 4.4 albergamentos por origem (procedência) 50% 40% 41% RS 30% 35,4% SC 8,5% PR 20% 7,0% outros estados 10% 0% 8,0% do município RS SC PR OUTROS Ilustração 4 – albergamento por local origem DE TUBARÃO 35 Considerando que a condição de andarilhos, morador e/ou população de rua é costumeiramente andante, a procedência dos albergados é de fora do município. Vale registrar que os 8% de origem do próprio município relatam, em atendimentos específicos, que a causa de buscarem abrigo na Instituição são os sérios conflitos familiares. Nestes casos, a Instituição encaminha para a Secretaria Municipal de Assistência Social que toma providências para a reintegração familiar ou ação similar, conforme preconiza a Política Nacional de Assistência Social. Os demais vêm de estados vizinhos ou de municípios catarinenses que ficam na rota. 4.5 albergamentos por idade 50% 40% 30% 20% 10% 0% 45 % até 35 anos 44% até 50 anos 8% até 60 anos 45 % até 35 anos 44% até 50 anos 8% até 60 anos 3% mais de 60 anos 3% mais de 60 anos Ilustração 5 – albergamento por faixa etária A faixa etária registrada pela Instituição revela que a grande maioria dos albergados tem até 50 anos de idade; fato que desperta a atenção dos gestores da política de Assistência Social uma vez que esse público se não tiver incapacidade para o trabalho, conforme Cid da Previdência Social não pode ser inserido em algum beneficio financeiro como o Beneficio de Prestação Continuada (BPC) que dá direito a um salário mínimo a pessoas incapazes para o trabalho, independentemente de idade e aos idosos acima de 65 anos; logo são cidadãos que dependem de atenção do Estado. 36 4.6 albergamentos por profissão 22,5% serviços gerais 25% 20% 14,9% sem profissão 12,1% pintor 15% 11,5% vendedor ambulante 7,7% pedreiro 10% 7,5% motorista 4,6% marceneiro 3,8% servente pedreiro 2,8% pescador 5% 0% 25,00% 12,10% 7,70% 4,60% 2,80% 6,70% 3,6% lavrador 6,7% outros Ilustração 6 albergamento por profissão Considerando que a população andarilha, população de rua, tem necessidades econômicas referentes a subsistência mais de 40% dos albergados informam ter como profissão a categoria de serviços gerais ou alegam simplesmente não ter. Aumenta a responsabilidade do Estado/poder Público Municipal e a dispensa de recursos para capacitar e incluir em programas de geração de trabalho e renda e qualificação profissional. 4.7 albergamentos considerando Saúde 18,7 % DST 6% usuário declarado de Crack 18,7 % DST 62 % alcoolista 6% usuário declarado de Crack 62 % alcoolista Considerando que a população que não tem residência fixa e trabalho de subsistência adota a rua e o ‘trecho’ como uma alternativa de vida e que, associado a este dado estão os dados de dependência química de drogas lícitas e ilícitas e os DST, desdobra a problemática da política de Assistência Social, uma vez que entrelaça com a política de saúde. 37 Embora a arquitetura da seguridade brasileira pós-1988 tenha a orientação e o conteúdo daquelas que conformam o estado de bem estar nos países desenvolvidos, as características excludentes do mercado de trabalho, o grau de pauperização da população, o nível de concentração de renda e as fragilidades do processo de publicização do Estado permitem afirmar que a adoção da concepção de seguridade social não se traduziu no Brasil, historicamente, objetivamente numa universalização do acesso aos benefícios sociais. Enfim, os dados de amostragem da população albergada no Albergue Noturno Pousada da Paz, neste três anos, são pontuados justificando que as políticas públicas sociais, direito do cidadão e dever do Estado, estão interdisciplinariamente ligadas entre si vinculando a necessidade de tratar com consideração e dispor financiamento, possibilitando que os cidadãos excluídos possam acessar direitos sem benesses ou mendicâncias, de fato. Além disso, a visibilidade que tem esse público abordado neste trabalho impulsiona o exercício da democracia na perspectiva de que a sociedade deve participar das decisões e gestão daquilo que é direito. A pesquisa reforça a necessidade de políticas públicas específicas aos moradores de rua, em todas as esferas governamentais, que integrem capacitação profissional qualificação e criação de oportunidades para o mercado de trabalho. 38 5. CONSIDERAÇÕES Tratar de uma população sob o termo ‘albergado’ como sujeito de direitos determina fazer uma associação da população de rua, migrante, andarilhos e andantes, de um modo geral, à pobreza, cuja característica permeia as necessidades explicitas desses sujeitos em suas rotinas de vida. A inexistência de recursos, que permitam uma vida digna, marca profundamente esse público que se torna vulnerável e em situação de risco social, compondo as fileiras da assistência social. São pobres os despossuídos de condições mínimas para atendimento de suas necessidades básicas que buscam no albergue o amparo de noite pós noite (PNAS, 2004). Portanto, esse público que o Albergue Noturno Pousada da Paz acolhe a mais de uma década no município de Tubarão/SC, revela uma desigualdade social, “reportando à diferente distribuição das riquezas socialmente produzidas, polarizando para mais ou para menos, as apropriações dos membros de dada sociedade, caracterizando a existência da pobreza em tal escala de grandeza, configurando a exclusão” (NASCIMENTO, 1994). O conceito de exclusão social está mais próximo, como oposição, ao de coesão social, ou, como sinal de ruptura do vínculo social. Por similitude, encontra-se próximo, também, do conceito de estigma e mesmo, embora menos, do de desvio. Neste caso, entre outras, a diferença reside no fato de que o excluído não necessita cometer nenhum ato de transgressão, como o desviante. A condição de excluído é-lhe imputada do exterior, sem que para tal tenha contribuído direta ou mesmo indiretamente (NASCIMENTO, 1994, p. 30) O autor traz a idéia de discriminação, seja ela racial, sexual, religiosa ou de classes, afirmando que toda discriminação é uma forma de exclusão social, destacando os grupos não integrados ao mundo do trabalho, excluídos de direitos, que por vezes produzem a nãoinserção social. A Assistência Social, resultado de movimentos sociais e conferências, compõe o tripé da seguridade social, com a Constituição Federal de 1988. Em 07 de dezembro de 1993 edita-se a Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, pela primeira vez tratada como política pública. Diferentemente da saúde, que possui caráter universal, e da previdência, com caráter contributivo a Assistência Social é declaradamente não contributiva e direcionada 39 aos indivíduos que dela necessitam. Objetivando prover os seus mínimos sociais “através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (LOAS, 1993, Art. 1º). Segundo a LOAS compete aos Municípios prestar assistência de cunho emergencial e também realizar ações incessantes para a melhoria contínua da qualidade de vida da população. Já aos Estados, cabe atender as demandas emergenciais em conjunto com o Município e realizar ações assistenciais quando houver ausência dos serviços municipais. A Lei Orgânica da Assistência Social rege a concessão de um Benefício de Prestação Continuada (BPC) de um salário mínimo, aos idosos e aos portadores de deficiência, incapacitados para atividades laborativas, que comprovem não ter condições de prover seu sustento por si só ou através de sua família. A população de rua, fenômeno corriqueiro na paisagem das grandes metrópoles brasileiras, a partir da década de 80 pode ser caracterizada por uma (...) condição limítrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas que moram nas ruas da cidade, é parte de uma trajetória composta por situações extremamente vulneráveis [...] de pequenas e grandes desvinculações, de laços afetivos frágeis e irregular suporte material [...] (ESCOREL, 1999, p. 18). Conceitualmente, podemos definir como população de rua a abrangida no contingente que Marx (1987) chamava de exército industrial de reserva. Conceito amplo que, na verdade, abarca desde o trabalhador que está imediatamente disponível ao capital, até aqueles que dificilmente retornariam ao mercado de trabalho. Mas não é possível definir um perfil do morador de rua, pois esse contingente é bastante heterogêneo, composto dos mais variados tipos de pessoas e nas mais diversificadas situações. Entretanto, é possível afirmar, segundo Fonseca (2006), que esta população se divide em subgrupos, sendo os três principais: os indivíduos que ficam na rua, os que estão na rua e os que já são da rua. Os que ficam na rua: subgrupo composto basicamente por trabalhadores, que ficam nas ruas apenas alguns dias da semana, pelas mais diversas razões. Este subgrupo conta também com usuários de álcool e drogas, pacientes psiquiátricos e pessoas que saem de suas cidades em busca de atendimento em serviços públicos como, por exemplo, a saúde. Utilizam a rua para permanência temporária, seja durante o período de embriaguez, alucinações e surtos, seja durante o período de tratamento ou mesmo de tentativa de atendimento em hospitais. 40 Os que estão na rua: pessoas em fase inicial de desvinculação, com determinados laços rompidos, certas vezes sem trabalho, mas na maioria dos casos com ocupações que lhe dão algum retorno financeiro. Os que são da rua: indivíduos que já perderam todos os seus vínculos originais de sociabilidade, higiene e trabalho, introjetaram a rua como seu espaço e não se imaginam vivendo em outro local. MARX (1987) refere-se a esse contingente como o “lixo de todas as classes”, “indivíduos arruinados”, “vagabundos”, “mendigos”. Invisíveis e desnecessários para o sistema, são tema de preocupação apenas quando precisam ser ‘varridos’ ou ‘escondidos debaixo dos tapetes’ para a ‘limpeza’ da cidade (FONSECA, 2006) Segundo Escorel (1999.p. 163) existe uma diferenciação entre ser ou não ser mendigo, inclusive entre os moradores de rua. A autora definiria mendigo como “aquele que sobrevive pedindo esmola, o que não toma banho, não escova os dentes; é o ponto final da degradação humana” A presença cada vez mais visível de andarilhos de estrada e/ou “trecheiros” – sujeitos que vivem nos acostamentos de rodovias, caminhando solitariamente e sem destino, carregando num saco ou mochila puída todos os seus pertences nas vias de transporte terrestre brasileiras, evidencia o fenômeno da movimentação de nômades e errantes nos dias de hoje. É presumível destacar ainda muitos outros subgrupos de moradores de rua, mas parece ser mais importante para o objetivo deste trabalho, discutir um fator peculiar a todos os citados: a dificuldade de viver e sair da rua. Os andarilhos de estrada, segundo a tipologia dos moradores de rua proposta por Snow & Anderson (1998) (in NOGUEIRA, 2004), têm seu estilo de vida baseado na seguinte tríade: bebida, migração e trabalhos temporários e eventuais. Adotam como meio de subsistência o trabalho volante e/ou a mendicância, sem, no entanto, ficar muito tempo parados em um só lugar. O impacto psicológico implantado pela errância parece ser bastante acentuado, visto que nesta condição há uma ausência quase total dos referenciais que geralmente norteiam a vida e a conduta de uma pessoa em sociedade, tais como emprego, residência fixa, amigos, família etc. A sobrevivência no “trecho” é geralmente permeada por um sentimento constante de incerteza, decorrente da precariedade, desassistência e isolamento característicos dessa situação. 41 O andarilho, não por excesso de investimentos subjetivos, e sim por falta de referências é, na realidade, um sujeito altamente individualizado, que não pertence a ninguém a não ser a si mesmo (CASTEL, 1998 in TEIXEIRA, 2001). É um puro indivíduo, e por isso não consegue se inserir efetivamente em espécie alguma de coletividade. É completamente superexposto em virtude da ausência de vínculos e de referenciais estáveis, de modo que “seu corpo é seu único bem e seu único vínculo, que ele trabalha, faz gozar e destrói numa explosão de individualismo absoluto” (CASTEL, 1998 in TEIXEIRA, 2001). Viver nas ruas compreende implícitos obstáculos cotidianos como solidão, falta de privacidade e dificuldades de manutenção da higiene. É necessário que o indivíduo crie uma nova sociabilidade, com estratégias de sobrevivência. Conversar, comer, dormir, tomar banho, usar roupas... Tudo passa a não depender apenas deles, mas de uma rede de sobrevivência a ser criada. Descobrir horários e locais de distribuição de comida, onde tem um cano estourado para a higiene pessoal, qual o melhor bairro para passar o dia e qual o melhor para dormir, enfim, um aprendizado que leva tempo. Criar ‘companheiros de rua’ é outra estratégia para vencer as dificuldades encontradas. Escorel (1999) classifica esse fenômeno como “agrupamentos”. O modo de vida na rua, na medida em que inverte os princípios de organização social entre os espaços públicos e privados, confere enormes restrições que impedem ou dificultam reconstruir relações sociais baseadas no modelo familiar. [...] É o agrupamento a unidade de referência, de pertencimento que confere ao indivíduo morador de rua um suporte similar ao da família, em suas funções de sobrevivência e reprodução, podendo assim ser considerado como substituto da família. O agrupamento seria tão fundamental na estratégia de sobrevivência, entendida enquanto proteção e segurança, que não teria importância com quem se agrupar e sim o ato de agrupar-se (ESCOREL, 1999, p. 152). No senso comum, viver na rua é uma opção, uma escolha diante de determinadas ‘facilidades’ que a rua oferece: baixo custo, liberdade, obtenção de doações de comida, roupas e, principalmente, o recebimento de esmolas, que muitos consideram uma forma fácil de ‘ganhar a vida’. Porém, é nossa intenção deixar claras as diversas dificuldades enfrentadas por essa população: obter documentação, reatar laços familiares, readquirir costumes e hábitos sociais, realocar-se no mercado de trabalho e livrar-se do estigma de transgressores da ordem. 42 O ato desviante dos moradores de rua está constituído por morar na rua, transgredindo um pilar da organização social que é a separação entre público e privado, e por fazer uso de modalidades de sobrevivência que são desviantes em relação aos mecanismos legítimos e convencionados [...]. Os restritos ofícios que exercem são de baixa reputação social e rentabilidade. [...] o morador de rua deve conseguir legitimar sua condição de quem precisa ser ajudado. Deve demonstrar a sua impossibilidade de suprir de maneira convencional suas necessidades básicas, através do trabalho, e de certa forma, ser considerado como uma ‘exceção à regra’. A exposição das deficiências – físicas, mentais ou carenciais – é um modo (eficaz) de legitimar o pedido (ESCOREL, 1999, p. 237 e 238). Democracia política e democracia social, na dimensão dos direitos humanos, reúnem as liberdades civis, a separação e o controle sobre os poderes, a alternância e a transparência no poder, a igualdade jurídica e a busca da igualdade social, a exigência da participação popular na esfera pública, a solidariedade, o respeito à diversidade e a tolerância. Para a democracia, o abandono das instituições públicas onde os cidadãos são iguais é mais funesto que a má distribuição de rendas. Fernando Marques Pena (2008) destaca, no artigo Democracia, Direitos Humanos e Globalização que o eixo central da democracia é a soberania popular decorrendo em uma ordem política produzida pela ação humana. Ora, a democracia implica em uma complexidade de desafios, entre os quais se destacam a maximização dos ideais de participação do povo nas diferentes esferas do social. As afirmações conscientes de um indivíduo pessoal e coletivo se relacionam com a busca de direitos, liberdades, igualdades e reconhecimentos, independentemente se o sujeito é usuário de uma política pública de subsistência ou economicamente autônomo. No município de Tubarão é urgentemente necessário que se crie lei reguladora das relações de parceria para o desenvolvimento dos serviços sócio-assistenciais e, principalmente, que estabeleça direitos à população de rua. 43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ANTUNES, R.. Dimensões da crise e metamorfose do mundo do trabalho. In: Serviço Social e Sociedade, nº 50, 1996. • AVRITZER, L. Um paradigma para os movimentos sociais no Brasil. Rev. bras. Ci. Soc. vol. 12 n. 35 São Paulo Feb. 1997 • BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma Teoria Geral da Política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. • BONAVIDES, Paulo. As Bases da democracia participativa. 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