- Thieme Connect

Propaganda
THIEME
Miscellaneous | Artigo de Atualização
Otite externa necrotizante: uma doença pouco
conhecida entre os neurocirurgiões
Necrotizing Otitis Externa: A Disease Barely Known to
Neurosurgeons
Sérgio Augusto Vieira Cançado1
José Maurício Siqueira3
Lucídio Duarte de Souza2
1 Residente em Neurocirurgia, Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte,
MG, Brasil
2 Neurocirurgião formado pela Clínica Neurológica e Neurocirúrgica
do Hospital Felício Rocho, Fundação Felice Rosso, Belo Horizonte,
MG, Brasil
3 Neurocirurgião da Clínica Neurológica e Neurocirúrgica do Hospital
Felício Rocho, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Rodrigo Moreira Faleiro3
Address for correspondence Sérgio Augusto Vieira Cançado, MSc,
Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brazil
(e-mail: [email protected]).
Arq Bras Neurocir
Resumo
Palavras-Chave
►
►
►
►
►
otite externa
otite maligna
otite necrotizante
diagnóstico
osteomielite da base
do crânio
► tratamento
► diagnóstico
received
July 25, 2016
accepted
October 19, 2016
Otite externa necrotizante (OEN), também conhecida como otite externa maligna
(OEM), é uma doença infecciosa grave do conduto auditivo externo. Sem o tratamento
adequado pode progredir com acometimento da base do crânio. A bactéria Pseudomonas aeruginosa é o agente etiológico mais comum (cerca de 90%) e afeta pacientes
imunocomprometidos, principalmente diabéticos. Otalgia crônica severa, otorreia e
déficit em nervos cranianos são as apresentações clínicas mais comuns. Pacientes com
OEN frequentemente são encaminhados ao neurocirurgião devido ao déficit neurológico e comprometimento da base do crânio. O diagnóstico é complexo, exige alto
índice de suspeição. Diversos exames laboratoriais, de imagem e exclusão por
histologia de neoplasia podem ser necessários. O tratamento precoce e agressivo
reduz a morbimortalidade. Apresentamos quatro casos de OEN para ilustrar o espectro
de apresentação clínica e exames complementares. De acordo com a literatura, é
necessário mais empenho para diagnóstico e tratamento precoce, e o neurocirurgião
tem importante papel nessas tarefas.
DOI http://dx.doi.org/
10.1055/s-0036-1596052.
ISSN 0103-5355.
Copyright © by Thieme Publicações Ltda,
Rio de Janeiro, Brazil
Otite externa necrotizante
Abstract
Keyword
►
►
►
►
►
otitis externa
malignant otitis
necrotizing otitis
diagnóstico
cranial base
osteomyelitis
► treatment
► diagnosis
Cançado et al.
Necrotizing otitis externa (NOE), also known as malignant otitis externa (MOE) is a
severe and rare infective disease of the external auditory canal. Without treatment It
may progress to skull base involvement. The bacteria Pseudomonas aeruginosa is the
most common causative agent (approx. 90%) and affects immunocompromised
subjects, particularly diabetic. Severe chronic otalgia, otorrhoea and cranial nerve
palsy are the most common clinical presentations. Patients with NOE are frequently
referred to neurosurgery because of neurological impairment and skull base compromise. Definitive diagnosis is frequently elusive, requiring a high index of suspicion.
Various laboratory, imaging modalities, and histologic exclusion of malignancy may be
required. Early diagnosis and aggressive treatment reduce morbidity and mortality. We
present four NOE cases to illustrate the spectrum of clinical presentation and
complementary exams. According to literature, more effort to early diagnosis and
treatment is necessary and neurosurgeons play an important role in this task.
Introdução
A otite externa necrotizante (OEN) ou maligna (OEM) é uma
infecção de partes moles do conduto auditivo externo que
penetra no crânio podendo acometer o osso temporal e os
demais componentes da base do crânio. Sua descrição como
entidade clínica data de 1959.1 Na década de 1990, estudos
elucidaram fatores relacionados à patogênese e formas distintas de evolução como a mastoidite e osteomielite da base
do crânio.2,3
A fisiopatologia da OEN envolve uma infecção invasiva que
se inicia no conduto auditivo externo (CAE) e penetra no
crânio pela fissura de Santorini, sendo a Pseudomonas aeruginosa o agente etiológico de até 98% dos casos.3 Comorbidades que alteram a imunidade (HIV, imunossupressão
farmacológica, diabetes melito etc.), irrigação otológica
para limpeza do CAE e alterações locais (microangiopatia
do canal auditivo externo e alteração no pH do cerume em
diabéticos) são os principais fatores de risco.2,3
A história natural da doença sem tratamento é o acometimento, por contiguidade, dos ossos da base em padrões
variados, acarretando lesões dos nervos cranianos.
A progressão para osteomielite da base do crânio (OBC),
com acometimento do osso temporal, occipital e demais
ossos, embora rara, acarreta grande morbimortalidade.4 A
OBC também pode ser desencadeada por acometimento
odontogênico ou dos seios paranasais, porém de forma
menos frequente se comparada à OBC secundária à otite
externa necrotizante.5
Metodologia
São descritos quatro casos de OEN avaliados e tratados no
Serviço de Neurocirurgia do Hospital Felício Rocho. É proposto um fluxograma para abordagem e tratamento dessa
patologia.
Caso 1
Sexo masculino, 58 anos, otalgia severa há 30 dias associada à
cervicalgia e cefaleia temporal direita. História pregressa de
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
diabetes melito insulinodependente. Otite há 11 meses com
paresia facial à direita secundária, tratada na atenção básica
com uso de corticoide tópico e amoxicilina oral por 2
semanas.
Exame Físico
Paresia facial periférica à direita (House-Brackmann IV).
Otoscopia com perfuração da membrana timpânica à direita.
Exames Complementares
Hemograma com leucocitose discreta sem desvio para esquerda. Tomografia computadorizada (TC) de crânio evidencia espessamento e realce da dura-máter na parede lateral do
seio cavernoso direito, erosão do osso petroso à direita e
clivo. Ressonância magnética (RM) de encéfalo evidenciando
a mesma alteração de dura-máter e extenso comprometimento das partes moles da base do crânio.
Evolução
Devido à gravidade do quadro e impossibilidade de excluir
acometimento neoplásico associado, foi feita a coleta de
material para cultura e biópsia por timpanostomia. O procedimento foi realizado pela equipe da otorrinolaringologia.
Exame anatomopatológico evidenciou infiltrado inflamatório inespecífico, e culturas não apresentaram crescimento
de microrganismos.
Baseado nos dados obtidos clinicamente, foi feito o diagnóstico de osteomielite da base do crânio secundária à OEN.
Iniciada a terapia antibiótica com ciprofloxacino e clindamicina endovenosa por 10 dias, com melhora das queixas
álgicas, sendo modificada para ciprofloxacino oral até completar 8 semanas de tratamento. Melhora parcial da paresia
facial (House-Brackmann III) após 6 semanas de antibioticoterapia. Paciente perdeu o seguimento posteriormente.
Caso 2
Sexo masculino, 80 anos, admitido com queixa de otalgia,
otorreia e paresia facial direita com início há mais de 40 dias.
Disfagia associada. Diabetes melito insulinodependente
como antecedente mórbido.
Otite externa necrotizante
Exame Físico
Paralisia facial periférica (House-Brackmann VI) à direita,
paresia dos nervos cranianos IX, X, XI e XII, também à direita.
Otoscopia com secreção purulenta e perfuração da membrana timpânica.
Cançado et al.
mento, a coleta de líquido cefalorraquidiano evidenciou
aumento de células mononucleares, sendo administrado
metotrexate intratecal.
Devido à piora nos sintomas, foi encaminhado para avalição no serviço de neurocirurgia com suspeita inicial de
linfoma da base do crânio.
Exames Complementares
Realizada biópsia através de timpanostomia e coletada secreção para cultura. Resultados sem sinais de neoplasia e
crescimento de P. aeruginosa na cultura da secreção.
Exame Físico
Disfunção dos nervos cranianos VIII, IX, X, XI e XII à direita.
Evolução
Evolução
Caso conduzido pela equipe de otorrinolaringologia em
outro serviço, sendo administrados piperacilina þ tazobactam via endovenosa (EV) por 12 semanas e modificados para
ciprofloxacino oral por 8 semanas. Melhora significativa da
paralisia facial (House-Brackmann II) e disfagia.
Após 12 meses retornou com otalgia à esquerda, cefaleia,
vertigem e hipoacusia neurossensorial também à esquerda. Ao
exame, persistia com paresia facial periférica (House-Brackmann III) à direita. Exames laboratoriais apresentaram aumento da atividade inflamatória; e TC de crânio, destruição
óssea significativa ao redor do forame jugular à direita, com
velamento das células mastóideas. A RM de crânio apresentava
realce no terço médio do conduto auditivo externo com
acometimento ósseo e de partes moles se estendendo até os
forames carótico e jugular à direita. Solicitada uma cintilografia com gálio 67 que evidenciou acúmulo do radiofármaco
na mastoide direita, com extensão para base do crânio e
mastoide contralateral (acometimento contralateral não evidenciado nos exames de imagem anatômicos).
Feito o diagnóstico de recidiva de OEN bilateral com
osteomielite da base do crânio. Opção por implante de
cateter de longa permanência com tratamento domiciliar
com piperacilina þ tazobactam 4,5 g de 8 em 8 horas.
Paciente evoluiu com melhora da cefaleia, otalgia e vertigem e após 16 semanas apresentou normalização das provas
de atividade inflamatória, com suspensão da antibioticoterapia e retirada do cateter.
Realizada revisão dos exames complementares e história
clínica, sendo aventada a hipótese de OEN com evolução
para osteomielite da base do crânio. Iniciado tratamento com
ciprofloxacino 400 mg (EV) de 12 em 12 horas por 6 semanas, e modificado para 500 mg (oral) de 12 em 12 horas por 8
semanas. Apresentou melhora progressiva dos déficits neurológicos, sendo que 12 meses após o tratamento apresentava audição subnormal e disfonia discreta, sem outros
déficits significativos. Mantido seguimento por 6 anos sem
sinais de recidiva.
Caso 4
Sexo feminino, 58 anos, cursando com otalgia bilateral de
início há 40 dias e piora progressiva da intensidade. Otorreia
serosa intermitente nos 12 meses anteriores. Tratada inicialmente com amoxicilina þ clavulanato por 14 dias, sem
melhora, e ciprofloxacino 500mg (oral) de 12 em 12 horas
por 10 dias, com resposta parcial.
Antecedentes mórbidos de hipertensão arterial sistêmica,
diabetes melito insulinodependente, amenorreia aos 35 anos
e dosagem de prolactina de 2.000 ng/ml em exame anterior
sem investigação adicional.
Exame Físico
Hipoacusia neurossensorial bilateral (teste de Rinne positivo
e encurtado bilateral com Weber centralizado), sem outros
déficits neurológicos focais. Otoscopia com secreção serosa
bilateral, membrana timpânica direita com perfuração no
quadrante anteroinferior.
Caso 3
Sexo masculino, 74 anos, relato de otalgia e cefaleia temporal
à direita há 8 meses. Inicialmente, fez seguimento com
otorrinolaringologista em outro serviço, onde, devido ao
diagnóstico de otomastoidite crônica, foi submetido à biópsia da mastoide, que evidenciou presença de infiltrado
inflamatório crônico e questionáveis células neoplásicas.
Na ocasião, cultura positiva para P. aeruginosa. Inicialmente,
tratado com corticoide sistêmico, havendo melhora parcial
da dor. Sem história de diabetes melito.
Dois meses após o tratamento inicial, progrediu com
rouquidão e hipoacusia ipsilateral aos sintomas álgicos.
Biópsia repetida em mais 3 oportunidades com imunohistoquímica inconclusiva e nova RM evidenciando progressão do processo infiltrativo.
Encaminhado ao oncologista que devido à suspeita de
linfoma optou pela realização de quimioterapia com ciclofosfamida, vincristina e dexametasona. Durante o trata-
Exames Complementares
TC de mastoides evidenciando velamento bilateral das células, erosão da ponta do rochedo, parede do seio esfenoidal,
clivo e canal carótico à esquerda (►Fig. 1).
RM de crânio com sinal da sela vazia, volumosa lesão
centrada no seio cavernoso esquerdo envolvendo a artéria
carótida interna esquerda, com extensão para o seio esfenoidal com 2,4 2,1 2,5 cm, tangenciando a margem
inferior da hipófise sem limites bem definidos entre ambas
(►Fig. 2 e 3).
Proteína C reativa: 63,50 mg/Dl (VR < 10).
Prolactina > 2.000,00 ng/ml (exame acima do valor máximo detectável pelo teste mesmo após diluição de 1:10).
Rastreamento endocrinológico sem outras alterações
significativas.
Secreção do ouvido esquerdo sem bactérias coráveis ao
Gram ou crescimento em culturas.
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Otite externa necrotizante
Cançado et al.
Fig. 1 TC de crânio, corte axial acima e sagital abaixo, caso quatro.
Velamento bilateral das células mastóideas (setas brancas), erosão da
ponta do rochedo, parede do seio esfenoidal, clivo e canal carótico à
esquerda (setas pretas). Lesão expansiva com densidade de partes
moles no seio esfenoidal (seta pontilhada).
Fig. 2 RM de crânio ponderada em T1 após administração de
gadolínio, corte axial, caso quatro. Volumosa lesão centrada no seio
cavernoso esquerdo (seta preta) envolvendo a artéria carótida interna
esquerda (seta pontilhada), com extensão para o seio esfenoidal,
medindo 2,4 2,1 2,5 cm. Obliteração completa e bilateral das
células mastóideas (setas brancas).
Evolução
Após admissão hospitalar e discussão do caso com a clínica
médica e a otorrinolaringologia, foi feita a hipótese diagnóstica de OEN complicada com osteomielite da base do
crânio associada a macroadenoma hipofisário secretor de
prolactina. Iniciados piperacilina þ tazobactam 4,5 g (EV) de
6 em 6 horas e cabergolina. Após 7 dias, evoluiu com paresia
facial periférica (House-Brackmann V) à esquerda, sendo
escolhida a mastoidectomia para desbridamento, coleta de
material para biópsia e culturas. Procedimento realizado pela
equipe da otorrino (►Fig. 4).
Anatomopatológico com tecido ósseo necrótico, com reação inflamatória inespecífica, sem fungos ou bactérias
identificáveis. Cultura de secreção e pesquisa de fungos
obtidas no intraoperatório sem crescimento ou agentes
infecciosos identificáveis.
Devido à piora no quadro em vigência da antibioticoterapia e ausência de agente etiológico identificado, substituídos piperacilina þ tazobactam por meropenem 2 g de 8 em
8 horas por 16 semanas.
Paciente apresentou melhora parcial da paresia facial
periférica (House-Brackmann IV), persistência do déficit
auditivo e quadro de diarreia secundária à antibioticoterapia
prolongada. O nível de prolactina voltou à normalidade após
3 meses do início da cabergolina. Realizada single-photon
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Fig. 3 RM de crânio ponderada em T1 após administração de
gadolínio, corte sagital na linha média, caso quatro. Sinal da sela vazia
(seta branca), volumosa lesão ocupando o seio esfenoidal (seta preta),
com realce homogêneo pós-contraste.
Otite externa necrotizante
Cançado et al.
Fig. 4 Fotografias intraoperatórias de mastoidectomia à esquerda. Incisão cirúrgica retroauricular (A). Visão do nervo facial sob microscopia
com magnificação 2 x (seta branca) após o desbridamento cirúrgico (B).
emission computed tomography (SPECT) com gálio 67 no
término do período de antibioticoterapia venosa, que evidenciou concentração discreta do isótopo nas mastoides
(►Fig. 5). Devido a normalização das provas de atividade
inflamatória e efeitos colaterais da antibioticoterapia, o
otorrino optou por interromper o uso do meropenem.
Seguimento ambulatorial sem sinais clínicos de recidiva
nos 6 meses subsequentes ao tratamento.
Discussão
Apresentação Clínica
Cefaleia persistente, otalgia, otorreia e déficits de nervos
cranianos (casos avançados) são as alterações mais comuns.
Essa diversidade de sinais e sintomas faz com que os pacientes procurem atendimento de diversas especialidades, inclusive o neurocirurgião. Além disso, dificulta o diagnóstico,
que ocorre em média 70 dias após o início dos sintomas. O
relato de otorreia crônica não responsiva a agentes tópicos e
otalgia de difícil tratamento com irradiação para a articulação temporomandibular são os achados mais característicos.
Ao exame, a presença de tecido de granulação na junção
osteocartilaginosa do conduto auditivo externo e membrana
timpânica íntegra são típicos. Sinais sistêmicos de infecção,
como febre e leucocitose, não estão presentes na maioria dos
casos. A progressão para OBC acomete em ordem de frequência o nervo facial, glossofaríngeo, vago, raiz espinal do
acessório e hipoglosso. Não há registro de acometimento do
nervo óptico.4,6 A nossa série de casos apresentou sintomas
clínicos compatíveis com a literatura. Em relação ao exame
físico, chamou a atenção a presença de perfuração timpânica
em três dos quatro pacientes. Tal achado, não descrito como
característico previamente, pode ser justificado pelo estágio
avançado quando do diagnóstico.
Propedêutica Complementar
As culturas de secreção do CAE ou o material obtido através
de exploração cirúrgica isolam, em sua maioria absoluta, a P.
Fig. 5 SPECT com gálio 67, cortes coronais, antes da antibioticoterapia (A) e após antibioticoterapia venosa (B), caso quatro. (A), acúmulo do
radiofármaco na região mastóidea à esquerda (seta preta) e na topografia do seio esfenoidal e maxilar à esquerda (seta pontilhada). (B), redução
significativa do acúmulo do radiofármaco em relação ao exame prévio (A), persistência de mínimo acúmulo na mastoide esquerda (seta preta).
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Otite externa necrotizante
Cançado et al.
aeruginosa, porém estudos recentes evidenciam uma taxa de
culturas negativas de até 70%. Idealmente, a coleta deve ser
realizada antes do início da terapia antibiótica.4,7 A positividade de 50% nos casos descritos pode ter sido, portanto,
influenciada pelo uso prévio de antibióticos com inibição,
in vitro, do crescimento bacteriano.
A velocidade de hemossedimentação (VHS) é marcadamente aumentada e pode ser utilizada como marcador de
resposta ao tratamento, como observado nas demais
osteomielites.6,8,9
Não há estudos de sensibilidade e especificidade comparando os diferentes exames de imagem no diagnóstico e
controle de tratamento da OEN, portanto sua utilização é
guiada pelas vantagens e deficiências técnicas de cada
método.
A cintilografia óssea com metilenodifosfonato ligado ao
tecnécio (MDP – Tc 99 m) é o método mais sensível, sendo o
acúmulo do radiofármaco relacionado à atividade osteoblástica. Por permanecer alterada de forma indefinida e em casos
de otite externa não complicada, essa metodologia não é uma
boa opção para diagnóstico diferencial e controle de cura.
A cintilografia com uso do gálio 67, que é incorporado a
granulócitos e bactérias, apresenta maior especificidade se
comparada à óssea com MDP – Tc 99 m. Alguns autores
advogam que esta cintilografia pode ser utilizada como
controle de cura e para seguimento evolutivo, entretanto
há registro de recorrência de OEN com cintilografia por Ga 67
normal.10 Alterações na cintilografia/SPECT com Ga 67 podem preceder, em semanas, a erosão óssea evidenciada na
tomografia computadorizada (TC).11
Exames anatômicos, como TC e RM, permitem topografar
com precisão a área de acometimento. Na tomografia, há erosão
óssea e alterações nas partes moles e dura-máter adjacentes
(borramento da gordura, alteração da densidade do osso trabecular e realce pelo contraste). Mesmo após o tratamento
satisfatório, não há alteração nas áreas de erosão, o que limita
o uso da TC para controle de tratamento. A RM é mais sensível
que a TC para a identificação das alterações de partes moles
(hipersinal T2 e realce pós-contraste), além de identificar
alterações no conteúdo lipídico da medula óssea nos casos de
OEN.4,11,12
Nos casos apresentados, o uso de métodos de medicina
nuclear com intuito diagnóstico foi dispensável, visto que, em
todos, a TC já apresentava erosão óssea, sugerindo o diagnóstico de OEN. No paciente de número quatro, a cintilografia com Ga 67 foi útil para controle de tratamento após a
troca da antibioticoterapia.
A biópsia cirúrgica é a única forma de diagnóstico diferencial entre o carcinoma de células escamosas e a OEN em
casos sem elevação do VHS e de culturas negativas, visto que
os achados de imagem podem ser semelhantes. Apesar de
rara, há descrição da coexistência das duas doenças em um
mesmo paciente.13,14 É importante ressaltar que no caso três,
em que a biópsia se mostrou duvidosa para células neoplásicas, a cultura foi positiva para P. aeruginosa. Em nossa
opinião, tal fato justifica um tratamento de prova com
antibióticos, visto que apresenta menor risco que a quimioterapia à qual o paciente foi submetido.
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Diagnóstico
Não há consenso quanto aos critérios diagnósticos para OEN,
sendo necessária a presença das alterações nos exames
complementares associada à história da otalgia, otorreia
crônica e/ou demais sintomas, em paciente com fator de
risco. A casuística demonstrada ilustra bem essa variabilidade de apresentações, sendo notável que o caso três não
apresentava nenhum fator de risco para OEN, apesar do
quadro clínico típico. A boa resposta ao tratamento clínico
pode ser utilizada para confirmação diagnóstica, visto que a
taxa de cura na OEN é superior à 75%.4
Tratamento
O uso de agentes antimicrobianos com espectro antipseudomonas é a primeira escolha. Ciprofloxacino 750 mg por via
oral de 12 em 12 horas apresenta boa penetração óssea e
eficácia elevada no tratamento dos casos de OEN quando
utilizado por no mínimo 6 semanas. Apesar de estudos
isolados utilizarem medicamentos por um período menor
que 4 semanas, não há evidência científica suficiente para
justificar essa redução.4,5 A utilização de terapêutica endovenosa (EV), como ceftazidima 2 g de 8 em 8 horas, é
recomendada em casos com resposta parcial ao tratamento
oral ou progressão para osteomielite da base do crânio. Não
há resposta com o uso de medicações tópicas, sendo que essa
terapia ainda dificulta o isolamento do agente na cultura de
secreção do CAE.4,5 Não documentamos agentes resistentes à
antibioticoterapia convencional; porém, devido à resposta
clínica insatisfatória, no caso quatro, optou-se pelo uso de
antibiótico
para
P.
aeruginosa
multirresistente
(meropenem).
Não há consenso sobre os critérios de cura que determinem interrupção da terapia antimicrobiana, sendo a taxa de
recorrência muito similar entre os diversos regimes terapêuticos em casos não complicados. A última revisão realizada encontrou uma taxa de recorrência média de 9,7% nas
diversas séries avaliadas.4
Nos casos raros em que há etiologia fúngica (Aspergillus é a
principal), recomenda-se tratamento prolongado (superior a
12 meses) com anfotericina-B.
Com a antibioticoterapia, o tratamento cirúrgico ficou mais
restrito, sendo indicado para obtenção de material para
cultura ou biópsia. Raramente são necessários desbridamento
nos casos de acometimento dos nervos cranianos ou tratamento para abscessos secundários. Como a lesão neural ocorre
por efeito citotóxico da resposta inflamatória, a descompressão isolada de nervos cranianos sem desbridamento não é
indicada.4–6,15,16 Em todos os casos apresentados, foram
realizadas biópsias cirúrgicas, sendo que apenas no último
foi necessário o desbridamento cirúrgico, devido ao novo
déficit de nervo craniano em vigência da antibioticoterapia.
Conforme ilustrado previamente, não há um critério patognomônico para o diagnóstico de OEN ou de suas complicações,
como a osteomielite da base do crânio.4,17,18 O curso insidioso
associado à dificuldade diagnóstica acarreta atraso no tratamento, o que pode originar complicações e, inclusive, levar ao
óbito.4,5,8,9 Em função disso, propomos um fluxograma que é
Otite externa necrotizante
Cançado et al.
Fig. 6 Fluxograma de diagnóstico e tratamento da OEN. Abreviações: ATB, antibioticoterapia; CAE, conduto auditivo externo; MDP,
metilenodifosfonato; SPECT, single-photon emission computed tomography; TC, tomografia computadorizada; VHS, velocidade de
hemossedimentação.
adotado atualmente em nossa instituição e se baseia na literatura científica utilizada na confecção deste artigo (►Fig. 6).
tenha conhecimento dessa entidade nosológica para um
tratamento precoce e adequado, além de evitar procedimentos cirúrgicos desnecessários.
Conclusão
A OEN é bem documentada na literatura otorrinolaringológica, mas pouco descrita em publicações neurocirúrgicas. É
uma doença com elevada morbidez, porém tratável. Um alto
índice de suspeição, conhecimento dos métodos diagnósticos
complementares e tratamento precoce reduzem o tempo até
o diagnóstico e evitam complicações. O diagnóstico diferencial com tumores da base do crânio e o eventual acometimento das estruturas neurais exigem que o neurocirurgião
Referências
1 Meltzer P, Kelemen G. Pyocutaneous osteomyelitis of the tempo-
ral bone, madible, and zygoma. Laryngoscope 1959;69(10):
1300–1316
2 Rubin J, Yu VL, Stool SE. Malignant external otitis in children.
J Pediatr 1988;113(6):965–970
3 Rubin J, Yu VL. Malignant external otitis: insights into pathogenesis, clinical manifestations, diagnosis, and therapy. Am J Med
1988;85(3):391–398
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Otite externa necrotizante
Cançado et al.
4 Mahdyoun P, Pulcini C, Gahide I, et al. Necrotizing otitis externa:
5
6
7
8
9
10
11
a systematic review. Otol Neurotol 2013;34(4):620–629
Ridder GJ, Breunig C, Kaminsky J, Pfeiffer J. Central skull
base osteomyelitis: new insights and implications for diagnosis
and treatment. Eur Arch Otorhinolaryngol 2015;272(5):
1269–1276
Rubin Grandis J, Branstetter BF IV, Yu VL. The changing face
of
malignant (necrotising) external otitis: clinical, radiological, and
anatomic correlations. Lancet Infect Dis 2004;4(1):
34–39
Soudry E, Joshua BZ, Sulkes J, Nageris BI. Characteristics and
prognosis of malignant external otitis with facial paralysis.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2007;133(10):1002–1004
Verim A, Naiboğlu B, Karaca Ç, Seneldir L, Külekçi S, Oysu Ç.
Clinical outcome parameters for necrotizing otitis externa. Otol
Neurotol 2014;35(2):371–376
Stevens SM, Lambert PR, Baker AB, Meyer TA. Malignant Otitis
Externa: A Novel Stratification Protocol for Predicting Treatment
Outcomes. Otol Neurotol 2015;36(9):1492–1498
Ostfeld E, Aviel A, Pelet D. Malignant external otitis: The diagnostic value of bone scintigraphy. Laryngoscope 1981;91(6):
960–964
Chakraborty D, Bhattacharya A, Kamaleshwaran KK, Agrawal K,
Gupta AK, Mittal BR. Single photon emission computed tomo-
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
12
13
14
15
16
17
18
graphy/computed tomography of the skull in malignant otitis
externa. Am J Otolaryngol 2012;33(1):128–129
Kwon BJ, Han MH, Oh SH, Song JJ, Chang KH. MRI findings and
spreading patterns of necrotizing external otitis: is a poor outcome predictable? Clin Radiol 2006;61(6):495–504
Grandis JR, Hirsch BE, Yu VL. Simultaneous presentation of
malignant external otitis and temporal bone cancer. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1993;119(6):687–689
Mattucci KF, Setzen M, Galantich P. Necrotizing otitis externa
occurring concurrently with epidermoid carcinoma. Laryngoscope 1986;96(3):264–266
Singh A, Al Khabori M, Hyder MJ. Skull base osteomyelitis:
diagnostic and therapeutic challenges in atypical presentation.
Otolaryngol Head Neck Surg 2005;133(1):121–125
Djalilian HR, Shamloo B, Thakkar KH, Najme-Rahim M. Treatment
of culture-negative skull base osteomyelitis. Otol Neurotol 2006;
27(2):250–255
Peleg U, Perez R, Raveh D, Berelowitz D, Cohen D. Stratification for
malignant external otitis. Otolaryngol Head Neck Surg 2007;
137(2):301–305
Illing E, Zolotar M, Ross E, Olaleye O, Molony N. Malignant otitis
externa with skull base osteomyelitis. J Surg Case Rep 2011;2011(5):
6
Download