arena de debates - Revista Filosofazer

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arena de debates
Uma constância nos
paradigmas culturais
Monismo: transcendente
ou imanente?
José André da Costa*
Podemos analisar as cosmovisões do mundo antigo, medieval, moderno, pós-moderno, pós-industrial, pós-estrutural ou algum outro pós,
pelas diferenças e rupturas, mas também pelas constantes que permaneceram em cada momento. Uma delas, certamente é a do monismo, que
leva a estabelecer finalidades ou teleologias (não teologias) que mapeiam
o espaço e o tempo da vida das pessoas. São, pois, formas que levam a
colonizar as diferentes organizações sócio-culturais e a privilegiar uma
elite que se assegura nos privilégios. Se no mundo grego esta incumbência ficou para os filósofos, no mundo cristão passou a ser dos teólogos. A
modernidade foi uma apropriação desta mesma teleologia, apenas imanentizada através do progresso e da superação. Já a pós-modernidade e
os outros pós são uma forma negativa de reação a estas teleologias ou
metanarrativas que impõem a todos o consumismo da globalização em
que os produtores da matéria de consumo são os novos e “privilegiados
teólogos” e que ditam as regras que todos os seres do planeta devem seguir. Frente a tudo isso qual é a “cidadania” do monismo?
* Doutor em filosofia (PUCRS), professor e diretor geral do IFIBE.
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O termo monismo é de uso relativamente recente, pois foi Wolf
quem o empregou pela primeira vez, em 1734. O fenômeno monista,
no entanto, é muito antigo e está muito evidente no pensamento clássico grego, porque se move por concepções ou doutrinas em torno da
unidade. O Dicionário de Filosofia de Brugger salienta que o monismo
universal afirma a existência de uma unidade essencial entre Deus e o
mundo (BRUGGER, 1983, p. 375-376). Tal concepção leva a suprimir as
diferenças entre matéria e espírito, indivíduo e sociedade, etc. Permite, como aparece evidente na história, tanto concepções materialistas,
quanto espiritualistas. Ambas tendem a valer-se de uma mesma mediação para contornar as contradições que decorrem da pluralidade dos
seres e das manifestações culturais, isto é, tentam reduzir ou enquadrar
as diferenças na unidade presumidamente superior.
Ferrater Mora (1982, p. 2262-2264) destaca que, em geral, se entende por monismo a sustentação de um só tipo de substância ou realidade. Trata-se, por conseguinte, de uma forma reducionista que afirma a
existência de uma única substância ou realidade cultural. O autor também salienta que: “Na época moderna o monismo surge às vezes como
espiritualismo que não nega a Natureza nem o mecanismo a que está
submetida, mas a engloba numa unidade mais ampla de uma teleologia”
(1982, p. 2263).
Tal espiritualismo, parece não se restringir necessariamente ao
campo religioso e teológico, mas está também em formas materialistas ou
imanentistas, dada a sua dimensão finalista, que justifica a necessidade de
mudanças para absorver a concepção que se impõe. Sem entrar muito na
questão religiosa ou filosófica da relação de um Absoluto com a contingência humana, convém, contudo, considerar o que Cirne-Lima afirma a
este respeito. Diz ele que a questão não é a de discutir a existência ou a não
existência de um Deus ou um Absoluto, porque a própria contingência e
a relatividade da nossa vida e da cultura já constituem a prova evidente
de um Absoluto, seja ele real ou estabelecido em suposição. Por isso, mais
interessante do que perguntar sobre a existência ou não existência de um
Absoluto, é perguntar sobre a identidade que lhe atribuímos ou a identidade que este Absoluto nos revela (CIRNE-LIMA, 1996, p. 219).
O destaque das nossas observações não quer se envolver com a
transcendência do Absoluto no que se revela, mas sobre os atributos que
as mentes humanas estabelecem como sendo a identidade deste Absolu118
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to. Em função destes atributos é que costumeiramente se estabelece uma
teleologia, isto é, mapeia-se o espaço e o tempo da vida das pessoas a
fim de controlá-las e enquadrá-las para o alcance desta finalidade. Neste
procedimento, porém, tende-se a usar uma concepção ariostotélica que
projeta Deus para fora do âmbito da organização da vida humana e para
fora do espaço e do tempo concretos. Pode ser um discurso que fala em
nome deste Deus, e também uma afirmação imanentista ou secularizada que estabelece algo absoluto que é imposto aos demais com vistas
a uma teleologia em função da qual procura enquadrar a tudo quanto
é distinto do mapeamento que se estabeleceu. Parece, no entanto, que
o Absoluto, seja o da concepção religiosa de Deus ou o de um outro
Absoluto imanente que se estabelece, inclui a imanência e vice-versa.
Cirne-Lima insiste que: “Deus não está fora, ele está dentro. Ele não empurra de fora os planetas e os átomos em suas órbitas. [...] Deus, o Absoluto, está no âmago” (CIRNE-LIMA, 1996, p. 226).1 Entretanto, pôr
um transcendente para além dos quadros da imanência sempre permite
estabelecer uma teleologia. Esta situação projetiva permite a supostos
iniciados ou privilegiados impôr em seu nome um mapeamento do espaço e do tempo que os demais devem seguir, para se salvar ou para
serem felizes.
Atualmente, ante as muitas polêmicas discursivas em torno de modernidade, pós-modernidade, pós-estruturalismo e pós-industrialismo,
pode passar despercebido o que permanece estável uma mesma concepção monista. É uma constante em todos estes paradigmas culturais,
que apenas deslocam o grupo dos privilegiados que se auto-proclamam,
em nome da transcendência absoluta ou imanentizada, no direito de
determinar o que convêm aos demais para se sentirem integrados no seu
mundo privilegiado. Esta “cronotopologia”,2 presente no mundo clássico
grego, no mundo semita e em tantos outros do mundo antigo, também
se manifestou no pensamento cristão, na medida em que efetivou uma
síntese do pensamento grego com o semita. O mesmo fenômeno seguiu
inalterado na modernidade e atualmente, de forma negativa, se apresenta na pós-modernidade. São distintas formas colonizadoras decorrentes
1 Dizer que Deus está dentro e no âmago da vida, é algo distinto do que afirmar que
tudo é Deus, uma forma chamada panteísta.
2 Termo que Eduardo Mendieta usa no texto Modernidad, Posmodernidad y Transmodernidad: una busca esperanzadora del tiempo (1996).
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de um mesmo finalismo que leva a estabelecer regras de vida e de ocupação de espaço para tudo quanto se revela distinto, seja no modo de vida
pessoal ou cultural. Estas teleologias ocidentais tiveram sua primeira
expressão de alcance para além da Europa com o pensamento cristão.
Referências bibliográficas
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia. Barcelona: Herder, 1983.
FERRATER MORA, José. Diccionario de Filosofía. Madrid: Alianza, 1982.
CIRNE-IMA, Carlos. Dialética para Principiantes. Porto Alegre:
Edipucrs, 1996.
MENDIETA, Eduardo. Modernidad, Posmodernidad y
Transmodernidad: una busca esperanzadora del tiempo. In: Universitas
Philosophica, Bogotá, n. 27, p. 63-86, Dic. 1996.
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