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CPV seu pé direito também na Medicina
unesp – 19/dezembro/2010
Comentário:
Filosofia
09. E a verdade, o que será? A filosofia busca a
verdade, mas não possui o significado e substância
da verdade única. Para nós, a verdade não é
estática e definitiva, mas movimento incessante,
que penetra no infinito. No mundo, a verdade está
em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito
ao extremo, porém o despe de violência. Em
suas relações com tudo quanto existe, o filósofo
vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao
intercâmbio com outros pensadores e ao processo
que o torna transparente a si mesmo. Eis porque
a filosofia não se transforma em credo. Está em
contínuo combate consigo mesma.
Karl Jaspers, 1971.
Com base no texto, responda se a verdade filosófica
pretende ser absoluta, justificando sua resposta
com uma passagem do texto citado. Ainda de
acordo com o fragmento, explique como podemos
compreender os conflitos entre filosofia e religião
e cite o principal movimento filosófico ocidental
do período moderno que se caracterizou pelos
conflitos com a religião.
Resolução:
O texto de Jaspers deixa claro que a verdade da
Filosofia não se pretende absoluta, na passagem em que
escreve: “A Filosofia busca a verdade, mas não possui
o significado e substância da verdade única”. Para o
autor, a verdade filosófica não é estática, pois nasce do
constante questionamento da realidade e do intercâmbio
entre reflexões de diversos pensadores.
Dessa natureza da investigação filosófica surgem alguns
conflitos com o pensamento religioso, pois este se
pretende dogmático e absoluto. Baseia-se na crença,
na fé e não no empirismo racionalista (daí o porquê de
Jaspers escrever que “a Filosofia não se transforma em
credo”).
No período histórico moderno, a valorização da
razão defendida pelo movimento iluminista rendeu-lhe
diversos conflitos com a Igreja.
CPV
Observação: as considerações acima partem do
pressuposto de que a Unesp requisitava o Período
Moderno da divisão Clássica da História e não os
chamados Teóricos da Modernidade. Por isso,
ignoramos movimentos como Materialismo Histórico,
Existencialismo, Escola de Frankfurt e outros.
unesp2011
O texto do filósofo alemão Karl Jaspers aponta uma concepção de verdade baseada na
noção de movimento. Quando afirma que “para nós [filósofos], a verdade não é estática
e definitiva, mas movimento incessante”, Jaspers procura demonstrar que o pensamento
filosófico não busca soluções definitivas e verdades absolutas, pois o próprio mundo
não se configura dessa forma. No mundo, seja o físico (da natureza, da sociedade que
vive), seja o das ideias (da filosofia, da ciência, da religião em si mesmas), a realidade
surge como um emaranhado em que nada permanece de maneira eterna, durável;
pelo contrário, as espécies animais, as diversas formas de sociedade e os diversos
pensamentos estão em conflito entre si, buscando uma posição de predomínio que
logo é perdida. A tentativa de estabelecer verdades filosóficas absolutas, diante deste
mundo em movimento heraclitiano, no qual “não se entra no mesmo rio duas vezes”,
só poderia ocasionar uma separação completa entre o pensamento e a realidade, o que,
como já se viu, tem como consequência a morte do pensamento mesmo: exemplos disso
são a Escolástica medieval de Agostinho e Tomás de Aquino, de bastante vitalidade
no período de dominação social da Igreja, mas sem maior relevância posterior, ou o
Idealismo de Hegel, caro a uma burguesia revolucionária e romântica mas considerado
“morto” pelos pensadores que viveram momentos posteriores da História.
Uma vez que a tarefa do filósofo é sintetizar estes conflitos de seu tempo e traduzi-los
em ideias filosóficas mais gerais, que superam as antigas e que estão, de certa forma,
destinadas a serem superadas pela posteridade, a filosofia não pretende acabar-se com
uma filosofia definitiva, do absoluto. Nisto, para Jaspers, difere-se fundamentalmente
do credo, ou seja, do pensamento religioso, que é justamente aquele que busca o
absoluto, o transcendente, que está para além das tentativas de racionalização e tem
no dogmatismo sua força. É justamente por isso que, durante a maior parte da história
da filosofia, as religiões foram alvo de críticas e foram combatidas com maior ou
menor força: por repousarem em explicações que não são lógicas, mas que se dizem
anteriores à própria lógica, acima de qualquer questionamento, de qualquer espírito
crítico. Se a filosofia se baseia na razão, a religião se fundamenta na crença, ideias
que vão de encontro uma à outra tão cedo se ponham em movimento. O francês René
Descartes demonstrou a importância da dúvida no método filosófico, introduzindo
nesta a possibilidade de que o questionamento vá ao infinito; por outro lado, a pedra
fundamental de qualquer uma das grandes religiões é a afirmação da fé, presente no
islamismo, no judaísmo e no cristianismo. O conflito entre filosofia e religião, presente
nas acusações lançadas mutuamente ao longo dos séculos, assim, demonstra-se não algo
ocasional, mas ligado aos próprios fundamentos de uma e outra forma de pensamento.
O principal momento da filosofia moderna caracterizado pela crítica à religião certamente
é o Iluminismo. Expressão filosófica do grande salto imprimido pela burguesia europeia
ao desenvolvimento técnico-material e do pensamento, o Iluminismo é a tentativa
de submeter toda a realidade ao crivo da razão e de estabelecer sistematicamente os
métodos para isso. Assim, imediatamente dirige-se contra o pensamento religioso, de
grande força em toda a história até aquele momento. Filósofos como Descartes (um
moderno avant la lettre), Kant, Bacon e Voltaire questionavam os valores absolutos
do Cristianismo em todos os seus aspectos. No aspecto lógico, questionavam os
valores metafísicos em que a lógica religiosa está baseada, atacando o dogmatismo;
no aspecto social, criticavam o domínio da Igreja por seu despotismo, arbitrariedade
e por se fundar sobretudo na ignorância da população; no aspecto comportamental,
defendiam a liberdade de ação e de pensamento como necessidades contrárias às da
submissão cristã. Vale ressaltar, porém, que esta crítica dirigia-se sobretudo às religiões
instituídas; filósofos como Rousseau, Paine e sobretudo Voltaire ainda defendiam a
ideia de um deus, trazida pela razão, sendo, assim, considerados deístas, e não ateus.
Posteriormente, outros filósofos modernos criticarão também esta noção, como
Nietzsche e, de forma mais sistemática, aqueles do movimento materialista, como
Feuerbach, Marx e Engels. Para o Materialismo, só é possível explicar o mundo por
meio deste mesmo, estando a história das ideias — dentre as quais a ideia de uma
entidade divina — subordinada à história do próprio mundo.
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10. Em troca dos artigos que enriquecem sua vida, os indivíduos vendem não só seu trabalho, mas também seu tempo livre. As
pessoas residem em concentrações habitacionais e possuem automóveis particulares com os quais já não podem escapar
para um mundo diferente. Têm gigantescas geladeiras repletas de alimentos congelados. Têm dúzias de jornais e revistas
que esposam os mesmos ideais. Dispõem de inúmeras opções e inúmeros inventos que são todos da mesma espécie, que as
mantêm ocupadas e distraem sua atenção do verdadeiro problema, que é a consciência de que poderiam trabalhar menos e
determinar suas próprias necessidades e satisfações.
Herbert Marcuse, filósofo alemão, 1955.
Caracterize a noção de liberdade presente no texto de Marcuse, considerando a relação estabelecida pelo autor entre liberdade,
progresso técnico e sociedade de consumo.
Resolução:
Para o pensador marxista Herbert Marcuse, o conceito de liberdade está associado ao controle do homem sobre seu próprio trabalho, a saída
de um estado de alienação característico do sistema capitalista.
O progresso técnico, longe de equivaler a um melhor bem estar, nutre o homem de bens supérfluos, criando novas necessidades a partir de
interesses mercadológicos.
Na moderna sociedade de consumo, a grande diversidade de jornais, canais de TV e bens de consumo esconde uma realidade de extração
de mais valia e exploração, justificadas por uma ideologia divulgada através dos meios de comunicação.
Comentário:
O frankfurtiano Herbert Marcuse, neste trecho, critica a ausência de liberdade dentro da sociedade capitalista. De acordo com este pensamento,
a maior expressão desta ausência de liberdade é o fato de que, embora o homem contemporâneo possua acesso a todos os meios de suprir suas
necessidades físicas — alimentação, informação, tecnologia —, ele não possui a possibilidade de determinar suas próprias necessidades, que
acabam sendo determinadas de fora dele, pela indústria: a indústria que produz seus alimentos, os equipamentos de sua casa e de seu trabalho
(aquela que se compreende pela noção tradicional do termo), ou a indústria que produz as informações de que dispõe, o entretenimento ao
qual tem acesso, o conhecimento que adquire (aquela que os filósofos desta escola alemã chamam de “insdústria cultural”).
Uma vez que é pautada pelos princípios da reprodutibilidade, da uniformidade e da massificação, estabelecidos ao longo da consolidação
do modo de produção capitalista, o resultado disso para o indivíduo é que este sempre encontra, no mundo, objetos de consumo já prontos,
pré-determinados, que impõe, assim, necessidades materiais e espirituais já prontas para suprir.
Deste modo, a percepção das necessidades do corpo e da mente não são, dentro do mundo capitalista, resultado do livre-pensar, da reflexão
acerca das necessidades mais gerais do homem, nem podem ser facilmente transformadas pelo exercício destas faculdades, sendo impostas
de cima para baixo.
A crítica de Marcuse se dirige à ausência de uma liberdade que é autodeterminação, que é a possibilidade de agir a partir de princípios
estabelecidos de maneira autônoma, que vê a ação como continuidade do pensamento. Neste contexto, o desenvolvimento industrial, que
deveria se dirigir progressivamente em direção ao aumento do conforto material do indivíduo, e lhe possibilitar mais tempo que poderia ser
dedicado às atividades que determinasse, no lugar da mera reprodução dos meios de vida, vem significando exatamente o seu contrário, e
empobrecendo o homem que faz parte deste sistema social.
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11. O Iluminismo é a saída do homem de um estado de menoridade que deve ser imputado a ele próprio. Menoridade é a
incapacidade de servir-se do próprio intelecto sem a guia de outro. Imputável a si próprios é esta menoridade se a causa
dela não depende de um defeito da inteligência, mas da falta de decisão e da coragem de servir-se do próprio intelecto sem
ser guiado por outro. Sapere aude! Tem a coragem de servires de tua própria inteligência!
Immanuel Kant, 1784.
Esse texto do filósofo Kant é considerado uma das mais sintéticas e adequadas definições acerca do Iluminismo. Justifique
essa importância comentando o significado do termo “menoridade”, bem como os fatores sociais que produzem essa condição,
no campo da religião e da política.
Resolução:
Segundo Kant, o Iluminismo representa um processo em que o homem sai da minoridade. Tal como uma criança está sob as ordens dos
pais, incapaz de decidir sozinha sobre os próprios atos, sem condições de julgar acerca do certo e do errado, a Humanidade seria controlada
pelo Estado Absoluto e regida por uma Igreja que lhe dita o certo e o errado.
A partir do Iluminismo, os homens passam a contestar os dogmas da Igreja, levando-os diante do tribunal da razão, decidindo a partir de
sua própria consciência (e não por imposições de outrem) aquilo que é certo e errado.
Do mesmo modo, o pensamento Iluminista passou a conceber a política como algo além dos príncipes; obras como a de Locke e Rousseau
enfatizaram que os poderes decisórios de uma sociedade não está apenas nos palácios, mas, em sua essência, no povo. Dessa forma, a
partir do pensamento Iluminista, a humanidade torna-se “maior”, isto é, define seus valores éticos e não se submete a autoridades externas
e contrárias a sua razão.
Comentário:
Kant caracteriza a menoridade como o estado do indivíduo em que este não é capaz de fazer uso de sua capacidade de racionalizar o mundo
por si próprio, e depende, para relacionar-se com a realidade, da tutela da racionalidade de outros. Estão na menoridade a criança, que ainda
não atingiu a chamada pela filosofia “idade da razão”, bem como aqueles que por deficiências de nascimento ou adquiridas, são incapazes
de pensar e tomar decisões conscientes e autônomas.
Conceitualmente, porém, Kant demonstra a possibilidade de que haja pessoas que, embora disponham de condições físicas para realizar
o exercício da razão e da autodeterminação do pensamento, não o fazem, seja por covardia, por falta de iniciativa ou mesmo por motivos
de ordem social. Neste sentido, pode-se considerar que não rompeu com sua menoridade o indivíduo que tem suas ideias (e portanto suas
ações) determinadas externamente, ao aceitar um sistema de pensamento no qual são princípios a aceitação sem crítica e sem reflexão dos
valores ou a submissão incondicional a autoridades instituídas.
O campo da religião é justamente aquele em que o indivíduo deve submeter-se às ideias já estabelecidas sem questionamento — os dogmas
—, restringir seus juízos de valor a um sistema moral arbitrário ao qual aderiu e respeitar as autoridades seculares determinadas por estes
valores.
A crítica filosófica demonstra que a adesão ao pensamento crítico, à razão limitada somente por suas próprias regras, inevitavelmente leva
a questionamentos maiores do que os que cabem em um sistema de crenças; assim, a continuidade da tutela das religiões sobre seus crentes
só pode significar a prisão (mais ou menos voluntária) destes à menoridade do pensamento.
O campo da política, por conceito, possibilita a ação consciente dos indivíduos voltada para a transformação das condições em que vivem.,
por justamente ligar-se à ideia do poder. No entanto, a situação política em que vive o indivíduo frequentemente limita-o não somente em
suas ações, mas no próprio exercício do intelecto. Isso ocorre, por exemplo, nos regimes totalitários, que impõe, seja por meio da força,
seja (de maneira mais eficiente) por meio da mobilização dos meios de propagação ideológica — imprensa, publicidade, educação — de
que dispõem para consolidar os valores em que sua dominação está baseada, de maneira a impedir que o exercício da crítica pelos súditos/
cidadãos ameace o poder consolidado.
Também nos regimes democráticos é possível vislumbrar a existência de rédeas para o pensar dos indivíduos: a mera aceitação da “vontade
da maioria”, expressa nos líderes eleitos por esta, sem que o indivíduo busque pensar suas necessidades mais prementes e as maneiras de
realizá-las, também ameaça sua autonomia — sobretudo porque estes regimes também dispõem de meios de propagar seus valores e com
isso substituir a consciência individual por uma em que a regra seja a passividade e a ausência de ousadia intelectual.
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12. Três maneiras há de preservar a posse de Estados acostumados a serem governados por leis próprias; primeiro, devastálos; segundo, morar neles; terceiro, permitir que vivam com suas leis, arrancando um tributo e formando um governo de
poucas pessoas, que permaneçam amigas. Sucede que, na verdade, a garantia mais segura da posse é a ruína. Os que se
tornam senhores de cidades livres por tradição, e não as destroem, serão destruídos por elas. Essas cidades costumam ter por
bandeira, em suas rebeliões, tanto a liberdade quanto suas antigas leis, jamais esquecidas, nem com o passar do tempo, nem
por influência dos favores que receberam. Por mais que se faça, e sejam quais forem os cuidados, sem promover desavença
e desagregação entre os habitantes, continuarão eles a recordar aqueles princípios e a estes irão recorrer em quaisquer
oportunidades e situações.
Nicolau Maquiavel. Publicado originalmente em 1513. Adaptado.
Partindo de uma definição de moralidade como conjunto de regras de conduta humana que se pretendem válidas em termos
absolutos, responda se o pensamento de Maquiavel é compatível com a moralidade cristã. Justifique sua resposta, comentando
o teor prático ou pragmático do pensamento desse filósofo.
Resolução:
Maquiavel rompe com o pensamento medieval ao enxergar na sociedade uma pluralidade de éticas, e não apenas um único sistema de
valores. Segundo a ética cristã, o homem deve, a todo momento, ser justo e bondoso, e seguindo esses preceitos, salvará sua alma. Porém,
Maquiavel, como humanista, preocupava-se com o sucesso terreno dos homens; por isso propôs uma nova ética.
Para salvar sua alma, os homens devem ser sempre bondosos; mas, se o horizonte almejado for o sucesso do príncipe, em determinados
momentos, é necessário ser dissimulado, cruel e violento.
Por isso, a ética política proposta por Maquiavel rompe com a ética Cristã à medida que tem como finalidade a salvação do Estado, e não
da alma, sendo aceitos, por isso, atos tidos como imorais pela igreja cristã. A máxima maquiaveliana “ser bom sempre que possível, ser
mau quando necessário”, retrata bem essa ideia.
Comentário:
A moralidade cristã prega que os comportamentos dos indivíduos que a respeitam devem ser pautados pelo objetivo de servir ao deus cristão.
Estes valores são, assim, absolutos; determinada a vontade divina, absoluta e imutável, os valores morais que regem as ações também o são.
Assim, são consideradas virtudes pela moral cristã a abnegação, a solidariedade, a prática do bem.
Maquiavel procura, em seus textos, estabelecer as regras da política, isto é, procura demonstrar como um soberano deve agir para preservar
seu poder e para promover justiça entre seus súditos.
O que diferencia Maquiavel como verdadeiro filósofo político é o estabelecimento das regras políticas como sendo determinadas pela própria
política, ou seja, sem subordiná-las a valores externos, como os da religião. Se pensadores anteriores consideravam uma boa prática política
aquela que observava o respeito às leis divinas, ou aquela que ocorria em conformidade com a vontade dos indivíduos entre os quais o poder
em questão é exercido, Maquiavel procurou pensar que a boa prática política é aquela estabelecida pelas necessidades da política em si, e
assim se efetiva.
Não há outra regra para a filosofia política senão a da sua efetividade; esta lógica pragmática (voltada para a prática) é sintetizada de forma
pouco precisa na máxima (jamais dita por Maquiavel) de que “os fins justificam os meios”.
O caráter de filosofia política do pensamento de Maquiavel, no qual analisa-se um objeto segundo sua própria lógica, sem submetê-lo a
algo externo, rompe frontalmente com a lógica cristã, na qual o fim último de qualquer pensamento ou ação deve ser o respeito às entidades
divinas.
Comentário do CPV
As questões de Filosofia exigiram uma leitura mais apurada dos textos e uma boa capacidade discursiva.
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