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Luciano Honorato Leão, Marcelo Augusto Figueiredo de Almeida
FATORES QUE INFLUENCIAM O CONSUMO NO FUTEBOL
Luciano Honorato Leão
Marcelo Augusto Figueiredo de Almeida
RESUMO
O presente artigo tem o objetivo apresentar cinco hipóteses que levam os torcedoresfanáticos por futebol a consumirem produtos e serviços de seus times, além de
dedicarem tanto tempo aos clubes do coração. Entrevistas com alguns torcedoresfanáticos do Vale do Aço revelaram que um time de futebol não se circunscreve
meramente a um simples clube desportivo, visto que abrange aspectos atinentes à
afetividade, crença/religião, angústia/paixão e distinção. Logo, o trabalho em tela se
propõe a traçar um sucinto diagnóstico de como os profissionais de marketing têm se
apropriado das dimensões diversas havidas na relação torcedor-time, a fim de
potencializar o consumismo movido pelo fanatismo.
Palavras-chave: Torcedor de Futebol. Fanatismo. Consumismo.
1 INTRODUÇÃO
A temática do fanatismo atrelado ao consumismo no mundo do futebol já foi tratada
em diversos estudos acadêmicos no que, em suma, se observa uma abordagem
unilateral. O presente trabalho, por sua vez, partiu da problemática em se definir quais
são os fatores determinantes a tornarem torcedores fanáticos por futebol em
consumidores fiéis de produtos e serviços de seus times.
Para responder a essa pergunta constatou-se não apenas uma, mas um conjunto de
hipóteses que se propuseram a responder como ocorrem tais engrenagens de
consumo e fidelidade aos times. Além de reunir algumas dessas hipóteses de
consumo por torcedores fanáticos, testaram-se os conceitos por meio de referenciais
teóricos, através de entrevistas realizadas com torcedores fanáticos do Vale do Aço.
De acordo com o colhido dos entrevistados, constatou-se que, de um modo geral,
todos tratam o seu time como único e especial e incluem em seus depoimentos que
só quem faz parte daquela determinada torcida é capaz de entender tamanha paixão.
Pelo time e para o time tudo é válido, e, em se tratando de consumo, algo muito maior
se faz presente. É que consumir diante das hipóteses observadas neste trabalho de
pesquisa de campo, é como se diferenciar e manter uma identidade-pertencimento
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dentro de determinado grupo (distinção) – de acordo com Ferraz (2011), ou se
satisfazer (afetividade) e achar felicidade diante de uma dificuldade (angústia causada
pela paixão) – na perspectiva de Reale (2011) e, com isso, se findar no mundo
(hierofanização) – conforme Eliade.
Enfim, observa-se que toda essa relação havida entre clube-torcedor é explorada
pelos produtores de marketing e evidenciada nas campanhas lançadas com
frequência pelos clubes, a fim de se obter vultoso retorno financeiro.
2 O CONSUMO PELA DISTINÇÃO
Já dizia o memorável professor Pietrocolla (1986): “O consumo é a expressão
materializada, portanto, perceptível da diferença”. Partindo dessa premissa, o primeiro
fator observado, ou, a primeira hipótese apresentada em relação ao consumo,
especificamente, por produtos e serviços relacionados ao futebol, diz respeito à
distinção.
Refere-se à distinção no sentido de identidade-pertencimento, conceito utilizado por
Ferraz (2011) para especificar o torcedor como sendo alguém que procura se
diferenciar e pertencer a um determinado grupo (no caso, a torcida), criando uma
relação de família com os agentes deste, o que, consequentemente, acarreta uma
negação aos outros (ou seja, às demais torcidas), já que a escolha, neste caso,
implica numa ruptura.
Uma das justificativas de Bourdieu (2011) sobre essa negação traduz-se na teoria do
gosto, onde gostar ou preferir algo (time de futebol) em detrimento dos demais não se
configura um componente acessório e auxiliar da disposição estética ou do prazer em
si mesmo. Como toda a espécie de gosto, explica o autor, une todos aqueles que são
produtos de condições semelhantes e ao mesmo tempo separa daqueles que não
estão inseridos nessas mesmas condições. Portanto, as preferências manifestadas
são as afirmações práticas de uma diferença inevitável e, por isso, o horror e a
intolerância diante das escolhas do outro. O que os torcedores consomem e o modo
como consomem são, de fato, a exteriorização dessa distinção (BOURDIEU, 2011).
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Em uma entrevista realizada com Rafael Aguiar, torcedor fanático pelo Corinthians,
pode-se perceber e confirmar esse postulado teórico de Bourdieu. Rafael deixa bem
claro que a torcida do Corinthians não é uma torcida comum, não é como as outras.
“Só quem nasce corinthiano sabe como grande é isso para gente” (Informação
verbal)1. Nota-se que o entrevistado demonstra muita intimidade com o clube e
confirma em seu depoimento uma nítida divisória social e comportamento de
distinção: “eu faço parte da maior torcida organizada da América Latina, não é pouca
coisa não, os Gaviões da Fiel” (Informação verbal)2 . Percebe-se que o gosto não é
natural; ele é, de fato, naturalizado e serve como um meio de distinção de uma classe
em relação à outra, ou seja, se torna um símbolo de poder e de identificação com os
semelhantes e exclusão dos que não partilham dos mesmos gostos (SIQUEIRA,
2010).
A escolha de Rafael Aguiar sobre por qual time torcer rompe com o conceito de
herança paternal do capital cultural3 – costumes e preferências adquiridos
inicialmente no seio da família de forma inconsciente. No seu caso em particular,
sendo mineiro e filho de um pai cruzeirense, houve uma nova aquisição de capital, já
em sua maturidade, recebidos em sua trajetória de vida com condições diferentes da
sua trajetória iniciada em sua família, o que resultou na escolha de torcer por um time
de outro Estado. Ele deixa bem claro que é um consumidor em potencial ao dizer
“uma parte do meu guarda-roupa é totalmente destinada a produtos oficiais do
Corinthians” (Informação verbal)4. Além dos muitos produtos já adquiridos, Rafael
carrega no seu corpo várias tatuagens do “timão”, o que é entendido como uma forma
de se identificar no seu grupo e se distanciar dos demais (BOURDIEU, 2011).
3 O CONSUMO PELA ANGÚSTIA CAUSADA PELA PAIXÃO
Hipótese que também leva os fanáticos a consumirem fielmente, diz respeito ao
sentimento de angústia causado pela paixão.
1
Informação fornecida por Rafael Aguiar, torcedor fanático do Corinthians em entrevista realizada por Luciano
Honorato em Janeiro de 2013.
2
Informação fornecida por Rafael Aguiar, torcedor fanático do Corinthians em entrevista realizada por Luciano
Honorato em Janeiro de 2013.
3
Conjunto de valores, herdados desde a infância por meio da família até a maturidade no convívio com o outro.
4
Informação fornecida por Rafael Aguiar em entrevista realizada por Luciano Honorato em Janeiro de 2013.
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A análise sobre a “paixão” apresentada por Comte-Sponville, revela que o amor é
visto como o maior e mais elevado sentimento, e pode ser conceituado por três
diferentes formas, sendo “Eros, Philia e Ágape. Eros seria o amor correspondente à
paixão, Philia seria o amor correspondente à amizade, e Ágape, à caridade” (COMTESPONVILLE apud REALE, 2011, p.107). O presente artigo se aterá apenas ao
entendimento do amor Eros; que, apesar de não se separar dos demais, diz respeito
à Paixão. O amor Eros é uma paixão com grande apelo emocional por detrás do
sentimento. É um amor que nasce pela falta, pela angústia e insatisfação (COMTESPONVILLE, 1995).
“Corinthians não é só um clube, Corinthians é como se fosse meu refúgio pelos
problemas” (Informação verbal)5 . Por meio dessa fala, Rafael identifica o seu time
como algo “maior” do que de fato parece ser (grande apelo emocional) e, ao mesmo
tempo, coloca este “maior” como sendo a solução para suas dificuldades (angústia),
como se essa paixão gerasse forças para enfrentar todos os seus problemas.
Partindo desta perspectiva, vê-se que o vazio e a angústia vivenciados pelo agente
(torcedor) fazem com que o consumo por produtos, serviços e dedicação ao time seja
incentivado, proporcionando "uma satisfação temporária para o vácuo causado pela
insatisfação e frustração própria da paixão, do querer e não possuir" (REALE, 2011).
Foi identificado em outra entrevista, realizada com Samuel Alves, torcedor fanático
pelo antigo Ipatinga FC, que o sentimento de angústia pode durar por muito tempo.
Em seu caso, Samuel sofreu a perda do seu time e a compara, até hoje, com a perda
de uma namorada: “eu sofri mais quando o Ipatinga acabou do que com algumas exnamoradas, para ser sincero” (Informação verbal)6 . Samuel ainda completa dizendo
que em uma das fases da sua vida, tudo que ele tinha era o Ipatinga: “teve uma fase
na minha vida que tudo que eu tinha era o Ipatinga, e quando acabou foi uma dor
inexplicável” (Informação verbal)7 .
5
6
7
Informação fornecida por Rafael Aguiar, torcedor fanático do Corinthians em entrevista realizada por Luciano
Honorato em Janeiro de 2013.
Informação fornecida por Samuel Alves, torcedor fanático do antigo Ipatinga FC em entrevista realizada por
Marcelo Augusto em Abril de 2013.
Informação fornecida por Samuel Alves, torcedor fanático do antigo Ipatinga FC em entrevista realizada por
Marcelo Augusto em Abril de 2013.
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Nesse caso, ao que parece, Samuel sempre levará um sentimento de angústia
consigo, pois, o consumo de forma fiel e o seu acompanhamento aos jogos já não
será mais possível; já que o Ipatinga FC acabou. Ele declara que foi fiel comprando
todo o tipo de material licenciado: “camiseta, chinelo, caneca, tapete e tudo o que eles
lançavam” (Informação verbal)8 e acredita que por um bom tempo será ipatinguense9.
Samuel carrega consigo uma tatuagem de um tigre, mascote do clube, e a considera
como sendo uma das maiores loucuras já feitas pelo Ipatinga, sem mencionar as
diversas viagens feitas pelo Brasil apenas para ir ver o time jogar e, ao fim do jogo,
voltar para casa.
Em outra entrevista, Ben Hur Coimbra, torcedor do Cruzeiro, diz que seu time é “uma
válvula de escape que a gente tem no dia-a-dia em relação a qualquer tipo de
problema que a gente tiver, independentemente da fase, independentemente da
condição” (Informação verbal)10 . Percebe-se o quanto essa paixão gerada pelo
“torcer” ajuda os torcedores a encontrarem seu ponto fixo. O time não é visto como
apenas um clube, mas como algo muito maior que se imagina ser, o que se aproxima
das experiências religiosas e emocionais, distanciando muitas vezes da razão.
4 O SAGRADO E O PROFANO NO FUTEBOL - HIEROFANIZAÇÃO
Abrindo a discussão sobre o sagrado e o profano no campo futebolístico, insta
esclarecer que não se objetiva discutir ideias de Deus e de religião, mas sim analisar
as experiências religiosas no âmbito da hierofania como terceira hipótese para o
consumo no futebol. Hierofania acontece quando algo de sagrado é vislumbrado
através de manifestações em quaisquer objetos, seja numa pedra, em uma árvore ou
em um time de futebol (ELIADE, 1992).
Um time de futebol sacralizado pelo torcedor, não por isso é menos um time. Para
Rafael Aguiar, “Corinthians é religião, Corinthians é um estado de espírito”
8
Informação fornecida por Samuel Alves, torcedor fanático do antigo Ipatinga FC em entrevista realizada por
Marcelo Augusto em Abril de 2013.
9
Como é chamado quem torce, para o Ipatinga Futebol Clube.
10
Informação fornecida por Bem Hur Coimbra, torcedor fanático do Cruzeiro em entrevista realizada por Marcelo
Augusto em Abril de 2013.
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(Informação verbal)11 . Rafael vê o seu time como algo sagrado e distante do profano
(tudo o que esta fora, do espaço Corinthians). Para aqueles que sacralizam,
enxergarão sempre, em todos os jogos e materiais relacionados ao time, algo
sobrenatural e não um simples jogo ou um simples objeto. A hierofania se manifesta
nos jogadores, no espaço onde é vistos os jogos, nos produtos licenciados, enfim, em
tudo que leva a marca do clube.
Para um homem religioso (torcedor fanático), existem os espaços sagrados – único
real e com grande valor significativo, e não sagrados – sem estrutura e sem valor, e,
para viver nesses espaços é preciso primeiramente ter uma experiência religiosa
primária, que precede uma reflexão sobre o mundo que o cerca, no caso deste
trabalho, os demais times. E é dessa reflexão que é descoberto o “ponto fixo”, o eixo
central de toda a orientação futura e que possibilita ao homem, viver realmente no
mundo. É a partir daí que as hierofanias se revelam, anulando sua homogeneidade
nos diferentes espaços e coisas. Portanto, o time se configura sagrado (ELIADE,
1992).
“Corinthians do meu coração, tu és religião de janeiro a janeiro. Ser Corinthiano é ir
além de ser ou não ser o primeiro”. Este é o trecho da música, Corinthians do meu
Coração, de Toquinho12, e segundo Milton Neves13 (2012) confirma o quanto o
torcedor, neste caso, Corinthiano, utiliza de vários ritos para simbolizar sua “devoção”
ao time. Em um estádio, por exemplo, acontecem verdadeiros “rituais de adoração” e
se manifestam como grandes demonstrações de fé. Todos sabem de cor as músicas
entoadas nas arquibancadas como se fossem hinos de devoção e naturalmente esses
torcedores fanáticos não permitem que seus filhos sigam outras religiões (times), já
que a sua é a verdadeira, o ponto fixo.
5 RELAÇÃO AFETIVA PELO CLUBE
Emoção, sentimento e paixão... Segundo Henri Wallon (2008) a afetividade é
expressa por meio dessas três manifestações, que surgem durante toda a vida do
11
Informação fornecida por Rafael Aguiar, torcedor fanático do Corinthians em entrevista realizada por Luciano
Honorato em Janeiro de 2013.
12
Corinthiano, violonista e compositor de MPB de São Paulo.
13
Jornalista profissional diplomado, publicitário, empresário e apresentador esportivo de rádio e TV.
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agente, mas, assim como o pensamento infantil, apresentam uma evolução, que
caminha do sincrético (difusa, sem distinção das relações que as unem) para o
diferencial.
As relações geram medo, alegria, raiva, posteriormente ciúmes, tristeza, dentre outros
(SALLA, 2012). Nessa hipótese, é apresentada a afetividade do torcedor em relação
ao seu clube, como, por exemplo, o que os torcedores fariam para ver o seu time
jogar. Ser afetado, aqui, é reagir com atividades internas/externas diante de
determinadas situações vivenciadas pelo mundo por meio de diversas sensações,
agradáveis ou desagradáveis e manifestadas por meio da emoção, sentimento e
paixão (MAHONEY ; ALMEIDA, 2005).
O torcedor, ao acompanhar e consumir algo de seu time, pode expressar alguma
emoção diante da situação encontrada. Portanto: medo, alegria, raiva, ciúme e
tristeza são, de fato, uma das exteriorizações da afetividade. Essas emoções são
geradas por meio de sistemas de atitudes relacionadas a uma ou mais situações e
dão rapidez às respostas, como por exemplo, gritar quando seu time faz um gol ou
chorar ao perder um jogo. Tais manifestações no campo14 do futebol, na maioria das
vezes, são expressas de forma coletiva.
Se emoção é a exteriorização da afetividade, o sentimento é a sua expressão
representacional e amadurecida, pois, se torna algo racional. Logo, o pensar completa
o sentir, e, por isso, o adulto tem maiores recursos de expressão representacional
(observa e reflete antes de agir).
O sentimento não implica reações instantâneas e diretas como na emoção. Por
último, e conforme já citado, a paixão se une ao sentimento e à emoção, é um amor
que nasce pela falta (COMTE-SPONVILLE apud REALE, 2011) e revela certo
autocontrole para dominar alguma situação: tenta para isso silenciar a emoção e
caracteriza-se por ciúmes, exigências e exclusividade (MAHONEY; ALMEIDA, 2012).
Negar uma afetividade aqui é assumir outra, como acontece no caso de Rafael Aguiar
14
Campo aqui é no sentido de sistema de diferenças, de distâncias diferenciais, podendo ser entendido, também
como ambiente do futebol.
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ao dizer “minha filha esta para nascer, a previsão é semana que vem, e justo semana
que vem eu tenho uma viagem marcada para Colômbia, mano, e essa viagem não vai
ter jeito de ser desfeita” (Informação verbal)15 . Em ambos os casos, o evento não se
repete: não aconteceria o mesmo jogo na Colômbia outra vez, e do mesmo jeito ele
não teria a chance de ver sua mesma filha nascer de novo. Portanto, eis uma questão
de escolha.
Em outra situação semelhante, no depoimento de Ben Hur, torcedor cruzeirense,
também se percebe uma relação de troca de afetividade. Repare-se: “final de
semana, por exemplo, eu passo mais tempo conversando com os cruzeirenses da
minha família Cruzeiro do que com a minha família mesmo de verdade” (Informação
verbal)16 .
6 O MARKETING ENQUANTO FATOR INFLUENCIADOR AO CONSUMO
A tradução da palavra marketing para o português é mercadologia. A tarefa do
marketing, segundo Kotler (2000, p.28), “é encontrar meios de ligar os benefícios do
produto às necessidades e aos interesses naturais das pessoas”.
Bem utilizado, nota-se que o marketing se torna uma importante ferramenta capaz de
convencer as pessoas a consumirem os produtos expostos pela campanha. Além do
mais, possibilita vultoso crescimento, enriquecimento e visibilidade da marca
representada. Sob essa perspectiva, conclui-se o marketing como sendo um processo
social e gerencial por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que
necessitam e o que desejam através da criação, oferta e livre negociação de produtos
e serviços de valor com outros (KOTLER, 2000, p. 30).
A influência do marketing no consumo é observada também no campo esportivo.
Tanto na criação, no planejamento e no desenvolvimento das campanhas de
marketing esportivo, os profissionais enxergam os torcedores como verdadeiros
clientes com grande potencial de compra.
15
Informação fornecida por Rafael Aguiar, torcedor fanático do Corinthians em entrevista realizada por Luciano
Honorato em Janeiro de 2013.
16
Informação fornecida por Bem Hur Coimbra, torcedor fanático do Cruzeiro em entrevista realizada por Marcelo
Augusto em Abril de 2013.
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O Marketing esportivo lida com impulsos emocionais e a produção das campanhas
significam mais do que vender, elas têm em seu envolvimento um conjunto de
atividades, que tornam os clientes fiéis e verdadeiros defensores da marca.
Tais atividades podem ser exploradas por meio de uma infinidade de fatores, no que
se propôs a presente pesquisa a analisar apenas quatro destes, sendo, distinção,
afetividade, angústia causada pela paixão e hierofanização, pelo motivo de terem sido
as mais evidenciadas nas entrevistas realizadas com os torcedores fanáticos pelo
Cruzeiro, Corinthians e o antigo Ipatinga Futebol Clube da cidade de Ipatinga.
No marketing esportivo o objetivo é agir como uma ferramenta estratégica e
inteligente para gestão, divulgação e fortalecimento de marcas através das
plataformas esportivas. Segundo Robert Mills17 (2007), em entrevista dada ao site
Brasil Profissões, o principal motivo do crescimento do marketing esportivo é o
profissionalismo dos esportes, no caso o futebol. Mills (2007) afirma que “as pessoas
percebem que a emoção tem que estar de lado do espectador, do praticante, mas que
o profissionalismo da gestão é vital para o sucesso de qualquer empreitada”.
Na visão de Francisco Paulo de Melo Neto18, para os clubes o marketing esportivo é
como uma válvula de escape para quitar despesas. No futuro sobreviverão apenas os
clubes que praticarem o seu marketing de forma eficaz e que, analisando da visão do
clube, o marketing só terá sucesso com o profissionalismo da gestão (MELO NETO,
1998, p.89).
6.1 Exemplos de campanhas aplicando as hipóteses
Percebe-se que as campanhas dos times de futebol exploram as hipóteses aqui
tratadas, sendo que se utilizam do sentimento de paixão do torcedor pelo clube, da
troca de uma afetividade pela outra, da forma que cada torcedor se coloca como
distinto do time do outro e de como ele sacraliza tudo isso, olhando seu time como
uma verdadeira religião.
17
Profissional de comunicação há 10 anos. Na área esportiva, começou participando de eventos como Fórmula 1 e
Copa do Mundo. Hoje atua no marketing esportivo.
18
Professor universitário de administração e marketing esportivo.
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Distinção - o clube Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense em uma de suas campanhas,
traduz com excelência a presença predominante do fator influenciador distinção.
Repare-se o texto da peça publicitária abaixo: “nosso time tem uma força que nenhum
outro tem: você”.
Figura 1 Campanha Grêmio
Fonte: <http://gremioblogs.blogspot.com.br/2011/01/gremio-lanca-campanha-socio-torcedor.html>
Diante de tais dizeres, nota-se em quão distinto patamar é colocado o torcedor
tricolor. A mensagem que fica é que os demais times não possuem a força do Grêmio,
já que, a fonte distinta de força vem do gremista.
Afetividade - dizer que a vida de um torcedor de futebol é um time, é abandonar sua
origem, trocar uma afetividade pela outra, o que de fato, foi abordado no papel de
parede. A ilustração com a frase “O Palmeiras vai jogar eu vou!” mostra bem o que
queremos passar.
Figura 2 Campanha Palmeiras
Fonte:<http://br.esporteinterativo.yahoo.com/blogs/tv-esporte/rebaixamento-palmeiras-pode-ser-bomneg%C3%B3cio-para-globo-154809443.html>
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O fato de o torcedor dizer que se haverá jogo do seu time ele irá, refere-se à paixão
que ele sente pelo time de futebol, e o mesmo preferindo trocar qualquer outro
momento de sua vida para acompanhar seu time do coração.
Angústia causada pela paixão - independentemente se ganha ou se perde, se é na
alegria ou na tristeza, o torcedor fanático sempre carregará seu time em seu coração.
Note o impacto que causa a frase da imagem a seguir: “Lutaremos até o fim”,
veiculada em uma campanha do Santa Cruz – PE, que reflete o sentimento de
angústia causada pela paixão.
Figura 3 Campanha Santa Cruz
Fonte: <http://i3.ytimg.com/vi/npP3czODwOc/mqdefault.jpg>
Nunca desistir é um tipo de slogan que praticamente todos os torcedores do Brasil e
do mundo adotam nos momentos difíceis. O que mostra que pelo sentimento da
paixão, mesmo nos momentos mais difíceis sempre estão a favor de seus times.
Hierofanização - o time já não é visto como apenas um clube de futebol, mas sim
como uma religião. Na imagem da campanha acima, foi feito uma alusão ao
Cristianismo, tratando o Corinthians como “Corinthianismo” acompanhado do slogan,
“agora todos saberão de sua fé” e dos “mais de 30 milhões de fiéis”.
A torcida do Corinthians é taxada há vários anos como “A Fiel”, por estar com o time
em todos os momentos. A assiduidade demonstrada pelos corinthianos nos jogos do
“timão”, os ritos e momentos de devoção que se acontece no campo de futebol é o
que faz essa alusão à religião apresentada na imagem.
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Figura 4 Campanha Fiel Torcedor
Fonte: < http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2013/06/livro-mostra-paixao-detorcedores-famosos-e-anonimos-pelo-corinthians.html>
6.2 Pesquisa de campo
Segundo Brunoro (1997, p. 30) 19 “um clube grande representa uma forte marca, no
sentido comercial, devido ao lastro de uma retaguarda de fiéis torcedores
(consumidores)”, do que se pode concluir que as campanhas produzidas pelo time
sempre terão boa aceitação com o público alvo.
Em entrevista, Ben Hur – torcedor cruzeirense – relata a importância do marketing e
do apelo à paixão do torcedor. “Quando bem traçada ela vem ao encontro dos
anseios e possibilidades do torcedor, motivando-o a realizar, apoiar e comprar algo
relacionado à campanha” (Informação verbal)20 . Ainda segundo Ben Hur, o programa
de sócio-torcedor aproxima mais a instituição/empresa (clube de futebol) do seu
cliente/torcedor. “Campanhas como sócio-torcedor, onde você vê resultados em
contrapartida dos investimentos, benefícios e descontos fidelizam e fazem o torcedor
se sentir cada vez mais como parte integrante e importante ao clube” (Informação
19
Um dos mais bem sucedidos profissionais de marketing esportivo do país. Atualmente dirigente do Palmeiras e
consultor em estratégias de marketing e negócios no meio esportivo.
20
Informação fornecida por Bem Hur Coimbra, torcedor fanático do Cruzeiro em entrevista realizada por Marcelo
Augusto em Abril de 2013.
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verbal) 21, completou.
Portanto, aliando a teoria relacionada com as entrevistas, percebemos que, paixão e
afetividade andam juntas. O amor Eros, que corresponde à paixão segundo REALE
(2011), nesse caso, está presente principalmente em campanhas e nas respostas de
Rafael22, Ben Hur23 e Samuel24, demonstrando que boas estratégias de marketing
fazem que o torcedor/consumidor se sinta comovido, e certamente impulsionado ao
consumo.
7 CONCLUSÃO
Diante das hipóteses apresentadas, percebe-se que o torcedor é fortemente
influenciado por diversos fatores que o levam a abrir mão de seu tempo para
acompanhar seu time onde quer que seja. Consumir fielmente algum produto ou
serviço oferecido pelo clube é uma forma que o torcedor vê para exteriorizar todo o
seu sentimento e satisfazer-se, mas, não apenas a si mesmo, e sim visando a ser
aceito dentro de determinados grupos que partilham dos mesmos gostos e costumes.
O time é visto como uma verdadeira válvula de escape, ou seja, como refúgio diante
de todos os problemas, se algo lhe falta é no consumo dedicado ao clube que se
encontrará. O time, portanto já não é um simples conjunto de jogadores praticando
um esporte, ele se torna para o fanático “consumidor” em algo sagrado, que, assim
como nas religiões, partilha-se de vários ritos.
Vale ressaltar que em se tratando do time do coração não existe ecumenismo, não se
aceita atos profanos nas relações, por exemplo, se um pai corinthiano vai ter um filho,
ele já é consagrado como corinthiano, dentro do ventre de sua mãe. Isso não o
impede de seguir o seu próprio caminho, no decorrer de sua vida, diante das
aquisições de capital cultural.
21
Informação fornecida por Bem Hur Coimbra, torcedor fanático do Cruzeiro em entrevista realizada por Marcelo
Augusto em Abril de 2013.
22
Torcedor fanático pelo Corinthians.
23
Torcedor fanático pelo Cruzeiro.
24
Torcedor fanático pelo ex-Ipatinga FC.
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Ademais, a afetividade mostra-se tamanha que o torcedor acaba criando uma relação
de fidelidade com o clube de modo que todos os seus compromissos são marcados
conforme a tabela de jogos de seu time. Namorar, passear, ou até mesmo assistir ao
parto da própria filha pode ser colocado em segundo plano, pois, negar uma
afetividade aqui é naturalmente aceito, pois o time também faz parte da sua vida.
Enfim, diante de todas essas realidades acerca do consumo no futebol, os produtores
de marketing estão sempre atentos, não no que os consumidores consomem, mas no
modo como consomem.
Nota-se facilmente, diante das imagens e entrevistas aqui apresentadas, a incidência
de cada fator dentro das campanhas de futebol, haja vista o modo como são
utilizadas com o objetivo de aumentar o desejo de consumir e fazer com que o
torcedor participe mais e mais da verdadeira família que o clube representa. É
importante ressaltar que as hipóteses acerca desse tema não se esgotam e que
foram citadas aqui aquelas que mais se evidenciaram nos meios de pesquisa
utilizados
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