Geografia Moderna e Idealismo Alemão: reflexões críticas a cerca da relação homem e natureza Thiago Macedo Alves de Brito Doutorando em Geografia - UFMG [email protected] RESUMO O texto pretende identificar as similaridades entre a gênese da Geografia Moderna e o desenvolvimento do Idealismo Alemão. Ambos os movimentos, tem sua origem nas especificidades da Alemanha na transição do século XVIII para o século XIX. O texto procura delinear as influências do pensamento de Schelling e Hegel no pensamento de Ritter e Humboldt, destacando a simbiose entre Geografia e Filosofia, principalmente, da natureza. Dessa Filosofia, os geógrafos retiram as noções de natureza como todo harmônico, como organismo coeso, como unidade do todo, supra-sensível e metafísica Palavras chave: Geografia, Filosofia da Natureza, Humboldt, Schelling e Ritter. INTRODUÇÃO A conjuntura da formação da geografia moderna foi submetida a alguns condicionantes, tanto históricos e culturais quanto científicos e filosóficos. A transformação da geografia dependeu das circunstâncias históricas e espaciais de sua efetivação. Essa linha de raciocínio está contida nos próprios escritos de Marx, sobretudo na Ideologia Alemã (2007), onde é destacado que a produção das ideias, da consciência e das representações está diretamente submetida às condições objetivas das atividades materiais e do intercâmbio do homem com a natureza, e dos homens com eles mesmos. Os homens são os produtores de suas idéias e abstrações. O homem real e objetivo que vive no mundo condicionado pela especificidade de suas forças produtivas e de suas relações de produção. “A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real” (MORAES, 1898, p.16). Muitos dos temas propostos pela geografia eram oriundos das especificidades do desenvolvimento alemão e de sua tardia unificação política. A disparidade entre as regiões, a falta de uma unidade territorial e de poder, levou cada região a constituir um modo de vida Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 diferente, autônomo, cujo único laço era a língua. O espaço nacional e a questão da identidade passaram a ser colocados no centro do debate (MORAES, 1989). A geografia moderna que tinha seu pólo na Alemanha onde a questão espacial (territorial) afloreceu desde cedo, devido suas divisões regionais, onde as ciências da natureza e a filosofia da natureza mais se desenvolveram. A geografia de então, uma ciência eminentemente física, não poderia ficar a trás destas especificidades do povo germânico. As formulações de Humboldt e de Ritter, produzidas basicamente entre 1800 e 1840, inserem-se no quadro de legitimação científicas das primeiras propostas efetivas de constituição de unificação nacional. Daí o apreço dos dois autores por Herder e a proximidade com o movimento ‘Sturm und Drang’, baluartes das concepções de identidade cultural dos alemães pela língua. [...] O que se quer dizer é que a teorização desses pioneiros da Geografia expressavam questões e argumentos que trariam luz a essa problemática, que embasavam num plano cientifico sua discussão pela sociedade, que, enfim, a legitimavam (MORAES, 1989, p. 68). O fato de Humboldt e Ritter, os precursores da geografia moderna, serem prussianos, contribuiu mais ainda para o desenvolvimento desse pensamento unitário. É na Prússia que amadurece os maiores sentimentos do germanismo de identidade, da unidade do povo alemão, em oposição ao avanço de Napoleão e do liberalismo francês. Entre os autores que efetivaram a produção filosófica do discurso da identidade alemã, seja do povo, do espírito ou do espaço está Fichte, Hegel, Herder. Alguns tinham interlocuções contundentes com os já referidos geógrafos. Humboldt tinha relação estreita com Goethe que o citou algumas vezes em seus textos. Até mesmo Hegel se deixou influenciar por Schelling através da geografia comparada de Ritter. O mesmo Schelling influenciou decisivamente a obra de Ritter e de Humboldt, principalmente nas suas concepções de natureza. O que aparece na obra desses geógrafos não é o discurso da unificação política, mas sim das características físicas e regionais que integravam o território germânico. Ritter, nesse quesito, se destacou mais que Humboldt, seus temas eram mais relacionados com a unificação e a identidade do povo germânico. O pensamento de Ritter era mais conservador, anti-iluminista, já Humboldt era mais liberal na postura política (um liberalismo de barão prussiano), talvez pela sua estadia na França. Mas ambos representavam o caráter pseudo-neutro do abstracionismo alemão da primeira metade do século XIX. Eles possuíam traços românticos, porém representavam o movimento progressista que expressou as Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 condições da expansão e sedimentação das relações capitalistas de produção na Alemanha (MORAES, 1989). HUMBOLDT E A FILOSOFIA DA NATUREZA Na geografia, a obra de Humboldt é aceita como marco inaugural de um novo modo de encarar a disciplina, consistindo na observação da paisagem e na sistematização dos dados colhidos. Encontra-se nela um mundo de influências, de filiações científicas e filosóficas. Humboldt combina suas descrições das paisagens com as reflexões filosóficas de sua época. O ambiente social e intelectual da Alemanha influencia o pensamento do autor através da forte preocupação com os temas abstratos, a sistematização, a síntese, a metodologia científica, unificados pelo projeto das ciências naturais pseudo-neutras, que não representavam as carências sociais, políticas e econômica do país no momento. Humboldt, a partir de sua vasta experiência de campo, foi apontado, também, como empirista, mas, na verdade, ela fazia a junção entre a abstração estética da filosofia idealista alemã com o empirismo das ciências naturais, e até mesmo, com o iluminismo francês. “A convivência entre a pesquisa empírica e a reflexão filosófica no pensamento de Humboldt é um dos elementos nodais para sua caracterização” (MORAES, 1989, p. 88-89). Mas sua ligação com a filosofia, especialmente a da natureza, será determinante em sua forma de ver o mundo e de fazer ciência. Humboldt traz da filosofia da natureza a concepção do todo harmônico, da natureza como organismo coeso, concepção da natureza como unidade do todo, supra-sensível e metafísica. Ele reconhece uma conexão existente entre as forças da natureza e sua forma captada pela intuição. Este horizonte é obra da observação, da meditação e do espírito do tempo. Da contemplação da natureza surge a conhecimento das leis e do encadeamento dos fenômenos físicos. A origem da contemplação, do gozo da natureza, está no trabalho do pensamento. Esta premissa se encontra nos primeiros ensaios gregos sobre filosofia da natureza ou da antiga doutrina do cosmos, onde se revela um laço entre o mundo visível e o mundo superior que escapa aos sentidos. Um e outro se confundem, sem que por isso deixem de se desenvolver, no homem, o germe de uma filosofia da natureza, ainda que como um simples produto de uma concepção ideal, sem auxílio das observações empíricas. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 Humboldt se declara contra o puro empirismo e as imperfeitas induções, generalizações: “falo do temor de que a natureza não perca nada de seu encanto, prestígio e poder mágico, à medida que começamos a penetrar em seus segredos, a compreender os mecanismos de seus movimentos celestes, e a valorar numericamente a intensidade de suas forças” (HUMBOLDT, 1944, p. 33-34). Não se trata dum poder mágico, mas um efeito, um poder de comover a imaginação. O estudo das ciências exatas não deve esfriar os sentimentos e os prazeres da contemplação da natureza. Ainda que sejam imprescindíveis os trabalhos empíricos para confirmação de seus pressupostos, como legitimação científica. Não se trata, neste ensaio de física do mundo, de reduzir o conjunto dos fenômenos sensíveis num pequeno número de princípios abstratos, sem mais base que a razão pura. A física do mundo que eu tento expor não tem a pretensão de elevarem-se as perigosas abstrações de uma ciência meramente racional da natureza; é uma geografia física reunida a descrição dos espaços celestes e dos corpos que ocupam esses espaços. Estranho as profundidades da filosofia puramente especulativa, meu ensaio sobre o Cosmos é a contemplação do Universo fundada num empirismo raciocinado; e de fato, sobre o conjunto dos feitos registrados pela ciência e submetidos às operações do entendimento que compara e combina (HUMBOLDT, 1944, p. 43). As necessidades das coisas, este encadeamento oculto, mas permanente, esta renovação periódica em desenvolvimento progressivo das formas, dos fenômenos e dos acontecimentos, constituem a natureza, que obedece a um primeiro impulso dado. Humboldt alia idealismo romântico, presente na contemplação da natureza, com o objetivo de comparar cada paisagem entre si e formar leis, generalizações. A descrição física do mundo se funde na contemplação da universalidade das coisas criadas, de quando elas coexistem no espaço concernente as substâncias, as forças e a simultaneidade dos seres materiais que constituem o universo. A ciência não começa para o homem até o momento em que o espírito se apodera da matéria, em que se trata de submeter o conjunto das experiências às combinações racionais. A ciência, como em Schelling, é o espírito aplicado à natureza, mas o mundo exterior não existe para nós se não pelo caminho da intuição e da reflexão (dentro de nós mesmos). Assim como a inteligência e as formas de linguagem, o pensamento e o símbolo estão unidos por laços secretos e indissolúveis, do mesmo modo, também, o mundo exterior se confunde com Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 nossas ideias e com nossos sentimentos. Os fenômenos exteriores, diria Hegel na Filosofia da História (1995), estão, de certo modo, traduzidos em nossas representações internas. O mundo objetivo pensado por nós, e em nós refletido, está submetido às eternas e necessárias formas de nosso ser intelectual. A atividade do espírito se impõe sobre os elementos que facilitam a observação sensível. Assim, desde a infância da humanidade se descobre na simples intuição dos feitos naturais, nos primeiros esforços intencionais para se compreender as origens da filosofia da natureza (HUMBOLDT, 1944, p. 65). A filiação de Humboldt ao idealismo alemão, em especial a filosofia da natureza é, como visto, notória. Sua ideia de unidade, de movimento, de todo orgânico, enfim, de natureza é oriundo das formulações, em especial, de Schelling. O conceito de organismo como autoprodução da natureza como um todo está bem desenvolvido na filosofia da natureza de Schelling. A física dinâmica de Schelling tem em sua concepção de natureza orgânica o seu ápice. Ela se difere da compreensão da natureza orgânica como consequência causal da matéria inorgânica. Este ponto de vista determina como a causa do movimento de todos os seres a colisão das partículas elementares indivisíveis (visão atomista), define a terra como elemento geométrico da matéria externa (visão mecanicista). Para Schelling, “o organismo se revela não como efeito ou resultado do movimento aleatório da matéria, mas como fundamento da natureza em sua totalidade” (GONÇALVES, 2006, p. 47). Organismo é a analogia entre matéria orgânica e ordem cósmica universal, símbolo concreto no interior da própria natureza, processo de formação de imagens naturais presentes na produção e no desenvolvimento dos produtos da natureza, que são capazes de refletir a origem dos processos, o princípio de toda produtividade. A Indiferença entre o momento da criação e o resultado como produto da natureza, poderia acarretar num pensamento mítico. Porém, existe diferença entre produto e produtividade. Eles são momentos distintos da natureza. Ela pode ser sujeito, produtividade, e objeto, produto. “Natureza producente e Natureza produzida são apenas dois aspectos de um todo sistemático” (GONÇALVES, 2006, p. 48). Existe uma intensa relação entre Humboldt e Schelling no que tange à concepção de natureza como organismo vivo que se autoproduz, um organismo articulado oriundo do embate entre forças. A identificação da natureza com a história em Schelling sobre a ideia de Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 uma ordem, cujas leis são sólidas para ambas as realidades, encontram sua unidade na força originária de todas as forças, “Deus” (LEYTE, 1996). Eis o que diz Schelling: A única tarefa da ciência da natureza é construir a matéria. Esta tarefa é resolúvel, desde que a aplicação de tal resolução geral nunca chegue a ser total. Se a intenção de uma teoria geral da natureza foi de alcançar conscientemente a infinita multiplicidade e profundidade dos fenômenos que se encontram de forma inconsciente na natureza, não restaria outra solução se não contá-la dentro do capítulo das coisas impossíveis. É verdade que os mesmo princípios que valem para construção de cada indivíduo corporal singular deveriam valer para construção do indivíduo absoluto, e que as forças que podemos por em jogo no processo singular, também, desempenham o papel principal no processo absoluto de que todas as manifestações singulares são uma mera ramificação (SCHELLING, 1996, p.175). Schelling, contudo, reconhece na natureza a criação de uma inteligência inconsciente (espírito adormecido) cujas fases de desenvolvimento são produtos naturais e o grau último é o espírito consciente do homem. Natureza, portanto, como único domínio não fechado e gradual. A natureza viva como ponto de partida. Schelling transforma suas analogias dos fenômenos naturais em identificações metafísicas, uma afirmação só poderá ser demonstrada se deduzi-la da imagem total de seu sistema. O material fenomênico anterior a qualquer interpretação não existe separado da pureza de toda interpretação. O espírito inconsciente tem que ser uma força pura sem qualquer substrato, porque o real só por meio dele poderá existir. Schelling transpõe o pensamento dialético fichteano da razão para a natureza. Não está na consciência a síntese das teses e antíteses da polaridade, mas na inteligência inconsciente, a natureza. A sua dialética não está no desenvolvimento ideal da razão, mas no desenvolvimento ideal da natureza. O processo evolutivo da natureza corresponde a um princípio de distinção progressiva, cujos primórdios se encontram na ideia de indiferença absoluta, mas que ao mesmo tempo, obedece a um princípio de produção progressiva no qual se exemplifica a tendência original da unidade. Na natureza o espírito que cria, mas não reflete, é o espírito inconsciente, adormecido. As séries graduais dos fenômenos naturais indicam o caminho percorrido pelo espírito até a chegada a ele mesmo, a ascensão de sua autoconsciência (HARTMANN, 1976). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Em todo conflito de forças predomina a força primordial unitária, a indiferença absoluta, a natureza como totalidade, uma força unitária e homogênea, que quanto mais se desenvolve produz de si mesma sua própria oposição, que se reduz a ação recíproca de forças polares. A natureza é um grande organismo vivo, uma totalidade, onde tudo se encontra harmonicamente conectado entre si. O organismo vivo de Schelling só é possível a partir de um fundamento que cria o organismo, a alma. O milagre da natureza não é, de modo algum, saber como pode organizar-se a vida nela; é, pelo contrário, este: como a vida, que desde o começo está oculta na natureza, tenha podido percorrer, aparentemente, tantos graus não vivos de formas para torna sua aparição visível unicamente na planta e no animal (HARTMANN, 1976, p.139-140). Em Schelling o primordial não são os produtos orgânicos da natureza, mas precisamente sua organização. “O organismo não é propriedade ou modo de existência de coisas naturais particulares; inversamente, estas são outras tantas delimitações ou formas de intuição do organismo universal” (HARTMANN, 1976, p.139). Schelling toma de Spinoza, segundo Hartmann, a unidade da natura naturans como princípio de todas as coisas. Já a continuidade das formas naturais e a finalidade nelas intrínsecas são heranças de Leibniz (Monadologia), porém os encadeamentos deste contínuo, segundo princípios formais externos e internos, provem da doutrina platônica das ideias. Schelling encontra nas suas potências da natureza as ideias platônicas. São noções de Deus (absoluto) e todas elas estão contidas nas ideias de Deus. A sua existência mutuamente separada na natureza, as suas relações que penetram através do mundo e que, como forças, o regem não constituem a sua essência própria, mas só o seu modo de aparecimento, o qual é objectivo e necessário porque só através dele o espírito de Deus chega a auto-intuição no Eu do homem (HARTMANN, 1976, p.142). A mistura em Schelling de filosofia da natureza com religião, refletida em Humboldt, numa divinização da natureza, numa criação divina que emana todos os outros fenômenos, inclusive, os sociais é bem destacada por Hartmann. O materialismo de Schelling é um deslocamento do funcionamento do espírito para a natureza, mas se perde numa concepção divina (panteísta), mítica de natureza (HARTMANN, 1976). A identidade entre espírito e Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 matéria, através de uma ontologia metafísica de Schelling, estará, com maior vigor, presente na obra de Ritter. RITTER E O IDELAISMO ALEMÃO Ritter aproveitou a filosofia da natureza de Schelling para concluir que o sistema da natureza agia da mesma forma que o sistema do espírito. Dessa idéia derivam o sentido de causalidade e de finalidade. Para Schelling as coisas possuem uma harmonia própria, cada fenômeno apresenta em si sua própria causa, seu próprio efeito, contendo em si sua própria essência. Tanto em Schelling quanto em Ritter cada organismo é um todo, um sistema articulado. Ritter inspirava-se na filosofia de Schelling, considerando as diferentes partes do mundo como organismo vivo. Ainda que profundamente idealista pela sua concepção geral de mundo, no qual via como expressão da vontade divina, ele resgata em sua doutrina, pela relação que estabelece entre a evolução humana e o meio natural, alguns princípios, assim como Schelling, de uma concepção materialista de mundo. Para Nicolas-Obadia, geógrafo e biógrafo de Ritter, o pensamento de Ritter se encontrou na filosofia da natureza de Schelling. Ritter se apoiava nas ideias de Schelling, principalmente na concepção de unidade entre experiência e especulação, que no referido filosofo representa a junção, unidade, entre espírito e natureza. Para Schelling as coisas possuem finalidade e harmonia em suas manifestações, que acontecem enquanto unidades articuladas. “Cada produto orgânico traz em si mesmo a razão de sua existência, e é sua própria causa e seu próprio efeito. Nenhuma de suas partes pode aparecer a não ser no todo, o todo consiste nas ações recíprocas das partes” (MORAES, 1989, p.154). Para Nicolas-Obadia, assim como em Humboldt, Ritter vai tomar conhecimento da teoria das ideias e das formas de Platão através de Schelling. Em Platão a união do conceito com a matéria é admitida a partir de uma existência anterior de uma inteligência divina que concebeu esta criação, primeiramente, na forma de ideia para, posteriormente, criar a natureza conforme estas ideias. A proximidade entre Humboldt e Ritter é notória. Ambos são permeáveis pelas ideias e pela realidade alemã da época. Porém, dez anos separam os pensadores, enquanto Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 Humboldt é mais influenciado pelo iluminismo francês e alemão, Ritter se deixa levar mais pela escola idealista e historicista alemã. Talvez seja Herder o que distancia mais um do outro. Herder (1744-1803), nascido na Prússia, foi filósofo, junto com Lessing, formaram o movimento pré-romântico na Alemanha. É marcante no autor sua defesa do nacionalismo alemão e de sua especificidade em relação ao movimento francês. Herder é um dos principais expoentes do historicismo alemão, que tem suas raízes na situação particular deste país à época (século XVIII e XIX), expressado na diferença entre atraso político e avanço intelectual. A solução de Herder passa por um finalismo de fundo teológico (que concilia com a religião, ao contrário do iluminismo francês), por uma valorização da intuição no processo cognitivo (em detrimento do racionalismo extremo de seu congênere) que abre para toda produção romântica e, finalmente, por um nacionalismo que busca uma identidade primitiva (dado que evoca o passado e o particularismo, e não a universidade cosmopolita e o elogio otimista do futuro) (MORAES, 1989, p. 153). Ritter buscava em Herder, contudo, uma teoria que embasasse seus estudos científicos, racionais, sem romper com plano teológico. São de Herder as concepções do todo como organismo particular, projetado para a unidade e a identidade alemã, e da aceitação das determinações naturais na formação causal das especificidades dos continentes. Pode-se estimar que as formulações de Ritter são aplicações empíricas das concepções de Herder, assim como a filosofia da natureza de Schelling é uma aplicação da filosofia do espírito de Fichte. O que não implica igualar seus métodos e fundamentos CONSIDERAÇÕES FINAIS A contribuição da filosofia da natureza de Schelling e das geografias de Humboldt e Ritter para o mundo contemporâneo está na preocupação ecológica com a conservação e preservação da natureza e no paradigma da sustentabilidade, da auto-organização. Segundo Leyte (1996), estes pressupostos vão de encontro ao modelo instrumental de racionalidade das ciências que medem a natureza através de seus rendimentos. A evocação da natureza é resgatada à luz dos resultados da compreensão da natureza exclusivamente pela ciência natural. Percebe-se que a vida se encontra ameaçada e que as técnicas e a própria ciência da natureza são responsáveis diretos por sua destruição. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9 O paradigma técnico-científico, seus pressupostos ontológicos, o racionalismo, desde o começo da modernidade tem confiado num desenvolvimento econômico e industrial ilimitado. O abalo desta perspectiva, junto com as idéias de um futuro que não se pode retroceder a respeito dos males deste período, supõe a entrada de uma nova ordem, uma nova época humana que terá que aprender novas formas de lidar com a natureza, evitando sua destruição e do próprio homem. Porém, como foi exposto, não somente em Schelling e nos referidos geógrafos, mas em todo idealismo alemão, considerando a especificidade de cada autor, a natureza, mesmo que independente do homem, ainda parece permanecer num campo transcendente ou criada por uma força metafísica e a atividade humana permanece como predicado de sua subjetividade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: GONÇALVES, Márcia Cristina Ferreira. Filosofia da natureza. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2006. HARTMANN, Nicolai. Filosofia do idealismo alemão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da história. Brasília: Editora UNB, 1995. HUMBOLDT, Alejandro. Cosmos: ensayo de uma descripción física del mundo. Buenos Aires: Editorial Glem, 1944. LEYTE, Arturo. Intorducción uma filosofia idealista de la naturaleza. In: SCHELLING, F. W. J. Escritos sobre filosofia de la naturaleza. Madrid: Alianza Universidad, 1996. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. MORAES, Antonio Carlos Robert. Gênese da geografia moderna. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1989. SCHELLING, Friedrich Wilhelm Joseph Von. Escritos sobre filosofía de la naturaleza. Madrid: Alianza Universidad, 1996. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 10