AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ERMESINDE ESPECIFICIDADE DA FILOSOFIA A RADICALIDADE As questões do filósofo não se satisfazem com explicações de natureza empírica ou com as que a ciência fornece. A filosofia formula questões profundas, de fundo, como por exemplo: O que é a vida? Qual a sua origem? E o seu sentido? E o que é a morte? O que há para além dela? Que podemos fazer para corrigir os nossos erros? O facto da ciência poder dar soluções para algumas destas questões, isso não impedirá a interrogação da filosofia, pois esta, perante as novas certezas que o saber científico venha a alcançar, continuará a formular um insistente porquê. O homem necessita de descobrir a razão de ser das convulsões em que se sente inserido, bem como de encontrar rumos que orientem a sua existência. Surge deste modo a filosofia que não se contenta então com a descrição factual e objetiva da realidade, preferindo descortinar a razão de ser e o sentido dessa realidade e da qual o ser humano sente fazer parte integrante. “O que somos?”, “Donde vimos?”, “Para onde vamos?”, “Que é o mundo que nos rodeia?” acabam por ser o centro das inquietações, o fulcro das perguntas que, hoje como sempre, se colocam, de modo premente, ao homem. Emmanuel Kant no séc. XVIII acentua o carácter antropológico da filosofia, considerando que ela deveria dar resposta a quatro questões: O que posso conhecer? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? O que é o homem? À primeira pergunta tenta responder a metafísica. À segunda, reponde Kant na moral. À terceira, na religião. Todavia, para este filósofo, a quarta questão, “o que é o homem?”, é a principal, porque engloba as três anteriores. Afinal, toda a problematização e fundamentação filosófica se apresenta ligada à questão antropológica. O porquê filosófico é, portanto, uma interrogação radical, uma exigência de solução que vai ao porquê último das coisas, à raíz, aprofundando o conhecimento, procurando os fundamentos da existência - a verdade radical por detrás de tudo quanto existe. AUTONOMIA Assumir uma atitude filosófica é ser livre. Livre para pensar, livre para agir de acordo com o que pensa. Assumir uma atitude filosófica é recusar, dizer não a ideias que não são nossas, só as aceitando depois de as submetermos a uma reflexão crítica, a um exame aprofundado. A partir daí é que as podemos sentir e prosseguir como nossas, ou recusar como estranhas. Está, portanto, subjacente à filosofia uma atitude crítica, uma dúvida permanente. A filosofia exige uma atitude de recusa perante qualquer tipo de imposição – imposição do dado, imposição do já feito e do já sabido – em favor de uma autonomia do pensamento. «Esclarecimento (aufklärung) é a saída do homem da sua menoridade, de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de fazer uso do teu próprio entendimento tal é o lema do esclarecimento (aufklärung). A preguiça e a cobardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens (…) continuem, no entanto de bom grado, menores durante toda a vida. (…) É tão cómodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis.» KANT, Immanuel - O Que é esclarecimento? (1783) UNIVERSALIDADE No seu início, a filosofia começou por ser um saber sincrético, na medida em que abrangia a globalidade de conhecimentos que o homem ia organizando, mesmo daqueles que iriam inscrever-se no âmbito das ciências particulares; e os filósofos, homens alheios ao conceito de especialização que hoje temos, interessavam-se pelos mais variados campos do saber. É o caso de Tales de Mileto que, além de versado na cultura oriental com que contactava nas inúmeras viagens que efectuava, se empenhou noutras áreas do saber, desde engenharia e matemática até política e finanças. Foi astrónomo, chegando a prever um eclipse geral do Sol em 585 a. C. De igual forma, Aristóteles, pensador do séc. IV a. C., reflecte sobre uma multiplicidade de matérias, entre as quais física, zoologia, arte, psicologia, moral, lógica, metafísica e outras. Esta vocação de saber universal ficaria, por muitos séculos, a ser considerada como um dos caracteres essenciais da filosofia, conotando-se esta como o conjunto de conhecimentos que o filósofo conseguia abarcar. Em pleno séc. XVII, Descartes entendia ainda a filosofia como a totalidade do saber, comparando-a a uma árvore, cujas partes constitutivas eram as ciências particulares. Esta totalidade de conhecimentos não era dispersa, mas devidamente integrada num sistema unitário em que cada assunto, cada questão, cada saber particular tinha de estar de acordo com os outros e submeter-se a núcleos considerados mais essenciais. Este sentido de universalidade vai perdendo terreno, como é sabido, à medida que as ciências se vão progressivamente emancipando e tomando conta de áreas que tradicionalmente, cabiam à filosofia. Mas isto não significa que a filosofia tenha renunciado à sua vocação de universalidade – as reflexões filosóficas dizem respeito a toda a humanidade. A HISTORICIDADE O estatuto de filósofo não se adequa ao homem fechado, ao homem que se encerra em si mesmo. O filósofo é um ser histórico, um ser enraizado, um ser em situação, ou seja, um ser que vive numa circunstância definida por um aqui e um agora que lhe sugerem os parâmetros dentro dos quais se move o seu pensamento e se desenrola a sua acção. Mas a profundidade das respostas dos filósofos e alguns dos problemas que aborda são intemporais. A ESPECIFICIDADE DA FILOSOFIA 2.DOC