SOBRE O PROBLEMA DO ‘GÊNIO ARTÍSTICO’: APORTES PARA O DIÁLOGO ÉTICA-ESTÉTICA NA FILOSOFIA DE SCHELLING Maria Clara da Costa Chaves (bolsista PIBIC/UFPI), Luizir de Oliveira (orientador do Departamento de Filosofia) 1 – Introdução O presente estudo busca mostrar uma maneira possível de encarar o debate ético: é possível, através da estética, melhorar moralmente o indivíduo, o que resulta, como pretendemos esclarecer, na evolução ética de toda a coletividade. Não se busca aqui oferecer uma solução definitiva para o problema ético na contemporaneidade, mas apenas pensar uma alternativa para o mesmo. Nesse sentido, busca-se aqui apresentar alguns conceitos da filosofia da arte do filósofo romântico-idealista Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854). Para tanto, a influência que o pensamento do filósofo almemão Immanuel Kant exerceu sobre Schelling será apresentada para que o diálogo entre os dois autores possa ser estabelecido. É retomando a perspectiva de Kant que Schelling cria seu próprio conceito de gênio. Schelling, no Sistema do idealismo transcendental, depura ainda mais o conceito de gênio, tomando-o como um destino. O produto artístico, em contraposição à compreensão kantiana, resolve a contradição infinita de uma só vez, é superior à natureza em beleza e o belo é identificado com o sublime. Assim, o presente estudo visa compreender os conceitos de arte e gênio em Schelling para promover uma aproximação com o debate ético buscando defender que a reflexão estética é capaz de contribuir para o aprimoramento moral do homem. 2 - Metodologia Por se tratar de uma investigação eminentemente teórica, o trabalho será desenvolvido por meio da leitura de textos específicos, com ênfase na análise crítico-reflexiva dos mesmos. Os textos em questão são: Crítica da faculdade do juízo, de Kant e a sexta e última parte do Sistema do idealismo transcendental, de Schelling. 3 – Resultados e Discussão A pesquisa mostrou que, no Sistema do idealismo transcendental, a arte é o que há de mais elevado para o filósofo por colocá-lo em contato com o infinito que permeia todas as coisas, com o absoluto primordial que costura toda a realidade sensível e supra-sensível. A arte constitui, pois, uma espécie de órganon da filosofia. O alcance da arte, entretanto, não pode estar restrito ao domínio de filósofos: o absoluto que a arte encerra deve estar acessível a todos os homens. Todos os filósofos românticos-idealistas parecem comungar de um mesmo princípio: o de que uma terapia estética é o meio mais adequado ao aperfeiçoamento moral do homem. Nessa pesquisa, Schelling é o representante de um movimento que acredita que através da arte o homem pode chegar à liberdade e ao bem agir. O idealismo-romantismo alemão está, de certa maneira, insurgindo-se contra uma tendência extremamente racional presente na filosofia precedente. Schelling e seus companheiros entenderam que a razão sozinha não é capaz de colocar um ponto final em querelas ético-estéticas. Assumiram, pois, a solução dialética de colocar racionalidade e irracionalidade como duas faces da mesma moeda. A sensibilidade também deixou de ser epistemologicamente irrelevante (desde a primeira crítica kantiana) – sem isso, seria impossível falar em prazer estético, belo, gênio e conceitos afins. Mas, voltando ao gênio schellinguiano, que é o cerne do presente trabalho, Barboza afirma (pensando mais em Schopenhauer que em Schelling, deve-se confessar, mas a ideia permanece válida) que “o gênio é uma espécie de ‘ser supra-humano’, um ‘claro olho cósmico’, espelho límpido das coisas que se opõe aos ‘produtos de fábrica’ da natureza, aos homens ordinários que nascem todos os dias e aos milhares” (BARBOZA, p. 235). O gênio é esse indivíduo capaz de olhar para a realidade e enxergar além do caráter meramente utilitário das coisas, extraindo dessa mesma realidade conteúdo para a produção artística. Mas, pensando na afirmação schellinguiana de que não existe homem absolutamente desprovido de poesia, é possível que esse ‘homem ordinário’ seja capaz de ser arrebatado pela arte e, consequentemente, por tudo que ela carrega consigo, efetuando concomitantemente um lento e gradual processo de evolução moral. Nesse sentido, este trabalho se aproxima de sua conclusão tentando apontar para a possibilidade de um aprimoramento ético por meio da arte, pela via estética. É evidente que não se busca aqui formular um projeto pedagógico capaz de consumar tal ideal, mas apenas lançar luzes sobre a necessidade de sair da menoridade ética na qual nos encontramos, seguindo, assim, para o aprimoramento moral da humanidade. 4 – Conclusão A presente pesquisa buscou apresentar até onde foi possível os conceitos de arte e gênio artístico na filosofia de Schelling a partir de sua raiz na teoria estética kantiana com o objetivo principal de evidenciar a proximidade entre ética e estética. Concluimos, pois, mostrando como a arte pode assumir um caráter salvador, na medida em que transporta o homem de uma simples relação imediata-utilitária com a realidade para uma supra-realidade capaz colocá-lo em contato com o divino. Através dos conceitos de arte, belo e gênio foi estabelecida a relação entre a produção artística e a relação da mesma com a realidade e o modo como a arte, que primeiramente imita a vida, pode também transformar a humanidade, aprimorá-la e melhorar o homem através da sensibilização estético-artística. Assumiu-se tacitamente que o contato com o absoluto como Schelling o apresenta pode melhorar o homem em todos os sentidos, na medida em que o torna consciente da realidade cósmica do qual faz parte. Tornar a humanidade consciente de sua participação no todo é fundamental para fazê-la compreender a necessidade do bem agir, tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Concentramo-nos principalmente na melhoria moral que a arte pode proporcionar. Tratamos aqui, obviamente, de um dever-ser que somente pontualmente encontra alguma correspondência na realidade (num sentido mais comum, mais rasteiro). Não se busca aqui estabelecer um critério de ação ético-estética para a humanidade, mas apenas mostrar que a beleza (pode) salva e liberta! Palavras-chave: Estética. Ética. Gênio. 5 – Bibliografia BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. SCHELLING, Friedrich Wilhelm Joseph von. Obras escolhidas. Seleção, Tradução e Notas: Rubens Rodrigues Torres Filho. 5. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. SCHELLING, Friedrich Wilhelm Joseph von. Sistema do idealismo transcendental. In: DUARTE, Rodrigo. O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1991.