UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Pós-Graduação em Educação
TESE
DOCÊNCIA EM ARTES VISUAIS:
CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES NA (RE)
CONSTRUÇÃO
DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
CARMEN LÚCIA ABADIE BIASOLI
PELOTAS, setembro de 2009
CARMEN LÚCIA ABADIE BIASOLI
DOCÊNCIA EM ARTES VISUAIS:
CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES NA (RE) CONSTRUÇÃO
DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Pelotas, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientadora: Profª Drª Márcia Ondina Vieira Ferreira
PELOTAS, setembro de 2009
Dados de catalogação na fonte:
Aydê Andrade de Oliveira CRB - 10/864
B579d
Tavares
Santos Silva.
– Pelotas, 2008 .
Biasoli, Carmen
Lúcia Abadie.
124f.
Docência em artes visuais : continuidades e
Dissertação
(Mestrado
em Educação)
Faculdade
descontinuidades
na (re)construção
da trajetória
de
Educação.
Universidade
Federal
de
Pelotas.
profissional / Carmen Lúcia Abadie Biasoli ; Orienta-
dora: Márcia Ondina Vieira Ferreira. - Pelotas, 2009.
1. Professor
leigo. 2. Educação em escolas ru311f.
: il. ; color.
rais. 3. Trajetória de vida profissional. I. Zanchet ,
Beatriz
Tese (Doutorado
Maria Boéssio
emAtrib,
Educação)
orient.– II.
Faculdade
Título.
de
Educação. Universidade Federal de Pelotas.
CDD 371.3
1.Trabalho docente. 2. Metodologia biográficonarrativa. 3. Ciclos de vida profissional. 4. Docência
em Artes Visuais. I. Ferreira, Márcia Ondina Vieira,
orient. II. Título.
CDD
370.71
Banca examinadora:
Prof.ª Dr.ª Eliane Terezinha Peres
Prof.ª Dr.ª Ilma Passos Alencastro Veiga
Prof.ª Dr.ª Lúcia Maria Vaz Peres
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel da Cunha
AGRADECIMENTOS
Aos professores pelas suas narrativas, porque sem elas
eu não teria o que contar.
À Márcia Ondina pela delicadeza da presença e
competência profissional.
À Ilma, Mabel. Lúcia, Eliane, pela segurança que me
deram na banca de qualificação e por continuarem
comigo.
Aos colegas do Instituto de Artes e Design pelo incentivo
e apoio.
Aos professores do Curso de Cinema e Animação pela
parceria e compreensão da minha ausência.
Ao Paulo pela fase de companheirismo e por me fazer
compreender que uma “puxada de tapete” não significa
queda, mas salto.
À Fernanda, Silvana, Margareth, Isabel Larissa, Aceves,
Bolivar, Igor, amigos daquela hora difícil e dos momentos
de desabafo e descontração.
À Margareth, novamente, só que agora pelo precioso
auxílio na elaboração das biovias.
A todos que estão sempre muito próximos, mesmo
estando longe.
RESUMO
BIASOLI, Carmen Lúcia Abadie. Docência em Artes Visuais: continuidades e
descontinuidades na (re) construção da trajetória profissional. 2009. 307f. Tese
(Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação.
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
Esta pesquisa discute a problemática da profissão docente em Artes Visuais a partir do
estudo do ciclo de vida profissional, ou seja, do ciclo vital pelo qual passam os
professores. Assim, teve como objetivo investigar as continuidades e descontinuidades
na (re) construção da trajetória profissional de docentes de Artes Visuais, defendendo a
idéia de que aspectos significativos da vida pessoal e profissional e o momento docente
em que se encontram os professores interferem tanto na construção dessa trajetória
quanto para uma melhor compreensão da pessoa do professor e, como conseqüência,
da sua atuação docente. No campo do ensino das Artes Visuais, esta tese igualmente
reconstrói a história das instituições responsáveis pelo ensino da Arte em nosso país,
enfocando mais precisamente o caso do atual Instituto de Artes e Design (IAD) da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), cuja criação remonta a 1949.
A tese está assentada em diferentes pesquisas sobre trajetórias biográficas, incluindo
as que abordam as fases da carreira do professor (centradas nos anos de experiência
profissional), e os ciclos de vida, indicando a dimensão pessoal como fundamental no
processo pelos quais os professores se constroem e dinamizam seu trabalho, deixando
claro que o aperfeiçoamento profissional está associado ao desenvolvimento pessoal,
ou faz parte dele. Ademais, são trazidas contribuições de autores que investigam o
trabalho docente, especialmente os que tratam da profissionalização, do
desenvolvimento profissional e dos saberes docentes, bem como de investigadores que
analisam a escola como produtora de cultura.
A abordagem metodológica é a biográfico-narrativa, que possibilita aos professores
falarem sobre o que conhecem e fazem, o que faziam ou o que poderiam ou deveriam
fazer, ou seja, permite a explicitação das dimensões do passado que pesam sobre as
situações atuais e sua projeção em formas desejáveis de ação. Os professores que
participaram da pesquisa exercem a docência na rede municipal de Pelotas e atuam na
área de Artes Visuais, todos formados pelo IAD. O estudo assume um caráter quantiqualitativo, ao combinar questionário com entrevista. O questionário envolveu 40
professores e possibilitou conhecer características e expectativas formativas comuns no
coletivo. A entrevista foi realizada com 7 professores, formados em diferentes etapas do
curso de formação docente (conforme as mudanças da legislação educacional) e com
distintos tempos de atuação no magistério, permitindo compreender aspectos relativos
à escolarização; escolha da profissão com seus fatores determinantes e expectativas;
trajetória acadêmica com suas influências; lembranças e formação prática de ensino;
carreira docente, com seus primeiros anos; se o fato de ser mulher/homem afetou a
carreira; exercício da docência, anterior e atual. Para melhor compreensão da trajetória
docente, a partir da análise das entrevistas foram criados os caminhos biográficos, aqui
denominados de biovias. Outro elemento usado para complementar as entrevistas e
análise de dados biográficos foram Imagens Viajantes de obras de Arte solicitadas aos
professores, escolhidas por eles para significar o momento atual em que estão vivendo.
Para a elaboração das fases partiu-se do princípio de que os anos de carreira são
significativos para definir o início da primeira fase, denominada de impacto (1-6 anos),
mas não foram balizadores do seu término, porque os acontecimentos vividos pelos
professores, tanto na escola quanto na vida pessoal, foram determinantes para uma
mudança de fase. Já a aproximação da segunda fase, a de personalização (7-12
anos), justificou–se porque os professores definiram um estilo pessoal de ensinar Artes
Visuais para turmas de níveis diversificados e escolas com realidades diferentes, o que
requer tempo e maturidade, sem descartar uma mudança mais rápida provocada por
um ou outro tipo de acontecimento, um momento crítico enfrentado pelo professor. A
fase de alternância (13-18 anos) correspondeu a um período no qual o tempo de
atuação possibilitou ao professor uma maior compreensão do sistema educacional e da
docência, do que pode ou não, do que quer ou não fazer, o professor permitiu-se optar.
Já a proximidade com o final da carreira determinou a fase de individualização (19-25
anos), responsável pelo distanciamento do professor dos problemas educacionais e
pela busca de satisfação pessoal.
Deste modo, os anos de docência são considerados significativos na trajetória
profissional, mas não são definidores das fases, pois as narrativas dos professores
comprovam que as fases se mesclam constantemente - ou não - e uma não afasta nem
elimina a possibilidade de outra. Portanto, as modificações nas fases da vida dos
professores são ocasionadas pelas condições de tempo e lugar determinados,
ocorreram pelas oportunidades e limitações vividas por cada um deles; o
entrecruzamento das histórias pessoais e das trajetórias profissionais nesses diferentes
espaços e tempos configuram uma singularidade na prática docente desses
professores. Embora todos tenham passado, de um modo geral, por fases similares da
carreira docente, ficou evidente que cada um tem uma história de vida e trajetória
profissional singular, cada um tem uma trajetória subjetiva específica, cada um deles é
único.
Por fim, pode-se dizer que a compreensão dos ciclos de vida, através das fases da
carreira docente, entrecruzando histórias pessoais e trajetórias profissionais em
diferentes espaços e tempos da prática docente, possibilita pensar alternativas e
incentivar propostas de inovação para a formação docente inicial e continuada.
Palavras-chave: Trabalho docente. Metodologia biográfico-narrativa. Ciclos de vida
profissional. Docência em Artes Visuais.
BIASOLI, Carmen Lúcia Abadie. Teaching Visual Arts: continuities and
discontinuities in the (re) construction of the professional career. 2009. 307f.
Thesis (PhD program) – Post Graduation Program in Education. Education College.
Federal University of Pelotas, Pelotas.
The present research discusses the problematic of the teaching career in Visual Arts
based on the study of professional life cycle, that is, the vital cycle through which the
teachers face. Thus, it aimed at investigating the continuities and discontinuities in the
(re) construction of teachers’ professional careers in Visual Arts, defending the idea that
significant aspects of both personal and professional life and the teaching moment lived
by the teachers interfere both in the construction of this career as well as in a better
understanding of the role of the teacher and, consequently, his / her teaching
performance. In the field of Visual Arts teaching, this thesis equally reconstructs the
history of institutions responsible for the teaching of Arts in our country, focusing more
specifically the present situation of the Instituto de Artes e Design (Arts and Design
Institute) from the Federal University of Pelotas (UFPel), which was opened back in
1949.
The thesis is based in different researches about biographical data, including the ones
which concern the different teacher’s career phases (centered in the years of
professional experience), and the life cycles, indicating the personal dimension as
fundamental in the process by which the teachers build their careers and make their
work dynamic, making it clear that the professional improvement is associated to the
personal improvement, or is also part of it. Besides this, there are contributions from
authors who investigate the teaching activity, specially the ones involved with the
professionalization, the professional development and the teacher’s knowledge, as well
as investigators who analyze the school as a culture producer.
The methodological approach is biographic-narrative, which enables the teachers to talk
about what they know and do, what they did or what they could or should do, that is, it
makes possible to make explicit the past dimensions which have an influence on the
present situations and its projection into expected action forms. The teachers who
participated in the research teach in city public schools in Pelotas in the area of Visual
Arts, all having graduated at IAD. The study takes a quanti-qualitative character, as it
combines the questionnaire with interviews. The questionnaire involved 40 teachers and
enabled to know characteristics and expectations common to the people as a whole.
The interviewed was made with 7 teachers, graduated in different phases of the
teaching course (according to changes in the educational legislation) and with distinct
teaching experience, permitting to understand aspects related to school history; the
choice of the career with their determinant factors and expectations; academic history
and their influences; remembrances and teaching practical education; teaching career,
within its initial years; whether the fact of being a man / woman affected his / her career;
the teaching experience, previous and present. For a better understanding of the
teaching career, biographical paths were created based on the analysis of the
interviews, here so-called biopaths. Another element used to complement the interviews
and the analysis of the biographical data were “Travelling Images” of Art pieces asked
by the teachers, chosen by them in order to express the present moment which they
have been facing.
For the elaboration of phases, the starting point was the principle that the years of
career are meaningful to define the beginning of the first phase, called impact (1-6
years), but they were not standards for its end, because the events faced by the
teachers, both at schools as well as in their personal lives, were significant for a change
of phase. The closeness to the second phase, the personalization one (7-12 years),
was justified because the teachers defined a personal teaching style to teach Visual Arts
for groups of different levels and schools with different realities, which demands time
and maturity, without discharging a faster change provoked by one or another type of
event, a critical moment faced by the teacher. The phase of alternation (13-18 years)
corresponded to a period in which the teaching experience enabled the teacher to better
understand the educational and the teaching system, what he / she can or cannot do,
what he / she wants to do or not, the teacher gave him /herself the chance to choose.
Finally the fact of being close to the end of the career determined the so-called
individualization phase (19-25 years), responsible for the distance between the teacher
and the educational problems and the search for personal satisfaction.
Therefore, the teaching years are considered meaningful in the professional career, but
they are not the ones which define the phases, as the narratives from the teachers
prove that the phases constantly mix - or not – and one does not place away nor
eliminates the possibility of another. Finally, the modifications in the life phases of
teachers are caused by the conditions of determined time and places, having occurred
due to the opportunities and limitations dealt by each one of them; the crisscrossing of
personal histories and the professional careers in these different moments and places
configure a singularity in the teaching practice of these teachers. Although all have gone
through, in a general way, similar phases in their teaching careers, it was evident that
each one have their own and unique life experience and professional career, each with
a specific subjective experience, each one of them is unique.
To end, it can be said that the understanding of the life cycles, through the phases of the
teaching career, crisscrossing personal histories and professional careers in different
places and moments of the teaching practice, enables thinking about alternatives and
motivating innovation proposals for the initial and continuing teacher’s education.
Key words: Teaching work. Biographical-narrative methodology. Professional life
cycles. Visual Arts teaching.
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
Figura 1 - Articulação entre os diferentes instrumentos da pesquisa
35
Quadro 1 – Formação do Professor de Arte no IAD/UFPel
33
Quadro 2 – Professores entrevistados por curso,
ano de conclusão e tempo de docência
36
Quadro 3 – Fases por ano de carreira
124
Quadro 4 – Fases da carreira por aproximação dos anos de docência
203
Quadro 5 – Professores entrevistados por anos de docência
205
Quadro 6 – Mutações coloridas da trajetória profissional dos docentes
219
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Professores formados no curso de Licenciatura de 1º Grau
em Educação Artística
– IAD/UFPel (1975-1990)
48
Tabela 2 – Professores formados no curso de Licenciatura Plena
em Educação Artística com habilitação em Música
– IAD/UFPel (1975-1979)
49
Tabela 3 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística
– IAD/UFPel (1978-1992)
49
Tabela 4 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística
– IAD/UFPel (1994/1998))
50
Tabela 5 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura em Artes
– IAD/UFPel (1999/2007)
51
Tabela 6 – Professores formados, por curso e habilitação
– IAD/UFPel (1994-2007)
52
Tabela 7 – Professores formados, por curso e habilitação - Licenciatura
– IAD/UFPel (1975/2007)
52
Tabela 8 – Professor por formação: curso e habilitação
131
Tabela 9 – Professor por tempo de docência
133
Tabela 10 – Alternativas para o exercício da docência
136
Tabela 11 – Espaço físico para as aulas de Artes Visuais
139
Tabela 12 – Freqüência no planejamento das aulas pelos professores
139
Tabela 13 – Instrumentos avaliativos utilizados pelos professores
141
Tabela 14 – Recursos materiais utilizados pelos professores
143
Tabela 15 – Tipos de reunião promovida pela escola que os professores participam
146
Tabela 16 – Freqüência na participação em reuniões por áreas de estudo
146
Tabela 17 – Fatores de impedimento para formação continuada
148
LISTA DE BIOVIAS
Biovias 1
Professora Ana - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
212
Biovias 2
Professora Sílvia - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
213
Biovias 3
Professora Maria - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
214
Biovias 4
Professora Diva - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
215
Biovias 5
Professora Eduarda - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
216
Biovias 6
Professor Paulo - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
217
Biovias 7
Professora Jenice - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
218
SUMÁRIO
TRADUZIR-ME
1
1. EU NO ESPELHO: A PESSOA, A PROFESSORA
A memória
Uma relação delicada
Uma decisão saborosa
Uma opção decisiva
Uma mudança geográfica
Uma caminhada de re-configuração
Um exercício de escrita de si
Um discurso assumido
Um caminho para novas pisadas
7
8
9
10
10
11
13
15
17
2. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO
Achados no caminho
Inquietações e objetivos da caminhante
O traçado do caminho
Os caminhantes
20
26
30
33
3. LUGAR DE FORMAÇÃO: A CASA E O CORPO
A casa e o corpo: alicerces fundacionais
A casa: Instituto de Artes e Design/UFPel
O corpo: Professor de Arte
38
43
46
4. PINCELADAS QUE MUDARAM A HISTÓRIA
Ensino da Arte: rupturas na concepção
Cultura Visual no ensino das Artes Visuais
Leitura de imagens no ensino das Artes Visuais
Professor de Artes Visuais: desafios na atuação
55
61
64
69
5. OLHARES TEÓRICOS SOB PERCEPÇÃO
Escola em questão
A escola como lugar de cultura
A escola como espaço da produção de vozes
Trabalho docente em foco
Saberes docentes em discussão
Trajetória biográfica em voga
75
77
85
88
100
114
Professor em ciclos
Professor em fases
119
123
6. IMPRESSÕES PRIMEIRAS
Imagens delineadas
Imagens percebidas
130
152
7. DE ONDE VÊM? QUEM SÃO? PARA ONDE VÂO?
Ciclos de vida dos professores
A escolarização
A escolha da profissão
A trajetória acadêmica
A carreira docente
A escola
Fases da carreira docente
157
158
161
165
175
190
194
201
8. OS PROFESSORES PELAS SUAS TRAJETÓRIAS
210
9. OS PROFESSORES PELAS SUAS IMAGENS VIAJANTES
220
A VOZ: IMPRESSÕES FINAIS
Imagens delineadas pelo gesto
Imagens construídas pela voz
Imagens (in)concluídas
228
231
235
REFERÊNCIAS
238
APÊNDICES
Protocolos de Registro de Narrativas
Protocolo nº 1
Protocolo nº 2
Protocolo nº 3
Protocolo nº 4
Protocolo nº 5
Protocolo nº 6
Protocolo nº 7
247
257
263
272
278
286
294
TRADUZIR (ME)
Se uma imagem presente
não faz pensar uma imagem ausente,
se uma imagem ocasional não determina
uma prodigalidade de imagens aberrantes,
uma explosão de imagens,
não há imaginação.
Gaston Bachelard
Ao iniciar a apresentação deste trabalho, entendo ser necessário traduzir
(me). Buscar significados para a palavra traduzir foi o começo. Ferreira Gullar diz:
“Uma parte de mim pesa, pondera. Outra parte delira”, eu digo: “Uma parte de
mim é pessoa, outra professora e ambas pesam, ponderam e deliram”. Nesse
misto de ser, o sentido do meu traduzir é manifestar, explanar, explicar.
Manifestar minha eterna preocupação com o professor, explanar razões para
realizar esta pesquisa e explicar porque a construí assim como está e não de
outra forma.
O foco central da pesquisa foi, mais uma vez, e como não poderia deixar
de ser, a formação e atuação do professor de artes visuais. A formação do
professor, não só de arte, mas de todas as áreas do conhecimento humano e
para todos os níveis de ensino, tem sido amplamente discutida nas agendas
educacionais de hoje. Centrar o foco nesta questão indica que a função do
2
professor, no processo de ensinar e aprender, ganha contornos mais precisos.
Isto aponta para a existência de um processo de revisão tanto na atuação do
professor quanto na sua história de vida e, ainda, de retomada de uma identidade
profissional, pois pela análise de Nóvoa (1995b) “nos últimos 30 anos, depois de
ter sido ignorado, esmagado e controlado pelo próprio sistema educacional”, o
professor passou a ser objeto de inúmeras pesquisas em produções acadêmicas,
provocando reflexões sobre a sua formação e a prática pedagógica na busca de
um maior domínio das ações educativas.
Fui, então, em busca de uma nova forma ou outra maneira de olhar e
entender o professor, que não apenas aquela tentativa de encontrar um melhor
método para o ensino, ou aquele destaque dado à análise do ensino no cotidiano
da sala de aula, ou ainda, pela busca de características intrínsecas ao “bom”
professor.
Desta vez, a idéia inicial foi motivada pelo texto de Nóvoa (1995b): “Diz-me
como ensina, que dir-te-ei quem és, ou vice versa”, lido algum tempo atrás, que
me fez entender que a profissão docente é uma profissão de interações humanas
e um professor sempre se apresenta inteiro, com toda a sua personalidade.
Pensando, então, que o professor na relação pedagógica apresenta-se
com toda a sua história e personalidade, pelo menos nas formas de ensino que
implicam uma interação presencial entre professor e estudantes, tomei como
ponto de partida analisar a problemática da profissão docente a partir do estudo
dos ciclos de vida com base nas fases da carreira do professor, centradas nos
anos de experiência profissional. Queria identificar aspectos significativos da vida
pessoal e profissional que interferem na construção dessa trajetória para uma
melhor compreensão da pessoa do professor e, como conseqüência, sua atuação
docente.
A história pessoal, a trajetória pré-profissional, e, especialmente, a
trajetória como aluno, tem uma influência decisiva no estilo de ensino de um
professor. Acredito que tendemos a reproduzir, ou a excluir, formas de trabalho ou
atitudes de professores que marcaram nossa vida escolar quando alunos.
Entendo que os professores exercem uma profissão em instituições que são
muito semelhantes àquelas nas quais passaram longos anos de suas trajetórias
3
escolares. Essas experiências marcam profundamente a escolha do magistério
como carreira profissional, a prática docente e as mentalidades dos professores.
Por isso - e devido a isso – voltei meu olhar sobre a vida pessoal do
professor, considerando que a maneira como cada professor ensina está
diretamente dependente daquilo que ele é como pessoa quando exerce seu
ensino
Para estruturar este trabalho, enredei meus pensamentos na busca de uma
solução agravável para mim que o escrevo e sedutora para quem o lê. Talvez
querer seduzir o leitor seja muita pretensão, mas pensei assim e por isso me
motivei na busca de organizar uma seqüência com um pouco de imaginação para
apresentar os resultados desse trabalho.
Inspirada em Bachelard (2001), destaco que a imaginação é a faculdade de
formar imagens. Ora, ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas
pela percepção, é, sobretudo, a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras,
de mudar as imagens. Se não há mudança de imagens, união inesperada das
imagens, não há imaginação.
Assim, fui buscar na memória imagens cristalizadas. As imagens de
artistas em diferentes espaços e tempos foram, então, utilizadas na abertura de
cada capítulo deste trabalho e por mim denominadas de “viajantes”, porque me
inspiraram um exercício de pensamento estético visual, combinado com reflexões,
múltiplas, aspiradas, respiradas e transpiradas nas especificidades dos conteúdos
de cada um dos textos que compõem todo trabalho.
O primeiro capítulo, Eu no espelho: a pessoa, a professora, estrutura-se
com base em um exercício de pensamento que narra minha trajetória de vida.
Busco, através do espelho, um olhar profundo sobre mim e a partir da minha
memória trazer fatos do passado que contribuíram na minha construção pessoal e
profissional.
O segundo capítulo, O caminho se faz caminhando, apresenta a origem do
estudo: as razões e motivações, problemática de pesquisa e objetivos,
destacando investigações realizadas anteriormente como o contexto gerador
deste estudo. O caminho traçado para entender a trajetória profissional também
se faz presente nesse capítulo, cujo enfoque foi a metodologia biográficonarrativa, uma abordagem quanti-qualitativa, que possibilitou aos professores
4
explicitarem as dimensões do passado que pesam sobre as situações atuais e
sua projeção em formas desejáveis de ação.
Lugar de formação: a casa e o corpo caracteriza-se como o terceiro
capítulo, tendo por objetivo apresentar a casa da Arte, que também gradua
profissionais nessa área, os professores formados nessa casa, narrando um
pouco da história das instituições de ensino de arte no país que, de certa forma,
influenciou o ensino da arte e, como conseqüência, a formação dos professores
do Instituto de Artes e Design /UFPel.
O quarto capítulo, Pinceladas que mudaram a história, discute as
mudanças nas concepções de Arte e de ensino de Arte ocorridas a partir do início
do século XX e suas implicações acerca do lugar da arte na escola, da formação
do professor e do trabalho docente em artes visuais.
Olhares teóricos sob percepção, o quinto capítulo, trabalha olhares de
alguns teóricos para a compreensão de questões relativas à escola, ao trabalho
docente, aos saberes docentes, aos ciclos de vida e as fases da carreira pelas
quais passam os professores.
No
sexto
capítulo,
Impressões
primeiras,
são
apresentadas
as
características dos professores comuns no coletivo. A partir do questionário com
questões, subdivididas em questões fechadas e de alternativa múltiplas,
agrupadas em torno das seguintes dimensões: dados de identificação,
escolaridade, carreira e expectativas profissionais, processo de trabalho. Por fim,
solicito aos professores informações sobre as dificuldades encontradas para
ensinar arte e sugestões para a melhoria desse ensino.
O sétimo capítulo, De onde vêm? Quem são? Para onde vão? apresenta a
voz dos professores através de suas narrativas, destacando os eventos e
experiências, passados e presentes, que configuram a vida e a carreira e suas
expectativas acerca do futuro, ou seja, acontecimentos histórico-sociais que
fazem desse professor uma pessoa total. O estudo dos ciclos de vida, através da
trajetória biográfico-narrativa dos professores compreendeu aspectos relativos à
escolarização; à escolha da profissão, com seus fatores determinantes e
expectativas; à trajetória acadêmica, com suas influências, lembranças e
formação prática de ensino; à carreira docente com seus primeiros anos de
docência; ao exercício da profissão e, se o fato de ser mulher/homem afetou ou
5
não a carreira; ao exercício da docência e, por fim, os professores falaram da
escola onde exercem a docência, destacando a história pessoal vivida na
instituição, bem como o grau de satisfação com essa escola e o momento
profissional em que se encontram.
Os professores pelas suas trajetórias docentes e Os professores pelas
suas
imagens
viajantes,
correspondem
ao
oitavo
e
nono
capítulos,
respectivamente, são dois capítulos visuais onde no primeiro aparecem as
biovias, os caminhos individuais de cada professor, determinados pelos
acontecimentos vividos - momentos críticos – que marcaram a trajetória docente
em artes visuais. Já no outro capítulo visual é possível ver os professores pelas
cores e formas de suas próprias imagens refletidas nas imagens de artistas por
eles selecionadas.
A Voz: Impressões finais configura-se como apreciação, à guisa de (in)
conclusão, sobre as continuidades e descontinuidades na (re) construção da
trajetória profissional do docente em Artes Visuais, conclusão sobre a importância
– e necessidade – de compreender que é impossível separar o eu pessoal do eu
profissional; (in) conclusão porque é preciso visualizar outros caminhos, ainda
pouco conhecidos, que possam contribuir mais efetivamente para e na formação
inicial e continuada do docente em artes visuais e, assim, quem sabe, incentivar
propostas de inovação.
EU NO ESPELHO: A PESSOA, A PROFESSORA
Eis-nos de novo face à pessoa e ao
profissional, ao ser e ao ensinar. Aqui
estamos. Nós e a profissão. E as opções
que cada um de nós tem que fazer como
professor, as quais cruzam a nossa
maneira de ser com a nossa maneira
de ensinar, e que desvendam na
nossa maneira de ensinar a nossa
maneira de ser.
Antônio Nóvoa
A Imagem Viajante nº1, “Moça em frente do espelho” de Picasso1, leva-me
a passear no tempo e no espaço, um tempo que é só meu e um espaço que
retrata minha realidade ordenada. Na imagem refletida no espelho o artista
mostra como é possível construir um rosto com poucos elementos e com a
ausência de relevo. A solidez e a profundidade da imagem são motivadoras da
escrita dessa primeira parte do projeto; destina-se a um exercício de pensamento
que narra minha trajetória de vida. Busco, através do espelho, um olhar profundo
sobre mim e a partir da minha memória trazer fatos do passado que contribuíram
na minha construção pessoal e profissional.
Pablo Picasso (1881-1973), pintor espanhol, sua pintura é um “gesto de revolta com que se abre
o processo revolucionário do Cubismo” (ARGAN, 1992, p.426). Cubismo: corrente estilística que
apresenta duas tendências distintas: o cubismo analítico (1908-1911) e o cubismo sintético (19111914). O cubismo analítico trabalha com a decomposição da estrutura do objeto, uma verdadeira
fragmentação, já o sintético decompõe sumariamente as formas, desintelectualizando as cores,
utilizando a colagem de outros elementos na pintura. (CAVALCANTI, 1978, p.317).
1
7
A memória
O processo de lembrar, ou melhor, a memória é sempre uma interpretação
do passado à luz do presente, uma avaliação com os olhos de hoje. Na
lembrança, o passado se torna presente e se transforma, contaminado e
influenciado pela percepção atual de quem lembra, do aqui e agora.
Sem memória, somos de alguma forma conduzidos por registros do
passado, contidos em nosso inconsciente, que vão influenciar, sem o crivo da
crítica, nosso comportamento. Daí a importância de, não somente nos deixarmos
levar ao sabor e prazer (ou desprazer) de memórias ocasionais, mas,
essencialmente, de recuperarmos como mecanismo de uma ação lúcida e
consciente, conteúdos de nosso passado mais ou menos recente e, identificando
sua influência em nosso pensamento, conduta, ação.
Na obra “Memória e sociedade: lembrança de velhos” de Ecléia Bosi (1983,
p.17), eu encontro a concepção de Halbwachs (1990) acerca da memória que diz
que “na maior parte das vezes, lembrar não é refazer, reconstruir, repensar, com
imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é
trabalho”.
É dessa concepção de memória, presente nas palavras do autor, que aqui
compartilho. É, então, através da lembrança das experiências vividas que destaco
eventos significativos que me produziram e fizeram produzir-me como sujeito,
mulher, professora.
E, assim inicio minha narrativa.
Bem, mas antes, devo dizer que narrativa sobre o que sei daquilo que vivi
enquanto forma de conhecimento é um exercício de reflexão que envolve não só
o fazer, mas também o escrever.
Para Ferrer (1994, p.166) "a narrativa do conhecimento confere
compreensão à realidade, o escrito explica a vida”. E mais, para a autora a
diferença entre o pensamento e a escrita é a de que o que está escrito, escrito
está, ou seja, complemento isso dizendo que para o bem e para o mal registrado
e, de alguma forma, definido e definitivo posto está.
8
Uma relação delicada
A paisagem onde constituí meu imaginário geográfico primeiro localizavase em Porto Alegre. Aos cinco anos de idade posso dizer que minha relação com
a arte iniciava, pois começavam meus estudos de ballet. No ano seguinte fazia
minha estréia acadêmica num renomado colégio de freiras para cursar a primeira
série do curso primário. Alguns meses depois, enfrentei o primeiro preconceito
institucionalizado contra a arte. Na época eu ensaiava euforicamente um
espetáculo de dança que seria a minha estréia no palco, até que um dia a
professora de religião chamou-me ao púlpito para reproduzir oralmente uma lição
que deveria ser decorada, como não tinha estudado, argumentei prontamente que
havia sido por pura falta de tempo porque os ensaios para o espetáculo estavam
sendo excessivos. Quando terminei minha singela justificativa fui retirada
abruptamente da sala de aula e depositada no gabinete da direção à espera de
meu pai. É claro que nunca mais pisei na tal escola.
Recomecei meus estudos imediatamente em outra escola de freiras. Só
que desta vez foi tudo diferente. Era uma escola pequena e muito alegre. Eu pude
até contar para a Madre Superiora, uma grande amiga por muito tempo, meu
sonho de ser, além de bailarina, uma artista de circo. Sonho acalentado por muito
tempo, quando das minhas fugidas ao circo em frente a minha casa, sempre tinha
um circo saindo e outro chegando. Assim, começava a minha paixão pelo palco e
pelo picadeiro; a pelo palco continua até hoje e o picadeiro daquele circo de lona
colorida ficou na lembrança.
Tudo na minha vida ia muito bem, até que por decisão familiar, fui para um
colégio de Cônegas Francesas em regime de semi-internato. É evidente que elas
foram avisadas sobre as minhas aulas de ballet. O cenário da escola era
belíssimo, ficava num local afastado da cidade, a disciplina extremamente rígida
era a tônica da escola, o corpo docente mais parecia um grupo japonês de Teatro
Kabuc, pela seriedade e pela falta de humor. Estudava, além das disciplinas
curriculares, Latim, Francês, Inglês e ainda tinham as aulas de polidez. Até hoje
lembro o horror de almoçar com uma freira ao lado, em pé como uma coluna
grega, falando, cutucando freqüentemente. Não sei como não fiquei com um
trauma gástrico. No entanto, não é dos melhores o meu relacionamento com
9
alguns alimentos, ainda hoje. O que mais me agradava nesta escola era o
intervalo do almoço. Fiz amizade com uma freirinha que escutava um radinho de
pilha e que me ensinou a jogar bolinha de “gude”. Assim, após o almoço,
escutávamos rádio, jogávamos bolinhas e, por vezes, eu a ensinava a dançar. Ela
era diferente das outras, estava sempre sorrindo e todas as tardes, na hora do
lanche, ela carregava uma enorme cesta com pãezinhos bem quentinhos. Eu
pensava que ela não era professora, e sim a responsável pela padaria da
congregação. Muito tempo depois, a escola já não existia mais, encontrei a
freirinha no Colégio Anchieta, como professora de Ciências. Aí nessa escola, eu
iniciava minha trajetória de professora de arte, e eu e a freirinha alegre
trabalhamos juntas em várias atividades integradas.
Por motivos político-familiares saí do Colégio das Cônegas e fui para outra
escola, também de freiras, para concluir o ginasial. O que mais me fascinava
nesta escola era o Núcleo de Artes e Cultura, eu fazia tudo o que era possível,
teatro,
dança,
pintura,
escultura,
canto.
Foi
neste
clima
que
concluí,
tranqüilamente, meus estudos ginasiais. E, a partir daí, a minha relação com a
arte se solidificou e o ser professora de arte irreversível.
Uma decisão saborosa
Criou-se, então um impasse familiar: de um lado meus pais achavam que
eu deveria cursar o 2º Grau, pela manhã, em outro renomado colégio de freiras;
por outro lado eu queria estudar, à tarde, em uma escola normal pública e pela
manhã lecionar ballet para crianças. O convite para lecionar surgiu logo após
minha formatura em dança clássica, era irrecusável. O resultado deste impasse
foi a minha derrota temporária. Matricularam-me, então no tal colégio para fazer o
“Clássico”. Eu saía de casa, todas as manhãs bem cedo, para ir à escola,
carregada de livros, só que eu ia dar minhas aulas de ballet. Nunca entrei no
renomado colégio. Sustentei esta situação insuportável por quase dois meses, até
que fui prestar exame de seleção para o tão desejado Curso Normal e ao receber
o resultado de aprovação pude chegar em casa e reverter a pseudo-vitória
familiar. Com certeza a minha carreira teatral definiu-se aí. E aí, também a minha
carreira no magistério, logo que formada comecei a lecionar, na rede escolar do
10
município, em uma escola de periferia com uma classe de 3ª série.
Uma opção decisiva
O que eu queria mesmo era ser professora de arte, então ao concluir meu
curso Normal prestei vestibular para o curso de Licenciatura em Artes Plásticas
do Instituto de Artes e para o Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da
UFRGS. Passei nos dois. Porém, mergulhei no mundo da arte e o que me
agradava era o ambiente artístico e cultural daquela casa de ensino. Respirava
arte por todos os poros. Minha vida universitária foi de fundamental importância
tanto na aquisição do meu conhecimento teórico da arte quanto na minha
produção artística. Meus cursos universitários foram, sem dúvida, grandes
performances. Era tempo de atuar, o estágio obrigatório levou-me ao Colégio
Anchieta para ser a professora de arte e encontrar a freirinha minha amiga. O
estágio acabou e eu continuei lecionando, como professora contratada.
Uma mudança geográfica
A paisagem onde constituí meu imaginário geográfico segundo, localizavase em Pelotas. Minha vinda para Pelotas, apenas uma mudança geográfica, em
nada interferiu nos meus ideais profissionais, pelo contrário, oportunizou-me
meios para concretizá-los ainda mais. Aqui retornei a minha grande paixão, o
palco – só que desta vez através do teatro. E o picadeiro? Este, eu não tive a
oportunidade de experimentar, mas não perco nenhum circo que apareça na
cidade, do mais simples ao mais sofisticado. Isso não importa, o que importa
mesmo é estar sentada, comendo pipoca, ouvindo aquela música de circo e
aquela voz dizendo: “Respeitável público”. É a glória!
Meu contato com a Universidade Federal de Pelotas deu-se através da Pós
Graduação em Artes do Instituto de Letras e Artes, onde concluí o curso de
Especialização em História da Arte. Nesta época conheci os integrantes do grupo
Teatro Universitário e por dois anos consecutivos atuei como atriz e figurinista.
Foi, então, que eu recebi meu primeiro prêmio de melhor atriz, outros se
seguiram, em outro grupo, a Cia. Teatro Frio, como atriz profissional, já
11
devidamente sindicalizada, com carteirinha e tudo.
Em 1989 ingressei no quadro docente da UFPEL, através de concurso
público, no Departamento de Artes e Comunicação do Instituto de Arte e Design,
para lecionar Expressão Cênica, Expressão Corporal e Fundamentos da ArteEducação, no curso de formação de professores. Durante este período inicial
desenvolvi Projetos de Extensão que me permitiram contato com professores em
serviço nas redes municipal, estadual e particular de ensino da Pelotas e região.
Experiência marcante na minha trajetória docente.
Uma caminhada de re-configuração
Na tentativa de organizar uma seqüência de lembranças dessa
experiência, relembro Comparato (1983, p.45) quando diz que "a memória é a
cristalização de fatos”, e complemento que não só de fatos, mas também de
gestos, de falas que formam um acervo de imagens e pensamentos. E na
profusão desses, procuro organizar tal seqüência com um pouco de imaginação,
isto é, buscar a maneira de fazer a leitura de acontecimentos tão marcantes.
Surgem, imediatamente, três cenas em "flash back” 2: um grupo de professores
sentados no chão; um grupo de alunos ao redor de uma mesa e eu lendo
questionários preenchidos por professores e alunos. Essas cenas são
absolutamente necessárias para a ação narrativa, só que assim reordenadas:
Flash Back nº 1: Leitura de questionários
Uma pilha de questionários, já preenchida, descansava sobre uma mesa num dia
cansativo de janeiro de 1992. Há algum tempo que eles estavam ali esperando por mim. Naquele
tal dia, quente e abafado, iniciei a leitura dos "ditos" para, posterior, tabulação e análise. Um
trabalho artesanal. Na medida em que ia lendo questão por questão, anotava as respostas em
seus respectivos lugares nas grades primitivamente elaboradas. Essa atividade foi à tônica das
minhas tardes daquele abafado janeiro. O trabalho representava uma tentativa de fazer um
diagnóstico das condições dos docentes e da docência em Artes nas escolas da cidade de
Pelotas, que possibilitassem a obtenção de dados capazes de permitir uma análise mais
Cena que revela algo passado. É uma técnica usada para mostrar algo que aconteceu no
passado da personagem. (COMPARATO, 1983, p.121).
2
12
fundamentada das questões relativas ao ensino da arte e à formação do futuro professor. E assim,
através das respostas, tanto dos professores como dos alunos, iam surgindo os contornos do perfil
do professor e da situação do ensino da arte. Daí configurou-se uma imagem problemática do
ensino da arte, cujo cerne da questão - concluí - tinha relação com a formação do professor de
arte e com sua prática pedagógica.
Flash Back nº 2: Professores sentados no chão
No início do 2º semestre letivo de 1993, eu e um grupo de alunos - a "Gang" da Carmen,
como era conhecida - partimos para a realização de mais um projeto de extensão denominado
"Arte-Educação: vivenciar, integrar e agir". Desta vez o local foi o município de Piratini e a clientela
formada por professores do Ensino Fundamental e de Educação Artística das escolas estaduais,
municipais e da zona rural. Assim, na manhã do dia 6 de agosto rumamos para mais uma
experiência de ensino da arte. Lá chegando, dirigimo-nos à sede do Banco do Brasil, onde seria
realizado o curso, Para espanto de todos nós, o espaço físico era o ideal: um salão muito grande,
bem iluminado, com todos os recursos materiais possíveis e imagináveis. É claro que
estranhamos, pois nós que ensinamos Arte não estamos acostumados com tanta coisa assim.
Mas o que realmente marcou foi à cena com que nos deparamos: eram 64 professores sentados
no chão olhando para nós com muita curiosidade e expectativa. Nunca tínhamos ministrado um
curso com tantos professores juntos e com um grupo tão heterogêneo. Nosso objetivo com o
projeto era o de vivenciar e de integrar as linguagens artísticas (plástica, cênica, música) como
forma de aprendizagem refletida no agir, visto que todas as atividades artísticas estão ligadas à
cognição, pois fazer arte é produzir conhecimento. Fomos, então, ao longo de todo o semestre
vivenciando e integrando linguagens artísticas, aplicando nosso conhecimento com os professores
e estes com seus alunos em suas escolas. Fato este que nos levou a concluir que é possível aliar
saber artístico com fazer artístico, ou seja, a teoria com a prática.
Flash Back nº 3: Alunos ao redor da mesa
Num final de tarde de agosto de 1995, quando cheguei no Instituto de Letras e Artes,
ainda na rua olhei, pela porta de vidro, a sala da Biblioteca e vi um grupo de alunos sentados ao
redor de uma mesa. Entrei, fui direto para onde eles estavam, eram todos conhecidos, eram os
companheiros de extensão, era a minha "Gang". Partilhei com eles as novidades e as reflexões no
e em decorrência do Curso de Mestrado que eu estava realizando. E foi deles mesmo a idéia
inicial do que viria a concretizar-se numa experiência de ensino da arte na perspectiva da
produção do conhecimento. Com esse projeto de extensão para alunos da própria instituição,
nosso objetivo era discutir a questão dos paradigmas predominante e emergente de Educação, de
Arte e de Ensino da Arte, refletindo sobre suas influências na prática pedagógica e suas
conseqüências na formação de professores de arte. E, por meses, assim foi feito. Muito
13
discutimos, muito estudamos, muito refletimos e concluímos, ao final da experiência, que não é
impossível aproximar a Arte da Educação para um efetivo ensino da arte na perspectiva da
produção do conhecimento.
A utilização do "flash back" serviu para mostrar fatos e ações de três cenas
absolutamente fundamentais e marcantes na minha trajetória profissional, todas
elas concretizadas através de projetos de extensão. Um "flash back" tem que
integrar uma história, tem que ter um significado para uma ação, e estas cenas
narradas foram, sem dúvida, as "molas propulsoras" das minhas ações
subseqüentes, uma após a outra.
A reflexão sobre tais cenas apontou para questões básicas do ensino da
arte: a formação do professor, a relação saber / fazer artístico (teoria e prática) e
a
produção
do
conhecimento
em
arte.
Estas
questões,
teoricamente
fundamentadas e praticamente vivenciadas à luz do meu "olhar", levaram-me a
re-configurar meu conhecimento e a investir em novas propostas de trabalho de
ensino de arte, quer com alunos da nossa instituição, quer com professores da
nossa comunidade.
Um exercício de escrita de si
As ações educativas aplicadas em aula baseiam-se em teorias de
educação. A atuação do professor está impregnada dos pressupostos e diretrizes
de uma concepção de mundo que, por sua vez, nutre tal teoria. É claro que isso
ocorre, também, com o ensino de arte. As concepções de mundo do professor
embasam as relações que ele estabelece entre as aulas de arte e a sociedade. A
ação do professor em sala de aula possui sempre uma teoria de educação. Uma
ação impregnada de pressupostos teóricos de uma determinada concepção de
mundo. Minhas ações também foram e continuam impregnadas de teorias
educacionais.
Lembro de ouvir, certa vez, uma frase de Leonardo Boff que dizia: “a
cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”, e a minha cabeça pensou e pensa
pelos caminhos que pisei e piso. Pisei em teorias que pregavam o ensino da arte
como livre expressão, ensinei arte privilegiando a técnica do fazer artístico. Hoje,
14
procuro pisar de forma mais reflexiva no caminho que considera a arte uma área
de conhecimento e seu ensino a possibilidade de uma alfabetização visual.
Procuro compreender os estudos da imagem e da cultura visual como principal
exemplo de um mundo inventado pela visualidade que apresenta novos rumos
para o campo da arte, principalmente, das artes visuais contemporâneas e
também para o ensino da arte.
As preocupações com a formação e a prática do professor de arte têm
origem na minha própria prática como professora num centro de formação
docente. Pensar na formação de professores, outros que não eu, levou-me a
reconstruir meu próprio percurso, ou seja, caminhos que percorri para ser hoje a
professora que sou e assumir hoje o lugar que ocupo profissionalmente.
Minha primeira experiência em sala de aula, como professora de crianças,
sofria na época, de um grande entusiasmo profissional. Eu acreditava que a
escola era a solução para todos os tipos de problemas sociais e que a educação
era a responsável pelas ações transformadoras do homem na sociedade. Eu
sorria muito, eu era muito feliz ao ver meus alunos expressarem-se através da
arte revelando as suas mais puras emoções. Nessa época, eu acreditava
piamente que essas crianças seriam amanhã os adultos capazes de transformar
realidades. Por um longo tempo pensei assim.
Ao ensinar jovens adolescentes descobri-me uma professora diferente,
todos diziam que era preciso ter pulso forte, ter domínio da classe. Foi assim que,
com disciplina na repetição dos conteúdos oficiais, no exercício da memória, eu
trabalhava a pedagogia da ordem e, também, a conhecida “pedagogia da nuca”,
alunos quietos, sentados um atrás do outro com os olhos fixos na nuca do colega.
Sofri a influência da visão psicologista do ensino, encaminhava sempre que
possível, minha relação com os alunos numa perspectiva afetiva, mas eu não
sorria muito. Nessa época eu me achava “o máximo” como professora.
Registro, ainda, a minha vivência em uma instituição marcada pelo
autoritarismo estrutural, era preciso formar o aluno para o mercado de trabalho. A
regra era ensinar numa perspectiva marcadamente tecnicista. O lema era
obediência e competência - os melhores sempre vencerão.
Num determinado momento, um fato novo surgiu: o movimento da crítica à
educação eclodiu nacionalmente, derrubando o caráter de reprodução do ensino,
15
repensando o papel da escola na sociedade e definindo a educação como um ato
político. Pensar nesse sentido mudou tudo. Iniciei um caminho de descobertas e
ambigüidades. Passei a ter outro compromisso, o compromisso da professora que
forma professores. Segui um caminho sem volta: continuar estudando aquilo que
tanto gosto, a formação de professores.
Hoje, procuro, numa perspectiva mais reflexiva da minha prática, produzir
uma
mudança,
fazer
surgir
uma
nova
realidade
material
e
humana
qualitativamente diferente; quero, através de uma prática docente mais reflexiva,
estabelecer uma ação recíproca com meus alunos e com nossas realidades,
propor uma atividade criadora em oposição à atividade mecânica e repetitiva,
vincular teoria à prática tanto no saber e fazer artístico como no saber e fazer
pedagógico.
Um discurso assumido
Minha intenção, aqui, é pensar o discurso como resultado da prática,
considerando a fala não como um simples ato de comunicação ou de dizer, mas
uma construção de significados que transcendem a uma situação imediata e na
qual estão implicadas determinadas relações históricas, culturais, sociais,
políticas, econômicas que marcam a forma e o conteúdo do que é dito.
O discurso assume, desta maneira, a função de representação externa da
experiência interna. E, na medida em que se reconstrói a experiência através da
narrativa, reconstrói-se o discurso. Conforme afirma Cherryholmes (1987, p. 23),
baseado em Foucault, os discursos "não são simplesmente construções
idealistas. As práticas discursivas não podem ser desligadas de seu contexto
histórico". Se assim é, o que entendo e digo daquilo que fiz e faço representa a
minha prática discursiva, os meus saberes. Bem, mas qual é então o discurso que
assumi?
A reflexão sobre minha trajetória docente aponta para questões atuais - e
básicas - do ensino da arte: a formação de professores, a relação saber e fazer
artístico e a produção de conhecimento. Acredito - e mesmo afirmo – que é a
partir da reflexão sobre a própria experiência que surgem os referenciais
necessários ao processo de construção do novo, um novo saber, uma nova
16
prática. E, ainda, reforço que esse processo acontece também no interior do
espaço de vivência da situação de ensino, formal ou não formal, pelas relações
que o professor mantém com seus alunos.
Ao longo desse tempo venho, através de estudos, lendo vários autores,
buscando - ou melhor, tentando buscar - algumas respostas aos meus
questionamentos e indícios de outros caminhos que eu possa percorrer para
encontrar tais respostas, ou, pelo menos, compreendê-las melhor.
Hoje encontro possibilidades de um novo "olhar", um "olhar para" novas
perspectivas de análise para as minhas inquietações.
Em Zeichner (1993) está à alternativa para pensar a formação de
professores que aponta para o professor como um prático reflexivo, um agente
ativo responsável por seu desempenho docente, um produtor do seu saber
teórico, prático e teórico-prático. A concepção de reflexão na ação e sobre a ação
envolve um saber que vai sendo acumulado ao longo do tempo, visto que o
professor está sempre criando o seu saber. Encontro, aí, a base para falar da
formação dos professores, da relação teoria e prática, ou seja, saber e fazer
artístico.
Em Penin (1994) encontro a compreensão sobre a diferenciação entre o
saber cultural, cotidiano, leigo ou empírico, e o conhecimento sistematizado,
numa ação de interação entre professores e alunos num espaço de
conhecimento, num lugar de cultura como uma situação de ensino formal ou não
formal. O professor no exercício de sua função na escola depara-se com a
"cultura escolar", que compreende o ideário pedagógico resultante de discursos
pedagógicos já realizados sobre questões relativas à educação, à escola, e o
conhecimento das disciplinas escolares, embora apresente níveis diferentes de
sistematização. E, ao mesmo tempo em que o professor vai construindo um
conhecimento sobre o ensino, vai partilhando com os alunos o resultado de sua
elaboração a respeito dos saberes e conhecimentos culturais a que tem acesso.
Isto implica em pensar que o processo de construção do conhecimento é
orientado por duas suposições: uma de representação que o professor vive; a
outra por um espaço constituído, de um lado, pelas concepções que o professor
vai acumulando sobre o ensino com base no conhecimento sistematizado e por
17
outro lado pela experiência da situação de ensino e pelas relações que mantém
com seus alunos.
Identifico aí a situação de ensino como o espaço de produção do
conhecimento. Encontro nos Estudos Culturais à resposta para uma velha crença:
"Por que não, no ensino da arte, a colcha da vovó”?”, “Por que não ensinar a arte
popular?”
Isto porque acredito que a experiência estética já é desfrutada pelo
indivíduo antes de ele entrar para a escola. Se pensarmos bem, nós os
professores de arte, não introduzimos a experiência estética, apenas a
incrementamos a partir de algo que já existe, ampliando o âmbito e a qualidade
da experiência visual e estética.
E mais, os Estudos Culturais estão preocupados com a cultura popular,
com a cultura da mídia, com o terreno cotidiano das pessoas, e com todas as
formas pelas quais as práticas culturais chegam a essas pessoas ou fazem parte
da vida dessas pessoas. Os Estudos Culturais - lembro aqui Giroux (1992) oferecem algumas possibilidades para os professores repensarem a natureza da
teoria e da prática educacionais.
A Cultura Visual de Hernandez (2000) destaca a importância da imagem e
a necessidade do professor de arte ser aquele que vai possibilitar a construção de
um olhar atento frente a este mundo de imagens coloridas. A docência em arte,
na contemporaneidade, tem dado grande ênfase às questões da imagem e sua
interpretação, estabelecendo, assim, o uso tanto de imagens da arte como de
imagens da mídia.
Encontro aí os caminhos para pensar que o professor deve ensinar num
contexto mais amplo de currículo, considerando também, um cenário educacional
e cultural bem mais amplo, fora do sistema formal de escolarização.
Um caminho para novas pisadas
Penso que não há um ponto de chegada, definitivo, quando se trabalha em
educação, há apenas mais um ponto de partida. E, com este trabalho, fui buscar
mais um ponto de partida, trilhar um novo caminho para pensar e pisar diferente.
18
Meu encontro com Nóvoa (1995b) foi decisivo para vislumbrar outras
possibilidades para pensar o professor, principalmente, quando li o texto “Diz-me
como ensinas, dir-te-ei quem és e vice versa”. Nesse texto, o autor aponta uma
realidade recente no modo de pensar os professores e sua profissão e mais,
pensar a pessoa e o profissional que habitam cada professor. Isto aponta para a
compreensão de que é impossível separar o eu pessoal do eu profissional.
Minha motivação para a realização deste trabalho foi a necessidade de
buscar uma compreensão mais articulada e elaborada sobre continuidades e
descontinuidades na (re) construção da trajetória profissional do docente em Artes
Visuais, para que mais ciente de suas implicações, visualizasse alguns caminhos
que pudessem contribuir mais efetivamente para e na formação docente. Um
grande desafio para mim.
Pisei, pisei. Confesso que pisei. Pisei firme.
Pisei fraco.
Pisei em falso.
Torci o pé.
Pisei com medo.
Pisei sem medo.
Pisei feliz.
Pisei errado.
Parei e não pisei.
Pisei novamente.
Pisei firme.
Pisei forte. Pisei distraída.
Pisei na lama.
Pisei consciente.
Pisei diferente por diferentes caminhos e descobri novas pisadas.
O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo é
o jeito de caminhar.
Thiago de Melo
Em ”Os Valores Pessoais”, a Imagem Viajante nº2, Magritte3 transforma as
proporções dos objetos e ressalta o arbitrário da relação entre as coisas e os
nomes que lhes damos. Na imagem, uma cama acolhe um pente, um guarda
roupa acolhe um pincel de barba e o espelho é uma parede ao fundo, é o céu, é o
finito no infinito. Um ambiente inteiro que transcende a si mesmo, pente é, ao
mesmo tempo, pente e não pente, cama é cama e não cama. O olhar de Magritte
para muitos pode parecer absurdo, mas é só dele. O que é absurdo para uns, não
é, necessariamente, absurdo para outros.
A imagem escolhida leva-me a pensar nos meus valores pessoais, normas,
princípios, padrões aceitos ou mantidos, inscritos num caminho que é só meu. Um
caminho próprio, traçado por valores pessoais e eventos profissionais, um
René Magritte (1898-1967), pintor belga, foi um dos principais artistas surrealistas, ele “se
declarava empenhado acima de tudo em explicar aquilo que chamava o mistério do mundo”.
(PIERRE, 1991, p. 96). Surrealismo: termo inventado por Guilherme Apollinaire (1880-1918) em
1917, mas usado pelo movimento fundado por André Breton (1896-1966) em 1924. Movimento
que pretende libertar o patrimônio do inconsciente, através da supremacia do sonho e a
suspensão do controle consciente (CUNHA, 2005, p. 276).
3
20
caminho que hoje transcende ao vivido e busca não um caminho novo, mas uma
nova forma de caminhar e que dá origem a este estudo.
Achados no caminho
A preocupação com a formação do professor de Arte e a conseqüente
melhoria na qualidade do ensino da Arte emerge de minha própria prática
pedagógica no centro formador do professor de Artes - o Instituto de Artes e
Design (IAD) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Ao longo de minha experiência - como professora e como coordenadora,
por quatro gestões, do Curso de Artes Visuais, Modalidade: Licenciatura percebo a necessidade, mais uma vez, de profunda revisão no ensino nesta área
e, paralelamente e como parte do mesmo, na formação do futuro professor de
Arte. Agora, através de uma investigação com professores de Artes Visuais em
exercício nas escolas públicas da rede municipal da cidade de Pelotas. Isto
porque documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases, os Parâmetros
Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares têm gerado novas posturas
pedagógicas e mudanças tanto políticas quanto conceituais no ensino da Arte.
Durante minhas atividades no curso, ora como coordenadora e professora,
ora como palestrante e supervisora de estágios, o contato com professores de
Arte e com a realidade escolar das escolas públicas e particulares do município
de Pelotas e região fez com que eu passasse a refletir sobre a seguinte situação:
de um lado, a atuação desestimulada de um número muito significativo de
professores e, por vezes, um sentimento de impotência diante da necessidade de
intervir na realidade escolar; de outro, estagiários questionando a formação
acadêmica, que segundo eles, não fornece uma instrumentalização básica e
necessária para ações educativas nas aulas de Arte.
Na busca de compreensão dessas situações três investigações foram
realizadas anteriormente. Na primeira, parti para a elaboração de um diagnóstico
das condições docentes e da docência em Arte nas escolas da cidade de Pelotas,
o que possibilitou a obtenção de dados capazes de permitir uma análise mais
fundamentada das questões relativas ao ensino e à formação do professor. A
21
segunda aconteceu no centro formador do professor de Arte e procurou saber
quais os compromissos do professor que forma professores, identificando o tipo
de prática pedagógica predominante. E, retornando aos professores em exercício,
a terceira pesquisa teve como objetivo indagar a respeito das teorias
educacionais que participam das escolhas pedagógicas e estéticas do professor.
O levantamento dos dados, no primeiro trabalho, foi realizado durante o
ano letivo de 1991, através da aplicação de questionários a professores e alunos
de quinze escolas - dez estaduais e cinco municipais - da cidade de Pelotas.
De um total de cento e sessenta e oito professores de Educação Artística
(termo extinto e substituído por Arte pela LDB 9394/96) - distribuídos em cerca de
oitenta e quatro escolas de educação básica4 da cidade, das quais cerca de
cinqüenta e seis de âmbito municipal, foi sorteada uma amostra de cinqüenta
professores, sendo que 98% egressos do IAD-UFPel.
Cem foi o número total de alunos envolvidos na pesquisa. A média de
alunos das turmas consideradas foi de trinta e cinco alunos por turma.
Este trabalho permitiu-me identificar dados referentes aos professores que
apontam para os seguintes problemas: (a) atuação polivalente, atuação em sala
de aula com diversas linguagens artísticas (artes plásticas, música, teatro); (b)
desconhecimento da concepção de Arte como forma de construção de
conhecimento; (c) concepção do ensino da Arte como sendo somente expressão
pessoal através do fazer artístico; (d) deficiência de domínio do conhecimento e
na apreensão das estruturas básicas desse conhecimento para possibilitar o
trabalho dos conteúdos da educação básica, tanto com crianças como com
adolescentes e adultos, em cursos diurnos e noturnos e (e) dissociação do
conhecimento de Arte com a realidade concreta do aluno e da escola.
Outros problemas mais diretamente relacionados à prática da Arte em si
mesma estão relacionados à concepção do ensino com ênfase no fazer artístico e
ao fato de não existir uma compreensão generalizada de que a Arte, como
qualquer outra área do domínio específico do conhecimento humano, possui
conteúdos próprios, capazes de produzir situações adequadas e viáveis à
construção do conhecimento aliada à produção artística, por parte do aluno.
Educação básica formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Cap. I, Art.
21, I, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional “LDB” - Lei Darcy Ribeiro - nº 9.394
de 20.12.1996, publicada no Diário Oficial da União em 23.12.1996, Seção I.
4
22
Registro, ainda, como conseqüência, problemas relativos a critérios
utilizados para elaboração de programas de ensino e definição de objetivos
pretendidos; dificuldades para diferenciar conteúdos de técnicas e para avaliar o
desempenho dos alunos; dúvidas na utilização de recursos materiais e
bibliográficos e na aplicação das linguagens artísticas em sala de aula.
A visão dos alunos, por outro lado, revelou que: (a) a identificação com a
aula de Arte era com a simples realização de atividades que envolviam o fazer
artístico; (b) não priorizam a aquisição de conhecimentos e apreensão de
conteúdos de Arte e (c) não manifestam nenhuma mudança no comportamento a
partir das aulas de Arte.
A segunda investigação, “Prática Pedagógica em Arte: os compromissos
do professor que forma professores”5, foi realizada no centro formador do
professor de Arte, o Curso de Licenciatura em Artes do Instituto de Artes e Design
da Universidade Federal de Pelotas, no período de setembro de 1996 a janeiro de
1997. A questão norteadora do trabalho estava relacionada à prática pedagógica
em Arte, procurando compreender e analisar essa prática e os indícios de
avanços
necessários
à
construção
do
conhecimento
em
Arte
e
ao
comprometimento com a formação dos profissionais da área. Era de fundamental
importância compreender, ainda, se essa prática exercia um papel contraditório,
sendo ela reiterativa ou reflexiva.
Participaram da pesquisa professores efetivos que ministravam disciplinas
teóricas do núcleo básico do 2º semestre e os que atuavam nas disciplinas
práticas da parte diversificada do 8º semestre de cada habilitação (Artes
Plásticas, Desenho, Música) do curso de Licenciatura Plena em Educação
Artística, perfazendo um total de sete (07) disciplinas e de sete (7) professores
interlocutores.
A participação dos alunos, como interlocutores desta investigação, foi de
fundamental importância para a minha análise da prática pedagógica em Arte. Os
alunos selecionados foram aqueles do 2º semestre do curso matriculados em
duas disciplinas do núcleo comum às três habilitações - perfazendo um total de
trinta e dois (32) interlocutores - e os alunos do 8º semestre estavam matriculados
Dissertação de Mestrado que resultou na publicação do livro “A formação do professor de Arte:
do ensaio... à encenação” pela editora Papirus de Campinas, São Paulo -1ª ed.: 1999; 2ª ed.:
2004; 3ª ed.: 2007.
5
23
em disciplinas da parte diversificada de cada habilitação, coincidentemente o
mesmo total de alunos do 2º semestre.
Os resultados obtidos foram reveladores para a compreensão da prática
pedagógica em Arte quanto a sua concepção e seu significado, em suas relações
com os que dela participam e em seu comprometimento com a formação dos
profissionais da área.
Considerando a prática pedagógica como atividade teórico-prática, que
pressupõe uma concepção de conhecimento que orienta uma relação de
reciprocidade entre sujeitos e, ainda, uma ação entre um sujeito sobre outros
sujeitos; delimitei-a como local de reiteração e/ou de reflexão do saber e do fazer
artístico o que, por sua vez, aponta para duas perspectivas de prática
pedagógica: a reiterativa e a reflexiva. Duas perspectivas que envolvem diferentes
concepções de Arte e de ensino da Arte. A primeira, a prática pedagógica
reiterativa, envolve a concepção de conhecimento como produto6, seja do saber
artístico, seja do fazer artístico. Já na prática pedagógica reflexiva, a concepção
de conhecimento vai além do produto, envolve o processo do saber e do fazer
artístico. Nessa prática, o conhecimento é concebido como processo.
A concepção predominante de prática pedagógica em Arte, identificada na
investigação, tanto por parte dos professores quanto dos alunos, evidencia que:
(a) não há unicidade entre o saber e o fazer artístico, entre teoria e prática; (b) o
conhecimento da Arte nos diferentes contextos históricos é enfatizado como
produto realizado, privilegiando a repetição desse conhecimento; (c) o fazer
artístico é utilizado através de técnicas da Arte; (d) há pouca preocupação em
mudar a realidade; (e) o professor é ainda a fonte principal da informação; (f) há
certa relação de hierarquia entre professor e aluno; (g) o aluno é avaliado pela
sua produção artística mais do ponto de vista prático, como produto, (h) o
professor apresenta dificuldades em se reconhecer na atividade pedagógica
enquanto educador.
A partir dessas evidências, constatei que há, ainda, uma forte tendência
para uma prática pedagógica reiterativa, com possibilidades visíveis e desejáveis
de mudanças nessa prática, uma prática tão contraditória como a própria Arte.
Os termos produto e processo, utilizados para definir tipos de conhecimento, foram tomados do
estudo de Leite (1994, p. 15) sobre concepções de conhecimento.
6
24
O tempo passou e o ensino da Arte adquiriu novos contornos frente às
propostas advindas da LDB (Lei 9.394/96) e a conseqüente divulgação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais - Arte7, que ratificam a presença da Arte, suas
diversas linguagens artísticas nas escolas – música, teatro, dança e artes visuais,
respeitando as suas especificidades e a formação docente em uma linguagem
específica.
O terceiro estudo, realizado em 2004/20058, pretendeu resgatar
aspectos da história das políticas educacionais e os enfoques filosóficos,
pedagógicos e estéticos que influenciam a formação e a atuação do docente na
área de Arte, verificando, ainda, as relações existentes entre as teorias
educacionais que caracterizam o século XX e o início do século XXI com as
transformações ocorridas no ensino da Arte para, por fim, compreender como
essas teorias influenciaram a formação do professor e a atuação docente.
Os dados obtidos foram relativos: (a) à caracterização do professor quanto
à formação acadêmica e profissional; (b) à percepção do professor sobre Arte,
ensino da Arte, conteúdos da Arte, metodologia, avaliação, figura do professor e
aluno; (c) às mudanças no ensino da Arte percebidas pelo professor e as
dificuldades encontradas para implementação dessas mudanças; (d) às teorias
educacionais predominantes nas aulas de Arte apontadas pelo professor e, por
fim, (e) à compreensão de como essas teorias influenciaram e influenciam o
professor e se, na prática, essas se mesclam e se a definição de uma concepção
predominante não descarta a possibilidade de outras formas de manifestações
consideradas próximas entre si.
Participaram da primeira parte da pesquisa 54 professores cujo objetivo era
fazer uma caracterização geral dos professores e identificar a concepção de Arte
trabalhada em sala de aula. Nas fases posteriores foram realizadas observações
em sala de aula e entrevistas semi-estruturadas com quatro professores que
A nomenclatura Artes Visuais consta do documento “Proposta de Diretrizes Curriculares
sistematizada pela Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC-1998”,
compreende as artes plásticas, desenho, fotografia, vídeo, cinema etc. Os PCN-ARTE (1998, p.
63) incluem, além das formas tradicionais (pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura,
objetos, cerâmica, cestaria, entalhe), outras modalidades que resultam dos avanços tecnológicos
e transformações estéticas do século XX: fotografia, moda, artes gráficas, cinema, televisão,
vídeo, computação, performance, holografia, desenho industrial, Arte em computador.
8
Pesquisa que resultou na publicação do livro “Professor de Arte: onde pisam seus pés?”, pela
Editora Gráfica Universitária da Universidade Federal de Pelotas/UFPEL, Pelotas. 2005.
7
25
representassem diferentes momentos da trajetória de formação docente do IAD,
ou seja: (a) um professor com Licenciatura Curta em Educação Artística; (b) um
professor com Licenciatura Plena em Educação Artística/Habilitação em Artes
Plásticas; (c) um professor com Licenciatura em Educação Artística/Habilitação
em Artes Plásticas, com a eliminação do caráter polivalente na formação e (d) um
professor com Licenciatura em Artes com Habilitações em Artes Visuais.
As observações9 foram realizadas no 2º semestre letivo de 2005,
perfazendo um total de 42 horas/aula. As turmas observadas foram as seguintes:
da Professora A uma 5ª série de uma escola estadual; da Professora B uma 8ª
séria de uma escola municipal; da Professora C uma 3ª série de uma escola
municipal e da Professora D uma turma noturna da E.J.A. de uma escola
estadual.
Os objetivos das observações em sala de aula foram: (a) acompanhar o
desenvolvimento de um determinado conteúdo da Arte; (b) identificar as etapas
utilizadas pelo professor para estruturação de seu ensino como: preparação,
introdução, consolidação, verificação e avaliação do conteúdo e (c) identificar a
forma de interação professor - alunos no dia-a-dia da sala de aula.
Cabe, aqui, ressaltar como resultado desse estudo o predomínio da
concepção de Arte como área de conhecimento, uma concepção atual de ensino
da Arte. Entretanto, é bastante significativa a indicação da concepção de Arte ora
com ênfase na livre-expressão do aluno, ora como técnica artística, tanto para os
professores municipais como para os estaduais. Isto, talvez, deva-se ao fato de
que os cursos de licenciatura (a princípio curta e depois plena), criados na década
de 70, por exigência da Lei 5692/71, permaneçam, ainda, com sua estrutura
curricular voltada para a concepção de Educação Artística como uma mera
atividade expressiva com ênfase no fazer artístico. É preciso também, lembrar
que, na época, os cursos tinham na sua estrutura um caráter polivalente (artes
plásticas, música, teatro).
A partir das falas das professoras ficou claro que todas reconhecem e
identificam as mudanças ocorridas no ensino da Arte, mas manifestaram que
sentem dificuldades em implementar essas mudanças. É possível destacar,
As observações e, também, as entrevistas, foram realizadas pelas acadêmicas do Curso de
Artes Visuais/Modalidade: Licenciatura – IAD/UFPel, Sabrine Schoenell, Kátia Helena Rodrigues
Dias, Kelen Rodrigues Dias, Carla Rosana Czermaing Gonçalves e Patrícia Maria Macedo Alves.
9
26
também, que apesar da obrigatoriedade do ensino da Arte em todos os níveis da
educação básica pela legislação, prevalece na escola o espírito educacional
hierárquico da importância suprema da linguagem escrita e verbal e conseqüente
desprezo pela linguagem visual.
E como resposta à questão central dessa pesquisa: Quais as teorias
educacionais que participam das escolhas pedagógicas e estéticas do professor
de Arte? Tem-se que o professor identifica claramente o processo de construção
de sua trajetória docente, ele sabe que nessa caminhada pisa em diferentes
teorias educacionais, é capaz de identificar as que o influenciaram e influenciam
na sua prática e as que participaram e participam de suas escolhas pedagógicas
e estéticas. Este fato confirma que as teorias se mesclam na prática e que uma
concepção predominante não descarta a possibilidade de existirem outras formas
de manifestações consideradas próximas entre si. A teoria apresentada no
discurso do professor na prática é, na maioria das vezes, completamente
diferente.
Se por um lado, o professor identifica suas escolhas pedagógicas e
estéticas e percebe que sua caminhada não é nada fácil, ora pisando firme, ora
pisando fraco, mas sempre pisando diferente por diferentes caminhos, por outro
lado percebe-se impotente frente à necessidade de mudanças e, por vezes, não
se reconhece como sendo capaz de protagonizar essas mudanças. O professor
aponta fatores externos como os responsáveis pela implementação das
mudanças necessárias a um ensino da Arte de melhor qualidade.
Inquietações e objetivos da caminhante
Ao entrecruzar os pontos comuns das pesquisas realizadas, é possível
identificar, pelo menos, duas das quatro visões apregoadas por Barbosa (2005, p.
12) sobre o ensino da Arte: a expressão criadora e a solução de problema pela
técnica. As outras visões também dizem respeito à nossa história e aos nossos
dias e podem ser assim identificadas: a cognição e a cultura visual. A cognição,
ainda, se faz presente nas falas de algumas da professoras, entendendo que a
Arte é uma área de conhecimento e seu ensino uma forma de construir esse
conhecimento.
27
Cabe, aqui, esclarecer que a expressão criadora envolve a livre expressão
e a solução de problema se vale do desenho livre ou do formalismo da técnica do
desenho e ambas as visões têm relação direta com a história desse ensino, e
porque não dizer tão em voga atualmente nas aulas de Arte. Isto pode ser
comprovado na primeira investigação, realizada em 1991, com professores da
rede pública cujo ensino privilegiava a expressão pessoal do aluno através do
fazer artístico, destacando-se a atuação dos professores em mais de uma
linguagem da Arte (artes plásticas, música e teatro), ou seja, uma atuação
polivalente. Tanto na visão dos professores quanto na dos alunos prevaleceu a
relação do ensino da Arte com atividades de expressão, lazer ou simples
recreação.
A pesquisa, realizada no período de 2004/2005, quase 14 anos após a
primeira, aponta para uma mudança significativa na fala das professoras, ou seja,
evidencia-se a compreensão da Arte como área de conhecimento. No entanto, a
partir das observações realizadas em sala de aula, percebeu-se que o ensino da
Arte enfatizava, ainda, o fazer artístico, ora como livre expressão, ora como
técnica artística. Fica evidente que houve uma mudança na fala das professoras
sobre a concepção de Arte e seu ensino, embora a prática dessas professoras em
nada se diferenciou da prática daquelas da primeira investigação.
Na investigação realizada com professores que formam professores,
realizada em 1996, os dados coletados evidenciaram a existência de uma
dicotomia entre a teoria e a prática da Arte, um fazer artístico que, em sua
maioria, enfatiza a técnica artística.
Os resultados apresentados inquietam-me, levam-me a pensar que, em
parte, por um lado os professores ensinam Arte nas suas escolas de forma
semelhante a dos seus professores e, por outro, criam soluções próprias para o
seu ensino. Digo isso, porque surge outro fator nitidamente marcante: a diferença
existente de professor para professor na sua forma de trabalhar a Arte com seus
alunos, apesar de concepções semelhantes. E aí eu pergunto: O que leva um
professor a ser diferente de outro se basicamente a formação profissional foi a
mesma? O que leva um professor a ensinar artes visuais igual ao outro se a
formação acadêmica foi diferente? Quais os fatores que determinam as
diferenças? Por que alguns professores resistem tanto às mudanças? Lembro
28
neste momento, uma questão formulada por Hargreaves (1998, p. 11) quando fala
sobre o processo de mudança dos professores, que diz o seguinte: “O que faz os
professores aceitarem a mudança e o que é que os faz cerrar os dentes e
resistir?”.
Retomando aqui Nóvoa (1995b, p. 30), compartilho com ele a idéia de que
é preciso pensar os professores e sua profissão a partir da compreensão sobre a
“pessoa e o profissional que habitam cada professor”.
Nessa perspectiva, considero a carreira profissional como um todo,
incluindo as experiências escolares da infância, passando pela escolha
profissional - entrada no magistério – até o afastamento ou aposentadoria, ou
seja, a trajetória profissional e também a trajetória pessoal. E é a partir dessa
concepção que entendo este estudo como a possibilidade de obter uma
compreensão mais ampla – ou pelo menos mais complementar – de como
ocorrem as continuidades e descontinuidades na (re) construção da trajetória
profissional de docentes de Artes Visuais da rede municipal de ensino da cidade
de Pelotas, a partir de um estudo sobre os ciclos de vida profissional com base
nas fases da carreira docente.
A partir desta indagação, buscarei possíveis respostas aos seguintes
questionamentos: Quais as lembranças do período de escolarização e de
formação acadêmica? Quais as contribuições da universidade para o exercício
profissional? Quais as influências mais significativas? Como se deu a escolha da
profissão com seus fatores determinantes e expectativas? Quais as razões dessa
opção? Por que na área de Arte? Como foram os primeiros anos de docência?
Como tem sido o exercício profissional? Quais os acontecimentos da vida
profissional que influíram no seu ensino ou no transcorrer da sua carreira? O fato
de ser mulher/homem afetou ou não a carreira? Qual a percepção dos
professores sobre a escola onde exercem a docência? Como é percebido o
momento profissional em que se encontram?
A realização de um trabalho desta natureza implicou em estabelecer
objetivos que assegurassem a chegada ao final do estudo. Para que tal pudesse
acontecer com segurança, me propus a investigar, então, as continuidades e
descontinuidades na (re) construção da trajetória profissional de docentes de
Artes Visuais, por considerar que aspectos significativos da vida pessoal e
29
profissional e o momento docente em que se encontram esses professores
interferem tanto na construção dessa trajetória quanto para uma melhor
compreensão da pessoa do professor e, como conseqüência, da sua atuação
docente. E os objetivos específicos foram assim definidos: identificar as
características e expectativas formativas comuns no coletivo; identificar as razões
pela opção da carreira docente; analisar a trajetória profissional, destacando as
razões da opção pela docência na área de Arte, os primeiros anos de docência os
acontecimentos da vida profissional ou que influíram no ensino ou no transcorrer
da carreira; compreender o momento profissional do professor e seu grau de
satisfação com a escola atual e contribuir para a compreensão da dimensão
pessoal e profissional no processo pelo qual o professor se constrói e dinamiza
seu trabalho, viabilizando avanços no processo formativo dos profissionais da
área.
Para mim o grande desafio – hoje – é pensar a dimensão pessoal como
fundamental no processo pelos quais os professores se constroem e dinamizam
seu trabalho, deixando claro que o aperfeiçoamento profissional está associado
ao desenvolvimento pessoal, ou faz parte dele. Destaco, aqui, a importância de tal
conhecimento para posteriores propostas de inovação, o que evitaria a seguinte,
e tão usual, pergunta: “Quem sabe o problema é do professor e não da proposta
de inovação?” Culpar o professor pelo fracasso da mudança é desprezar o
momento da carreira em que se encontra esse professor.
Primeiro procurei conhecer as características e expectativas formativas
comuns no coletivo, a partir de um grupo de professores, para depois ouvir a voz
do professor e dela extrair as considerações que me permitiram compreender o
entrelaçamento de suas histórias e trajetórias em diferentes espaços e tempos de
sua vida pessoal e de sua prática docente. É essa escuta que considerei antes de
qualquer julgamento, pois o relato de vida, ao transpor a voz do professor, revelou
suas reais necessidades, revelou quem ele é. Para tal apresento a trajetória
metodológica escolhida para conhecer os professores de artes visuais, ou melhor,
para concretizar minha escuta.
30
O traçado do caminho
Pelo que foi argumentado até o momento, posso dizer que o caminho
traçado para entender a trajetória profissional tomou por base o estudo dos ciclos
de vida, apontando para uma metodologia que privilegia os aspectos qualitativos,
porque o foco de interesse era compreender os modos como os professores dão
sentido ao seu trabalho e atuam em seus contextos profissionais. Isto não envolve
apenas aspectos da atuação do professor na instituição escolar, mas também
fatos relacionados ao desenvolvimento de sua vida profissional, levando em conta
as etapas da carreira, as experiências vitais e os fatores histórico-sociais que
configuram esse professor como uma pessoa total. Levantando, ainda, os
indicadores dos processos formativos dos e nos professores que determinam as
práticas cotidianas em sala de aula e das experiências decorrentes dos percursos
individuais de cada professor, o que implicou em ouvir professores. Esta
abordagem, no entanto, não descartou a busca de dados quantitativos relativos à
caracterização geral dos professores envolvidos na investigação. Dados que
enfocaram aspectos pessoais, profissionais e do centro de ensino.
Para o estudo dos ciclos de vida dos professores a abordagem foi a
biográfico-narrativa, que possibilitou aos professores falarem sobre o que
conhecem e fazem, o que faziam ou o que poderiam ou deveriam fazer, ou seja,
permitiu a explicitação das dimensões do passado que pesam sobre as situações
atuais e sua projeção em formas desejáveis de ação. Isto porque os professores,
como pessoas, realizam um ensino com um conjunto de habilidades e
conhecimentos pessoais adquiridos ao longo da sua história de vida. Assim, o
conhecimento do professor tem um caráter biográfico, que é fruto da interação da
pessoa e do contexto.
Bolívar (2002, p. 176) diz que a metodologia biográfico-narrativa possibilita
“diagnosticar o ciclo de vida, a trajetória profissional, a tomada de consciência do
processo de formação, a auto-percepção de cada grupo de professores segundo
o ciclo de vida profissional“.
Assim, o relato biográfico permitiu a construção dos percursos dos
professores, sendo que pude, através dele, identificar as experiências, os
momentos, os reencontros significativos para a formação e para a escolha da
31
profissão de educador. O enfoque biográfico, como observa Dominicê (apud
BOLÍVAR, 2002, p. 137.), “introduz uma dimensão literária no campo científico”.
Ao que Bolívar (2002, p. 137) complementa dizendo que “a palavra registrada
merece atenção que não a mera redução a algumas categorias de análise. O
texto requer amiúde ser citado tal qual para que seu sentido seja legitimamente
restituído”.
Os relatos de vida possibilitaram desenvolver uma descrição da trajetória
profissional e pessoal de experiências passadas e atuais e foram significativos na
medida em que, através da narração das lembranças, manifestaram segmentos
da vida que podem explicar hábitos atuais. Por outro lado, destaco o fato de que o
próprio relato formativo da vida é educativo e reconhece e valida o adquirido e o
que se deseja adquirir. Em qualquer um dos casos, em todo o processo Dominicê
(apud BOLÍVAR, 2002, p. 206) diz que é importante “deixar os adultos falarem de
sua formação na densidade de sua vida para entender melhor os conceitos que
permitem compreender a dinâmica dessa formação”.
Desta forma, o relato de experiência, situado devidamente no curso da
vida, expressou ao mesmo tempo o peso das determinações pessoais,
institucionais e sociais nas trajetórias individuais e as relações dos próprios
professores com essas determinações.
O estudo sobre a trajetória profissional a partir do ciclo de vida dos
professores assumiu um caráter quanti-qualitativo, porque combinou questionário
com entrevista. O questionário permitiu conhecer características e expectativas
formativas comuns no coletivo, já as entrevistas possibilitaram obter uma visão
longitudinal e pessoal dos processos de desenvolvimento que particularizam
aspectos gerais indicados nos questionários.
As entrevistas biográficas foram semi-estruturadas, baseadas na proposta
de Huberman (1995) que indica um conjunto de questões abertas que convidam o
interlocutor a estruturar inteiramente ao seu gosto a resposta das questões. A
entrevista biográfica compreendeu a história familiar, a história da formação inicial
e contínua e a história sócio-profissional. Para Bolívar (2002, p. 189), no relato o
sujeito “reinventa sua vida, tomando consciência dos fatos e, portanto, podendo
imaginar possibilidades de atuação futuras diferentes”.
32
O estudo dos ciclos de vida tomou por base as fases da carreira docente
dos professores. A idéia de trabalhar as fases da carreira tem sua origem em
Huberman (1995), que acredita que esse estudo, verificado através da
metodologia biográfico-narrativa, possibilita a compreensão de que: (a) não é
possível dissociar o desenvolvimento pessoal do profissional; (b) os processos de
inovação na escola devem levar em conta a dimensão pessoal da mudança
(atitude, compromisso ou capacitação) para identificar que fatores de evolução
profissional (fase do ciclo de vida) vão condicionar a disposição para a mudança e
(c) qualquer proposta de formação do professorado deve – ou deveria – começar
por recuperar biográfico-narrativamente o sujeito a formar.
Neste estudo, as fases da carreira docente, diferentemente do modelo
proposto por Huberman (1995), foram criadas e definidas a partir das narrativas
dos professores, considerando a realidade dos professores entrevistados.
O autor sugere, como complemento da análise dos dados coletados
através do questionário e da entrevista biográfico-narrativa, a elaboração de
biogramas
que
definem
linhas
esquemáticas
dos
principais
fatos
ou
acontecimentos, assim como incidentes críticos, que são interligados para receber
um sentido de conjunto. O biograma, nessa concepção, é dividido em três colunas
indicando
a
cronologia,
os
acontecimentos
e
os
incidentes
críticos10,
proporcionando os elementos-chave na estrutura da vida de um professor.
Com base nos biogramas, pensei numa possibilidade, que não essa, de
tornar visíveis acontecimentos marcantes – momentos críticos - da trajetória
profissional dos professores. Mas como isso seria possível? Cheguei, então, à
idéia de criar biovias, caminhos biograficamente construídos, para, assim, dar
visibilidade ao percurso docente, destacando os fatos significativos que marcaram
as continuidades e descontinuidades dessa trajetória. Através das biovias, foi
possível elaborar um perfil profissional de cada professor, entendendo que a
trajetória de cada docente compõe-se de vários momentos críticos, por isso a
denominação plural de biovias.
Utilizei o termo momentos críticos - e não incidentes críticos – para situar
numa seqüência mais ou menos temporal, indicadas nas narrativas dos
10
Numa perspectiva biográfico-narrativa, os incidentes críticos “manifestam aqueles eventos na
vida individual, normalmente, imersos num contexto institucional ou social, que são selecionados
em função da atribuição de um impacto em direções particulares” (BOLÍVAR, 2002, p. 189).
33
professores, os acontecimentos significativos do percurso docente de cada
entrevistado, incorporando-os a uma seqüência personalizada. O relato de cada
professor transformou os fatos que escolheu em acontecimentos, que ele isolou e
organizou segundo o que lhe pareceu mais relevante, recriando sua história, o
que me permitiu compreender o curso que as coisas e os acontecimentos
tomaram em suas vidas.
A classificação, a comparação e a ordenação das biovias permitiram a
elaboração de certo perfil profissional de um grupo de professores. Assim, as
similitudes apresentadas na carreira, agrupadas em subgrupos, deram como
elemento diagnóstico, a trajetória biográfica dos professores.
Outro elemento usado para complementar as entrevistas e análise de dados
biográficos foram Imagens Viajantes de obras de Arte solicitadas aos professores,
imagens essas escolhidas por eles para significar o momento atual em que estão
vivendo.
Os caminhantes
A formação de professores no Instituto de Artes e Design/UFPel obedeceu
às exigências da legislação educacional e das diferentes concepções de ensino
da Arte ao longo de sua trajetória histórica, como se pode ver a seguir:
Quadro 1 – Formação do Professor de Arte no IAD/UFPel
•
Em 1970 o MEC, pelo decreto nº 66064 do Presidente da República, autoriza o curso de
Professorado de Desenho, cuja exigência era cursar um ano de Didática na Universidade
Católica.
•
Em 1973 é criado o curso se Licenciatura Curta em Educação Artística, reconhecido pelo
Decreto Lei nº 76849 de 17 de dezembro de 1975.
•
Em 1978 esse curso passa para Licenciatura Plena em Educação Artística com três Habilitações:
Artes Plásticas, Desenho e Música, pelo Decreto Lei nº 81606 de 27 de abril.
•
Em 1994 o curso passa por uma alteração eliminando seu caráter polivalente na grade curricular
de cada uma das três habilitações.
•
Em 1999 passa para Licenciatura em Artes com as Habilitações de Artes Visuais, Música e
Desenho e Computação Gráfica (LDB 9.394/96 e Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte,
1997).
•
Em 2004 a alteração define o Curso de Artes Visuais – Modalidade Licenciatura e Curso de
Música – Modalidade Licenciatura (Diretrizes Curriculares Nacionais).
34
O número de professores formados nos cursos de licenciatura do IAD, no
período de 1975 a 2007 (32 anos), é de 1267 docentes da área de Arte.
No período de 12 anos (1994 a 2007) o curso sofre três alterações
significativas: (1ª) a eliminação do caráter polivalente na formação docente em
Arte em 1994; (2ª) a adequação à LDB 9394/96 em 1999 e (3ª) a adequação às
novas exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais em 2004. O número de
alunos formados a partir dessas mudanças é de 427. Os professores que
participaram da pesquisa exercem a docência na rede municipal de Pelotas e
atuam na área de Artes Visuais, todos formados pelo IAD.
No primeiro momento da investigação foram aplicados questionários11 para
40 professores12 em exercício na área de Artes Visuais, para traçar a imagem
geral do professorado atual, permitindo conhecer características e expectativas
formativas comuns no coletivo.
Posteriormente, foram realizadas as entrevistas biográficas13 semiestruturadas que possibilitaram a obtenção de uma visão longitudinal e pessoal
dos processos de desenvolvimento que particularizam aspectos gerais indicados
nos questionários e, por fim, aconteceu a elaboração de biovias para traçar a
trajetória ou perfil profissional de cada professor, analisando verticalmente os
suportes de cada relato sobre os acontecimentos que marcaram a trajetória
docente. O esquema a seguir permite visualizar os instrumentos que foram
utilizados para a coleta e posterior análise de dados.
11
Algumas questões deste instrumento tiveram como base o Questionário do Projeto Perfil
Socioeconômico e Cultural do Professorado da Educação Fundamental da Rede de Ensino de
Pelotas/RS, coordenado pelo Prof. Dr. Jarbas Santos Vieira. Tal projeto faz parte das atividades
do Grupo de Pesquisa Processo de Trabalho Docente/FaE/UFPel.
12
O número de docentes que participaram dessa primeira fase da coleta de dados resultou de
contatos telefônicos, cujos números foram fornecidos pelo colegiado do curso, através de visitas a
quatro escolas e, ainda, pela indicação dos próprios professores. Os questionários foram
aplicados a 30 docentes entre os meses de outubro e novembro de 2007 e para mais 10
professores no mês de maio de 2008. Os professores pertencem a 54 escolas municipais – 35 na
zona urbana, 17 na periferia, uma no Laranjal e uma na zona rural.
13
As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e agosto de 2008, perfazendo um total
de 13 horas.
35
Figura 1 - Articulação entre os diferentes instrumentos da pesquisa
A escolha dos professores entrevistados14 obedeceu aos seguintes
critérios: (a) representar cada uma das etapas de transformação do curso de
licenciatura, indicadas no Quadro1, ou seja, professores com Licenciatura Plena
em Educação Artística – Habilitação em Artes Plásticas ou Desenho – com
formação polivalente, Licenciatura Plena em Educação Artística – Habilitação em
Artes Plásticas ou Desenho – sem formação polivalente, Licenciatura em Artes –
Habilitação em Artes Visuais ou Desenho e Computação Gráfica; (b) representar
diferentes fases da carreira, segundo o tempo de docência (Quadro 2).
Uma vez definidos os participantes da pesquisa, faz-se necessário falar da
instituição que formou esses professores. Faz-se necessário uma volta ao
passado, um passado determinante que, de certa forma, influenciou o ensino da
Arte no país e, como conseqüência, a formação do docente e na docência em
Artes Visuais do grupo de professores pesquisados.
14
Dos quarenta professores que participaram da primeira fase da coleta dos dados apenas 07 se
dispuseram a participar das entrevistas, obedecendo aos critérios estabelecidos para seleção dos
participantes desta etapa. Todos os 40 professores foram contactados por telefone ou por e-mail.
36
Quadro 2 – Professores entrevistados por curso,
ano de conclusão e tempo de docência.
CURSO
Lic.
Curta.
EA
1973
Lic.
Plena
EA
1978
AP
D
Lic.
Plena
EA
1994
AP
Nº 1
Nº 2
D
Lic.
em Artes
1999
AV
DCG
X
X
Nº 3
X
Nº 4
X
Curso de
Artes
Visuais
2004
ANO DE
CONCLUSÂO
DO CURSO
TEMPO
DE
DOCÊNCIA
1999
9 anos
1988
20 anos
2002
5 anos
1995
12 anos
8 anos
Licenciatura
Nº 5
X
1999
Nº 6
X
2002
5 anos
1985
21 anos
Nº 7
X
15
Esta professora pediu exoneração do município em 1992 e foi morar na Espanha por dois anos;
ao retornar em 1994 prestou novamente concurso.
15
LUGAR DE FORMAÇÃO: A CASA E O CORPO
O espectador é jogado dentro da obra, para sentir,
atuar sobre ela, o espaço proposto já não é
mais um espaço contemplativo,
mas um espaço circundante.
Lygia Clark
O Corpo é a Casa de Lygia Clark16, minha Imagem Viajante nº 3, é uma
obra que me inspira pensar numa estrutura, um grande espaço, onde o homem
encontra seu próprio corpo através de sensações com objetos exteriores a si
mesmo, ele se torna objeto de sua própria sensação e transcende a si mesmo.
Para a artista a obra elimina a contemplação por parte do espectador, que se vê
direto, integral e organicamente dentro da obra. Essa imagem conduz meu olhar
para o Instituto de Artes e Design: a casa que forma o professor, que é casa e
corpo de seus conhecimentos e de suas sensações. O corpo do professor está
nessa casa por inteiro? As construções em e sobre Artes são conhecimentos
ampliados?
Lygia Clark (1920-1988), pintora e escultora mineira que se intitulou não-artista. Destacou-se
como representante da Artes Concreta e do Neoconcretismo. O Concretismo foi um movimento
vanguardista que surgiu em 1950, inicialmente na música e depois passando para a poesia e artes
plásticas. Os artistas se denominaram concretos em oposição ao abstracionismo. No
Neoconcretismo os artistas procuraram novos caminhos, dizendo que a Artes não era um mero
objeto, ele tem sensibilidade expressiva que vai além do puro geometrismo (GULLAR; PEDROSA,
1980).
16
38
A casa e o corpo: alicerces fundacionais
Para falar de uma instituição de ensino das Artes, que também gradua
profissionais nessa área, faz-se necessário uma volta ao passado. Um passado
que, de certa forma, influenciou esse ensino no país e, como conseqüência, a
formação de artistas e professores.
A primeira instituição desse tipo no país foi a Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios, criada por um decreto de D. João VI em 12 de agosto de 1816,
ficando essa sob a orientação da Missão Artística Francesa. Essa denominação
permaneceu até o fim do período colonial brasileiro, e com a Independência do
Brasil em 1822 passou a ser conhecida como Academia Imperial das Belas
Artes17 e, mais tarde, Academia Imperial de Belas Artes. A instituição foi
devidamente instalada por D. Pedro I em 1826, exatamente um ano após a vinda
da Missão Francesa. Com a chegada do período republicano, mais precisamente
em 1890, ocorreu outra vez mudança de nome, agora passando para Escola
Nacional de Belas Artes. Em 1931, essa dá origem à Escola de Belas Artes, hoje
uma unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Até o início do século XIX o ensino de Artes ocorria no Brasil de modo
informal, nas oficinas dos artistas e seus discípulos, havendo apenas uma
modestíssima escola subvencionada pelo Estado, a Aula Régia de Desenho e
Figura, dirigida por Manuel Dias de Oliveira no Rio de Janeiro. Sobre esse tipo de
aula, Briquet (1949, p. 15) diz que:
as aulas régias que se constituíam no primeiro tipo de ensino
público eram classes esparsas e avulsas dadas por professores
pagos pelo Governo que não obedeciam a nenhum plano
estabelecido.
Através das aulas régias foi, também, introduzido o desenho de modelo
vivo. Cabe aqui ressaltar que, nessas aulas, a figura era apenas apoio para a
observação e que a imagem desenhada obedecia, rigorosamente, aos padrões de
Denominação associada às criações, principalmente como uma expressão estética, para serem
contempladas ou fruídas pelo seu próprio valor, constituídas pela pintura, desenho escultura,
gravura e arquitetura. Elas também são conhecidas como Artes Maiores, aquelas criadas por
artistas com uma formação intelectual, em contraste com as chamadas Artes Menores, elaborada
por artesãos apenas habilidosos (CUNHA, 2005, p. 233).
17
39
beleza europeus com os quais o professor regente entrou em contato, durante
seus estudos no exterior.
Foi, realmente, com a criação da Academia Imperial das Belas Artes que
se instaurou o ensino da Arte no Brasil, uma instituição que atendeu a diversas
necessidades práticas e culturais. A transferência da Corte Portuguesa para o
Brasil,em 1808, gerou profundas modificações sociais e institucionais no país, até
então uma colônia de economia extrativa e agrária. Foram reorganizadas as
instituições, os serviços públicos, a administração em geral, e sentia-se a
necessidade de atualizar o Brasil com as correntes culturais mais avançadas que
se desenvolviam na Europa da época; ao mesmo tempo, havia séria carência de
profissionais preparados para atender às crescentes demandas. Faziam-se
necessários artífices e mestres em várias especialidades técnicas, como a
arquitetura, o urbanismo e a engenharia, especialidades, no sistema da época,
mal delimitadas, e que seriam de utilidade para a industrialização e modernização
da colônia, logo elevada à condição de Reino Unido a Portugal.
Diante desse cenário em rápida transformação, aconteceu a criação de
uma escola de Arte, inspirada no modelo da academia européia, ou seja, num
ensino segundo o paradigma do academismo18 – o estilo neoclássico19 francês.
Esse novo estilo expressava os interesses, a mentalidade e os hábitos da classe
dominante mercantilista e manufatureira que assume a direção da sociedade
européia com a Revolução Francesa e o Império de Napoleão. Aqui no Brasil,
essa Arte de acesso a uma minoria significou símbolo de distinção e refinamento
e seu ensino, por sua vez, a possibilidade de desenvolver esse refinamento nos
jovens da sociedade brasileira. Barbosa é categórica quando afirma que essa Arte
foi dirigida a um grupo privilegiado de pessoas, pois para ela
Corrente artística orientada pelos princípios ensinados nas Academias. O termo é associado à
Arte tradicional do século XIX com sentido pejorativo. No entanto, todas as correntes modernas,
cujos conceitos já são ensinados nas academias, ao contrário da vanguarda, podem, a grosso
modo, serem chamadas acadêmicas (CUNHA, 2005, p. 225).
19
Estilo artístico baseado nos modelos clássicos da Arte da Grécia e de Roma antigas (CUNHA,
2005, p. 260). Neoclassicismo é a retomada dos princípios estéticos das formas do classicismo
greco-romano, transformados em métodos e processos didáticos para serem adotados nas
academias de artes oficiais da Europa e do Brasil (CAVALCANTI, 1978, p. 122).
18
40
sua contribuição para a laicização da Arte foi importante, mas não o
foi para a sua democratização. Baseando-se no culto à beleza, na
crença acerca do dom e em árduos exercícios de cópia, tornou-se a
Arte acessível somente a alguns “poucos felizes”. Os aristocratas
eram incumbidos de apenas apreciar e comprar, deixando aos
artistas estrangeiros o monopólio da criação e a conquista do artista
nativo (1978, p. 41).
Isto significa que ao chegar aqui, a Missão Artística Francesa encontrou
uma Arte com traços originais – o barroco brasileiro, produzida por artistas nativos
de origem popular, mestiços em sua maioria, considerados como simples
artesãos pelas camadas superiores e cuja Arte foi rechaçada pela classe
dirigente.
Há com isso uma interrupção no desenvolvimento da Arte barroca20, que já
era uma Arte brasileira pelo fato de que a emotividade e o sensualismo mestiço
brasileiro encontraram no barroco as formas mais próprias de expressão,
suscetíveis
de
autenticidade
(CAVALCANTI,
1968).
É,
exatamente,
a
impulsividade do sentimento, mais a emoção do que a reflexão intelectual do
barroco que conquista a alma do artista brasileiro.
No caso do Brasil, o estilo barroco é transplantado, em parte, pelos
portugueses, não chegando a produzir formas novas, o novo espírito não penetra
na arquitetura da Igreja, que conserva sua forma clássica. A tradição decorativa
portuguesa barroca destaca-se, aqui no Brasil, principalmente na escultura em
madeira, pedra, mármore e bronze, ensinada em ateliês criados à sombra dos
conventos. Campofiorito diz que:
a essa condição eram submetidos os artista nativos, com uma
formação profissional mínima, que lhes facultava recursos de
aprendizado capazes de prescindir os esforços individuais em que
consistia seu autodidatismo (1983, p. 19).
Desta forma, então, e diante dessa situação da Arte produzida aqui, a
classe dirigente impõe o estilo neoclássico, oficializando-o como a base do ensino
O termo barroco é utilizado para definir o estilo de arte predominante no século XVII (de 1580 ao
início do século XVIII) na Europa ocidental, sendo essa expressão artística essencialmente
extravagante e ornada demais. O Barroco contrapõe-se ao intelectualismo e a frieza emocional,
serve, também, ao impulso religioso da Contra-Reforma. Caracteriza-se pela criação de modelos
religiosos que são acessíveis às massas e, ainda, pelo interesse no movimento dinâmico e nos
efeitos teatrais (CUNHA, 2005, p. 233).
20
41
das Belas Artes, o que acarreta o distanciamento entre a Arte produzida na
academia e aquela produzida pelo povo, encontrando seus poucos alunos na
aristocracia.
O projeto da escola envolvia a criação de cursos graduados de formação
tanto para futuros artistas como para técnicos em atividades auxiliares como a
modelagem, a decoração, a carpintaria e outras. Joachim Lebreton, o líder da
Missão e idealizador do projeto, nele sistematizava o processo e critérios de
avaliação e aprovação dos alunos, o cronograma e currículo de aulas, sugeria
formas de aproveitamento público dos alunos formados pela Escola e projetava a
ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminava os recursos
humanos e materiais necessários para o bom funcionamento da Escola, que não
os produzidos pela instituição. No entanto, Lebreton previa a educação de
artífices auxiliares com a introdução de cursos técnicos. Seu plano era
extensivamente
detalhado,
tratando
dos
cronogramas
e
currículo,
do
funcionamento das aulas, do aproveitamento dos formados e da criação de uma
Pinacoteca.
O ensino do desenho era básico, sem ele nada era possível. Para seu
domínio havia curso de desenho geométrico, desenho de ornamentos, desenho
de estátuas, de elementos da natureza, de elementos arquitetônicos, e por fim, o
desenho de modelo vivo, capacitando o aluno a representar as cenas, grupos e
panoramas complexos que se esperavam dele no futuro, na pintura, gravura e
escultura. Para um melhor aprendizado existiam diversas coleções de itens
auxiliares: desenhos e estampas de mestres europeus, moldes de partes do
corpo humano, desenhos de corpos nus, completos, nas mais diversas posições,
cópias de telas ou estátuas célebres, e boa bibliografia especializada.
O gênero mais apreciado era da pintura histórica, reservada aos mais
talentosos, exigindo grande cultura geral, além de perfeito domínio técnico. Esse
tipo de pintura apelava ao lado heróico ou devocional do homem, convidando-o a
uma meditação sobre as virtudes superiores que o autor quis expressar, e
almejando exercer um poder positivamente educativo sobre o público.
Floresceram, também, a paisagem, o retrato oficial e a cena/retrato religioso.
Mais para o fim do século os gêneros de paisagem do natural, naturezamorta e cena doméstica passaram a ter grande aceitação, prefigurando as
42
renovações burguesas do século vindouro, e a paisagem já mostrava
personagens caracteristicamente regionais em estilo realista21, como os gaúchos,
imigrantes, caipiras e caboclos.
Na estatuária os modelos clássicos foram tratados com um pouco mais de
liberdade, embora os temas continuassem a ser elevados, buscados nos mitos e
alegorias antigos. A madeira foi abandonada em favor do mármore e do bronze,
que exigiam um trabalho bem mais árduo e demorado, mas eram considerados
mais nobres. A escultura teve um grande mercado na construção de vários
monumentos e na decoração de edifícios públicos, associada à sua contraparte
"menor", dos ornatos em relevo.
Outro aspecto do seu funcionamento que merece atenção é o fato de que,
paralelo ao ensino das Artes em si (pintura, escultura, etc.), foram oferecidos
cursos técnicos auxiliares, tais como os ofícios mecânicos, a fundição, a
cerâmica, a modelagem de relevos e ornamentos arquitetônicos, etc. A formação
de um corpo de artesãos era imprescindível para a realização da Arte acadêmica,
muitas vezes monumental, e também era tido como útil para a industrialização e
modernização do país, que estava em curso. Essas especificidades, às vezes,
foram referidas como as artes menores, ou artes aplicadas, embora a história da
Arte testemunhe sua real importância. Os próprios integrantes da Missão eram,
de uma forma ou outra, familiarizados com várias destas artes menores, pois um
pouco deste conhecimento técnico era considerado parte da educação integral
acadêmica e necessário para uma perfeita integração entre os vários artesãos e o
artista criador, eles eram recrutados para a realização de uma grande obra como
um edifício público.
Essas ditas artes menores foram previstas para serem ensinados já por
Lebreton, na primeira idéia da Academia, esses ramos artesanais de início foram,
porém,
negligenciados,
alegando-se
medida
de
economia,
mas
foram
reintroduzidos somente na metade do século, sob o impacto da industrialização
européia.
Com a estabilidade política e social do segundo reinado, e com o constante
apoio do imperador D. Pedro II, a Academia Imperial iniciou um ciclo de
Corrente estética que tem por finalidade a reprodução da realidade de maneira mais ou menos
exata. Como movimento artístico do sáculo XIX, visava o uso de uma temática baseada no
cotidiano, em termos de sociedade e experiência sensorial (CUNHA, 2005, p. 270).
21
43
prosperidade, recebendo enorme volume de encomendas oficiais e formando
várias gerações de alunos brilhantes, instituindo, na década de 1840, prêmios de
viagem com bolsas de aperfeiçoamento no exterior. A instituição prosperou e se
fez cada vez mais presente na cena artística carioca e, por extensão, brasileira,
uma vez que a Academia Imperial passou a ter um papel central na direção dos
rumos da Arte brasileira até o século seguinte, quando já era a Escola Nacional
de Belas Artes, influenciando, sobremaneira, a criação de outras escolas de Artes
pelo país. Este foi o caso do Instituto de Artes e Design, criado a partir do desejo
da Escola de Artes de Pelotas.
A Casa: Instituto de Artes e Design
A instituição que hoje tem o nome de Instituto de Artes e Design, segundo
documentos em posse da Profa. Ângela Maria Sinotti Gonzales, diretora dessa
casa no período de 1988 a 199122, inicia suas atividades em 19 de março de
1949, com a denominação de Escola de Belas Artes - EBA, cuja finalidade era o
ensino da pintura, modelagem e desenho geométrico através de um Curso
Preparatório para as Belas Artes, concretizando-se o sonho de Marina de Morais
Pires, a idealizadora e fundadora da Escola23. A inauguração da Escola de Belas
Artes ocorreu em sessão solene no salão de honra da Biblioteca Pública
Pelotense, com a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas, entre
eles alunos estudantes e professores locais24.
Cabe aqui destacar que em fins de 1948, Aldo Locatelli, artista italiano,
vem ao Brasil a convite de Dom Antônio Zattera para pintar os murais da Catedral
São Francisco de Paula, daí o convite da Profª Marina, na época também
professora de desenho no Instituto de Educação Assis Brasil, para que este
renomado pintor integrasse o corpo docente, passando ele a ser o primeiro
mestre de pintura da Escola. Outros artistas de destaque passam posteriormente,
Tais documentos não estão especificados neste trabalho por tratar-se de cópias xerox de parte
dos mesmos, sem identificação de tipo e/ou data, o material cedido pela referida professora serviu
como fonte fidedigna das informações aqui relatadas.
23
Os estatutos da EBA foram levados a Porto Alegre pela Profª. Marina em fevereiro de 1950 para
serem publicados no Diário Oficial. Nota divulgada no Diário Popular, 19.02.1950, p. 4.
24
Ata da Sessão Inaugural - Livro de Atas do acervo do Museu Leopoldo Gotuzzo.
22
44
a integrar o quadro de professores da EBA, dentre eles Antônio Caringi, Nestor
Marques Rodrigues - Nesmaro - e Bruno Vicentin.
A escola tem início em uma sala cedida pelo Instituto Assis Brasil, com o
curso de desenho ministrado pela própria Dona Marina e pela professora
Osmânia Vinhas de Campos. Entretanto, surge de imediato a necessidade de
mais espaço físico para as aulas de pintura e para as aulas teóricas. Assim as
aulas passam a ser ministradas num antigo sobrado da Rua Félix da Cunha25.
Mais tarde a escola começa novamente a enfrentar problemas com a falta
de espaço para outros alunos e muda-se para a Biblioteca Pública de Pelotas,
onde é cedido o Salão Nobre, no primeiro andar do prédio.
A EBA percorre outros locais alugados na cidade até conseguir uma sede
própria. Antes, porém, é feita a doação do prédio da antiga Escola de Agronomia,
na Praça 7 de Julho, ao lado da Prefeitura Municipal, doação essa que não chega
a se concretizar. A escola passa, então, a funcionar em um prédio alugado na
Rua Andrade Neves.
O ensino na escola, nos primeiros anos de funcionamento, está voltado
para Cursos de Modelagem, Modelo Vivo, Anatomia, Arquitetura Analítica,
Geometria Descritiva, Perspectiva e Sombras, Desenho e Pintura.
O Governo da União, pelo Decreto n° 37690, de 4 de dezembro de 1955,
autoriza o funcionamento dos cursos de Pintura, Gravura e Escultura; sendo estes
somente reconhecidos em 27 de agosto de 1960, pelo Decreto Federal n° 48903.
Ainda, em 1955 o Governo do Estado, através da Portaria nº 5313, autoriza a
cedência de cinco professores da rede estadual, para ministrar disciplinas no
curso, conforme convênio firmado e publicado no Diário Oficial em 25 de
dezembro do mesmo ano. O Governo Municipal também cede uma professora
para o cargo de funcionária administrativa.
Em 1963, é assinada a escritura de um prédio doado por D. Carmen
Trápaga Simões e três anos após acontece à mudança para a nova sede
(própria), sito à Rua Marechal Floriano no 179. No ano de 1967 altera-se o nome
da Escola de Belas Artes para Escola de Belas Artes D. Carmen Trápaga Simões.
De acordo com Silva; Loreto (1996, p. 75) em pesquisa realizada nos arquivos do Museu de Arte
Leopoldo Gotuzzo - MALG -, este sobrado mais tarde serviu de Sede da Cruz Vermelha Brasileira,
segundo o depoimento do artista Luiz Notari no texto “Pequena História da minha formação
profissional em Pelotas”.
25
45
Na época os professores da EBA eram aqueles formados pela própria
escola, ou pelo curso de Desenho da Universidade Católica de Pelotas, ou ainda,
por profissionais de outras áreas que tivessem pendor artístico, ou seja,
experiências nas Artes, julgadas pelos títulos que possuíam. A nomeação desses
professores é decidida pelo antigo Conselho Nacional de Educação, através do
Parecer no 841 de 5 de novembro de 1969.
A Escola de Belas Artes em 1969 deixa de ser uma instituição particular que também recebia verbas do Estado e do Município - e passa a pertencer à
Universidade Federal de Pelotas, cuja criação é oficializada pelo Decreto Lei no
73.088-69. Há neste momento uma agregação simultânea, não só da EBA, mas
também da Escola de Medicina e do Conservatório de Música.
A Universidade Federal de Pelotas em 1971 cria o Instituto de Artes, que a
partir de então passa a ser o responsável pelas matérias básicas, e as
profissionalizantes ficando a cargo da EBA. Neste mesmo ano começa a ser
estudada a possibilidade de fusão do Instituto de Artes com a EBA e, em 22 de
maio de 1972 extingue-se a Escola de Belas Artes, integrando-se definitivamente
à UFPel como Instituto de Artes.
Em 1979, com a criação do Curso de Letras, vinculado ao Instituto de
Artes, este passa a ser Instituto de Letras e Artes - ILA. Em 2005, cria-se a
Faculdade de Letras e o ILA passa a denominar-se Instituto de Artes e Design IAD.
A área de Artes oferece hoje dois Cursos de Artes Visuais, nas
modalidades de Bacharelado em Artes Visuais nas terminalidades de Pintura,
Escultura, Gravura, Design Gráfico; e a Licenciatura em Artes Visuais. Possui,
também, o Curso de Música, modalidade Licenciatura. Mais recentemente o
Curso de Cinema e Animação, Design Digital e Curso de Teatro, na modalidade
Licenciatura. O IAD oferece, ainda, o Curso de Pós-Graduação em Artes,
especialização em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos.
O IAD – desde 1975, quando era, ainda, EBA - é o responsável pela
formação da maioria dos professores de Arte que atua nas escolas de educação
básica da rede estadual, municipal e particular, tanto do município de Pelotas e de
46
alguns dos municípios26 que formam o 36o Distrito Geo-Educacional do Estado do
Rio Grande do Sul, como de outros estados do país.
O Corpo: Professor de Arte
A formação de professores no atualmente chamado IAD/UFPel tem início
em 1969 quando é enviada ao Ministério da Educação e Cultura documentação
para o reconhecimento do curso de Professorado de Desenho, já em
funcionamento desde 1o de março de 1968. Esse curso tem como exigência, para
a titulação de professor, cursar um ano de Didática na Universidade Católica de
Pelotas. A autorização para o funcionamento do curso de Professorado de
Desenho, entretanto, só vem a acontecer em 1970, através do Decreto Lei no
66064, do Presidente da República.
A reforma da educação proposta pela LDB/61, n° 4.024, é antecipada por
amplo debate de que participa a sociedade civil, fato que não acontece com as
Leis n° 5.540/68, que propõe a reforma universitária, e a n° 5.692/71, que propõe
a reforma de 1° e 2° graus. Estas últimas são impostas, de forma autoritária, por
militares e tecnocratas que imprimem à educação uma tendência fortemente
tecnicista.
É assim que se concretiza, em parte, a luta pela obrigatoriedade da Arte na
escola, começada na década de 20, regulamentada agora pela Lei n° 5.692/71,
implantada pelo governo militar. E através do acordo oficial MEC-USAID
(Ministério da Educação e Cultura, United States Agency for International
Development) o Brasil passa a receber assistência técnica e cooperação
financeira para a implantação da reforma da Educação Brasileira.
O ensino da Arte em 1971 passa, então, a fazer parte do currículo escolar.
É a Lei n° 5.692 que, no seu Artigo 7°, determina a obrigatoriedade da Educação
Artística nas escolas de 1° e 2° graus:
Área de abrangência da UFPel: Municípios de Capão do Leão, Morro Redondo, Arroio do Padre,
Pedro Osório, Cerrito, Arroio Grande, Herval do Sul, Jaguarão, Pinheiro Machado, Piratini,
Canguçú, Amaral Ferrador, Turuçu, São Lourenço do Sul, Cristal, Encruzilhada do Sul e Lavras do
Sul.
26
47
“Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos
dos estabelecimentos de 1° e 2° graus, observado quanto à primeira o
dispositivo no decreto-lei n° 869, de 1° de setembro de 1969”.
Lei esta que em seu Art. 30 do Capítulo V, sobre a Formação do Professor
de Educação Artística, determina que a exigência como formação mínima, para o
exercício do magistério, deve: (a) no ensino de 1° grau, da 1a à 4a séries, ter um
professor com habilitação específica de 2° grau; (b) da 5a a 8a séries do 1° grau,
um professor com habilitação específica de grau superior, em nível de graduação,
representada por uma licenciatura de 1° grau, obtida em curso de curta duração,
e (c) em todo ensino de 1° e 2° graus, um professor com habilitação específica,
obtida em curso superior de graduação correspondente à licenciatura plena.
O curso estabelecido objetiva a formação em Educação Artística de
professores de nível de Licenciatura Curta, Plena ou Plena e Curta.
A Resolução n° 23 de 23 de outubro de 1973, do Conselho Federal de
Educação, diz em seu Art. 1° que o curso de Licenciatura em Educação Artística
tem por objetivo formar professores para as atividades, áreas de estudo e
disciplinas do ensino de 1° e 2° graus relacionados com o setor da Arte. Já o Art.
2°, define que o curso de Educação Artística é estruturado como licenciatura de 1°
grau, de curta duração, ou como licenciatura plena, ou ainda abrangendo
simultaneamente ambas as modalidades, de acordo com os planos das
instituições que o ministrem. Há, entretanto, o Parágrafo Único que aponta para
uma diferenciação entre as licenciaturas, uma vez que a licenciatura de 1° grau,
no caso a de curta duração, deve proporcionar habilitação geral em Educação
Artística e a licenciatura plena, além dessa habilitação geral, deve conduzir a
habilitações específicas em Artes Plásticas, Artes Cênicas, Música e Desenho.
O citado documento ainda afirma:
... o professor do ensino de 1° grau não tem de ser um especialista em
determinadas divisões de Arte. Conquanto sem desconhecer essas
divisões, cabe-lhe apresentar globalmente os recursos artísticos de
expressão e comunicação, dentre as quais venham os estudantes a
selecionar as que mais se ajustem às variáveis do seu mundo interior. O
processo, no caso, é incomparavelmente mais importante que os
resultados estéticos a obter.
48
Surge assim, no IAD em 1974, o curso de Licenciatura Curta na área,
reconhecido pelo Decreto Lei nº 76849 de 17/12/1975 e publicado no Diário
Oficial de 18/12/1975, com duração de dois anos, que compreende um currículo
básico, aplicado em todo o país, pretendendo preparar, em apenas dois anos, um
professor de Arte capaz de lecionar música, artes plásticas e teatro, tudo ao
mesmo tempo, da 5a a 8a séries do 1° grau e, em alguns casos, até o 2° grau. A
instituição formou 357 professores no curso de Licenciatura de 1º Grau em
Educação Artística (Tabela1).
Cabe destacar que todos os dados relativos ao número de professores
formados pelo IAD foram coletados junto às secretarias do Curso de Artes
Visuais-Licenciatura e da própria Instituição, no 2º semestre de 2006.
Tabela 1 – Professores formados no curso de Licenciatura de 1º Grau
em Educação Artística - IAD/UFPel (1975-1990)
Ano
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
Total
Número de Professores
15
28
75
41
39
89
38
13
08
06
Não houve colação de grau
04
Não houve colação de grau
Não houve colação de grau
Não houve colação de grau
01
357
Fonte: elaboração própria.
Ainda na década de 70, mais precisamente em 1978, através do Parecer n°
781/78 do CFE, começam a surgir no país os Cursos de Licenciatura Plena em
Educação Artística, em substituição à Licenciatura Curta, com duração de quatro
anos, seguindo um currículo mínimo já estabelecido por lei, apenas com o
acréscimo de novas disciplinas e a mesma antiga proposta de polivalência, ou
seja, uma formação em artes plásticas, teatro e música.
49
O curso de Licenciatura Plena em Educação Artística do IAD oferece, na
época, três habilitações: Artes Plásticas, Desenho e Música. Ele é reconhecido
pelo Decreto Lei nº81606 de 27/04/1978 e publicado no Diário Oficial de
28/04/1978. Sendo que a complementação curricular do Curso de Licenciatura
Curta para Plena ocorreu primeiramente na habilitação em Música, graduando 24
alunos (Tabela 2).
Tabela 2 – Professores formados no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística
com habilitação em Música - IAD/UFPel (1975/1979)
Ano
1975
1976
1977
1978
1979
Total
Número de Professores
11
07
Não houve colação de grau
02
04
24
Fonte: elaboração própria.
O curso de Licenciatura Plena em Educação Artística gradua, durante
quinze anos, 277 alunos habilitados em Artes Plásticas, 95 em Desenho e 66 em
Música, perfazendo um total de 438 professores (Tabela 3).
Tabela 3 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística – IAD/UFPel (1978-1992)
Professores e Habilitações
Ano
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Total
Total
Artes Plásticas
48
13
27
29
22
19
19
04
31
Não houve colação de grau
14
09
35
01
06
277
Desenho
03
06
03
10
10
08
09
04
09
01
03
10
08
11
Não houve colação de grau
95
Fonte: elaboração própria
Música
12
04
02
08
08
01
04
Não houve colação de grau
14
Não houve colação de grau
01
02
06
Não houve colação de grau
04
66
63
23
32
47
40
28
32
08
54
01
18
21
49
12
10
438
50
O Conselho Federal de Educação, através da Resolução n° 6, de
novembro de 1986, reformula o núcleo comum para os currículos das escolas de
1° e 2° graus. Fica determinado em seu Art. 1° as seguintes matérias básicas:
Português, Estudos Sociais, Ciências e Matemática. É assim eliminada do
currículo a área de Comunicação e Expressão e a Educação Artística pertencendo a essa área - deixa de ser matéria básica, mas passa a constar do
Parágrafo 2° nos seguintes termos: “Exigem-se também Educação Física,
Educação Artística, Educação Moral e Cívica, Programas de Saúde e Ensino
Religioso, este obrigatório para os estabelecimentos oficiais e facultativo para os
alunos”. Este fato leva à redefinição das especificidades para formação do
professor de Educação Artística, agora em artes plásticas, desenho, artes cênicas
e música.
Somente em 1994 o curso de Licenciatura Plena em Educação Artística
sofre essa alteração curricular, eliminando definitivamente a formação polivalente.
No período de 1994 a 1998, a instituição gradua 97 alunos nas três habilitações
do curso, distribuídos conforme Tabela 4:
Tabela 4 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística – IAD/UFPel (1994/1998)
Professores e Habilitações
Ano
Total
1994
1995
1996
1997
1998
Total
Artes Plásticas
08
15
05
13
18
59
Desenho
Música
Não houve colação de grau
Não houve colação de grau
06
04
07
05
22
Fonte: elaboração própria.
04
03
03
06
16
08
25
12
23
29
97
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei Darcy Ribeiro – nº 9.394/96 no
Capítulo II, Da Educação Básica - Seção I - Das Disciplinas Gerais, Art. 26, § 2º diz
que “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
51
alunos”. Este fato leva a mudanças tanto na área de formação docente quanto nas
especificidades do curso, extinguindo a terminologia Educação Artística.
O curso de licenciatura do IAD, em 1999, passa a ser denominado de
Licenciatura em Artes com as seguintes habilitações: Artes Visuais27, Desenho e
Computação Gráfica e Música, diplomando. 330 alunos até 2007 (Tabela 5).
Tabela 5 – Professores formados, segundo habilitação,
no curso de Licenciatura em Artes IAD/UFPel (1999/2007)
Professores e Habilitações
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Total
Total
Artes Visuais
10
14
10
18
16
36
25
28
23
180
Desenho e Computação Gráfica
01
05
01
09
15
12
16
03
02
64
Fonte: elaboração própria.
Música
01
06
08
18
09
06
12
17
09
86
12
25
19
45
40
54
53
48
34
330
No período de 13 anos - 1994/2007 - o curso sofre três alterações
significativas: (1ª) a eliminação do caráter polivalente na formação docente em
Arte em 1994; (2ª) a adequação às exigências a LDB nº 9.394/96 e (3ª)
adequação às Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura em
2004. Essa última reformulação na estrutura curricular do curso elimina a
habilitação em Desenho e Computação Gráfica, uma vez que por determinação
legal as sub-áreas da Arte para a formação de professores são Artes Visuais,
Música, Teatro e Dança. O número de alunos formados a partir dessas mudanças
é de 427 (Tabela 6).
A nomenclatura Artes Visuais consta do documento “Proposta de Diretrizes Curriculares
sistematizada pela Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC-1998”,
compreende as artes plásticas, desenho, fotografia, vídeo, cinema etc. Os PCN-ARTES (1997, p.
63) incluem, além das formas tradicionais – pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura,
objetos, cerâmica, cestaria, entalhe – outras modalidades que resultam dos avanços tecnológicos
e transformações estéticas do século XX: fotografia, moda, artes gráficas, cinema, televisão,
vídeo, computação, performance, holografia, desenho industrial, arte em computador.
27
52
Tabela 6 – Professores formados, por curso e habilitação – IAD/UFPel (1994/2007)
Professores por Habilitações
Curso
Lic. P. Ed. Art.
Lic. em Artes
Curso de Artes Visuais/Lic.
Curso de Música /Lic.
Total
AP*
59
AV
D
22
DCG
104
76
M
16
48
06
25
72
43
21
59
157
22
Fonte: elaboração própria.
Total
62
97
195
103
25
372
* Legenda: AP – Artes Plásticas; AV - Artes Visuais; D - Desenho; DCG – Desenho e Computação Gráfica; M - Música.
Em 2004 o curso de formação docente do IAD passa para a seguinte
denominação: Curso de Artes Visuais: modalidade Licenciatura e Curso de
Música: modalidade Licenciatura, seguindo a Resolução CNE/CP 2/2002 que
redefine a carga horária dos cursos de licenciatura e propõe a inclusão de préestágios ao longo do curso de formação. Neste momento foi eliminada a
terminalidade de Desenho e Computação Gráfica.
Como se vê, a formação de professores de Arte do IAD obedeceu às
exigências das diferentes Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
adequando-se, também, às determinações das Resoluções do Conselho Nacional
de Educação e às diferentes concepções de ensino da Arte ao longo de sua
trajetória histórica.
O número de professores formados nos cursos de licenciatura do IAD, no
período de 1975 a 2007 (32 anos), é de 1267 docentes da área de Arte (Tabela
7).
Tabela 7 - Professores formados, por curso e habilitação - Licenciatura – IAD/UFPel (1975/2007)
Professores por Habilitações
CURSO
FP*
Lic. C. Ed. Art.
Lic. P. Ed. Art.
Lic. em Artes
Curso de Artes Visuais/Lic.
Curso de Música /Lic.
TOTAL
AP
AV
D
DCG
TOTAL
M
357
346
125
104
76
357
346
180
125
Fonte: elaboração própria.
43
21
64
116
48
06
25
195
357
587
195
103
25
1267
* Legenda: FP – Formação Polivalente; AP – Artes Plásticas; AV - Artes Visuais; D - Desenho; DCG – Desenho e
Computação Gráfica; M - Música.
53
O número de professores de Arte formados pelo IAD/UFPel que se
encontram em exercício na rede pública municipal de Pelotas28 é de 118, 102 com
formação em Artes Plásticas ou Visuais, Desenho ou Desenho e Computação
Gráfica e 16 de Música, distribuídos em 96 escolas, 38 na zona urbana, 34 na
zona rural, 23 de educação infantil e uma (01) denominada Escola Artes-Infância.
A 5ª Coordenadoria Regional de Educação29 abrange 17 municípios da
região sul e possui um total de 144 escolas, sendo que 52 na cidade de Pelotas.
O número de professores que atuam na área de Arte é de 91, destes 64 possuem
habilitação específica na área e os restantes – 27 professores - com formação em
outras áreas do conhecimento.
Em síntese, os professores de Arte atualmente em exercício, formados
pelo IAD, perfazem um total de 182, sendo que 118 no município e 64 distribuídos
em escolas dos 17 municípios da 5ª CRE.
Conhecer como se constituiu a história da instituição que forma professores
de Arte e, como conseqüência, a trajetória de formação desses professores, é
entender que apesar da instituição ter uma história bastante peculiar, adequou-se
sempre às políticas educacionais implantadas no país. Houve, nessa instituição,
um esforço de conjugar essas exigências às diferentes concepções de Arte e de
ensino de Arte dos professores que por lá passaram - e os que lá estão -, em
diferentes momentos e tempos, desde aquelas dadas e herdadas da antiga
Escola de Belas Artes.
Quero crer que as mudanças, legais e conceituais, realizadas durante a
trajetória do curso de licenciatura, não tenham sido apenas mudanças de rótulos,
que, necessariamente, não refletem mudanças na essência dos currículos, das
disciplinas, enfim na formação dos nossos professores de Arte.
A compreensão das mudanças nas concepções de Arte e de ensino de
Arte ocorridas a partir do início do século XX é indispensável para propor, sem
dúvida, uma reflexão acerca do lugar da Arte na escola, na formação do professor
e no trabalho docente em artes visuais. É isso que veremos a seguir.
Dados obtidos em abril de 2006 através da Coordenadora da área de Arte, Rejane Correa
Santos, da Secretaria Municipal de Educação.
29
Dados fornecidos em março de 2006 pela própria 5ª CRE, destacando-se que na rede estadual
ainda é usada a antiga terminologia: Educação Artística.
28
PINCELADAS QUE MUDARAM A HISTÓRIA
Para algo existir mesmoum Deus, um bicho, um universo, um anjoÉ preciso que alguém tenha consciência dele,
Ou simplesmente que o tenha inventado.
Mário Quintana
A Imagem Viajante nº 4, “Campo de trigo com corvos” de Van Gogh30,
conduz meus pensamentos para as mudanças que as pinceladas desse artista
causaram na História da Arte. O artista contribuiu, no início do século XX, para
uma ruptura da pintura com a natureza. O pintor moderno recorre à linguagem
simbólica, vale-se da deformação ou recusa o realismo da sensação visual na
representação da imagem. Um fato que separa nitidamente toda a Arte do
passado daquela produzida nesse início de século, pelo menos na área da cultura
ocidental.
Isto nos faz compreender que os artistas não se satisfizeram em
representar simplesmente “o que viam”. Se existe algo que marca este século XX
é justamente a liberdade de expressão com toda a espécie de idéias e meios. O
artista percebe a natureza como exterior a si e toma consciência de seu próprio
Vincent Willen Van Gogh (1853-1890), pintor holandês, sua marca inconfundível era o uso
expressivo da cor, suas cores eram fortes e assentadas com extrema sensibilidade em grossas
camadas de tinta, suas pinceladas marcaram uma revolução no mundo da pintura. As várias
soluções de sua pintura tornaram-se o ideal de um movimento chamado expressionismo.
(GOMBRICH, 1981, p. 441). Expressionismo: corrente estilística que surgiu na Alemanha em
1904-1905, caracteriza-se pelo predomínio do sentimento sobre a sensação visual. Os
expressionistas expressavam interrogações espirituais sobre o destino do homem e a intimidade
das coisas do mundo (CAVALCANTI, 1978, p. 312).
30
55
ser como sujeito, sua representação rompe com um processo de secularização da
Arte.
Se nas pinturas pré-históricas de Lascaux ou de Altamira já está presente o
poder humano de, pela imagem, se apropriar do real; foram necessários mais de
trinta mil anos até que esse poder se definisse como uma linguagem específica e
se concebesse a arte como um modo autônomo de expressão e conhecimento. O
artista passou a atuar sobre a imagem do mundo e, metaforicamente, transformála, recriá-la e: ao fazer isso, constrói a si mesmo, objetiva seu mundo imaginário e
o torna socialmente atuante.
Ensino da Arte: rupturas na concepção
A arte muda no início do século XX e, conseqüentemente, transformações
começam a esboçar mudanças, também, no ensino da Arte, só que muito
lentamente. É, mais precisamente, no final do século XX, que esse ensino rompe
com o seu passado.
O início do século XXI é marcado por transformações tanto na concepção
de Arte quanto de ensino da mesma. Mudanças que enfocam um maior
compromisso com a cultura e com a história. Até o início dos anos 80 o
compromisso da Arte na escola era baseado em valores de uma elite cultural, ora
enfatizando o desenvolvimento da expressão pessoal, ora trabalhando com os
princípios do desenho, o formalismo. Já no início dos anos 90, a Arte é assim
entendida por Barbosa (1991, p. XIV): “na pós-modernidade o conceito de arte
está ligado à cognição; o conceito de fazer arte está ligado à construção e o
conceito de pensamento visual está ligado à construção do pensamento a partir
da imagem”.
A relação Arte/cognição é, também, enfatizada por Eisner (2002), pois para
o autor o trabalho com Arte refina e alarga a imaginação e potencializa a
cognição. A cognição, aqui, é entendida como o processo pelo qual o organismo
torna-se consciente de seu meio ambiente.
Essas concepções apontam para o significado da Arte, como qualquer
outra área do conhecimento, com um domínio, uma linguagem e uma história. É
56
por isso mesmo, um campo de estudo específico e não apenas uma mera
atividade auxiliar e/ou recreativa.
Destaco que nos anos 60, pregava-se no ensino da Arte a não intervenção
do professor e o rompimento com a imitação de modelos – imagens - o que
limitava a criatividade na produção artística do aluno, a Arte sai do aluno e não
entra. A Lei 5692/71 não alterou essa prática no ensino e o Parecer CFE 540/77,
embora mencionasse que a Educação Artística deveria o aguçar a sensibilidade,
que instrumentaliza a apreciação - ensinar a ver como se ensina a ler -, o ensino
da Arte reforçou a livre expressão individual do aluno.
À livre expressão, a Arte hoje acrescenta a livre interpretação da obra de
Arte como objetivo de ensino. O slogan modernista de que todos somos artistas
era utópico e foi substituído pela idéia de que todos nós podemos compreender e
usufruir Arte. Não mais se pretende desenvolver apenas uma vaga sensibilidade
nos alunos, mas também se aspira influir positivamente no desenvolvimento
cultural dos estudantes pelo ensino/aprendizagem da Arte. Não podemos
entender a cultura de um país sem conhecer sua Arte (BARBOSA, 2002, p. 17).
Assim, o ensino da Arte, nos últimos vinte anos, vem sendo marcado por
mudanças conceituais e metodológicas, que têm desafiado as práticas docentes e
a compreensão do papel da Arte no desenvolvimento do aluno e da escola. Tais
mudanças abrem uma ampla discussão que passa pelos processos educativos
artísticos em todos os níveis de escolaridade.
É preciso, atualmente, como diz Martins (2002, p. 31), “ganhar distância
para ver melhor e ter ouvidos atentos” para perceber as diferenças sutis dos
discursos teóricos existentes. É necessário perceber, também, que as mudanças
propostas pela lei exigem a construção de “novos” conceitos que fundamentam a
área de conhecimento em Arte (BARBOSA, 1997, 1998, 2002, 2005; FUSARI;
FERRAZ, 1992, 1993; FRANGE, 1995; MARTINS at al, 1998; e PILAR, 1999).
Uma aprendizagem em Arte não descarta o passado, mas é preciso estar atento
às recentes discussões sobre o processo de ensinar e aprender tanto na área da
Arte como em outras áreas. Faz-se imprescindível para isso um posicionamento
profissional comprometido com as transformações.
Com isso – e devido a isso – penso que se faz necessário entender os
vários contextos da Arte e suas relações com a multiculturalidade e com a cultura
57
visual. Essas questões provocam, sem dúvida, uma reflexão acerca do lugar da
Arte na escola, da formação do professor e do trabalho com as linguagens
artísticas.
Primeiramente, é preciso pensar no lugar que o ensino da Arte ocupa no
currículo da escola. Partindo do ponto de vista legal, sua aprendizagem é
obrigatória pela LDB 9.394/96, tanto no ensino fundamental quanto no ensino
médio. No caso do ensino médio, algumas escolas, para Barbosa (2002, p. 13),
“estão incluindo a arte apenas numa das séries de cada um desses níveis, porque
a LDB não explicitou que esse ensino é obrigatório em todas as séries”. E mais,
algumas Secretarias de Educação estão usando o subterfúgio da
interdisciplinaridade, e incluem todas as Artes na disciplina de
Literatura, ficando tudo a cargo do professor de Língua e Literatura.
Essa é uma forma de eliminar as outras linguagens da Arte, fazendo
prevalecer o espírito educacional hierárquico da importância suprema
da linguagem verbal e conseqüente desprezo pela linguagem visual.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), outro documento oficial,
também dão à Arte um lugar de destaque no currículo, ela tem a mesma
importância que as outras disciplinas. No entanto, na percepção de Barbosa
(2002, p. 14) “os PCN’s estão resultando muito pouco”, ela se posiciona contra a
implantação de currículos nacionais. Tourinho (2002, p. 28), por sua vez, faz
algumas considerações aos PCN’s no que se refere às orientações e propostas
contidas no referido documento, enfatizando que “é muito possível que poucas
saiam da página impressa”. Para a autora, as propostas são
histórica e socialmente conservadoras, pedagogicamente megalômanas
e culturalmente demagógicas - porque descontextualizadas – um
grande número de propostas que ali estão, fazem efeito, mas não levam
a efeito aquilo a que se propõem.
Não pretendo, aqui, negar o valor dos PCN’s, eles realmente sinalizam
algumas mudanças significativas para o ensino da Arte, quero sim ressaltar a
necessidade de o professor analisar, criticar e selecionar o que é relevante para a
sua cultura e, principalmente, para as crianças com quem convive. Digo isto com
base nos Parâmetros em Ação, um material que determina as imagens que
devem ser trabalhadas pelos alunos e, até mesmo, quanto tempo deve-se discutir
58
cada imagem. Está é uma contradição interna dos PCN’s, que por um lado
recomenda a pluralidade e por outro prega a homogeneização de imagens. Fato
esse muito bem exemplificado por Barbosa (2002, p.1 6) quando diz que, no caso
da escolha das imagens, “os PCN’s em Ação começam receitando a Santa Ceia
de Leonardo da Vinci, num país de enorme diversidade cultural. Onde está o
respeito ao pluralismo?”
Apesar da obrigatoriedade, parece-me que os documentos oficiais não são
suficientes para garantir a existência da Arte no currículo, porque, ao que tudo
indica, prevalece o espírito hierárquico da supremacia da linguagem escrita e
verbal e o conseqüente desprezo pela linguagem visual, como já comentado.
Entretanto, essa hierarquia do conhecimento na escola, explícita ou implícita,
“ainda mantém o ensino da arte num escalão inferior da estrutura curricular,
porém, felizmente, não decreta seu falecimento” (TOURINHO, 2002, p. 28).
Mesmo assim, o ensino da Arte chega ao final do século XX e início do
século XXI buscando adequar-se à nova LDB, aos Parâmetros Curriculares
Nacionais, documentos oficiais que representam discursos e ações, apesar das
dificuldades na implementação das propostas e das polêmicas que elas têm
gerado. Isto não significa que não tenham ocorrido mudanças na maneira de
conceber e realizar o ensino da Arte, quando ele existe na escola. As
transformações foram acontecendo na medida em que profissionais da educação
e especificamente das artes se mobilizaram por meio de formas de participação
mais expressivas, reivindicando compromissos do Estado neste processo de
implementação do ensino nas escolas brasileiras, agora numa perspectiva da
construção do conhecimento na e em Arte, uma área específica do conhecimento
humano, com uma história e com conteúdos próprios.
Cabe salientar que, com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
há 10 anos, a Arte ganhou nova dimensão, novo olhar e adaptações que
passaram a considerar a diversidade e peculiaridades culturais de cada região do
país. Para Maria Helena Ferraz, professora da USP e uma das elaboradoras
desse documento, a grande contribuição dos PCN’s foi ampliar e aprofundar o
foco do ensino da Arte nas escolas. Se antes a preocupação dos professores
estava voltada somente para a produção dos alunos, atualmente observamos a
inserção da produção cultural, tanto de âmbito nacional quanto internacional, para
59
se trabalhar a apreciação e a reflexão. Rosa Iavelberg, também professora da
USP e outra elaboradora desse documento, compartilha com Ferraz a idéia de
que o documento propiciou, sem dúvida, um diálogo mais aprofundado entre Arte
e educação, porém enfatiza que é necessário “uma interface maior entre os
sistemas da Arte e da Educação contemporânea”31. Para as professoras os
PCN’s não foram criados com o intuito de ser um currículo nacional, mas um
parâmetro para que as secretarias de educação estaduais e municipais
elaborassem seus planos de acordo com as peculiaridades de cada região.
Considero fundamental destacar que os PCN’s trouxeram a inserção da
produção cultural e apontaram para o aprofundamento de quatro linguagens da
Arte: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música, sem, no entanto, exigir que o
especialista em uma determinada linguagem trabalhasse com as demais.
A tentativa, atualmente, de visualizar a possibilidade de outra forma de
ensinar a Arte passa pela compreensão do que seja a diversidade cultural e a
cultura visual. A diversidade cultural deve ser enfatizada, considerando não mais
somente os códigos europeus e norte-americanos brancos, mas a diversidade de
códigos em função de raças, etnias, gênero e classe social. Esse é um ensino da
Arte interessado no desenvolvimento cultural, que fornece, primeiramente, um
conhecimento sobre a cultura local, e depois sobre a cultura de vários grupos que
caracterizam a nação e a cultura de outras nações.
Um dos temas transversais propostos pelos PCN’s é o da Pluralidade
Cultural, cujo objetivo é atender às múltiplas culturas presentes hoje nas
sociedades. Os PCN’s apresentam o termo pluralidade cultural como sinônimo de
multiculturalidade, no entanto, é a denominação multicultural que se encontra
consagrada na literatura sobre ensino da Arte (RICHTER, 2002).
Outra questão a destacar é o crescente interesse pelo visual, fato que tem
levado historiadores, antropólogos, sociólogos, educadores, professores de artes
visuais a discutirem sobre as imagens e sobre a necessidade de uma
alfabetização visual32, que se expressa em diferentes designações, como cultura
Boletim Arte na Escola. Rede Arte na Escola. São Paulo, junho de 2008, n. 50, p. 3-4.
Entendo por Alfabetização Visual, que também denomino de alfabetização estética, a
compreensão da Arte como uma linguagem de expressão e comunicação do ser humano que
possui códigos e conteúdos próprios. O indivíduo inserido num contexto pós-moderno, onde
proliferam os códigos estético-artísticos através dos meios de comunicação de massa (mass
media), necessita ser introduzido no mundo dos códigos da Arte como forma de instrumentalizá-lo
31
32
60
visual e leitura de imagens. Fabris (1998) nos auxilia na compreensão do
interesse pelo visual no mundo contemporâneo. Segundo ela, por exemplo, a
imagem própria do Renascimento33 não é apenas resultado de uma ação artística,
mas sim fruto de um cruzamento entre Arte e ciência. Sua perspectiva vai muito
além da mera aplicação de leis geométricas e matemáticas, pois se trata de um
modelo de organização e racionalização de um espaço hierárquico. É a
possibilidade de estruturar o espaço a partir de um determinado ponto de vista,
aquele de um sujeito onisciente, capaz de tudo dominar e determinar. A autora
mostra que o lapso de tempo em que o artista do Renascimento organizava uma
nova visualidade coincide com o desenvolvimento da imprensa, com um novo
modo de armazenar e distribuir um conhecimento interessado na preservação do
passado e na difusão do presente. Nesse período, buscava-se um novo estilo
cognitivo baseado na demonstração visual. As imagens com perspectiva eram
uma tentativa de tornar o mundo compreensível à poderosa figura que
permanecia em pé, no centro da imagem, no único ponto a partir do qual era
desenhada. Esse estilo cognitivo perdurou até a fotografia e a vídeo-eletrônica.
Mas hoje, com as tecnologias disponíveis no mundo contemporâneo, que estão
redefinindo os conceitos de espaço, tempo, memória, produção e distribuição do
conhecimento, estamos em busca de outra epistemologia, e se necessitamos de
outro modo de pensamento, conseqüentemente necessitamos também de outra
visualidade.
Na vida contemporânea capturamos imagens, muitas vezes sem modelo,
cópias de cópias, no cruzamento de inúmeras significações. Imagens para
deleitar, entreter, vender, que nos dizem o que vestir, comer, aparentar, pensar.
Nessa profusão de imagens insere-se o ensino das artes visuais, um ensino
preocupado com a cultura visual e a leitura de imagens.
Pergunto, então, a proposta da cultura visual é a mesma da leitura de
imagens?
para a compreensão e reflexão dos produtos culturais que assolam nossa sociedade. Ou melhor,
alfabetizar visualmente é o ato de ler o mundo através das linguagens artísticas; ação de compor e
decompor movimentos, imagens e sons para posterior compreensão e apropriação.
33
Denominação usada para designar o movimento artístico italiano, baseado nos modelos
clássicos da Antiguidade greco-romana e ocorrido nos séculos XV e XVI. Intelectualmente, ele foi
inspirados pelos ideais do pensamento humanista e nas Artes Plásticas também pelo uso do
vocabulário formal greco-romano (CUNHA, 2005, p. 271).
61
• Cultura visual no ensino das Artes Visuais
No ensino da Arte, a cultura visual deve-se ao fato de se reconhecer que o
conhecimento da imagem é de fundamental importância não só para o
desenvolvimento da subjetividade, mas também para o desenvolvimento
profissional, uma vez que muitos trabalhos e profissões estão direta ou
indiretamente relacionados à Arte comercial e à propaganda.
É preciso que se entenda, também, o trabalho com a cultura visual como
um instrumento para promover a aceitação da diferença, o reconhecimento da
alteridade em suas manifestações de gênero, sexualidade, raça e classe.
A compreensão da cultura e suas diversidades embasam, justificam e
direcionam o ensino da Arte. Para Hernández (2002, p. 45-46) é preciso
considerar que:
(...) a arte é uma manifestação cultural e os artistas realizam
representações que são mediadoras de significados em cada época e
cultura. A compreensão (em sua dupla dimensão de interpretação e
produção) desses significados é o objetivo prioritário do ensino de arte
para alguns docentes desde o início dos anos 90. Essa tendência está
vinculada a alguns referenciais que, no contexto da denominada pósmodernidade cultural, revisam o atual status da arte e o papel que as
imagens (reais e virtuais) exercem na construção de representações
sociais. Essa forma de racionalidade se encontra também presente
nos Parâmetros Curriculares Nacionais quando consideram o “objeto
artístico” como produção cultural (documento do imaginário humano,
sua historicidade e diversidade).
Para o ensino da Arte, a relação dessa com a cultura amplia a análise
visual circunscrita à Arte, originando outros universos visuais como a publicidade,
o cinema e o vídeo clipe. Fato como esse faz surgir nos Estados Unidos “uma
preocupação com a multiculturalidade” (EISNER, 2002).
Aqui no Brasil, o movimento foi inverso. Foi o multiculturalismo com base
nas diferenças de todas as classes que primeiro eclodiu. Isto, segundo Barbosa
(2005, p. 15), deu-se porque:
Ao sairmos de uma ditadura de vinte anos, o processo de
redemocratização, nos anos 1980, trouxe em seu bojo a preocupação
plural com a multiculturalidade. Durante a ditadura os únicos suspiros
democráticos no ensino da Arte foram os festivais, especialmente os de
Ouro Preto, nos quais professores, alunos, artesãos locais e o povo em
geral podiam intercambiar.
62
Isto significa que este esforço multicultural passou a reconhecer o valor das
diferenças, orientando, de certa forma, políticas multiculturais, incluindo-se aí a
cultura visual do povo, a Arte produzida pelo povo. Para Barbosa (2005, p. 15) a
cultura visual do povo é uma Arte reconhecida em separado pelo código
hegemônico. É uma Arte de alta qualidade estética, não codificada pela cultura
dominante.
Foi somente nos anos 90 que, aqui no Brasil, começou-se a usar o termo
cultura visual (TV, internet, softwares interativos, etc.) para falar das mídias, que
segundo Barbosa (2005, p. 16) “modelam a mente, ensinam sobre arte e
comandam nossa educação, embora já as víssemos trabalhando criticamente
como imagem e como significação”. O termo cultura visual entrou no vocabulário
dos arte-educadores com o curso de Kerry Friedman34 em São Paulo, no SESC
Vila Mariana, e com uma publicação sobre cultura visual de Fernando Hernández.
É importantíssimo ressaltar que a cultura visual não se ocupa somente da
imagem, mas com outras formas sensoriais de comunicação, e não se concentra
somente nos fatos e artefatos visuais observáveis, mas também se volta para os
mais diversos contextos da visão e da representação. Essa concepção que vem
influenciando o ensino da Arte procura estudar a construção social da experiência
visual, o que possibilita uma compreensão mais ampla do que é visual (o que nós
vemos) e visualidade (nosso modo de ver). É, na realidade, bem como diz Dias
(2005, p. 281), “um deslocamento no enfoque do estudo da arte da elite para
incorporar na discussão aspectos culturais do cotidiano, da cultura visual”.
Assim sendo, atualmente, e como afirma Barbosa (2005, p. 17), “a
abordagem
mais
contemporânea
de
Arte/Educação,
no
qual
estamos
mergulhados no Brasil, é associada ao desenvolvimento cognitivo”. Assim, o
movimento de Arte/Educação impõe-se no Brasil pretendendo afirmar a eficiência
da Arte para desenvolver formas sutis de pensar, diferenciar, comparar,
generalizar, interpretar, conceber possibilidades, construir, formular hipóteses e
decifrar metáforas.
O conhecimento crítico de como os conceitos formais, visuais, sociais e
históricos aparecem na Arte, como eles têm sido percebidos, redefinidos,
Professor de Arte/Educação da School of Art Northen, Illinois University, Estados Unidos. Em
1996 participou do X Congresso Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes
Plásticas (ANPAP), oferecendo um curso intitulado “A Compreensão e o Prazer da Arte”.
34
63
redesignados, distorcidos, descartados, reapropriados, reformulados, justificados
e criticados em seus processos construtivos devem, hoje, iluminar a prática e o
ensino da Arte.
Cabe, então, aqui, perguntar: como é possível saber quando um campo do
conhecimento muda? Para Canclini (2003, p. XVII), uma forma de resposta é:
“quando alguns conceitos irrompem com força, deslocam outros ou exigem
reformulá-los”. E foi exatamente assim que aconteceu com a arte e seu ensino.
Partindo da percepção de Canclini (2003, p. XX), pode-se diz que o século
XX foi pródigo na multiplicação de hibridizações35 e que:
é possível colocar sob um só termo fatos tão variados quanto os
casamentos místicos, a combinação de ancestrais africanos, figuras
indígenas e santos católicos na umbanda brasileira, as collages
publicitárias de monumentos históricos com bebidas e carros esportivos?
Algo freqüente como a fusão de melodias étnicas com música clássica e
contemporânea ou com jazz e a salsa pode ocorrer em fenômenos tão
diversos quanto a chicha, mistura de rítimos andinos e caribenhos, a
interpretação jazística de Mozart, realizada pelo grupo afro cubano
Iraquere, as reelaborações de melodias inglesas e hindus efetuadas
pelos Beatles, Peter Gabriel e outros músicos. Os artistas que
exacerbam esses cruzamentos e os convertem em eixos conceituais de
seus trabalhos não o fazem em condições, nem com objetos
semelhantes.
Como se vê, a hibridização funde estruturas ou práticas para gerar novas
estruturas, novas práticas. Canclini (2003) afirma, ainda, que essa hibridização
surge da coletividade individual e coletiva e que isso ocorre não só nas artes,
mas, também, na vida cotidiana e no desenvolvimento tecnológico. É essa
hibridização, como processo de interseção e de transação, que torna possível que
a multiculturalidade36 evite a segregação e se converta em interculturalidade37.
Diante desses fatos é impossível dizer que a Arte não sofreu os impactos
dessas transformações, uma vez que “o antropólogo leva à cena a cultura popular
para o museu ou para a academia, os sociólogos e os políticos para os partidos,
os comunicólogos para a mídia” (CANCLINI, 2003, p. 23). Tais transformações,
com certeza, provocaram – e continuam provocando – mudanças, também, na
Hibridizações: processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas que existem
de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas (CANCLINI,
2003, p. XIX).
36
Multiculturalidade: pressupõe a coexistência e mútuo entendimento de diferentes culturas numa
mesma sociedade (BARBOSA, 2002, p. 19).
37
Interculturalidade: significa a interação entre as diferentes culturas ( BARBOSA, 2002, p. 19).
35
64
forma de ensinar e aprender Arte. Canclini (2003) sugere que, a respeito da Arte,
é preciso “encontrar outras vias de inserção da cultura especializada na práxis
cotidiana para que esta Arte não se empobreça na repetição das tradições”.
Tanto Canclini (2003) quanto Hernández (2002) consideram que a cultura
visual, especialmente nas artes plásticas, produz a perda da autonomia simbólica
das elites, o que provoca uma distância da Arte mantida pelas belas-artes.
Destaco, ainda, que tanto a cultura visual de Hernández quanto a cultura híbrida
de Canclini, enfatizam as experiências diárias do visual e movem, assim, a
atuação das belas-artes – ou cultura de elite – para a visualização do cotidiano.
Além disso, ao negar limites entre arte de elite e formas populares de arte, a
cultura visual faz de seu objeto de interesse os artefatos, tecnologias e
instituições de representação visual, conceituada como lugar de produção e de
circulação de sentidos, constitutivo de eventos sociais e históricos, não
simplesmente uma reflexão deles (HALL, 1997).
Portanto, é preciso destacar que as noções de cultura visual e de cultura
híbrida apontam para mudanças na compreensão de uma Arte expandida,
refletida no ensino por meio de recente proliferação e penetração das imagens
visuais e artefatos e de sua importância na vida social.
• Leitura de imagens no ensino das Artes Visuais
Com relação à leitura de imagens pode-se dizer que o uso dessa
expressão na área da comunicação e das artes, teve como marco inicial o final da
década de 70, é uma tendência que foi influenciada pela Teoria da Gestalt38 ou
psicologia da forma. Nessa teoria a imagem é constituída a partir de percepção,
uma vez que toda a experiência estética, tanto na produção como na recepção,
pressupõe um processo perceptivo, que entende a percepção como uma
experiência que transforma a informação recebida. Essa proposta de tendência
Gestalt: palavra alemã de significado amplo, podendo ser traduzida basicamente por forma,
figura ou configuração. A psicologia da gestalt diz que as partes são determinadas pelo todo e que
toda a experiência, incluindo a experiência estética, é relacionada a certas estruturas básicas que
não podem ser subdivididas (CUNHA, 2005, p. 249).
38
65
formalista fundamenta-se numa racionalidade perceptiva e comunicativa que
justifica o uso da imagem para facilitar a comunicação e, de acordo com a teoria
gestáltica, não se pode ter conhecimento do "todo" por meio de suas partes, pois
o todo é maior que a soma de suas partes, sendo a forma a que sobressai. Daí
ser essa uma tendência formalista.
Analisar uma imagem na tendência formalista implica em entender que ela
incorpora diversos códigos e para ler essa imagem precisamos conhecer e
compreender seus códigos. Assim, uma leitura formalista envolve a identificação
das estruturas que configuram essa imagem, que segundo Arnhein (1989) podem
ser enumeradas como as seguintes categorias visuais: equilíbrio, figura, forma,
desenvolvimento, luz, espaço, cor, movimento, dinâmica e expressão. Isto
significa que ao ler uma imagem precisamos identificar essas categorias visuais e
descobrir a configuração dessa imagem, que por si mesma possui qualidades
expressivas. Barbosa (2005, p. 17) ressalta que Arnhein foi acusado de formalista
no início dos anos 80, no entanto vem sendo recuperado pelos cognitivistas, pois
sua gramática visual não se envolvia apenas na forma, mas “derivava de uma
negociação contextual mental e se dirigia ao contexto perceptual”.
Esse modelo de leitura de imagens foi difundido, aqui no Brasil, por
Ostrower (1983, 1987, 1990), através de cursos e encontros com professores.
Suas idéias enfatizavam as relações entre aspectos formais e expressivos da
imagem.
Outra influência na leitura de imagens foi a também tendência formalista de
Dondis (1991), que introduz o conceito de alfabetismo visual, através de um
sistema de elementos básicos – sintaxe visual – como ponto, linha, forma, cor, luz
na composição da imagem. Apoiando-se nesse sistema, proposto pela autora
para uma alfabetização visual, alguns professores começaram a aplicar esse
esquema da sintaxe visual de leitura de imagens.
É possível, também, ler uma imagem a partir de uma abordagem estética,
como propõe Parsons (1992). O autor afirma que um grupo de idéias, de aspectos
estéticos (tema, expressão, aspectos formais, juízo) prevalece na imagem e que o
entendimento dessa imagem do ponto de vista estético é complexo, pois depende
da familiaridade com as imagens das obras de arte e isso, por sua vez, depende
das experiências artísticas de cada pessoa. Em sua obra Compreender a arte, ele
66
tem por objetivo discutir o modo como as pessoas entendem a pintura, pois
sempre teve curiosidade em saber como essas pessoas entendem o quadro; o
que procuram nele e o que sentem ao vê-lo. Para o autor deve-se atentar para o
fato de que a leitura de uma obra varia de pessoa para pessoa, dependendo das
oportunidades às quais elas têm acesso e considerando autonomia do sujeito.
Destaca-se, com base nos estudos de Parsons, o trabalho realizado por
Rossi (2003), que defende que uma atividade de leitura de imagens deve levar
em conta o desenvolvimento psicológico e a familiaridade da pessoa com as
imagens a serem lidas. A autora não utiliza apenas imagens do mundo da Arte
como Parsons, mas também imagens da publicidade, e critica o enfoque
formalista na leitura de imagens que, em sua opinião, vem sendo priorizado por
professores no ensino da Arte no Brasil. Fato que reduz a leitura a um roteiro de
perguntas que não respeita a construção dos leitores.
A partir dos anos 90, Barbosa sistematiza uma concepção de construção
de conhecimento em Arte denominada Proposta Triangular do Ensino da Arte,
Nessa proposta, a construção do conhecimento dá-se quando há a interseção da
experiência com a codificação e com a informação. O ensino da Arte passa,
então, a ter como base três opções: ler a obra de Arte, fazer Arte e contextualizar.
A leitura de imagem – obra de Arte – nessa proposta envolve o
questionamento, a busca, a descoberta e o despertar da capacidade crítica dos
alunos. Barbosa (1998) enfatiza que as interpretações oriundas desse processo
de leitura devem relacionar sujeito/obra/contexto e que o objeto de interpretação é
a obra e não o artista, não justificando processos advinhatórios na tentativa de
descobrir as intenções do artista.
No entanto, Pillar (1999) alerta que, em nome da Proposta Triangular,
muitos professores enfatizam o “fazer arte” e trabalham o conceito de releitura
através da cópia de obras. Nessa proposta, “a leitura tem sido considerada algo
mais teórico, ao passo que a releitura é relacionada com um fazer. Leitura e
releitura são, no entanto criações” (PILLAR, 1999, p. 4)39. Para a autora, a leitura
da imagem significa a compreensão e a interpretação de todos os elementos
visuais (linhas, formas, cores, texturas, volumes, etc.) e na releitura de uma
39
“Leitura e Releitura” – Boletim Arte na Escola, Fundação Iochepe, Porto Alegre, dezembro de
1996, p. 3-4.
67
imagem há transformação, interpretação e criação de novos significados.
Destaca, ainda, que a cópia é uma atividade técnica, sem transformação, sem
interpretação, sem criação, é pura e simples reprodução, ao passo que a releitura
é criação.
Os PCN’s (BRASIL, 1997) recomendam articular o ensino da Arte em três
eixos: a produção, a fruição e a reflexão40. Esses eixos mantêm seu espaço
próprio, mas devem estar relacionados na prática, e seus conteúdos podem ser
trabalhados em qualquer ordem, segundo decisão do professor, conforme o
desenho curricular. O fazer artístico, a apreciação estética e a contextualização
histórica da Arte constituem o alicerce para a construção de uma educação
artística ideal, formadora da sensibilidade e do senso estético. Essa orientação
tem servido de base para o trabalho com leitura de imagens.
Outra abordagem é a da leitura crítica das imagens de Kellner (1995), que
influenciou o trabalho de educadores que se reportam a uma pedagogia da
imagem. A pedagogia da imagem situa-se no marco teórico dos Estudos
Culturais, e considera que a educação não se restringe às formas legais
organizadas quase sempre na instituição escolar. Em qualquer sociedade há
inúmeros
mecanismos
educativos
presentes
em
diferentes
instâncias
socioculturais. Grande parte desses mecanismos tem como função primeira
educar os sujeitos para que vivam de acordo com regras estabelecidas
socialmente. Por estarem inseridos na área cultural, esses mecanismos revestemse de características como prazer e diversão, mas, ao mesmo tempo, educam e
produzem conhecimento.
Assim, Kellner (1995), em sua pedagogia crítica da imagem, argumenta
que ler criticamente uma imagem implica em aprender a apreciar, decodificar e
interpretar as imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas
quanto o conteúdo que comunicam.
O autor propõe, ainda, o desenvolvimento de um alfabetismo crítico em
A produção refere-se ao fazer artístico e ao conjunto de questões a ele relacionadas, no âmbito
do fazer do aluno e dos produtores sociais de Arte. A fruição refere-se à apreciação significativa
de Arte e do universo a ela relacionado. Tal ação contempla a fruição da produção dos alunos e
da produção histórico-social em sua diversidade. A reflexão refere-se à construção de
conhecimento sobre o trabalho artístico pessoal, dos colegas e sobre a Arte como produto da
história e da multiplicidade das culturas humanas, com ênfase na formação cultivada do cidadão
(BRASIL, 1997, p. 41).
40
68
relação à mídia e de competências na leitura crítica de imagens. Kellner (1995,
p.107) diz que os exemplos da mídia
colocam, de forma provocativa, a necessidade de ampliar o
alfabetismo e as competências cognitivas para que possamos
sobreviver ao assalto das imagens, mensagens e espetáculos da
mídia que inundam nossa cultura.
Há certa oposição à abordagem formalista porque essa reduz a imagem a
um conjunto de elementos visuais. O autor afirma que nossas experiências e
nossas identidades são socialmente construídas e sobredeterminadas por uma
gama variada de imagens, discursos e códigos. Para Kellner (1995), a publicidade
é um texto social multidimensional, com uma riqueza de sentidos que exige um
sofisticado processo de interpretação e um importante indicador de tendências
sociais, modas e valores. Daí sua proposta de uma pedagogia crítica da imagem,
pois ele concorda com Giroux (1995) que diz que a pedagogia deve redefinir sua
relação com a cultura e servir como veículo para sua interpretação.
Ao defender uma pedagogia crítica capaz de analisar imagens como textos
culturais, Kellner (1995, p. 112) destaca que essa análise é ”uma riqueza de
sentidos que exige um processo sofisticado de decodificação e interpretação”.
Rossi (2003, p. 9) complementa dizendo que “a leitura dessas imagens é um meio
para a conscientização de que somos os destinatários de mensagens e que não
se deve impor valores, idéias e comportamento que não escolhemos”.
Assim como a imagem molda pensamentos e comportamentos ela pode
educar. É nesse sentido que a produção de imagens é considerada como um
desses mecanismos educativos presentes nas instâncias socioculturais. As
imagens não cumprem apenas a função de informar ou ilustrar, mas também de
educar e produzir conhecimento. Pillar (2002, p. 75) destaca os diferentes
processos de leitura de imagens, porque eles elucidam
Os aspectos que primeiro chamam atenção ao olhar da criança e
como se chega a uma compreensão contextualizada das obras. Tais
investigações discutem a importância de educar o olhar para a leitura
de imagens.
69
Cabe, aqui, destacar que os PCN’s definem o objeto artístico, no caso as
imagens, como produção cultural, documento do imaginário humano, de sua
historicidade e de sua diversidade (BRASIL, 1997, p. 45).
Meu propósito, até então, foi ressaltar a importância das contribuições da
cultura visual e da leitura de imagens para um ensino da Arte voltado para as
questões atuais. Quero destacar que a cultura visual não se ocupa somente da
imagem, ela centra-se no visual como lugar onde se criam e se discutem
significados. Assim, distancia-se das obras de Arte, dos museus para focalizar
sua atenção na experiência cotidiana. Do mesmo modo que os estudos culturais
tratam de compreender de que maneira os sujeitos buscam dar sentido ao
consumo na cultura de massas, a cultura visual dá prioridade à experiência
cotidiana do visual, interessa-se pelos acontecimentos visuais nos quais o
consumidor busca informação, significado e/ou prazer conectados com a
tecnologia visual. A cultura visual, nessa concepção, contém uma proposta bem
mais ampla que a de leitura de imagens baseada apenas no formalismo. Digo que
a leitura de imagens pode ir muito mais além, pois ela também mostra a
diversidade de significados e o quanto o contexto, as informações, as vivências
de cada leitor estão presentes ao procurar dar sentido para uma imagem.
Professor de Artes Visuais: desafios na atuação
A procura de caminhos para o ensino da Arte através das discussões
nacionais e locais sobre a LDB, os PCN’s, as Diretrizes Nacionais para a área de
Arte, a partir de 1996, resulta em mudanças significativas na concepção desse
ensino, o que, por sua vez, implica em mudanças na forma de atuação do
professor e na conjugação entre a teoria e a prática na área de Artes Visuais.
Essa área inclui, além das formas tradicionais das artes plásticas (pintura,
escultura, gravura, arquitetura), objetos, cerâmica, cestaria, entalhe e outras
modalidades que resultam dos avanços tecnológicos e das transformações
estáticas do século XX, como, por exemplo, fotografia, moda, artes gráficas,
cinema, televisão, vídeo, computação, performance, publicidade.
Desta forma, diante de um ensino da Arte que amplia o campo de análise
visual circunscrita à Arte para outros universos visuais, está o professor. Um
70
professor que tem que saber desde os conceitos fundamentais da Arte até as
especificidades da linguagem que ele trabalha. Martins (2002, p. 52) especifica, a
seguir, os conhecimentos que o professor necessita dominar:
Temos que saber como ele se produz- seus elementos, seus códigos –
e também como foi e é sua presença na cultura humana, o que implica
uma visão multicultural, a valorização da diversidade cultural. É preciso
ainda conhecer seu modo específico de percepção, como se estabelece
o contato mais sensível, como são construídos os sentidos a partir das
leituras, como aprimorar o olhar, o ouvido, o corpo.
Completa-se o pensamento da autora ao destacar que é preciso, ainda,
saber como mobilizar esses conhecimentos não só por parte dos professores,
mas também pelos alunos, pela mídia, pelas outras pessoas e pelo entorno
cultural.
Então, eu pergunto: está esse professor preparado para enfrentar tais
desafios? Minha intenção ao falar dos desafios do professor de artes visuais
frente às significativas transformações ocorridas no campo da Arte e do seu
ensino não é apresentar idéias de como esse professor deve – ou não deve –
trabalhar as artes visuais em sala de aula. Pretendo, sim, pensar que a
implementação dessas mudanças envolve outros fatores que vão além de
sugestões de receitas metodológicas. Acredito ser esse um processo que passa
pela formação, em conexão direta com as situações de trabalho, mas também, e
principalmente, pela trajetória pessoal e profissional desse professor.
Com relação à formação, considero importante salientar que algumas
instituições formadoras de professores foram criadas a partir de 1971 e nelas
trabalhada, na maioria das vezes, a concepção de Arte como “laissez-faire”, um
deixar fazer “qualquer coisa”, partindo de uma sensibilização, ou trabalhos com
sucatas e/ou lixo-seco e grotescas reproduções a partir da cópia, nada tendo a
ver com a criação.
A falta de preparação do professor para entender a Arte antes de ensiná-la,
para Barbosa (2002, p. 15) é um problema crucial, preparar esse professor é
fundamental. Frange (2002, p. 45) complementa dizendo que o ensino da Arte é
amplamente afetado pelo modo como professor e alunos vêem o papel da Arte
fora da escola. É preciso que esse professor tenha o entendimento de que a Arte
71
é, também, produzida por outras formas introduzidas pelas tecnologias e pela
comunicação de massa.
No entanto, há entre alguns professores uma tendência em acreditar que a
livre expressão abrange todo o universo da Arte, principalmente para crianças
pequenas. Soucy (2005. p. 41) afirma que muitos professores parecem mesmo
acreditar que eles devem deixar as crianças se expressarem e, desta forma, seu
compromisso de ensino está realizado. Porém o que eles esquecem é que, como
diz o autor, “toda a expressão tem conteúdo, quem expressa deve expressar
alguma coisa”.
Cabe, aqui, destacar uma pesquisa realizada em 2002 por Barbosa (2005,
p. 99) sobre o que pensam os professores (a autora utiliza a expressão arteeducadores para designar esses docentes) a respeito do ensino da Arte. Dos 217
professores interlocutores, 82% deles responderam que seu objetivo era o
desenvolvimento da sensibilidade do aluno. Isto aponta para a percepção de Arte
dos anos 60 e 70, onde a criatividade era evocada unanimemente como o
“sagrado objetivo da arte na educação”, E ainda, destaca a autora, que tais
professores quando perguntados sobre o que era “sensibilidade” responderam
com freqüência que era “ser capaz de se emocionar”, “ser romântico”, “sofrer com
o sofrimento dos outros”. Como se vê, a tendência de pensar a Arte como
expressão pessoal de sentimentos ainda permanece viva. Barbosa (2005, p. 99)
diz que dentre os 217 professores apenas um deles falou de sensibilidade como
desenvolvimento dos sentidos, o que para a autora é “a única concepção que
interessa ao ensino da arte”. Essa definição de sensibilidade, como conjunto de
funções orgânicas que buscam a inteligibilidade, o prazer, a sensualidade, é que
responde às condições da pós-modernidade.
Barbosa (2002, p. 15) adverte que é preciso lembrar que as Artes Visuais
ainda estão sendo ensinadas como desenho geométrico, seguindo a
tradição positivista, ou continuam a ser utilizadas, principalmente, nas
datas comemorativas, na produção de presentes muitas vezes
estereotipados para o dia das mães ou dos pais. A chamada livre
expressão praticada por um professor expressionista ainda é uma
alternativa melhor que as anteriores, mas sabemos que o
espontaneísmo apenas não basta, pois o mundo de hoje e a Arte de
hoje exigem um leitor informado e um produtor consciente.
72
Para a autora, é a partir de uma compreensão do que sejam as Artes
Visuais que acontecerá um ensino que permita um conhecimento em Arte, que
aguce a percepção e capacite uma leitura de mundo com olhares revigorantes e
revigorados.
Entendo como significativo compreender que a docência em Artes Visuais
passa por contextos históricos e conceituais nos quais se insere o ensino dessa
área de conhecimento, sofrendo, obviamente, transformações ao longo dos
tempos, já que a Arte em si mesma é uma realidade cambiante. A ação do
professor em sala de aula está impregnada de conhecimentos, isto é, dos
saberes, do saber-fazer Arte, das competências e das habilidades construídas ao
longo da sua trajetória acadêmica, docente, e pessoal em diferentes tempos e
espaços. Sobre a estrutura espacial e temporal da vida cotidiana, Cunha (1994 p.
36-37) nos diz que na primeira a vida do individuo está ligada com outros numa
dimensão social e que “o existir na vida cotidiana é estar continuamente em
interação e comunicação com os outros”. A segunda, a temporalidade, “é uma
propriedade intrínseca da consciência", “um tempo que existiu antes da pessoa e
continuará a existir depois”. Assim, o indivíduo, por um lado, “é determinante e
determinado pela conjuntura social e cultural onde se desenvolve” e, por outro
lado, “é dentro da estrutura temporal que a vida cotidiana conserva seu sinal de
realidade”. Portanto, os projetos do indivíduo estão por sua vez condicionados a
um tempo.
Considerando que foi num determinado tempo e espaço de formação
pessoal e profissional que o professor construiu suas concepções de Arte e que o
atual ensino da mesma exige olhares revigorantes e revigorados, faz-se
necessário pensar que algumas concepções de Arte e de ensino de Arte não se
sustentam mais.
Concordo plenamente com Barbosa e digo mais: o ensino para o professor
de Artes Visuais não é apenas uma questão, mas muitas questões; não um
problema, mas inúmeros desafios.
Meu desafio seguinte foi buscar olhares de alguns teóricos para
compreender questões relativas à escola, ao trabalho docente, aos saberes
docentes e aos ciclos de vida e fases da carreira por que passam os professores.
OLHARES TEÓRICOS SOB PERCEPÇÃO
Só começo o trabalho, depois de muitos olhares,
se me convenço de que vale a pena gastar
mais um cupom da minha ração de
entulhação do mundo.
Marcel Duchamp
Ao apresentar minha Imagem Viajante nº 5, de Duchamp41, uma escultura
em mármore e bronze intitulada Marcel Duchamp-Modelo Vivo, falo da lembrança
que tenho de uma comparação entre Picasso e Duchamp, em que Picasso tornou
visível o mundo do século XX e Duchamp nos mostrou que todas as artes, sem
excluir a dos olhos, nascem e terminam numa zona invisível. Isto quer dizer que o
Marcel Duchamp (1887-1968), pintor e escultor francês, considerado um artista representante do
Dadaísmo, que introduziu a idéia de ready-made como objeto de arte. Ready-made: (“já feito”)
termo criado por Duchamp para designar objetos do cotidiano retirados de seu contexto normal e
considerados como objetos de arte. Dadaísmo: nome atribuído ao primeiro movimento anti-arte,
conhecido, também, pelo nome de como Dada (cavalinho de pau ou cavalo de carrossel). Nesse
movimento os artistas usavam textos sem sentido, performances, como protesto, contra as
arrogantes pretensões do mundo ocidental (CUNHA, 2005, p. 239).
41
74
primeiro transformou tudo em arte, enquanto o segundo, sem transformar nada,
fez com que tudo pudesse ser arte. Esse “tudo” eram objetos do cotidiano
retirados de seu contexto natural e, sob os olhares do artista, tornados arte. É,
exatamente, essa forma de olhar as coisas do mundo e representá-las que me
fascina. Foram os “olhares” de Duchamp os inspiradores da escrita desta seção e,
mais precisamente, a imagem do artista, uma auto-representação, diante de um
tabuleiro de xadrez. É esse olhar atento, focado, delimitado, que me levou a
dialogar com meus “escolhidos” teóricos. Esses olhares teóricos que dão o meu
rumo e o rumo para a construção da base teórica do trabalho.
A intenção deste capítulo é, primeiramente, pensar a escola como um lugar
de cultura, como espaço de produção de vozes e como o cenário onde acontece
o trabalho docente. Em seguida, resgatar a trajetória do processo histórico da
constituição da docência como profissão para compreender os problemas atuais
da profissão docente. Digo isso com base em Nóvoa (1995a, p. 24), que
considera a análise desse processo a possibilidade de olhar a situação com que
os professores se confrontam e, ainda, que toda a mudança que se faz
necessária exige uma “ruptura com os próprios alicerces fundacionais da
profissão docente”. Ao fazer essa afirmativa, Nóvoa (1995a) propõe um desafio
para pensar mudanças na escola, na formação e na ação dos professores ou, até
mesmo, recriar a profissão docente. Olhares de outros autores, também,
contribuem para o entendimento de questões relativas à proletarização e à
intensificação do trabalho docente, pois a discussão em torno desses temas pode,
também, ajudar na compreensão dos problemas atuais desse trabalho. Outro
aspecto que merece minha atenção diz respeito aos saberes docentes:
conhecimentos, competências e habilidades que servem de base para a prática
docente, ou seja, entender o repertório de conhecimentos que corresponde aos
saberes próprios do professor. Por fim, como a intenção centrou-se no estudo da
problemática da profissão docente em Arte Visuais, considerando aspectos
pessoais e profissionais levando em conta as variáveis históricas, institucionais e
pedagógicas que configuram o itinerário de cada professor, apresento os ciclos de
vida profissional, centrados nas fases da carreira docente, o que possibilitou a
compreensão da pessoa do professor e, como conseqüência, de sua atuação
docente.
75
Escola em questão
A palavra escola produz imagens e lembranças. O poeta, mais do que
ninguém, é capaz de escrever de forma clara, com poucas palavras, o que ela
representa. E nós, se pensarmos rapidamente, podemos dizer que é nesse
espaço que aprendemos os saberes do mundo. Ora, a escola é legitimada na
sociedade como a principal instituição responsável pela transmissão de saberes
acumulados e não se pode negar que a escola é um referencial central na vida
das pessoas. Mas, será a escola apenas isso?
Cora Coralina42 relembra com carinho sua passagem pela escola na poesia
“A escola da Mestra Silvina”. Primeiramente, ela apresenta a rotina da escola e
descreve sua mestra, através dos seguintes versos:
Minha escola primária.
Escola antiga de antiga mestra.
Repartida em dois períodos
Para a mesma meninada,
Das 8 às 11, da 1 às 4.
Nem recreio, nem exames.
Nem notas, nem férias.
Sem cânticos, sem merenda...
Digo mal – sempre havia
Distribuídos
Alguns bolos de palmatória...
A granel?
Não, que a Mestra
Era boa, velha, cansada, aposentada.
Tinha ensinado a uma geração
Antes da minha.
A gente chegava ”- Bença Mestra”.
Sentava em bancos compridos,
Escorridos, sem encosto.
Lia alto lições de rotina:
O velho abecedário,
Lição salteada.
Aprendia a soletrar.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto (1889/1985), seu nome de batismo, nasceu no estado de
Goiás (Goiás Velho) e cursou apenas as primeiras letras com mestra Silvina. Já aos 14 anos
escreveu seus primeiros contos e poemas; Tragédia na Roça foi seu primeiro conto publicado.
Seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias mais, publicado em 1965, levou Cora,
aos 75 anos, finalmente a ser reconhecida como a grande porta-voz de uma realidade interiorana
já afetada pelo avanço da modernidade. A poesia A Escola da Mestra Silvina consta desse
primeiro livro às páginas 75-78.
42
76
Esses versos de Cora Coralina mostram, nesse momento, aquilo sobre o
que a poetisa quis chamar a atenção. Em um determinado momento histórico, a
escola, a forma de aprender, a disciplina, a professora boa ou cansada, os alunos
e as alunas trabalhando sérios em suas lições de rotina. E mais ainda: na imagem
da escola de Cora Coralina aparecem também os tantos sentidos daqueles que,
com sua história, suas emoções e suas memórias, as vêem ao ler o texto escrito.
Cora Coralina descreve, posteriormente, sua escola fisicamente; de forma
minuciosa ela conta que:
A casa da escola ainda é a mesma.
- Quanta saudade quando passo ali!
Rua Direita, n 13.
Porta da rua pesada,
Escorada com a mesma pedra
Da nossa infância.
Porta do meio, sempre fechada.
Corredor de Lages
E um cheirinho de rabugem
Dos cachorros de Samélia.
À direita – sala de aulas.
Janelas de rótulas.
Mesorra escura,
Toda manchada de tinta
Das escritas.
Altos na parede dois retratos:
Deodoro, Floriano.
Num prego de forja, saliente na parede,
Estirava-se a palmatória.
Porta de dentro abrindo
Numa alcova escura.
Um velhíssimo armário.
Canastras tacheadas.
Um pote d’água.
Um prato de ferro.
Uma velha caneca, coletiva,
Enferrujada.
Minha escola da Mestra Silvina.
Silvina Ermelinda Xavier de Brito.
Era todo o nome dela.
Em sua representação43 da escola, embora de forma muito pessoal,
através de detalhes a poetisa nos fornece pistas sobre aquilo que ela quis dizer
43
A concepção de representação adotada é a de Hall (1997, p. 16), que diz o seguinte: “To
represent something is to describe or depict it, to call up in the mind by description or portrayal or
imagination”.
77
de sua escola. Nessas pistas encontro as possibilidades de compreender o
contexto em que viveu a poetisa e, principalmente, como se deu a sua
experiência naquela escola tão significativa, que ela nunca esqueceu, e que a
levou a escolher esse tema e mostrá-lo em poesia. Busco nessas pistas, pensar a
escola, pensar se a escola da Mestra Silvina era melhor que a escola de hoje e
como é a escola de hoje. É, então, a partir dessas questões que me proponho a
refletir e apresentar olhares teóricos sobre a escola e, ainda, como a cultura
escolar é construída e como essa cultura é refletida na prática cotidiana dos
professores, cultura essa que dá “vozes” a esses professores.
• A escola como lugar de cultura
O prédio descrito por Cora Coralina ganha vida quando ela comenta as
atividades ali desenvolvidas. Assim, uma edificação só se transforma em escola à
medida que seus ocupantes experimentam e interpretam esse espaço e dele se
apropriam, atribuindo-lhe significado e valores. Assim, a produção do espaço
escolar acontece através de uma linguagem decodificada a partir dos sentidos,
capaz de constituir um discurso que fala sobre e com seus ocupantes. Portanto, a
escola além de transmitir saberes, transmite símbolos e valores.
Isso significa que “a vida interna da escola (...) reelabora, segundo a sua
dinâmica interna, normas, valores, práticas comunitárias, dando-lhes uma
coloração nova, mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedade”
(CANDIDO, 1964, p. 128). Pode-se, então, concordar com Silva (2006, p. 2)
quando ela afirma que “parece não haver inconvenientes em considerar a escola
como uma instituição com uma cultura própria”. Para a autora, os elementos que
desenham essa cultura são oriundos
Dos atores (famílias, professores, gestores e alunos); dos discursos e
linguagens (modos de conversação e comunicação, das instituições
(organização escolar e sistema educativo) e das práticas (pautas de
comportamento) que chegam a se consolidar durante um tempo.
Define-se, assim, a escola como organização que tem em sua estrutura um
corpo de princípios e valores dados pelo sistema educacional, por meio de leis,
decretos e papéis formalmente estabelecidos, e outro corpo de princípios e
78
valores construídos e reelaborados no seu interior, pelos participantes do
processo educacional. Esse corpo de princípios e valores é constituído na cultura
da organização escolar e direciona grande parte das interações presentes nessa
cultura. Os conceitos adotados no interior da escola definem uma cultura de
interação entre os seus participantes e são peculiares a cada organização.
Entendo que a escola é uma instituição social e tem uma função social
básica, que vai muito além de prestar serviços educativos, e não deve ser
entendida apenas como uma organização social burocrática. A organização, a
estrutura e as decisões no cotidiano escolar são peculiares, pois as escolas são
instituições diferentes das organizações sociais, conforme afirma Nóvoa (1998, p.
16):
As escolas são instituições de um tipo muito particular, que não podem
ser pensadas como qualquer fábrica ou oficina: a educação não tolera a
simplificação do humano (...) que a cultura da racionalidade empresarial
sempre transporta.
A escola tem características próprias, uma cultura que perpassa todas as
ações do seu cotidiano, seja na determinação de suas formas de organização e
de gestão, seja na constituição dos sistemas curriculares. É, também, significativa
para o entendimento dessa cultura a presença dos professores e suas práticas,
incluindo a formação, a seleção e o desenvolvimento da carreira acadêmica dos
mesmos. Assim, os discursos, as formas de comunicação e as linguagens
presentes no cotidiano da escola constituem aspectos fundamentais de sua
cultura.
Cabe, aqui, fazer uma referência a algumas concepções do termo cultura,
conforme literatura sobre o tema.
Na visão antropológica de Lévi-Strauss (1976), todas as culturas
constituem-se em linguagem e códigos. A cultura tem a função de prover os
grupos ou nações de um referencial que permite à humanidade dar sentido ao
mundo e às suas ações. Para chegar ao conceito de cultura, o autor parte da
observação direta de indivíduos se comportando frente a outros indivíduos e em
relação à natureza. Isso significa que as pessoas falam umas com as outras,
movimentam-se de determinadas maneiras, ocupam determinados espaços,
participam de grupos trocando idéias e participando de conflitos, ou seja,
79
desenvolvendo inúmeras atividades de subsistência. E mais, é possível detectar
certas regularidades nos comportamentos e nas atividades dos indivíduos e essas
variam de um grupo social para outro, pois pertencer a um grupo social implica,
basicamente, em compartilhar um modo específico de comportar-se em relação
aos outros homens e à natureza.
Arantes (1988, p.3 4) complementa a idéia anterior dizendo que, em se
tratando de vida social, a cultura (significação) está em toda a parte e, ainda, que:
Todas as nossas ações, seja na esfera do trabalho, das relações
conjugais, da produção econômica ou artística, do sexo, da religião, das
formas de dominação e de solidariedade, tudo nas sociedades humanas
é constituído segundo os códigos e as convenções simbólicas a que
denominamos de ‘cultura’.
Já o conceito de cultura, na perspectiva dos Estudos Culturais, é entendido
Tanto como uma forma de vida – compreendendo idéias, atitudes,
linguagens, práticas, instituições e estruturas de poder – quanto toda
uma gama de práticas culturais: formas, textos, cânones, arquitetura,
mercadorias produzidas em massa, e assim por diante (NELSON,
TREICHLER, GROSZBERG, 1995, p. 14).
Villa Boas (2003, p. 15) resume essa mesma visão de cultura da seguinte
maneira: “um sistema de signos produzidos a partir das relações sociais”. E como
diz Willis (1977, p. 185), cultura é “o próprio material de nossas vidas diárias, as
pedras fundadoras de nossas compreensões mais corriqueiras”.
Nesse sentido, o entendimento do conceito de cultura é bastante
abrangente, e percebo, claramente, que as concepções apresentadas têm como
ponto comum a construção da cultura a partir de uma rede complexa de relações
dentro da sociedade. Para, assim, compreender determinada cultura, será
necessário reconstituir o modo como os grupos se representam nas relações
sociais que os definem como determinados grupos, em suas estruturas internas e
nas relações com os outros grupos, a partir dos critérios de organização, de um
conjunto de regras que articula pontos de vista desses grupos.
Entendo que a cultura não atribui papéis e determina comportamentos dos
quais os indivíduos não possam escapar, antes, eles estão constantemente
reinterpretando os significados, códigos e linguagens nas suas ações mais
80
ordinárias. Sendo um conteúdo, um conjunto de elementos que variam de um
grupo social para outro e distingue uma organização da outra, a cultura pode ser
localizada, descrita, escrita e falada.
Para pensar-se a organização da escola, o conceito de cultura foi
transportado para a área de educação na década de 70. A principal contribuição
trazida por esse referencial de análise foi a possibilidade de uma análise das
organizações escolares que vai além da racionalidade técnica e da racionalidade
organizacional, constituindo-se em uma racionalidade político-cultural (NÓVOA,
1995).
Para compreender e elucidar questões relativas à organização da escola e
aos processos de construção de uma cultura própria será necessário considerar,
conforme Nóvoa (1992) o contexto da "dualidade da estrutura" e posicionarmonos teoricamente quanto ao estatuto e relevância das categorias "dentro" e "fora"
na compreensão da cultura organizacional. Ou então, nas palavras de Nóvoa
(1992, p. 32):
A totalidade dos elementos da cultura organizacional tem de ser lida ad
intra e ad extra às organizações escolares, isto é, estes elementos têm
de ser equacionados na sua 'interioridade', mas também nas interrelações com a comunidade envolvente. De facto, se a cultura
organizacional desempenha um importante papel de integração, é
também um factor de diferenciação externa. As modalidades de
interacção com o meio social envolvente constituem, sem dúvida, um
dos aspectos centrais na análise da cultura organizacional das escolas.
Isso significa que a cultura tem uma estrutura conceitual construída a partir
da visão da realidade de cada um dos membros do grupo, isto é, uma construção
das visões compartilhadas por eles. Essa concepção busca traçar uma identidade
entre os símbolos, valores e princípios compartilhados pelos diferentes membros
do grupo. Desse modo, as organizações escolares, por um processo constante de
interação entre seus membros, estariam criando uma cultura orientadora das
ações desses membros, sem, no entanto, constituir-se em um quadro estático. As
diferentes visões da organização, os diferentes valores e crenças dos atores
produzem uma dinâmica que se expressa na experiência concreta e nas
realizações que se processam no interior da escola. Por outro lado, o
entendimento dessa cultura da escola como um processo dinâmico e negociado
entre os diferentes atores do processo pedagógico, permite uma compreensão
81
mais aprofundada da contribuição de tais atores na construção dos valores,
crenças e princípios, assim como nas ações que se processam na realidade
cotidiana. Portanto, a cultura da escola não está dissociada da cultura produzida
no meio social.
No entanto, Forquin (1993, p. 168) faz uma diferenciação entre cultura da
escola e cultura escolar. Para o autor, a cultura da escola é descrita como “um
mundo humanamente construído, mundo das instituições e dos signos no qual,
desde a sua origem, se banha o indivíduo humano, e que constitui como sua
segunda matriz”. Já o entendimento de cultura escolar é apresentado por Forquin
(1993), como um conjunto de saberes que compõe a base de conhecimentos
sobre o qual trabalham os professores e alunos. Esse conjunto de saberes
envolve elementos da cultura humana, científico ou popular, erudito ou de massa.
Os elementos da cultura humana são responsáveis pela instituição e
determinantes nos processos pedagógicos, organizativos, de gestão e de tomada
de decisões no interior da escola, ao que Forquin (1993, p. 167) chama de
“mundo social” da escola, ou seja, o conjunto de “características de vida próprias,
seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de
regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de
símbolos”.
A concepção de cultura escolar de Forquin (1993) tem um caráter
sociológico uma vez que considera essa cultura como representativa do mundo
social fora da escola. Em Julia (2001, p. 10) encontro o entendimento da cultura
escolar, dentro de uma abordagem histórica, como sendo
Um conjunto de normas que definem conhecimentos de ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitam a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que
podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas
ou simplesmente de socialização).
A cultura escolar, como objeto histórico, procura analisar o significado
imposto aos processos de transmissão de saberes e a inculcação de valores
dentro da escola. Desse ponto de vista, a cultura escolar entende que a escola
tem uma história que não é muito diferente das outras instituições da sociedade.
Julia (2001, p. 14) enfatiza que essa cultura evidencia que a escola não é
82
somente um lugar de transmissão de conhecimentos, mas é, também e
principalmente, um lugar de “inculcação de comportamentos e habitus”.
Para Bourdieu e Passeron (1992) a escola é produção e reprodução das
condições institucionais para a reprodução cultural e social. Isto significa que a
escola
tem
desenvolvido
um
padrão
cultural,
repetindo
não
apenas
comportamentos, mas um mesmo raciocínio para a solução dos diferentes
problemas e para a convivência. Bourdieu (1983) considera que o sistema
escolar, como força formadora de habitus, é responsável pela transmissão de um
conjunto de esquemas fundamentais que permite abordagens diferenciadas no
tocante às práticas e representações sociais.
Bourdieu (1975) define habitus como uma estrutura internalizada pela qual
o indivíduo, através de valores e de formas de percepção dominantes, percebe o
mundo social. É através desse conceito que o autor resolve o problema da
intermediação entre estrutura social e aquilo que o indivíduo faz ou diz, sua
prática social. O habitus se refere tanto a um grupo ou a uma classe como ao
elemento individual, e isto porque o processo de interiorização implica sempre
internalização da objetividade, o que ocorre de modo subjetivo, mas que não
pertence exclusivamente ao domínio da individualidade, assegurando que os
indivíduos consomem como legítimo o que é considerado legítimo pela classe
dominante. O gosto, por exemplo, para Bourdieu (1996), não é visto como simples
objetividade, mas sim como “objetividade internalizada” por esquemas externos
que orientam e determinam a escolha estética.
Retornando a Bourdieu e Passeron (1992), destaco que os autores
consideram que a escola é também uma fonte de legitimação de valores que a
sociedade moderna como um todo consagra, visto que atua como uma
transmissora da cultura legitimada pela classe dominante. E, ainda, que a escola
tem o papel de transmitir a cultura dominante, porém não inculca valores e formas
de pensamento, limita-se sim a usar o código de transmissão dessa cultura,
reconhecendo como sendo “a cultura” e enfatizando seus elementos formadores
como, por exemplo, as preferências estéticas e comportamentos. Isto implica
dizer que toda a ação pedagógica da escola; suas práticas, formas de
transmissão e de avaliação estão, também, em sintonia com os elementos dessa
cultura.
83
Silva (1992), tomando por base as referências sobre a escola de Bourdieu
e Passeron, faz a seguinte colocação:
A contribuição da escola para a reprodução consiste na confirmação do
habitus dominante, isto é, da estrutura interiorizada e que só pode ser
resultado de uma imersão profunda e duradoura numa instituição (...) ou
seja, o que é produzido pela vivência num determinado contexto.
Isto significa, como diz Silva (1992), que a vivência num determinado
contexto está inscrita não só nas idéias e nas manifestações verbais, mas são
também reprodutivas, de modo bastante decisivo, nos atos, nas relações e nas
práticas, fora e dentro da escola.
Portanto, é inegável a contribuição desses estudos que demonstram o
caráter reprodutor na educação para a compreensão da cultura escolar; no
entanto é preciso associá-la também às suas características produtoras. Para
Williams (1992, p. 198):
Devemos, pois, estar sempre preparados para falar em produção e
reprodução e não apenas em reprodução. Mesmo tendo dado total valor
a tudo quanto se possa descrever como réplica, em atividades culturais e
sociais, e tendo reconhecido a reprodução sistemática de certas formas
profundas, ainda assim devemos insistir em que as ordens sociais e as
ordens culturais devem ser encaradas como se fazendo ativamente:
ativa e continuamente, ou podem muito rapidamente desmoronar.
O autor enfatiza que a escola é tanto um lugar de cultura, quanto um lugar
de formação e de reprodução de valores da sociedade, porém chama a atenção
para que o fato da “metáfora da ‘reprodução’, se forçada em demasia, pode
dissimular os processos essenciais de autonomia relativa e de mudança, mesmo
enquanto insiste de maneira conveniente em um caráter geral e intrínseco”.
(WILLIAMS, 1992, p. 184.).
Cabe, aqui, relembrar Candido (1971), quando diz que a escola tem uma
vida interna, com dinâmica própria, que lhe permite reelaborar normas, valores e
práticas comunitárias, mas nem por isso distante das práticas da sociedade.
Parece claro, então, que há uma especificidade na vida da escola que lhe confere
uma cultura própria, mas nem por isso oposta ou desvinculada da cultura da
sociedade que a produziu e que foi por ela produzida.
84
Ao analisar as concepções de cultura da escola e de cultura escolar
trabalhadas até agora, percebo que esses conceitos evidenciam praticamente a
mesma coisa, ou seja, a escola é uma instituição social, que pertence à
sociedade, que possui suas próprias formas de ação, que são construídas ao
longo de sua própria história, e que, como nos aponta Silva (2002, p. 4):
tomando por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as
determinações externas a ela e as suas tradições, as quais se refletem
na sua organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e
cotidianas, nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e
qualquer tempo, segmento, fracionado ou não.
Resumindo as diferentes concepções e sintetizando a diversidade de
elementos que compõem a cultura, vejo que a mesma é resultado de um
processo interativo, em que o universo dos símbolos e significados está,
constantemente, sendo reinterpretado e conectado com a realidade construída.
A compreensão da cultura da escola e da cultura escolar como um
processo dinâmico e negociado entre os diferentes participantes do processo
pedagógico permite uma compreensão mais aprofundada da contribuição de tais
pessoas na construção dos valores, crenças e princípios, assim como nas ações
que se processam na realidade cotidiana da escola.
Pérez-Gomez (2001), em seus estudos, procura entender como ocorre o
cruzamento de culturas na escola, considerando que existe uma mediação
cultural entre a comunidade escolar, incluindo sentimentos, significados e a
conduta das pessoas envolvidas. Para o autor existem várias culturas que
interagem no espaço escolar, quais sejam: (a) a cultura intelectual, que envolve o
conhecimento acumulado ao longo da história; (b) a cultura social, composta de
valores, normas, idéias, instituições, compartilhadas pelos indivíduos no âmbito
social, estando, aí, incluídos os meios de comunicação de massa; (c) a cultura
institucional, formada pelas tradições, costumes, ritos que a escola conserva e
reproduz, reforçando os valores vigentes na sociedade; (d) a cultura experiencial,
que se configura através do comportamento dos alunos, elaborados de forma
particular na vida familiar e social, paralela à escola e por fim, (e) a cultura
acadêmica, que abrange os conteúdos das disciplinas já definidos e selecionados,
85
pacotes didáticos oferecidos pelos livros didáticos e o próprio trabalho escolar
realizado e compartilhado por docentes e alunos.
O autor reforça que o conhecimento dessas culturas possibilita uma gama
de possibilidades de análise da escola, seja do ponto de vista histórico ou
sociológico.
A importância da cultura no mundo contemporâneo tem sido enfatizada por
autores de diferentes tendências e a compreensão da cultura da escola e da
cultura escolar passa antes pelo entendimento do que seja cultura. No âmbito do
pensamento pós-moderno, a cultura adquire cada vez mais um papel significativo
na vida social: hoje, tudo chega mesmo a ser visto como cultural (BAUDRILLARD,
1997). A cultura estaria, assim, além do social, descentralizando-se, livrando-se
de seus determinismos tradicionais na vida econômica, nas classes sociais, no
gênero, na etnicidade e na religião.
Canclini (2003) reforça essa concepção, como vimos no capítulo passado,
destacando que o século XX foi pródigo na multiplicação das culturas, de
hibridizações como ele chama, onde os processos socioculturais nos quais
estruturas ou práticas discretas que existem de forma separada, se combinam
para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Um processo que, como Canclini
(2003) afirma, surge do individual e do coletivo, ocorrendo nas artes, na vida
cotidiana e no desenvolvimento tecnológico.
Portanto, a escola é considerada como lugar de cultura, como lugar de
formação, de reprodução dos valores da sociedade. No tocante especificamente a
ser uma organização, ela é parte, sem dúvida, da sociedade e de sua cultura.
A escola tem hoje um papel muito sério, inescapável, que é o de criar um
espaço privilegiado de encontro com o diferente, um papel inevitável, de encarar o
caráter multicultural das sociedades contemporâneas frente às demandas
provocadas pelos processos de globalização econômica e de mundialização da
cultura (ORTIZ, 1994).
• A escola como espaço da produção de vozes
As mudanças na história são, assim, trançadas em nosso dia-a-dia de
modos não detectáveis no momento mesmo de sua ocorrência, mas em lances
86
que não prevemos, nem dos quais nos damos conta no momento em que se dão
e onde se dão, mas que vão "acontecendo". Os estudos que se preocupam com a
escola e com os diferentes modos culturais aí presentes partem, então, da idéia
de que é neste processo que aprendemos e ensinamos a ler, a escrever, a contar,
a colocar questões ao mundo que nos cerca, à natureza, à maneira como
homens/mulheres se relacionam entre si e com ela.
A cultura escolar está envolvida na produção e circulação de significados,
de modos como as pessoas vivem permutando e produzindo significados na vida
social. Os significados culturais não estão nas próprias coisas, na materialidade
dos objetos; eles são construídos nas práticas que os sujeitos vivem. Os
significados dependem da circulação dos sentidos produzidos nessas práticas.
É nesse processo que a voz dos envolvidos ocupa uma função instituidora.
As vozes não apenas descrevem os objetos, mas, nesse movimento, produzem
significados, realidades. Nesse sentido, os significados que são construídos para
as aprendizagens escolares são produzidos nas práticas vividas na escola e fora
dela, na circulação dos sentidos que atribuímos a elas em determinado tempo e
espaço.
Pode-se observar, ao longo da história, certos deslocamentos na
significação da escola. Ela já foi entendida como espaço para “aprendizagem de
ofícios”, “templo do saber”, “lugar sagrado”, “máquina de ensinar”, e assim por
diante. Encontro, mais uma vez, em Cora Coralina um pouco dessas imagens
quando ela escreve que:
Vinham depois:
Primeiro, segundo,
Terceiro e quarto livros
Do erudito pedagogo
Abílio César BorgesBarão de Macaúbas.
E as máximas sapientes
Do Marquês de Maricá.
Não se usava quadro-negro.
As contas se faziam
Em pequenas lousas individuais
Não havia chamada
E sim o ritual
de entradas compassadas.
“- Bença, Mestra ...”
87
Banco dos meninos.
Banco das meninas.
Tudo muito sério.
Não se brincava.
Muito respeito.
Leitura alta.
Soletrava-se.
Cobria-se o debuxo.
Dava-se a lição.
Tinha dia certo de argumento
com a palmatória pedagógica
em cena.
Cantava-se em coro a velha tabuada.
E, assim, foi nessa escola homogeneizante, sem espaço para as
diferenças, que estudou a poetisa, um lugar onde as vozes silenciavam em
respeito à autoridade da velha mestra. No entanto, Cora Coralina relembra esse
lugar com carinho e saudades, um lugar sagrado, pois ao terminar sua poesia ela
diz:
E a Mestra?...
Está no Céu.
Tem nas mãos um grande livro de ouro
e ensina a soletrar
os anjos.
A escola da Mestra Silvina pertence ao passado. Mas é importante lembrar
que mostrar um espaço e um tempo educativos significa mostrar aquilo sobre o
que Cora Coralina quis chamar a atenção. Em um determinado momento
histórico, vale a pena mostrar a correção, a igualdade reinante, a disciplina, a
calma, a professora tranqüila ou cheia de autoridade, os alunos/alunas
trabalhando sérios, o silêncio, o castigo.
Cabe lembrar que ao reproduzirmos o que aprendemos com as outras
gerações e com as linhas sociais determinantes do poder hegemônico, vamos
criando, todo dia, novas formas de ser e fazer. É, pois, assim que aprendemos a
encontrar soluções para os problemas criados por soluções encontradas
anteriormente. No entanto, é preciso ter, de modo permanente, a atenção
desperta, porque as tentativas de "aprisionar" este processo são violentas e
moralistas, sempre. Isto porque estamos no limiar de uma nova concepção de
escola e de significação das aprendizagens escolares.
88
Em vez de preservar uma tradição monocultural, a escola precisa lidar com
a pluralidade de culturas, reconhecer os diferentes sujeitos socioculturais
presentes em seu contexto, abrir espaços para a manifestação e valorização das
diferenças. É essa, a questão hoje posta. A escola sempre teve dificuldade em
lidar com a pluralidade e a diferença. Ela tende a silenciá-las e neutralizá-las.
Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto,
abrir espaços para a diversidade, a diferença, e para o cruzamento de culturas
constitui o grande desafio que a escola está sendo chamada a enfrentar. O som
que se ouve na escola não poderá ser mais uníssono. A escola deve ser um lugar
de produção de vozes, com diversas modulações, timbres e emoções.
Trabalho docente em foco
Professor, docente, mestre, educador, orientador, instrutor são termos que
designam um determinado ofício fazendo, cada um desses termos, referências a
modalidades ou a formas de exercer esse ofício, uma ocupação que foi se
tornando especializada ao longo do tempo, na medida em que se foi delimitando
historicamente um conjunto de saberes e conhecimentos próprios a essa
ocupação. Ao processo de especialização dessa atividade humana e a
concomitante exigência de uma formação especializada e de certificação para
exercê-la, dá-se o nome de profissionalização docente.
A análise desenvolvida por Arroyo (1985a) demonstra muito bem como o
trabalho docente foi sendo constituído historicamente como um trabalho que
evoluiu da situação de mestre do ofício de ensinar para a de trabalhador do
ensino empregado pelo Estado. O trabalhador passa a ser não só assalariado,
mas também controlado pelo Estado. Nóvoa (1995a, p. 15), ao falar sobre a
consolidação do trabalho docente, destaca que “o professorado constituiu-se em
profissão graças à intervenção e ao enquadramento do Estado, que substituiu a
Igreja como entidade de tutela do ensino”. Como se vê, esse processo contribuiu
para a necessidade de especialização do trabalho de ensinar, para a
89
profissionalização docente, para os avanços na divisão social do trabalho e para a
formação dos sistemas públicos de ensino, financiados pelo Estado.
A profissão docente, na Europa Ocidental moderna, nasce sob a égide das
instituições cristãs das quais herda a moral e a tecnologia da pastoral cristã. O
exercício da função docente era um ofício não especializado, exercido por
pessoas bem relacionadas com o clero e os seus objetivos eram a formação
moral cristã e o disciplinamento da conduta humana. Esse caráter missionário e
salvacionista tem estado no centro do projeto educacional da escola moderna,
mesmo que em versões diferentes ao longo da história.
Com relação à história da educação e da profissão docente, encontro em
Nóvoa (1995a) um destaque significativo para a segunda metade do século XVIII,
isto porque, nessa época, procurou-se na Europa traçar um perfil do professor
ideal (leigo ou religioso, escolhido e nomeado). Para o autor, essa busca dá
origem a um movimento de secularização e de estatização do ensino, ou seja, os
modelos escolares elaborados sob a tutela da Igreja passam agora por um corpo
de professores recrutados pelas autoridades estatais. Ele (1995a, p. 15) enfatiza
que o:
processo de estatização do ensino consiste sobretudo, na substituição
de um corpo de professores religiosos (ou sob controle da Igreja) por
um corpo de professores laicos (sob controle do Estado) sem que, no
entanto, tenha havido mudanças significativas nas normas e nos valores
originais da profissão docente.
Entendo que, se por um lado, existiam preocupações que indicavam a
necessidade de dar um caráter mais técnico-profissional à atividade docente, por
outro lado, ainda, permanecia a preocupação da Igreja e suas corporações em
incentivar tal atividade como vocação e sacerdócio. Até mesmo os professores
leigos, quando convocados para exercer a função docente, deveriam fazer
previamente uma profissão de fé e um juramento de fidelidade aos princípios da
Igreja.
Com isso, a escola laica, em nossa tradição, herdou esses aspectos da
pedagogia cristã, que se traduzem hoje em crenças como a de que a escola pode
salvar as sociedades e os indivíduos de suas misérias, colocando-os no rumo do
progresso, do desenvolvimento, do esclarecimento, da emancipação, da
90
consciência, etc. Ainda hoje os professores, especialmente os educadores da
infância, são vigiados em suas condutas e estilos de vida, são exortados a
responsabilizarem-se pelo futuro e o progresso da sociedade. A escola popular,
ou a escola de massas, nasce para formar cidadãos úteis e produtivos no
desenvolvimento dos Estados modernos da Europa Ocidental e os professores
são os artífices desse projeto. Acredito que à escola sempre coube uma tarefa
definida prioritariamente em termos de suas finalidades e relevância social.
A partir do pensamento de Nóvoa (1995a), posso dizer que a escola, como
instituição, passa de uma organização independente, na qual o professor exerce
múltiplos papéis como direção da escola, organização do ensino, processo de
instrução, relação com os pais, atividades de manutenção da escola (como
limpeza), atendimento de necessidades dos alunos, etc., até a situação atual, na
qual os professores são empregados de empresas de ensino ou do Estado,
vivendo nos tempos atuais um processo sem precedentes de precarização do
trabalho docente, o que alguns autores também referem como proletarização.
Destaco que os estudos sobre a proletarização do trabalho docente,
mesmo com algumas diferenças entre os autores, tais como Arroyo (1980, 1985
a, b) e Apple (1987, 1989, 1991), vem contribuindo para a percepção do professor
como um trabalhador assalariado, que passa por um processo de desqualificação,
no qual se identifica a perda do controle sobre o processo de trabalho e a perda
de prestígio social (HYPOLITO, 1997, p. 85). Para Apple (1989), por exemplo, a
racionalização da educação através de procedimentos de controle técnico sobre o
currículo das escolas acarreta a desqualificação do professorado e, como
conseqüência, o processo de trabalho docente acaba por sofrer os efeitos da
proletarização, tal como outros tantos tipos de trabalho. O processo de
proletarização atinge diretamente os empregados do Estado – o professorado –,
que podem ser chamados de “empregados semi-autônomos”, como diz Apple
(1987, p. 5).
Entendo, com isso, que o professor possui uma autonomia parcial porque
como funcionário do Estado tem que se submeter a um controle ideológico e
político, mesmo que, como diz Nóvoa (1991, p. 123), não renuncie à reivindicação
de “um regulamento menos administrativo (no sentido burocrático) e mais
profissional (no sentido liberal)”. O autor destaca, ainda, que os professores são
91
funcionários cujas ações estão impregnadas de forte intencionalidade política e,
no momento em que a escola se impõe como um instrumento privilegiado da
estratificação social, passam a personificar as esperanças de mobilidade –
ascensão - de diversas camadas sociais da população, tornando-se tanto agentes
culturais quanto agentes políticos.
Pode-se dizer, também, que os professores tornaram-se funcionários e
empregados de grandes instituições e sistemas de ensino, públicos ou privados,
passando de uma situação em que determinavam as condições de seu trabalho,
definiam o ritmo do ensino e a natureza dos currículos, a condições de trabalho
em que são externamente regulados pelas burocracias e gestores das instituições
escolares.
Essa situação aponta para a questão da intensificação no trabalho docente.
Apple (1987) diz que quanto maior o grau de racionalização do trabalho, quanto
mais elevado o nível de determinação externa no trabalho, maior sua
intensificação, reduzindo-se o tempo dedicado a pensar, programar e planejar, o
que acarreta, no decorrer do processo, um aumento de desqualificação
profissional e um elevado grau de dependência, por parte dos professores, das
tecnologias educacionais e das determinações externas. Louro (1989) exemplifica
essa situação citando a imposição do livro didático, com conteúdos programáticos
previamente determinados e os cronogramas para serem rigorosamente
cumpridos.
Outro autor que discute a questão da intensificação é Hargreaves (1998),
que, tal como Apple, busca a origem do conceito de intensificação nas teorias do
processo de trabalho esboçadas por Larson, que o entende como uma das
maneiras mais tangíveis através das quais os privilégios de trabalho dos
professores sofrem uma “erosão”, ou seja, uma perda das condições de trabalho,
uma vez que destrói sua sociabilidade, ao dificultar as reuniões e os encontros, e
faz parte, como nos diz Apple (1989, p. 48), da dinâmica de desqualificação
intelectual. Hargreaves (1998, p. 132) afirma que a intensificação “representa um
quebra, muitas vezes abrupta, na organização para o lazer esperada por muitos
trabalhadores não-manuais”. Daí pode-se dizer que o resultado dessa
intensificação é a redução da qualidade do trabalho docente e que se dê mais
valor ao “quanto” e ao “que” do que ao “como” se realiza o trabalho docente.
92
O processo de estatização do ensino, como já foi dito, substitui os
professores religiosos por professores laicos, sob o controle do estado, embora o
modelo de professor permaneça o mesmo, sem modificações nas normas e nos
valores originais da profissão docente,
Esse conjunto de normas e valores específicos, juntamente com um corpo
de saberes e técnicas da profissão docente, foi configurado por religiosos ao
longo dos séculos XVII e XVIII. O corpo de saberes e técnicas tratam mais de um
saber técnico do que um conhecimento fundamental, organizado em forma de
estratégias de ensino. Esses saberes e técnicas são, geralmente, produzidos por
pessoas fora do mundo dos professores, por técnicos e especialistas. Destaca-se,
aqui, que a natureza do saber pedagógico e a relação do professor com o saber
são problemas que perpassam a história da profissão docente. Já o conjunto de
normas e valores foi elaborado com base em crenças e atitudes morais religiosas.
Esse sistema normativo religioso é adotado pelos professores, imposto a princípio
pela Igreja e depois pelo Estado, instituições que como diz Nóvoa, são
“mediadoras das relações internas e externas da profissão docente” (1995a, p.
16).
Assim, o ideário coletivo dos professores, mesmo com a virada do século
XIX para o século XX, perpetua as origens religiosas e as motivações originais
não desaparecem mesmo quando a missão de educar é substituída pelo ofício
docente, imperando, ainda hoje, a imagem vocacional da profissão de educar. A
respeito da ação dos sistemas estatais, Nóvoa (1995a, p. 16) destaca que
essa intervenção vai provocar uma homogeneização, bem como uma
unificação e uma hierarquização ao grupo de indivíduos que se dedicava
ao ensino, grupo esse que no início do século XVIII apresentava uma
diversidade, sendo que alguns encaravam o ensino como uma ocupação
principal, exercendo-a por vezes a tempo inteiro.
E mais, no sentido de organizar os professores como um corpo de Estado,
submetidos a uma disciplina estatal, são definidas regras uniformes de seleção e
de nomeação de professores e aquela diversidade anterior não serve mais. Outra
ação definida pelo Estado no final do século XVIII é a licença ou autorização para
ensinar, concedida através de uma seqüência de exames requeridos pelos
93
indivíduos que preenchessem certos requisitos, como idade, comportamento
moral, etc.
Nóvoa (1995a) enfatiza que a criação da licença é um momento decisivo
para o processo de profissionalização da atividade docente, uma espécie de aval
do Estado aos professores para legitimar sua atividade. O autor considera que
este fato facilita a definição de um perfil de competências técnicas e que servirá
de base para o recrutamento de professores e para delinear a carreira docente.
Nesse momento, a escola se impõe como instrumento privilegiado da
estratificação social, os professores trilham um percurso de ascensão social,
assumindo a tarefa de promover o valor da educação e com isso criam condições
para valorizar as suas funções e conseqüente melhoria do seu estatuto sócioprofissional. A expansão da escola acentua-se no século XIX devido à pressão
social em busca de ascensão. A “instrução foi encarada como sinônimo de
superioridade social” (FURET E OZOUF, 1977 apud NÓVOA, 1995a, p. 18), o que
significa que essa procura pela escola foi apenas uma conseqüência de sua
projeção social protagonizada pelos professores capazes de promover educação,
e pela esperança de mobilidade das diversas camadas da sociedade.
Estes
acontecimentos
levam
os
professores
a
defender
suas
reivindicações, baseando-as no caráter especializado de suas atividades
docentes e na realização de um trabalho da mais alta relevância social. Fato este
que, para Nóvoa (1995a), é decisivo no processo de profissionalização, acrescido
pela criação de instituições de formação, que ocupam um lugar de produção e
reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente,
contribuindo para a socialização de seus membros e para a criação de uma
cultura profissional.
Com relação ao estatuto dos professores, Nóvoa (1995a) discute sua
ambigüidade dizendo que, em meados do século XIX, surge outra imagem dos
professores, uma vez que não são considerados burgueses, não são pessoas do
povo, mas não devem ser intelectuais, tem que possuir um bom conhecimento,
mas não são notáveis locais, tem influência na comunidade, devem manter
relações com todos os grupos sociais sem, no entanto, privilegiar nenhum deles
e, ainda, não podem ter uma vida miserável, mas devem evitar ostentações.
Todas essas questões são acentuadas com a feminização do professorado,
94
fenômeno que se torna mais visível na virada do século, definindo-se aí um novo
dilema entre as imagens masculinas e femininas da profissão.
Cabe aqui, interrompendo por instantes o pensamento de Nóvoa, destacar
que as mudanças que ocorrem na organização do trabalho, causando
transformações no processo de trabalho docente são similares no Brasil. Segundo
Louro (1989, p. 37) nas últimas décadas, há um indicador dessas mudanças, visto
que a “professora normalista” foi substituída pelo termo amplo de “educadora”,
depois nos anos 70 pelos “profissionais do ensino” e nos anos 80 pelos
“trabalhadores da educação”. O processo de feminização, praticamente
generalizado em todo o Ocidente, mudou, também aqui, o perfil do professor do
ensino fundamental, pois na medida em que o sistema de ensino se expandiu
passou a ser exercido, basicamente, por mulheres. Os acontecimentos gerados
pela consolidação do capitalismo com o processo de industrialização e
urbanização exigiram do Estado uma organização mais complexa para atender às
demandas do novo modelo econômico e social, inclui-se aí um maior controle do
sistema escolar. Tais acontecimentos refletem-se no Brasil, no final do século XIX
e início do século XX, com a criação do sistema público de ensino. A escola tornase um aparato estatal capaz de gerenciar os diferentes interesses da sociedade
moderna. A participação feminina na vida pública, a partir de 1937, ocupa
espaços importantes como a conquista do direito ao voto e a ampliação da
atuação no magistério, segundo Hypolito (1997, p. 54). Fatos como a feminização,
o aumento do controle externo estatal que gera a diminuição da autonomia do
professorado, a existência de uma estrutura patriarcal e a organização do ensino
e sobre o professorado são problemáticas discutidas por autores estrangeiros que
não estão muito distantes das reflexões de autores nacionais (HYPOLITO, 1997,
p. 74).
Outro olhar atento sobre a relação entre profissão e gênero é o de Apple
(1987), pois, segundo ele, para entender a interpretação dos professores sobre
seu processo de trabalho como sendo manifestação de profissionalismo, é
preciso considerar que a ideologia do profissionalismo em educação opera como
parte tanto de uma dinâmica de classe quanto de gênero. Primeiramente, ele fala
da relação entre profissionalismo e responsabilidade e, no caso, uma professora
diz que quando o trabalho é duro maior será a responsabilidade na tomada de
95
decisão, manifestando que mais responsabilidade é sinônimo de aumento de
status profissional. Nessa percepção o conceito de profissionalismo está
relacionado com a intensificação do trabalho. Ainda sobre a relação entre
profissão e gênero, Apple (1987, p. 11) argumenta que precisamos prestar
atenção porque:
Primeiramente, a própria noção de profissionalização tem sido muito
importante não somente para o professorado em geral, mas às mulheres
em particular. Ela tem fornecido uma barreira contraditória, mas
poderosa contra a interferência do Estado; e de forma igualmente crucial,
na luta contra a dominação masculina, ela tem sido parte de uma
tentativa complexa para obter pagamento e tratamento iguais e controle
sobre o trabalho diário de uma força de trabalho amplamente feminina.
Em segundo lugar, o autor afirma que o profissionalismo tem servido,
também, para estabelecer defesas contra a proletarização.
Considero significativo destacar a relação entre gênero e resistência
realizada por Apple (1987). Para ele as professoras não têm ficado paradas
aceitando tudo passivamente. Existem formas de reagir contra as pressões
externas como a militância e o engajamento político e no caso das professoras
ainda é possível contestar no próprio trabalho de forma sutil, ou até mesmo
inconsciente. Outra forma destacada pelo autor é o fato de algumas professoras
sentirem-se bastante desconfortáveis no papel de administradoras, outras não
são felizes devido à ênfase dada aos programas, consideram-se aprisionadas a
um sistema muito rígido. A partir dessas reações, pode surgir a resistência ao
planejamento administrativo, manifestando-se, ainda, em outra instância, o
desconforto com o processo que organiza a divisão sexual, tanto no trabalho, na
família quanto na sociedade, isto pelo fato da mulher ter preocupação em cuidar
da segurança e dos sentimentos. O autor diz que estas manifestações apontam
para um ponto relevante da literatura sobre o papel da escola na reprodução da
dominação de classe, sexo e raça, que é o da existência de resistências e que o
efeito dessas resistências só pode ser desvelado dentro e entre as dinâmicas do
processo de trabalho e de gênero.
Retornando às idéias de Nóvoa, pode-se dizer que a indefinição do
estatuto dos professores provoca reações de solidariedade interna no corpo
docente, outra forma de resistência, que buscam uma identidade profissional
96
através da ação das associações de professores, que, por sua vez, passam a
lutar pela melhoria do próprio estatuto, pelo controle da profissão e pela definição
de uma carreira, apesar das controvérsias existentes sobre filiações políticas e
ideológicas na escolha de um modelo de associação. Para o autor, no início do
século XX, o prestígio dos professores está ligado às ações das associações.
Outro fator que considero fundamental para o entendimento da profissão
docente, é o indicado por Nóvoa (1995a) quando fala da crise da mesma, que se
arrasta há longos anos e cuja superação não se dá em curto prazo. Mas, por
outro lado, é preciso contar com a história e verificar que, apesar de tudo, o
prestígio da profissão docente permanece intacto. Apesar deste paradoxo entre a
visão idealizada e a realidade concreta do ensino há espaço para tomar decisões
sobre os percursos de futuro dos professores.
Ao resgatar a trajetória do processo histórico da profissionalização do
professorado, obedecendo a uma cronologia de fatos, Nóvoa (1995a) consideraos determinantes para compreender os problemas atuais da profissão docente. É
então, na aplicação de seu modelo de análise, pontuado por quatro etapas
(ocupação principal, licença do estado, formação profissional e associações
profissionais), que se estabelece a relação com o momento atual em que vivem
os professores e as discussões em torno da profissão docente.
Sobre o exercício em tempo inteiro – ocupação principal – da profissão
docente, o autor enfatiza que é preciso incentivar uma maior identificação pessoal
do professor com a escola para evitar a busca de outras atividades. Isto quer
dizer que, como destaca Nóvoa (1995a, p. 24), os professores buscam “no
‘exterior’ estímulos (econômicos, culturais, intelectuais, profissionais, etc.) que
muitas vezes não conseguem encontrar no ‘interior’ do ensino”. Entendo que a
própria organização da escola, que burocratiza o sistema de ensino, privilegiando
tarefas que exigem cumprimento de horários e conteúdos pré-estabelecidos, dá
muito pouca atenção e espaço para o professor pensar sobre seu trabalho. Nóvoa
(1995a, p. 24) complementa dizendo que dessa lógica burocrática resulta um
trabalho docente individualizado que acarreta uma ”redução do potencial dos
professores e da escola”.
Já a licença – suporte legal para o ensino – é uma das mais importantes
conquistas dos professores e deve ser revista tanto no que diz respeito à
97
subordinação exclusiva às autoridades estatais, quanto à autonomia na gestão da
própria profissão.
O professor tem a sua tradicional autonomia em sala de aula, porém Nóvoa
(1995a) entende que essa percepção da autonomia deve ser alargada no que diz
respeito à gestão da própria profissão e uma ligação mais forte com instituições e
comunidades locais, que propiciarão novas normas de responsabilidade
profissional. Isto significa que:
Esta perspectiva implica o corte com uma visão funcionarizada do
professorado e a assunção de riscos e responsabilidades inerentes a um
estatuto profissional autônomo.
A presença estatal no âmbito do ensino é importante, nomeadamente
para assegurar uma equidade social e serviços de qualidade, mas o seu
papel de supervisão deve exercer-se numa lógica de acompanhamento e
de avaliação reguladora, e não numa lógica prescritiva e de burocracia
regulamentadora (NÓVOA, 1995a, p. 26).
Considerando essa mudança, essa outra possibilidade de atitude, é
possível dizer que a profissão docente pode, assim, enfrentar com mais
criatividade os desafios aos quais os professores e as suas organizações não têm
conseguido encontrar respostas.
Destaco, aqui, que a formação de professores, outra etapa do modelo
estudado por Nóvoa (1995a), é uma das áreas mais sensíveis, sendo que ainda
hoje permanece uma dicotomia entre os modelos acadêmicos da instituição
formadora e os modelos práticos, centrados nas escolas. Para ultrapassá-los o
autor propõe modelos profissionais que possibilitem um professor mais
investigativo e reflexivo de e na sua ação docente.
Concordo com o autor quando enfatiza que no curso de formação de
professores não se produzem apenas profissionais, mas também uma profissão.
As mudanças que se fazem necessárias passam pela instauração de
mecanismos de regulação e de tutela da formação de professores, incluindo a
autonomia dos centros formadores, das escolas e a relação menos dicotômica
entre essas instituições, considerando a diversidade de interesses e de realidade
existentes entre as mesmas.
Falando mais especificamente da formação de professores, é preciso que
ela seja considerada “como um todo, abrangendo as dimensões da informação
98
inicial, da indução e da formação contínua” (HARGREAVES, 1991). É preciso que
se pense na definição de um “novo profissional cuja formação passe pela
valorização do espaço da prática e da reflexão sobre essa prática, como nos fala
Zeichner (1992), ou seja, uma formação de concepção reflexiva da profissão
docente.
Com relação às associações profissionais de professores, outra etapa do
modelo de análise da profissão docente de Nóvoa (1995a), destaca-se a idéia de
que elas devem, acima de tudo, articular os projetos de autonomia e
responsabilização das escolas com o fortalecimento da profissão docente, tarefa
que não reside apenas na competência do Estado. O autor aponta que elas
desempenharam um papel fundamental na construção da profissão docente, uma
vez que se articula com projetos de autonomia e de reorganização das próprias
instituições e com os interesses dos próprios professores. A reconfiguração da
profissão docente e o desenvolvimento das comunidades escolares, no
entendimento de Nóvoa, “constituem condições necessárias ao aparecimento de
um novo associativismo docente, agente coletivo de um poder profissional cuja
legitimidade não reside apenas numa delegação de competências do Estado”
(1995a, p. 27).
Assim, as associações de professores são entendidas por Nóvoa como
uma possibilidade de mudança no papel dos professores, de valorização da
profissão e de reivindicações de seus direitos. É, também, a maneira encontrada
pelos professores para resistir às perdas que vêm sofrendo ao longo do tempo.
Outro aspecto que considero de fundamental importância diz respeito à
relação do professor com o saber, e essa relação destacada por Nóvoa (1995)
indica que ora eles são portadores de um saber próprio, ora reprodutores de um
saber alheio, questionando se esse saber é científico ou técnico. Temas das
discussões contemporâneas sobre a formação dos professores. E mais, o autor
aponta para a necessidade de “repensar o conjunto de normas e valores que vem
sustentando as ações docentes” (p. 30). Reforça, ainda, que pela perda de
prestígio social e econômico dos professores é preciso dotar a profissão docente
de mecanismos de seleção e de diferenciação, que permitam basear a carreira
docente no mérito e na qualidade.
99
Apple (1987), por sua vez, ao discutir sobre os efeitos de reestruturação do
trabalho dos professores e das professoras na escola, argumenta que a
compreensão do que está acontecendo ao ensino e ao currículo deve ser
pensado a partir das questões de classe - com o processo de proletarização que
a acompanha - e gênero. Fatores como a desqualificação e intensificação, que
atingem basicamente docentes do sexo feminino e administradores masculinos,
devem ser pensados a partir do modo como estão historicamente articulados com
a divisão social e sexual do trabalho, com o conhecimento e poder na sociedade.
Com relação ao fato de o professorado, em sua maioria, ser constituído por
mulheres, o autor destaca que é preciso olhar para além da escola para obter a
compreensão do impacto das mudanças e para a percepção das professoras,
lembrando que elas trabalham em dois locais, na escola e na casa.
Uma vez apresentados alguns olhares teóricos sobre os significados e as
implicações do trabalho docente, quero encaminhar esta escrita para pensar o
professor; um professor que se faz também a partir de múltiplos saberes e
histórias de vida. A profissão docente é uma profissão de interações humanas e
um professor sempre se apresenta inteiro, com toda a sua personalidade.
Entendo que o professor na relação pedagógica apresenta-se com toda a
sua história e personalidade, pelo menos nas formas de ensino que implicam uma
interação presencial entre professor e estudantes. A sua história pessoal, a sua
trajetória pré-profissional, e, especialmente, a sua trajetória como aluno, tem uma
influência decisiva no seu estilo de ensino. Tendemos a reproduzir, ou a excluir,
quando professores, formas de trabalho ou atitudes de professores que marcaram
nossa vida escolar quando alunos. Acredito que os professores exercem uma
profissão em instituições que são muito semelhantes àquelas nas quais passaram
longos anos de suas trajetórias escolares. Essas experiências marcam
profundamente a escolha do magistério como carreira profissional, a prática
docente e as mentalidades dos professores e das professoras.
Quero enfatizar que um professor se constrói ao longo de sua vida. O
tempo é um fator determinante na construção da competência docente e a
socialização profissional dos professores inicia muito cedo. Os professores, no
exercício de seu trabalho, utilizam saberes adquiridos em suas experiências préprofissionais, que envolvem as experiências familiares e escolares, nos processos
100
de formação profissional, e utilizam ainda, saberes adquiridos na experiência do
próprio magistério.
Aliás, a experiência docente é uma fonte importante dos saberes dos
professores. Os “professores de ofício” (ARROYO, 1985a) costumam atribuir aos
saberes construídos no exercício do magistério um valor predominante quando
questionados sobre a construção de sua competência. É na experiência docente
que o professor realiza uma mediação entre os saberes que aprendeu nos cursos
de formação profissional e a realidade concreta. Nas relações de trabalho
acontece um tipo de socialização profissional que integra e complementa os
saberes da formação profissional obtidos nos cursos de formação de professores.
Há saberes que só provêm da experiência do magistério. Por exemplo, como lidar
com as hierarquias escolares e cumprir com os currículos e as exigências
escolares em termos de tempo e avaliação; como lidar com problemas de gestão
e organização da classe e dos alunos, são aprendizagens só possíveis de serem
feitas em convívio com as hierarquias escolares e em situações de regência de
classe.
O inventário apresentado pelos autores é um desafio para pensar e propor
mudanças na escola e na formação e ação dos professores ou, até mesmo,
recriar a profissão docente.
Saberes docentes em discussão
O tema sobre os saberes do professor reflete uma evolução da pesquisa
em ciências da educação voltada para o ensino e para a formação de
professores, tanto no plano internacional como aqui mesmo, no Brasil, tal como
diz Borges (2001). Para a autora, a produção de trabalhos sobre os "saberes" ou
"conhecimentos"
do
professor
ressalta
grande
diversidade
conceitual
e
metodológica das pesquisas.
Os estudos sobre os saberes dos professores compõem um amplo e
diversificado campo que, em âmbito internacional, vem se constituindo há várias
décadas. Trata-se de um campo que recebe contribuições das ciências humanas
101
e sociais, como as abordagens provenientes do comportamentalismo, do
cognitivismo, da etno-metodologia, da fenomenologia, entre outras (BORGES,
TARDIF, 2001; GAUTHIER, 1999).
De acordo com Borges (2003), existem diversos tipos de estudos sobre os
saberes do professor. Esses estudos incorporam perspectivas variadas, tais
como: pesquisas sobre o comportamento do professor; a cognição do professor; o
pensamento
do
professor;
pesquisas
compreensivas,
interpretativas
e
interacionistas; e, por fim, pesquisas que se orientam pela sociologia do trabalho
e das profissões.
As pesquisas sobre o comportamento do professor têm origem na tradição
behaviorista ou comportamentalista no ensino. Nela estão localizadas as
pesquisas processo-produto, caracterizadas por buscar identificar o impacto da
ação docente (o processo de ensino) sobre a aprendizagem do aluno (o produto),
cujo intuito era compreender o comportamento dos professores eficientes. Borges
(2003)
comenta
que
muitas
críticas
foram
feitas
a
essa
abordagem,
principalmente por ela não levar em consideração os aspectos subjetivos das
interações entre o professor e os alunos, bem como o contexto da sala de aula.
Ainda segundo a autora, o conhecimento nessa abordagem é visto como externo
ao professor, circunscrevendo-se a procedimentos de ensino, conteúdos,
métodos e seus efeitos imediatos sobre os alunos.
Oriundas das críticas à abordagem processo-produto surgiram as
pesquisas sobre a cognição do professor. Essas pesquisas buscam uma
minuciosa análise do processo cognitivo do mesmo em suas ações e seus
comportamentos no âmbito da sala de aula, procurando compreender como os
professores percebem e coordenam suas ações, como aprendem e fazem uso de
informações, transpondo-as de um contexto para outro. O modelo de análise é o
lógico-matemático e os saberes são vistos como representacionais, configurandose como um conjunto de informações, roteiros e esquemas de ação que
produzem orientações para a prática do sujeito.
As pesquisas sobre o pensamento dos professores são também
conhecidas pela expressão inglesa teachers' thinking. Compreendem estudos que
se interessam pelas narrativas, pesquisas do tipo psico-social, psicanalítica,
sociocrítica e socio-construtivista, tendo como foco central o pensamento dos
102
professores. Borges (2003) comenta que essa abordagem constitui um verdadeiro
paradigma, sucessor dos estudos do tipo processo-produto, e que se preocupa
com aquilo que os docentes pensam, conhecem, percebem, representam a
respeito de seu trabalho, a disciplina que ministram e a maneira como pensam e
resolvem as questões ligadas ao seu fazer no cotidiano escolar. Os estudos sobre
o
pensamento
dos
professores
deixaram
o
âmbito
descritivo
e
se
consubstanciaram em ações práticas, enfim, trata-se de um paradigma que se
tornou operatório.
Outra possibilidade de pesquisa, apontada por Borges (2003), dá-se a
partir da abordagem da fenomenologia, do enfoque etnográfico e do
interacionismo. São estudos que procuram investigar e evidenciar pensamentos,
ações e interações dos sujeitos, mas que o fazem a partir da tomada do contexto
em que o sujeito está inserido através da lente histórica e social. O enfoque
compreensivo ou fenomenológico não se reduz à cognição ou à razão, mas voltase à compreensão do professor como pessoa, um sujeito que lida e intervém nas
situações cotidianas com base em seus valores, suas crenças, suas emoções e
suas representações, que guardam suas raízes na história de vida do professor,
em sua dimensão pessoal e profissional. Outro enfoque é o do interacionismo
simbólico, da etnografia e da etnometodologia que, a partir de uma perspectiva
sociológica, irá se deter no modo como o saber docente é construído no processo
de socialização profissional e, até mesmo, pré-profissional, em âmbitos como a
família, escola, universidade etc. O saber aí passa a ser considerado como um
conhecimento prático erigido no trabalho escolar, motivo pelo qual surge para
esse enfoque a valorização da observação das interações que os professores
estabelecem em sala de aula e na escola.
As pesquisas que se orientam pelas contribuições da sociologia do trabalho
e das profissões se constituem também em uma importante perspectiva de
investigação dos saberes dos professores, possibilitando um enriquecimento das
abordagens anteriores. Segundo Borges (2003), não se trata de uma nova
corrente teórica, mas de uma subdivisão da sociologia e da sociologia do trabalho
que se articula com a etnografia, o interacionismo e a fenomenologia, das quais
retém que o saber profissional é aprendido pela experiência, no trabalho e no
decorrer de um longo processo que é a socialização profissional. A contribuição
103
da sociologia das profissões permitiu o questionamento da adoção de modelos de
formação espelhados em profissões já solidamente constituídas, a exemplo da
medicina, como também favoreceu que o modelo estrutural-funcionalista de
conhecimento profissional, fundado em saberes das disciplinas científicas e
altamente especializado, fosse questionado em sua origem.
As abordagens apresentadas, segundo Borges (2003), não têm a
pretensão de esgotar a amplitude do campo, são apenas algumas linhas de
pensamentos que configuram algumas das teorias do saber docente. A autora
lembra que os estudos sobre os saberes dos professores encontram-se também
com os que investigam temas diversos e a partir de diferentes tradições teóricas.
Isso pode ser visto, por exemplo, em estudos que investigam as disciplinas
escolares (CHERVEL, 1990) e os processos de degradação e constituição da
profissão de ensinar (FERNÁNDEZ ENGUITA, 1991).
Aqui no Brasil, é no início da década de 1990 que, por meio do texto
pioneiro de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) e mais tarde pela teoria de Gauthier
et al. (1998) os estudos que focalizam os saberes tácitos dos professores chegam
até nós (LÜDKE, 2001). Esses estudos possuem como traços comuns a
valorização da experiência profissional, o entendimento de que é possível a
produção de um conhecimento prático e a compreensão de que o professor, ao
desenvolver seu trabalho, mobiliza uma pluralidade de saberes.
Parto, então, do princípio de que a ação do professor em sala de aula está
impregnada de conhecimentos, isto é, de saberes, do saber-fazer, das
competências e das habilidades construídas ao longo da sua trajetória acadêmica
e docente, dos relativos ao pensamento e à história de vida desse professor.
Assim, os saberes são originados da história de vida, da formação
profissional, do conhecimento científico da disciplina que o professor ensina, dos
currículos e materiais instrucionais com que trata o professor, da estrutura e
organização escolar onde o professor atua e, finalmente, do conhecimento
construído na prática pedagógica e profissional.
Mas, quais são os saberes mobilizados na ação pedagógica?
Se partirmos da idéia de que a profissão vai sendo construída à medida
que o professor articula o conhecimento teórico-acadêmico, a cultura escolar e a
reflexão sobre a prática docente, destaco o estudo desenvolvido por Guarnieri
104
(1997) acerca da atuação de professores iniciantes. Revisando as novas
perspectivas de pesquisa que analisam a questão da competência para ensinar,
enfatiza que “esses novos paradigmas investigativos buscam a partir do
pensamento e desenvolvimento profissional dos professores "uma epistemologia
da prática" que explique como se configura o processo de aprender a ensinar, de
tornar-se professor” (p. 2).
Dessa forma, os cursos de formação de professores precisam redirecionar
as relações entre teoria e prática, centrando as análises na prática docente e
procurando identificar quais conhecimentos são desenvolvidos pelo
professor ao atuar, no âmbito da cultura escolar e das condições mais
adversas do seu trabalho. Também buscam especificar e estudar as
necessárias articulações desses conhecimentos do professor tanto com a
prática, quanto com os conhecimentos teóricos acadêmicos da formação
básica. Tais articulações possibilitam o desenvolvimento da capacidade
reflexiva, que favorece o compromisso com o ensino de qualidade e a
competência para atuar (GUARNIERI,1997, p. 6).
Considerando tais idéias no desenvolvimento da pesquisa, o autor sinaliza
a possibilidade de que na prática pedagógica do professor iniciante apareçam
alguns aspectos como: a rejeição dos conhecimentos teóricos acadêmicos
recebidos na formação por dificuldade em aplicá-los; a tentativa de transposição
direta de uma concepção teórica; a percepção dos aspectos positivos da prática
docente e da cultura escolar e como estas se apresentam no contexto do
trabalho, podendo ser consideradas como parâmetros para sua própria prática.
Suas análises enfatizaram o quanto o professor aprende a partir da prática,
embora reconheça que os cursos de formação de professores, tanto inicial como
continuada, ainda não favorecem a articulação entre a formação teórica
acadêmica e os conhecimentos oriundos do universo escolar.
Os saberes dos professores, a partir de agora, são analisados sob os
olhares de Gauthier e de Tardif, pois me interessam esses autores porque eles
veêm a perspectiva que investiga os saberes dos docentes como caminho que
pode contribuir com o desenvolvimento profissional docente.
Inicio, então, com as contribuições de Gauthier e colaboradores (1998),
que realizaram estudos das pesquisas sobre o ensino no intuito de identificar
convergências em relação aos saberes mobilizados na ação pedagógica e com o
105
objetivo de examinar as implicações, formular problemáticas, avaliar resultados e
esboçar uma teoria geral da pedagogia. Gauthier et al (1998) concebem o ensino
como uma atividade profissional que se apóia num sólido repertório de
conhecimentos. Para os autores a escola tem sido, também, tema de vigorosas
discussões, uma vez que ela é, por vezes, acusada de não estar cumprindo
convenientemente seu papel, recaindo certas críticas nos professores por serem
eles os mediadores entre a escola e os alunos. Essas críticas não isentam os
responsáveis pela formação desses professores, envolvendo questões referentes
ao tipo de educação recebida por eles. Diante dessas questões, os autores
sugerem uma reflexão sobre a formação dos professores e da profissão docente.
Reflexão essa que deve ir muito além das dimensões técnicas ou operacionais.
A proposta, então, dos autores é o estudo sobre a natureza dos saberes
subjacentes ao ato de ensinar, o que implica em discutir os conhecimentos, as
competências e as habilidades que servem de base para a prática docente, ou
seja, discutir o repertório de conhecimentos que corresponda aos saberes
próprios do professor. A preocupação é aprofundar os estudos sobre o que o
professor precisa saber para ensinar, pois se existe um repertório próprio ao
ensino é preciso, então, entender a origem desse repertório e os possíveis limites
e implicações inerentes a sua utilização por parte do professor. Os autores
reconhecem, no entanto, a dificuldade – quase impossibilidade – de dar uma
resposta definitiva a essas questões.
Eles propõem uma classificação dos paradigmas que embasam as
pesquisas sobre o ensino e as contribuições que elas podem dar para a
identificação de um repertório de conhecimentos no campo da prática docente.
Sendo assim, são três os paradigmas das pesquisas sobre o ensino: o
enfoque processo-produto, o enfoque cognitivista e o enfoque interacionistasubjetivista, assunto já discutido anteriormente a partir do ponto de vista de
Borges (2003) sobre as possibilidades de pesquisa com saberes docentes.
O enfoque processo-produto precede o cognitivista e o interacionista,
dizem os autores que sua utilização remonta à década de sessenta, ou talvez até
um pouco antes: à década de cinqüenta. Nesse enfoque o professor é visto
apenas como um gestor de comportamentos que deve organizar (da melhor
forma, buscando a eficácia) os processos de ensino, visando à aprendizagem dos
106
alunos. As interações, o contexto, os outros saberes que não sejam aqueles
relacionados aos conteúdos e aos procedimentos de ensino, o próprio conteúdo
de certa forma, os aspectos subjetivos da relação professor-aluno, entre outros,
ficam obscurecidos por um conjunto de variáveis comportamentais do professor e
seus "efeitos imediatos" sobre os alunos. Esse paradigma parte do princípio de
que o professor é a variável mais importante entre as que determinam a
aprendizagem dos alunos.
O segundo paradigma é o cognitivista. Ainda que a abordagem remonte a
Piaget e Vigotsky, o que Gauthier e seus colaboradores buscam evidenciar são os
estudos que vieram a constituir as chamadas "ciências da cognição", ocupando o
cenário norte-americano, a partir dos anos de 1970. Mas o ponto central da
abordagem cognitivista para o estudo dos saberes docentes, dentro da
perspectiva das ciências da cognição, é, segundo os autores, a sua preocupação
com o processamento da informação e com os processos de construção do
conhecimento dentro do complexo processo ensino-aprendizagem. Além disso,
essa perspectiva trabalha com o conceito de "metacognição", que envolve o
conhecimento e o controle das estratégias cognitivas. Entretanto, para Borges
(2003), essa abordagem também possui reducionismos, a começar por tratar
aspectos humanos e simbólicos como fenômenos naturais e, sobretudo, por
introduzir toda uma forma de compreender os fenômenos da cognição muito
próxima dos campos da administração e da informática. Daí, a ênfase na
terminologia:
eficiência,
competência,
rentabilidade,
medida,
controle,
planejamento, entre outros.
O terceiro enfoque, interacionista-subjetivista, segundo Gauthier e seus
colaboradores (1998), reúne o interacionismo simbólico, a etnometodologia, a
etnografia escolar, a sociolingüística e o enfoque ecológico. No bojo desta
abordagem consideram os trabalhos que têm referência na fenomenologia e que
dão ênfase ao indivíduo, compreendido com um sujeito portador "de histórias", ou
seja, um ser que constrói o mundo em relação com outros sujeitos. Nessa
perspectiva, o ensino é concebido com uma forma de interação simbólica, um
processo no qual os sujeitos agem em função daquilo que os conhecimentos
significam para eles. Em decorrência disso, para conhecer os significados
construídos pelos sujeitos, é necessário, também, ter em conta o contexto no qual
107
eles interagem. Do ponto de vista dos estudos sobre os saberes, o foco repousa
nas representações que os professores têm dos seus saberes e nas interações
que estes estabelecem em classe.
Ainda de acordo com Gauthier et al. (1998), o interacionismo-subjetivista,
na versão fenomenológica, enfatiza a análise das experiências individuais e o
conhecimento adquirido pelo indivíduo através das suas experiências; na versão
etnometodológica, vai buscar compreender como os indivíduos dão sentido ao
mundo e como realizam as ações cotidianas; na visão etnográfica, vai focalizar a
dinâmica da sala de aula e tentar compreendê-la, bem como as representações
do professor e dos alunos nas interações cotidianas; na visão ecológica, vai tentar
construir um modelo explicativo, coerente, de funcionamento da sala de aula, a
fim de compreender a eficiência dos professores e seus saberes; e, na visão
sociolingüística vai acentuar a linguagem, os aspectos relativos à verbalização
dos sujeitos sobre os seus saberes.
Para os autores, as três concepções de pesquisa apresentam lacunas que
limitam o alcance dos resultados por elas fornecidos. Daí a proposta de um
enfoque de pesquisa que busque a compreensão da atividade docente a partir de
um caminho que forneça informações sobre a natureza de um repertório de
conhecimentos próprios do ensino.
Considerando, então, a existência de um repertório de conhecimentos de
ensino que envolve os saberes profissionais do próprio professor, o estudo de
citado tem como ponto de apoio as premissas de que, assim como a atividade
docente não tem conseguido revelar os seus saberes, as ciências da educação
acabam por produzir outros saberes que não condizem com a prática. Gauthier e
seus colaboradores identificam, então, a existência de três categorias
relacionadas às profissões: ofícios sem saberes; saberes sem ofício e ofícios
feitos de saberes.
Cabe, no entanto, ressaltar que na percepção dos autores a realização de
pesquisas e reflexões em torno da existência de um repertório de conhecimentos
próprios do ensino possibilita contornar dois obstáculos que sempre se
interpuseram à pratica docente. O primeiro obstáculo é relativo à própria atividade
docente, considerando-a uma atividade que se exerce sem revelar os saberes
que lhes são inerentes; já o segundo obstáculo é o das ciências da educação,
108
cujos saberes produzidos não levam em conta as condições concretas do
exercício da docência.
Esses dois obstáculos impedem até certo ponto o surgimento dos saberes
profissionais. Tais obstáculos, considerados pelos autores como erros, são os de
um ofício sem saberes e os de saberes sem ofício. O desafio para vencer os
obstáculos reside na compreensão da existência de saberes necessários para
ensinar, ou seja, entender que a docência é um ofício feito de saberes. Gauthier e
seus companheiros (1998, p. 81) acreditam que as pesquisas sobre os saberes
docentes necessários para ensinar serão mais bem entendidas a partir de “uma
consciência maior desses obstáculos” é que será possível “encontrar soluções
apropriadas e interpretar os resultados com maior precaução”.
Em síntese, a primeira categoria, ofícios sem saberes, abrange uma falta
de sistematização de um saber próprio do docente envolvendo bom senso,
intuição, experiência etc. Já os saberes sem ofício caracterizam-se pela
formalização do ensino, reduzindo a sua complexidade e a reflexão que é
presente na prática docente. Acabam tornando-se saberes que não condizem
com a realidade. A terceira categoria apresenta um ofício feito de saberes, que
abrange vários saberes que são mobilizados pelo professor e sua prática
envolvendo o saber.
Em seu livro Por uma teoria da Pedagogia, Gauthier et alii (1998)
classificam os saberes dessa terceira categoria - ofício feito de saberes - e
concebem o ensino como a mobilização de vários saberes que formam uma
espécie de reservatório que é utilizado para responder às exigências das
situações concretas de ensino. Do ponto de vista tipológico, os saberes são
classificados em: disciplinar, referente ao conhecimento do conteúdo a ser
ensinado; curricular, relativo à transformação da disciplina em programa de
ensino; Ciências da Educação, relacionado ao saber profissional específico que
não está diretamente relacionado com a ação pedagógica; tradição pedagógica,
relativo ao saber dar aulas historicamente adquirido, que será adaptado e
modificado pelo saber experiencial, podendo ser validado pelo saber da ação
pedagógica; experiência, referente aos julgamentos privados responsáveis pela
elaboração, ao longo do tempo, de uma jurisprudência particular; ação
pedagógica, referente ao saber experiencial tornado público e testado.
109
Para
os autores, reconhecer a
existência
de
um
repertório
de
conhecimentos reflete um olhar ressignificado para o professor, que passa a ser
visto como um
[...] profissional, ou seja, como aquele que, munido de saberes e
confrontado a uma situação complexa que resiste à simples aplicação
dos saberes para resolver a situação, deve deliberar, julgar e decidir
com relação à ação a ser adotada, ao gesto a ser feito ou à palavra a
ser pronunciada antes, durante e após o ato pedagógico (GAUTHIER
et alii, 1998, p. 331).
Percebe-se aí que a concepção de saber não impõe ao professor um
modelo preconcebido de racionalidade. Dessa forma, o saber do professor pode
ser racional sem ser um saber científico, pode ser um saber prático que está
ligado à ação que o professor produz, um saber que não é o da ciência, mas que
não deixa de ser legítimo. Assim, o saber é considerado como resultado de uma
produção social, sujeito a revisões e reavaliações, fruto de uma interação entre
sujeitos, fruto de uma interação lingüística inserida num contexto e que terá valor
na medida em que permite manter aberto o processo de questionamento. Ao se
pensar uma alternativa docente, deve-se levar em conta o contexto no qual se
constroem e se aplicam os saberes docentes, isto é, as condições históricas e
sociais nas quais se exerce a profissão; condições que servem de base para a
prática docente. Este professor possui, em virtude da sua experiência de vida
pessoal, saberes próprios que são influenciados por questões culturais e
pessoais. O desafio da profissionalização docente é evitar dois erros: ofício sem
saberes e saberes sem ofício; ademais, quando os autores admitem que as
pesquisas já revelam a presença de um repertório de conhecimentos próprios ao
ensino, propõem um ofício feito de saberes.
Outro autor que volta seu olhar para a análise da questão dos saberes
profissionais e sua relação com a problemática da profissionalização do ensino e
da formação de professores é Tardif. A primeira produção desse autor publicada
no Brasil ocorreu em 1991, por meio de um artigo na Revista Teoria & Educação,
em parceria com Lessard e Lahaye. O artigo apresenta considerações gerais
sobre a situação dos docentes em relação aos saberes, buscando identificar e
definir os diferentes saberes presentes na prática docente, bem como as relações
estabelecidas entre eles e os professores.
110
Em 2002, foi lançado, em nosso país, o livro Saberes docentes e
formação profissional, que reúne oito ensaios de Tardif publicados desde 1991.
Esses ensaios representam diferentes momentos e etapas de um itinerário de
pesquisa e de reflexão do autor. É importante salientar que ele situa o saber do
professor a partir de seis fios condutores. O primeiro diz respeito ao saber e
trabalho — o saber do professor deve ser compreendido em íntima relação com o
trabalho na escola e na sala de aula: são as relações mediadas pelo trabalho que
fornecem princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. O segundo
fio condutor é a diversidade do saber, pois entende que o saber dos professores é
plural, compósito, heterogêneo, por envolver, no próprio exercício da ação
docente, conhecimentos e um saber-fazer bastante variado e, normalmente, de
natureza diferente. O terceiro é a temporalidade do saber — no qual reconhece o
saber dos professores como temporal, uma vez que o saber é adquirido no
contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. O quarto,
denominado como a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber,
focaliza os saberes oriundos da experiência do trabalho cotidiano como alicerce
da prática e da competência profissionais. É no contexto em que ocorre o ensino
que o docente desenvolve certas disposições adquiridas na e pela prática real. O
quinto, saberes humanos a respeito de saberes humanos, expressa a idéia de
trabalho interativo, um trabalho em que o trabalhador se relaciona com o seu
objeto de trabalho fundamentalmente por meio da interação humana. O sexto e
último, saberes e formação profissional, é decorrente dos anteriores, ou seja,
expressa a necessidade de repensar a formação para o magistério, considerando
os saberes dos professores e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano.
Para Tardif (2002, p. 36), a relação dos docentes com os saberes não é
restrita a uma função de transmissão de conhecimentos já constituídos. Ele
explica que a prática docente integra diferentes saberes e que mantém diferentes
relações com eles. Define o saber docente "[...] como um saber plural, formado
pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais". Nessa
perspectiva, os saberes profissionais dos professores são temporais, plurais e
heterogêneos, personalizados e situados, e carregam as marcas do ser humano.
111
Observa-se, na teoria do autor, que o saber docente compõe-se na
verdade de vários saberes provenientes de diversas fontes, e pode ser entendido
como um conjunto de saberes que o professor possui não só no que diz respeito
aos conhecimentos já produzidos e que ele transmite, mas também ao conjunto
de saberes que integram sua prática e com os quais ele estabelece relações.
Para Tardif et al (1991, p. 218) o saber docente é um amálgama, mais ou
menos coerente, de saberes provenientes de quatro fontes citadas a seguir:
-saberes de formação profissional (das ciências da educação e da
ideologia pedagógica mobilizada em conformidade com essa
atividade, transmitidos pelas instituições formadoras);
-saberes da disciplina (que correspondem aos saberes sociais
sistematizados e tematizados na instituição universitária);
-saberes curriculares (saberes sociais que a escola/sociedade
seleciona para serem transmitidos às futuras gerações);
-saberes da experiência (desenvolvidos pelo professor no
exercício de sua profissão).
No processo de formação docente participam saberes pedagógicos e
disciplinares, oriundos da própria instituição formadora, saberes curriculares
definidos por essa instituição. Esse saber permeia uma das maneiras do
professor existir profissionalmente e sua prática pedagógica é reveladora desses
saberes.
Os autores apontam que diante da impossibilidade de controlar os saberes
das disciplinas curriculares e da formação profissional, os professores produzem
ou tentam produzir saberes, por meio dos quais compreendem e dominam sua
atuação docente. Os saberes da experiência têm origem na prática cotidiana e
são por ela validados, constituem-se nos fundamentos da competência e
fornecem as bases para os modelos pedagógicos utilizados pelo professor. Por
meio dos saberes da experiência o professor julga sua formação anterior e sua
formação ao longo da carreira, as reformas introduzidas nos programas e nos
currículos, as inovações metodológicas e sua adequação à realidade.
O saber experiencial, para Gauthier (1998, p. 24), ocupa um lugar muito
importante no ensino, mas não pode representar a totalidade do saber docente.
Para o autor o saber oriundo da experiência...
112
... precisa ser alimentado, orientado por um conhecimento anterior
mais formal que pode servir de apoio para interpretar os
acontecimentos presentes e inventar soluções novas. Por
conseguinte, em sua prática, o docente não pode adquirir tudo por
experiência. Ele deve possuir também um corpus de conhecimento
que o ajudarão a “ler” a realidade e a enfrentá-la.
Desse modo, os saberes da experiência assumem outra dimensão, não tão
restrita como apontaram Tardif et al (1991); eles não estão relacionados apenas
às experiências no campo profissional mas também à prática acadêmica, à
prática cotidiana dentro e fora da escola, à prática de vida. O saber da experiência
é construído na práxis social cotidiana em interação com outros sujeitos e em
relação aos demais saberes disponíveis.
Para Gauthier (1998), os saberes da experiência podem vir a integrar-se
aos saberes científicos. Isto implica considerar os conhecimentos validados pela
instituição que forma o professor. E mais, as universidades, pelo caráter de
cientificidade dos saberes que transmitem, devem legitimar conhecimentos que
envolvem não apenas a prática pedagógica do professor, mas também o
conhecimento a respeito de sua história, sua vida cotidiana e, ainda,
conhecimentos da própria organização escolar e das interações que o professor
estabelece no âmbito da escola.
Retornando a Tardif, em 2005, ele e Lessard publicaram o livro O trabalho
docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações
humanas. Uma obra que tem como objeto de investigação o trabalho docente no
cotidiano escolar com a intenção de descrevê-lo, analisá-lo e compreendê-lo tal
como é desenvolvido pelos professores, e que compreende a docência, como
[...] uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma
atividade em que o trabalhador se dedica ao seu 'objeto' de trabalho, que
é justamente um outro ser humano, no modo fundamental da interação
humana" (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 8).
Os autores colocam em evidência as condições, as tensões e os dilemas
que fazem parte desse trabalho feito sobre e com outrem, bem como a vivência
das pessoas que o realizam diariamente. Entendem, ainda, que é na ação e na
interação dos atores escolares que se estrutura a organização do trabalho na
escola.
113
Portanto, é de fundamental importância reconhecer os professores como
sujeitos do conhecimento e produtores de saberes, valorizando a sua
subjetividade e tentando legitimar um repertório de conhecimentos sobre o ensino
a partir do que os professores são, fazem e sabem. Isso deveria constituir as
bases para a elaboração de programas de formação.
Tardif (2002) explica que a atividade profissional dos professores deve ser
considerada como um espaço prático de produção, de transformação e de
mobilização de saberes e, conseqüentemente, de teorias, de conhecimentos e de
saber-fazer específicos ao ofício de professor. O autor propõe um repensar das
relações entre teoria e prática, pois entende que tanto a universidade como
professores de profissão são portadores e produtores de saberes, de teorias e de
ações. Ambos comprometem seus atores, seus conhecimentos e suas
subjetividades. Portanto, “a [...] relação entre a pesquisa universitária e o trabalho
docente nunca é uma relação entre uma teoria e uma prática, mas uma relação
entre atores, entre sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes” (p. 237).
A necessidade de transformação nas práticas formativas e de superação
do modelo baseado na racionalidade técnica é aclamada por todos os
pesquisadores que tomam como objeto de estudo o ensino. Tardif (2002)
argumenta que o modelo baseado na racionalidade técnica apresenta dois
problemas epistemológicos: primeiro, por ser idealizado de acordo com uma
lógica disciplinar e não conforme uma lógica profissional centrada no estudo das
tarefas e realidade do trabalho dos professores; e segundo, por tratar os alunos
como “espíritos virgens”, não levando em consideração suas crenças e
representações anteriores a respeito do ensino. É nessa perspectiva que as
transformações nas práticas formativas implicam superar o modelo aplicacionista
do conhecimento e elevar o nível de conhecimento dos professores, tendo em
vista o repertório de saberes sobre o ensino.
Tanto Gauthier quanto Tardif dedicam-se a investigar a mobilização dos
saberes nas ações dos professores e compreendem os educadores como sujeitos
que possuem uma história de vida pessoal e profissional e que, portanto, são
produtores e mobilizadores de saberes no exercício de sua prática. Gauthier
(1998), ao defender um ofício feito de saberes, implementa esforços, como já foi
dito, para a constituição de uma teoria geral da pedagogia. Já os estudos de Tardif
114
(2002)
têm
como
particularidade
o
reconhecimento
da
pluralidade
e
heterogeneidade do saber.
É nessa perspectiva que esses autores defendem a idéia de uma
“epistemologia da prática”, com a finalidade de revelar os saberes docentes, “[...]
compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e
como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função
dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho” (TARDIF,
2002, p. 256).
Este referencial para compreender o trabalho docente reconhece que o
professor é um profissional; que a natureza de seu trabalho é definida em função
da forma como ele atua; que a gestão da sala de aula é de sua inteira
responsabilidade e esta, por excelência, exige um confronto com situações
complexas e imediatas cuja solução não está pronta, mas que exige ações
imediatas; que o professor hoje precisa dominar certas competências e saberes
para agir individual ou coletivamente no enfrentamento das especificidades do
seu trabalho.
Trajetória biográfica em voga
A vida dos professores, as carreiras, os percursos profissionais, as
biografias e até mesmo o desenvolvimento pessoal do professor, têm sido temas
de estudos e objetos de investigações educacionais, tanto em âmbito
internacional quanto nacional.
Para Nóvoa (1995a, p. 12) as produções sobre trajetórias (auto) biográficas
são heterogêneas, de qualidade desigual, mas tiveram um mérito indiscutível:
“(re) colocar os professores no centro dos debates educativos e das
problemáticas da investigação”. Os professores passam, então, a ser um “novo”
foco de investigação, mas não na tentativa de encontrar um melhor método para
seu ensino, ou pela importância dada à análise do ensino no cotidiano da sala de
aula, ou ainda como destaca Nóvoa (1995a, p. 14), quando fala das fases do
115
percurso evolutivo da investigação educacional, pela busca de “características
intrínsecas ao ‘bom’ professor”.
A atenção dos teóricos e pesquisadores, agora, volta-se para a vida
pessoal do professor, considerando a maneira como cada professor ensina e que
essa está diretamente dependente daquilo que ele é como pessoa quando exerce
seu ensino. Isto aponta para a “impossibilidade de separar a pessoa e o
profissional que habitam cada professor” (NÓVOA, 1995b, p. 30).
Destaco como significativo pensar sobre as razões que levam o professor a
agir como age em sala de aula a partir do que nos diz Nóvoa (1995b, p. 16):
A resposta à questão, Por que é que fazemos o que fazemos em sala de
aula, obriga a evocar essa mistura de vontades, de gostos, de
experiências, de acasos, até que sejam consolidados gestos, rotinas,
comportamentos com os quais nos identificamos como professores.
Cada um tem o seu próprio modo de organizar as aulas, de se
movimentar em sala de aula, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios
pedagógicos, um modo que constitui uma espécie da segunda pele
profissional.
Compartilho do pressuposto de que o professor “é” a partir de suas
experiências e aprendizagens construídas ao longo de sua vida. Aproximo-me de
Josso (2006) quando diz que o entendimento de sua trajetória de vida é de
fundamental
importância
para
o
próprio
professor,
pois
conhecer-se
biograficamente/autobiograficamente é caminhar para si. E mais, a história de
vida como “revisitação dos elos que nos habitam são capazes de desatar nosso
passado para nos atarmos com ele abrindo possibilidades” (JOSSO, 2006, p.
376). Isto significa que revisitar nossa história é a possibilidade de entender como
nos tornamos o que somos, o que sabemos sobre nós mesmos e como
ensinamos.
Quero com isso dizer que em minha prática de trabalho tenho evidenciado
que as inter-relações entre as dimensões - pessoal e profissional - se constroem
cotidianamente e que minha vida pessoal, escolar, acadêmica e profissional
redimensionaram - e continuam redimensionando - cotidianamente minha atuação
como professora. Acredito, com certeza, que meu desenvolvimento pessoal e
profissional – juntos - constituíram-me como professora.
116
Cabe, aqui, apresentar olhares de alguns teóricos sobre essa “nova”
possibilidade de compreender o desenvolvimento pessoal e profissional do
professor, considerando diferentes espaços e tempos das produções sobre o
tema.
Para Pineau (2006, p. 331), o marco histórico do movimento sobre histórias
de vida data do período que vai de 1980 a 2005, sendo que se pode dizer que os
anos 80 foram de eclosão, os 90 de fundação e que, finalmente, o período de
desenvolvimento das pesquisas ocorreu a partir de 2000.
Nos anos 80, surgiu a primeira utilização sistemática da abordagem
autobiográfica para explorar o processo de autoformação na vida cotidiana e
comum44. Essa produção foi acompanhada no mesmo ano, como Pineau (2006,
p. 330) nos fala, por outros autores que, de certa forma, criaram uma rede sobre
histórias de vida e autoformação, dentre eles destacam-se Pierre Dominicé e
Christina Josso da Universidade de Genebra, Antônio Nóvoa da Universidade de
Lisboa, assim como o próprio Gaston Pineau da Universidade de Montreal.
Os anos 90, na percepção de Pineau (2006), marcaram, além de uma
diversidade de produções escritas sobre o tema, a criação de associações45 que
congregavam professores e pesquisadores para definir, discutir e regulamentar as
possibilidades de trabalhar com histórias de vida. Em 1996, foi iniciada uma
coleção em Paris, Histoire de Vie et Formation, que abriu um espaço de
publicação para as produções que buscavam articular história de vida com
formação que, na época, se multiplicavam. A criação desse espaço é assim
comentada por Pineau (2006, p. 335):
A série Formação abre-se para os pesquisadores sobre formação,
inspirando-se nas novas antropologias para compreender o que é inédito
nas histórias de vida. A série Histórias de Vida, mais narrativa, reflete a
expressão direta dos atores sociais às voltas com o correr da vida ao
46
darem uma forma e um sentido a ela.
Produire sa vie: autoformation et autobiographie de Pineau, publicado em Montreal e em Paris
em 1983.
45
L’Association Internationale des Histoires de vie en Formation - ASIHVIF – 1990/1991 (PINEAU,
2006, p. 334).
46
Em 2006, já havia mais de 60 obras publicadas, por volta de 30 em cada série (PINEAU, 2006,
p. 335).
44
117
Como se vê, as publicações sobre histórias de vida em formação se
consubstanciaram no período entre 1980 e 1990 no cenário internacional. A partir
de 1990, ganham destaque as pesquisas realizadas por Zeichner (1993, 1995,
1998); Nóvoa (1991, 1992, 1995a, b) e Tardif (1991, 2000, 2002), dentre outros,
que trazem à tona discussões sobre a prática reflexiva como elemento importante
do exercício docente, a história de vida dos professores e os saberes docentes,
respectivamente.
Retornando a Pineau (2006), destaco que o início do ano 2000 marca um
momento de desenvolvimento diferenciado e de expansão sobre histórias de vida.
Para o autor, é possível entender esse desenvolvimento considerando três
grupos: os iniciadores – pioneiros – dos anos 80, como os já citados Dominicé,
Josso e Pineau; os contribuidores, pessoas e grupos que, fora da associação,
contribuíram para a utilização das histórias de vida em formação através de
pesquisas para a difusão de seus desenvolvimentos metodológicos; os criadores,
situados entre os iniciadores e os contribuidores, que buscaram a autonomia e a
criação através de “ligações flexíveis, de inter e trans-ações”, os mediadores entre
os outros dois grupos (PINEAU, 2006, p. 336).
Aqui no Brasil, nos anos 80 e a partir de 1990, se consolidaram, também,
os discursos acadêmicos sobre
formação de professores quanto ao desenvolvimento profissional,
articulando-se com categorias teóricas no campo dos saberes docentes,
identidade, histórias de vida como dispositivo de formação inicial e
continuada, profissionalização, desenvolvimento pessoal e profissional,
bem como em relação às possibilidades teórico metodológicas da
pesquisa na área educacional (SOUZA, 2006, p. 31).
Tais pesquisas vinculam-se ao movimento internacional de formação ao
longo da vida, que considera a experiência do sujeito adulto como fonte de
conhecimento e de formação.
Portanto, nestes últimos quinze anos, as pesquisas não só sobre histórias
de vida, mas também os estudos biográficos/autobiográficos ganham visibilidade
no Brasil. Há um crescimento de fóruns que possibilitam discussões e consolidam
pesquisas sobre histórias de vida como no caso, a exemplo, as reuniões da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd e os
congressos do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE.
118
Segundo Bueno et alii (2006), nas Reuniões Anuais da ANPEd foram identificados
40 trabalhos sobre esses temas, no período 1991 e 2001, e nos congressos do
ENDIPE, de 1998 a 2000 foram registrados 35 trabalhos.
Configuram-se, assim, inúmeras possibilidades de estudar o professor, sua
formação inicial e continuada, seus saberes, sua identidade, seu desenvolvimento
pessoal e profissional. No entanto, penso ser de fundamental importância
compreender o significado das diferenciadas terminologias como biografia,
autobiografia, relato de vida e história de vida, enfim todas aquelas que estampam
vida em seu título.
É em Pineau (2006, p. 340- 341) que encontro as devidas explicações para
cada uma das terminologias para estudar o professor. A biografia é entendida
como escritura da vida de outrem; autobiografia como escrita de sua própria vida;
o relato de vida destaca a expressão do vivido pela narrativa e, por fim, a história
de vida entrelaça biográfico, autobiográfico e relatos de vida. A história de vida
objetiva a construção do sentido temporal dos acontecimentos vividos. Josso
(2004, p. 264) destaca que “os elementos biográficos são, então, reunidos em
histórias segundo a lógica de um eu que imagina elos temporais significativos
entre o passado, o presente e o futuro”.
A diversidade de correntes, e até mesmo contracorrentes, indica a força do
movimento biográfico que, para Pineau (2006, p. 342), é multiforme, mais do que
uniforme, pois
o futuro das histórias de vida se inscreve assim nas relações de um
desafio bioético tenso entre um paradigma do comando e do controle e
aquele da automização. Ele é incerto e não resolvido. Porém nessas
lutas de poder pelo acesso aos saberes sobre a vida, seu domínio
representa um meio vital estratégico para construir sentido e produzir
sua vida.
Convém observar, como diz o autor, que a corrente das histórias de vida
pode fazer dessas práticas uma poderosa fonte de autonomia ou, ao contrário, de
submissão dessas pessoas. Há, no entanto, que se ficar atento para o uso dessas
abordagens, pois apesar do sucesso no terreno das práticas e no debate teórico,
tanto Nóvoa (1995) quanto Pineau (2006) dizem que é preciso entender que
existem fragilidades e ambigüidades. Nóvoa (1995a, p. 19) reforça a necessidade
119
de atentar para os seguintes motivos: de um lado, pensar que o sucesso dessas
abordagens pode ser perigoso porque provoca os “efeitos de moda” e, por outro
lado, porque “tende a dar guarida a experiências pouco consistentes e até
eticamente reprováveis”. Pineau compartilha com Nóvoa dessa preocupação,
uma vez que para ele surgiram abordagens em profusão que necessitam, sem
dúvida, um esforço de elaboração teórica baseada numa reflexão sobre as
práticas, porém não numa ótica normativa e prescritiva.
Seja como for, pode-se dizer que o uso das biografias, autobiografias e
histórias de vida vêm contribuindo para renovar a pesquisa educacional,
basicamente, no que diz respeito à formação de professores e, como diz Catani et
al (2006, p. 402), aflorando o interesse por “temáticas novas, tais como as que se
configuram nos estudos sobre profissão, profissionalização e identidades
docentes”.
É importante dizer, também, que o trabalho seja com histórias de vida, com
relatos de vida ou com biografias/autobiografias, servirá igualmente de suporte
para orientar e clarificar a posição a sustentar diante dos desafios da vida e da
história: “saber melhor de onde viemos” (DOMINICÉ, 2006, p. 356).
Encaminho, neste momento, esta escrita para a apresentação de mais dois
olhares teóricos: um que atenta para a trajetória do professor a partir dos ciclos de
vida, pessoal e profissional; o outro que busca compreender a trajetória do
professor centrada na experiência, ou seja, as fases da carreira docente.
Professor em ciclos
Pensar os professores a partir de suas vidas e sentimentos é, também, a
proposta de Bolívar (2002); uma visão que atenta para a trajetória profissional do
professor e seu ciclo de vida pessoal e profissional.
Essa perspectiva é, para Hargreaves (1998 apud BOLÍVAR, 2002, p. 8), a
possibilidade de “visualizar a outra face da mudança na educação”, a partir do
entendimento de como as emoções, as ilusões, projetos futuros podem afetar
individualmente os professores em sua qualidade de pessoa. Com relação à
120
proposta de mudança, Bolívar (2002) alega que muitas vezes não consideramos
“a face racional” dessa mudança e estranhamos que o professor não a tenha
implementado como devia, julgamos que tudo se resume em “como mudar” esse
professor. Após inúmeros fracassos, argumenta Bolívar (2002, p. 8), “começamos
a compreender que subestimamos os contextos nos quais os professores vivem e
trabalham, em suma, sua história de vida”.
Então, é essa outra possibilidade de analisar a problemática da profissão
docente, a que me proponho, a partir do estudo do ciclo de vida profissional, ou
seja, do ciclo vital pelo qual passa o professor, destacando aspectos significativos
da história pessoal e da trajetória profissional para uma melhor compreensão da
pessoa do professor e, como conseqüência, de sua atuação docente.
Esses aspectos são basilares para toda e qualquer proposta de mudança e
aprimoramento profissional. E mais, tal estudo indica a dimensão pessoal como
fundamental nos processos pelos quais os professores se constroem e
dinamizam seu trabalho, deixando claro que “o aperfeiçoamento profissional está
associado ao desenvolvimento pessoal, ou faz parte dele” (BOLÍVAR, 2002, p. 8).
Com isto quero dizer que o que a pessoa é ou sente não pode vir dissociado do
exercício profissional.
Para o autor, o desenvolvimento profissional compreende três grupos de
fatores: o professor como pessoa, o contexto em que trabalha e os incentivos e
programas para uma evolução profissional. Daí a importância dos estudos sobre o
ciclo de vida do professor para possibilitar uma maneira de promover
conhecimento tanto da evolução profissional quanto do aperfeiçoamento da
escola. Para Bolívar (2002, p. 11), é a partir do conhecimento das histórias dos
professores e dos itinerários de formação que:
os programas de desenvolvimento profissional não devem se contentar
em proporcionar determinados recursos ou incentivos a mudanças
particulares, sem articular um sistema formativo, suficientemente flexível
para que professores e professoras possam compor o itinerário pessoal
mais condizente com sua evolução.
Desta forma, as ações formativas planejadas externamente numa ampla
lista de ações pontuais de formação, sem conexão direta com as situações de
trabalho e as trajetórias profissionais, não surtem os efeitos desejados. Deve-se,
121
em se tratando de uma proposta formativa, levar sempre em consideração a
idade, a etapa da carreira profissional, as experiências vitais e os fatores de
gênero, o professor como “pessoa total” (BOLÍVAR, 2002, p. 8). O autor acredita
que “depois de perfilar estruturas favoráveis à mudança educativa, demo-nos
conta de que no final o que importa é a maneira como os professores e
professoras sentem, pensam e agem”.
Para Nóvoa (1995a), como vimos anteriormente, nos últimos vinte anos a
literatura pedagógica tem sido invadida por obras e estudos sobre a vida dos
professores,
as
carreiras,
as
trajetórias
profissionais,
as
biografias
e
autobiografias ou, ainda, sobre o desenvolvimento pessoal dos professores. Isto
significa que um novo olhar sobre a vida e a pessoa do professor tem
complementado os estudos sobre as práticas de ensino. Nóvoa (1995b, p. 17) diz
que a ação pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo
percurso de vida profissional de cada professor, pois “a maneira como cada um
de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa
quando exercemos o ensino”. E mais, para o autor, “é impossível separar o eu
profissional do eu pessoal”.
Considero que estudar o curso de vida de uma pessoa requer
compreensão
do
diacronicamente
percurso
por
ela
em função de um
percorrido,
devendo
ser
analisado
conjunto de etapas como idades,
circunstâncias sociais e históricas e estágios profissionais. Tais estudos
obedecem a certo grau de normatividade, seguindo as seqüências de
fases/estágios pelos quais costumam passar os seres humanos; no entanto devese considerar, também, o conjunto de acontecimentos sócio-históricos e eventos
individuais inesperados na vida de cada pessoa. Para Bolívar (2002, p. 22), o
termo curso indica “seqüência temporal progressiva como conjunção de
estabilidade e mudança, com continuidades e descontinuidades”. A idéia de ciclo
de vida por ele utilizada é a de um dispositivo heurístico ou metáfora capaz de
proporcionar um quadro para a observação e capaz de contribuir para a
compreensão do aperfeiçoamento profissional do professorado.
Nas últimas décadas pesquisas que aplicam as teorias de desenvolvimento
dos adultos ao desenvolvimento do professorado vêm empregando “os ciclos de
vida” profissional como uma maneira de entender a carreira, a evolução
122
profissional e, ainda, o grau de compromissos ou implicações com a mudança e
inovação.
Nessa perspectiva a carreira profissional é considerada como um todo,
incluindo as experiências escolares da infância, passando pela escolha
profissional - entrada no magistério – até o afastamento ou aposentadoria.
Portanto, o modelo dos “ciclos de vida” possibilita uma compreensão mais ampla
– ou pelo menos mais complementar – do desenvolvimento profissional e pessoal
dos docentes.
Adotar o enfoque de ciclos de vida de docentes implica considerar a
existência de variações em função do contexto social e escolar do trabalho ou da
própria pessoa. As modificações nas fases da vida profissional não são
ocasionadas pela idade, não como se fossem conseqüências biológicas, mas sim
pelas condições de tempo e lugar determinados, elas ocorrem pelas situações de
oportunidades e limitações vividas. Elas acontecem em diferentes territórios pelos
quais as pessoas costumam transitar, quebrando, por vezes, a linearidade das
experiências vivenciadas. Com relação a esse fato, Bolívar (2002, p. 52)
considera que o desenvolvimento da carreira:
é um processo que, embora pareça linear, apresenta avanços,
recuos, descontinuidades ou mudanças imprevisíveis. A carreira do
professor ou professora será uma criação conjunta da interação
dialética entre o que queriam ser (fatores maturativos e psicológicos)
e os fatores do ambiente social.
Cabe destacar que não se podem prever com segurança as fases de cada
professor. Isto porque, para o autor citado (2002, p. 46),
A vida de professores e professoras passa por uma sucessão de etapas
ou fases que configuram seu ciclo de vida; caracterizadas, entre outras
coisas, pelo predomínio de preocupações, atitudes, e vivências diante
de trabalho, articulados com outros domínios da vida, em especial com
o ambiente social.
As fases/estágios na carreira profissional e suas possíveis derivações para
novas fases dependerão dos acontecimentos ocorridos nas trajetórias individuais
dos professores, determinados pelos sujeitos, pela própria maturidade ou pelo
ambiente social.
123
Huberman (1995, p. 36) destaca uma série de questões, suscitadas pelas
fases da carreira docente, que merecem atenção. A seguir, algumas dessas
indagações: (a) com relação à carreira: existem fases ou estágios no ensino?
Todos os professores passam pelas mesmas fases independentemente da
geração a que pertencem? Existem trajetórias diferentes em cada período da
carreira profissional? O que faz um professor ser diferente de outro professor? (b)
sobre a percepção do professor: qual o grau de satisfação com seu ensino?
Como ele, na sua atuação em sala de aula, vê os diferentes momentos de sua
carreira? Como considera seu trabalho com o passar dos anos? Como vê seus
momentos de crises e como faz para enfrentá-los? Como lida com as exigências
da instituição escolar? Como percebe a influência dos acontecimentos da sua
vida pessoal no trabalho escolar?
É possível, aqui, aproximar os olhares teóricos de Huberman (1995) e
Bolívar (2002) sobre o estudo dos ciclos de vida. Huberman trabalha em suas
pesquisas, também, com ciclos de vida, porém enfatiza as fases da carreira
docente. Para Bolívar, o estudo dos ciclos de vida fornece as coordenadas da
evolução pessoal e profissional do docente, o que permite obter instrumentos
para discutir, igualmente, os processos formativos desses docentes. Tanto
Huberman quanto Bolívar admitem que, através deste estudo, existe a
possibilidade de melhor compreender a profissão docente, levando em conta as
variáveis históricas, institucionais e pedagógicas que configuram o itinerário de
cada professor. Huberman aproxima-se mais uma vez de Bolívar quando destaca
como fundamental conhecer as mudanças de vida, o enfrentamento das crises e
os compromissos institucionais que os professores enfrentam, para, então, propor
mudanças significativas no processo formativo e no aprimoramento profissional
dos docentes.
Professor em fases
Para compreender as fases na carreira profissional, encontro em
Huberman (1995) o modelo centrado nos anos de experiência docente e não na
124
idade. Para o autor, o desenvolvimento de uma carreira é um processo que para
alguns pode ser linear, mas para outros, há momentos de altos e baixos. O
estudo da carreira docente possibilita “a compreensão do percurso de uma
pessoa numa determinada organização e a forma como as características dessa
pessoa influenciam a organização e são, ao mesmo tempo, influenciadas por ela”
(HUBERMAN, 1995, p. 38).
A carreira docente caracteriza-se por diferentes fases que constituem o
ciclo de vida profissional dos professores. O modelo proposto segue a ordem
geral das fases, admitindo, porém, uma grande diversidade com relação às
variáveis históricas, institucionais e psicológicas que configuram uma determinada
geração, ou seja, pessoas de uma mesma idade e um conjunto de experiências
comuns num certo espaço de tempo.
As fases propostas pelo autor são em número de cinco (Quadro 1),
considerando que as três primeiras fases são comuns à maioria dos professores.
Quadro 3 – Fases por anos de carreira
ANOS DE CARREIRA
FASE DA CARREIRA
1-3
Exploração / entrada na carreira
4-6
Estabilização
consolidação de um repertório pedagógico
7-25
Diversificação / questionamento
25-35
Conservantismo
serenidade – distanciamento afetivo
35-40
Desinvestimento / sereno ou amargo
A primeira fase é a entrada na carreira, chamada de exploração.
Transcorre nos três primeiros anos de ensino, desde que se tenha feito uma
escolha (casual ou não). Essa fase pode ter momentos fáceis ou difíceis, é onde
surgem os contornos da nova profissão. Caracteriza-se por uma necessidade de
sobrevivência no novo meio, um confronto entre os ideais e a realidade do
cotidiano escolar. Outra característica dessa fase é a descoberta por parte do
professor de sua própria atuação, de seus alunos e de sua integração no coletivo
profissional.
125
A estabilização é a fase que se situa entre 4 e 6 anos, marcada pela
consolidação de habilidades práticas, de um modo próprio de trabalhar.
Caracteriza-se pela busca de uma autonomia profissional na execução do
trabalho, capacidade de tomar decisões, surge o estilo pessoal de comandar a
classe e a autoridade passa a ser mais natural e mais espontânea. Delineia-se,
nesse momento, uma identidade profissional. Os percursos individuais parecem
divergir mais a partir dessa fase.
Outra fase é a de diversificação ou questionamento, que abrange o período
que varia entre 7 e 25 anos de experiência docente. Essa fase está caracterizada
por duas situações: por um lado, existem professores que procuram
comprometer-se com o trabalho de ensino, buscando novas experiências
pessoais; por outro lado, alguns professores, devido às limitações institucionais
do trabalho, sentem-se prejudicados no desempenho em sala de aula e, como
saída para a carreira, buscam novos desdobramentos como, por exemplo,
direção, assessorias e responsabilidades administrativas. Nessa fase, os
professores procuram preservar o status adquirido buscando a atualização que
permite conservar o entusiasmo. Não obstante, a fase de diversificação pode
desencadear um período de incertezas, variando de pessoa para pessoa.
O conservantismo é uma fase que está situada num período entre 25 e 35
anos de experiência profissional. Nessa fase os sintomas podem variar: desde um
ligeiro sentimento de rotina até uma crise existencial que questiona a continuidade
– ou não - da carreira profissional. Destaca-se que nem todos os professores
passam por essa crise. Segundo estudos realizados sobre os ciclos de vida, há
unanimidade em afirmar que os professores na faixa etária entre 45 e 55 anos
perdem a energia. Isso acontece por um período de serenidade e de
distanciamento afetivo, no qual o professorado está mais calmo e costuma sentir
certo desalento em enfrentar novos desafios, torna-se mais reflexivo, menos
preocupado com os problemas de classe/grupo. Os professores mantêm uma
distância afetiva com relação aos seus alunos, uma distância, na maioria das
vezes, criada pelos próprios alunos em razão da diferença de idade e
incompreensão mútua.
Por fim, a fase do desinvestimento (sereno ou amargo) ocorre entre 35 e
40 anos. Professores, entre 50 e 60 anos, frente às novas gerações de alunos, os
126
colegas jovens e as medidas de política educativa, adotam uma postura
conservadora, mais prudente e mais crítica. Eles se manifestam de forma
queixosa e até mesmo reacionária, diante de propostas de mudanças. É o
período do fim de carreira, onde se manifesta um processo de desaceleração e
desengajamento do trabalho, seja por limitações pessoais, seja por preocupações
de ordem pessoal. Os professores participam menos das ocupações profissionais,
mais das atividades de lazer. Os professores libertam-se, progressivamente, do
investimento no trabalho, para dedicar mais tempo a si próprios. Muitas vezes, as
pessoas se dispõem a fazer um “balanço” das suas vidas em função do tempo
que ainda falta para encerrar a carreira profissional.
Quero destacar que os relatos biográficos dos professores viabilizam a
reconstrução dos percursos através dos quais cada um pode identificar as
experiências, os momentos e os reencontros significativos de sua formação e da
escolha da profissão docente.
Esse caminho biográfico possibilita a construção de um inventário de
experiências e competências profissionais vivenciadas e, ao mesmo tempo,
permite uma compreensão global da pessoa. Seu desempenho profissional pode
atuar como um espelho crítico que devolve a imagem para que possa ser
repensada, refletida, analisada e reconstruída.
O estudo dos ciclos de vida deixa claro que não é possível dissociar o
desenvolvimento profissional do pessoal, permitindo a articulação dos processos
formativos do ponto de vista de quem se forma, inseridos na trajetória pessoal e
profissional. É possível entender esses processos não apenas a partir da ótica
das instituições externas de formação.
Esse fato nos leva a pensar que as propostas de inovações das instituições
devem considerar a dimensão pessoal da mudança (atitude, compromisso ou
capacitação) para identificar que fatores de evolução profissional (fase do ciclo de
vida) vão condicionar a disposição para a inovação. Cabe, então, perguntar se
pode - ou não - haver estágios que sejam mais propícios para promover
inovações?
Se tomo como base as fases da carreira docente propostas por Huberman
(1995) penso - quase afirmo – que devido ao fato de existirem, no curso da
carreira, diferentes tipos de compromissos, juntamente com níveis de satisfação,
127
existem momentos propícios para inovações, como por exemplo, a fase central da
carreira, situada entre a “estabilização” e o “auto-questionamento”, na qual os
professores chegam a ser mais ativos e disponíveis para inovações.
Destaco, aqui, a importância de tal conhecimento para posterior proposta
de inovação, o que evitaria a seguinte, e tão usual, pergunta: “Quem sabe o
problema é do professor e não da proposta de inovação?” Culpar o professor pelo
fracasso da mudança é desprezar o momento da carreira em que o mesmo se
encontra.
É a voz do professor que precisamos ouvir e dela extrair considerações
que permitam compreender o entrelaçamento de sua história e trajetória em
diferentes espaços e tempos de sua vida pessoal e de sua prática docente. É
essa escuta que precisamos considerar antes de qualquer julgamento, seu relato
de vida ao transpor sua voz revela suas reais necessidades. Só ele sabe de si,
das relações que estabeleceu com o seu processo formativo e com as
aprendizagens que construiu ao longo da vida.
Nesse sentido, o estudo das fases que balizam a carreira docente, através
das histórias pessoais da experiência profissional, permite a elaboração de um
inventário de vivências, saberes e competências profissionais e, na medida em
que trabalha a biografia narrativa, possibilita a análise dos aspectos essenciais
desse desenvolvimento e a compreensão da pessoa do professor como capaz de
orientar sua vida a partir dos acontecimentos sócio-históricos e dos eventos
individuais.
Em minhas andanças teóricas, apresentei nesse capítulo um caminho para
compreender o professor. Comecei pensando na escola como lugar de cultura,
como espaço de produção de vozes e como o cenário onde acontece o trabalho
docente.
Falei de uma escola com características próprias, com uma cultura que
perpassa todas as ações do cotidiano, incluindo suas formas de organização, de
gestão, e de constituição dos sistemas curriculares. Uma escola, que tem como
significativo para o entendimento e construção dessa cultura a presença dos
professores e suas práticas, incluindo a formação, a seleção e o desenvolvimento
da carreira acadêmica desses professores. Falei de uma escola, que além de ser
um lugar de cultura é, também, um lugar de produção de vozes, ecoadas pelos
128
discursos, pelas formas de comunicação e pelas linguagens presentes no seu
cotidiano.
Trilhei,
posteriormente,
profissionalização
dos
a
professores,
trajetória
por
do
processo
considerá-lo
histórico
determinante
da
para
compreender os problemas atuais da profissão docente e, parodiando Nóvoa,
digo ser esse um desafio para pensar e propor mudanças na escola e na
formação e ação dos professores ou, até mesmo, recriar a profissão docente.
Seguindo minhas andanças teóricas, procurei entender o repertório de
conhecimentos que corresponde aos saberes próprios do professor, acreditando
que a perspectiva que investiga esses saberes pode contribuir com o
desenvolvimento profissional dos professores.
Por acreditar que o professor “é” a partir de suas experiências e
aprendizagens construídas ao longo de sua vida, fui buscar as produções sobre
trajetórias biográficas para olhar a vida pessoal do professor, considerando a
maneira como ele ensina e que essa maneira está diretamente ligada aquilo que
ele é como pessoa quando ensina.
Então, é dessa possibilidade de analisar a problemática da profissão
docente, através de um caminho biográfico, que procurei entender o estudo do
ciclo de vida profissional, que permitiu destacar aspectos significativos da história
pessoal e da trajetória profissional para melhor compreender a pessoa do
professor e, como conseqüência, sua atuação docente. Para complementar esse
estudo, busquei as fases da carreira docente porque penso - quase afirmo – que
devido ao fato de existir, no curso da carreira, diferentes tipos de compromissos,
níveis de satisfação existem momentos propícios para inovações, para propor
mudanças.
É desse lugar, com esses olhares, que me propus a analisar o
desenvolvimento pessoal e profissional do professor de Artes Visuais e
compreender as continuidades e descontinuidades na (re) construção de sua
trajetória docente.
A seguir, serão apresentadas as impressões primeiras de um grupo de
professores de Artes Visuais, onde será possível verificar as características e
expectativas formativas comuns no coletivo.
IMPRESSÕES PRIMEIRAS
"Impressão, nascer do Sol“ eu bem o sabia! Pensava eu, justamente
se estou impressionado é porque lá há uma impressão.
E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de
parede é mais elaborado que esta cena marinha".
Louis Leroy
A obra de Monet48 “Impressão, nascer do sol” é minha Imagem Viajante nº
6. Essa pintura foi exibida na primeira exposição impressionista e deu origem ao
nome do movimento. A expressão “impressão” do critico de arte Leroy foi usada
originalmente de forma pejorativa, mas Monet e seus colegas adotaram o título,
sabendo da revolução que estavam iniciando na pintura. A polêmica causada pela
obra foi pela sua forma de apresentar na técnica de pintar o efeito das luzes com
rápidas pinceladas, fato incomum na arte até aquele momento, pois predominava
a pintura acadêmica de atelier. A crítica ao quadro de Monet dizia que essa
pintura não passava de uma impressão, um rascunho.
É exatamente por esse motivo que a imagem de Monet inspira a escrita
sobre minhas impressões primeiras de um grupo de professores. Tal como o
artista, eu saí ao “ar livre” para capturar e entender melhor as nuances e as
48
Claude Oscar Monet (1980-1926), pintor francês representante do movimento impressionista. O
impressionismo pode ser considerado um movimento revolucionário ocorrido na história da pintura
ocidental nos fins do século XIX. Os pintores impressionistas foram, sobretudo, paisagistas,
pintavam ao ar livre, captando modificações que a luz do sol provocava nas cores da natureza
(GOMBRICH, 1983, p. 419). Os impressionistas se propuseram a reduzir a arte à representação
imediata da sensação visual. Os artistas viam o mundo subjetivamente, ou seja, tal como se
apresentava aos seus sentidos em várias luzes ou de diferentes pontos de vista. Os
impressionistas foram considerados pela crítica da época como “falsos artistas, ignorantes das
regras tradicionais da pintura e dos princípios da verdadeira beleza” (CAVALCANTI, 1978, p. 211).
130
mutações coloridas dos docentes de artes visuais, só que agora, apenas, as
características e expectativas formativas comuns no coletivo.
Imagens delineadas
As primeiras imagens de professores49 surgem a partir da aplicação de um
questionário para 40 docentes de Artes Visuais. O questionário elaborado
constava de 45 questões, subdivididas em questões fechadas e de alternativas
múltiplas, agrupadas em torno das seguintes dimensões: dados de identificação,
escolaridade, carreira e expectativas profissionais, processo de trabalho. Por fim,
solicitei aos professores informações sobre as dificuldades encontradas para
ensinar arte e sugestões para a melhoria desse ensino.
• Dados de identificação, escolaridade
A imagem inicial predominante é a da professora, uma vez que a maioria é
do sexo feminino, apenas um professor do sexo masculino, com idades que
variam entre 30 e 51 anos. A maioria delas é casada, apenas uma é divorciada e
o professor é solteiro.
Os dados relativos à escolaridade apontam para o predomínio do ensino
público municipal ou estadual na educação básica, sendo que duas professoras
cursaram o ensino fundamental em escolas particulares, uma em particular leiga e
outra em uma escola particular religiosa. Outro fator que se destaca diz respeito
ao ensino médio, pois a maioria dos professores teve esse nível de ensino em
cursos de magistério nas escolas públicas da cidade. Apenas uma docente
concluiu o ensino médio, magistério, em escola particular religiosa. Uma
professora teve formação no nível médio no ensino técnico profissionalizante. O
professor iniciou o ensino médio em uma escola técnica federal e concluiu esse
49
O número de docentes que participaram dessa primeira fase da coleta de dados resultou de
contatos telefônicos, cujos números foram fornecidos pelo colegiado do curso, através de visitas a
quatro escolas e, ainda, pela indicação dos próprios professores. Os questionários foram
aplicados para 30 docentes entre os meses de outubro e novembro de 2007 e para mais 10
professores no mês de maio de 2008. Os professores pertencem a 54 escolas municipais – 35 na
zona urbana, 17 na periferia, uma no Laranjal e uma na zona rural. Total de escolas do Município.
131
nível de ensino em uma escola municipal. Outra professora cursou o ensino
médio na antiga Escola Técnica Federal de Pelotas. Todos os professores são
formados, em nível superior, pelo IAD/UFPel, concluindo seus cursos50 entre 1983
e 2002 (Tabela 8).
Tabela 8 – Professores por formação: curso e habilitação
HABILITAÇÃO
CURSO
TOTAL
FP*
Licenciatura Plena em Ed. Artística
AP
D
AV
22,5%
22,5%
Licenciatura Plena em Ed. Artística
30%
7,5%
37,5%
Licenciatura em Artes
22,5%
TOTAL
DCG
30%
7,5%
35%
5,0%
40,0%
35%
6,7%
100,0%
Fonte: Elaboração própria.
* Legenda: FP - Formação Polivalente em Artes Plásticas, Teatro e Música; AP – Artes Plásticas; AV Artes Visuais; D - Desenho; DCG – Desenho e Computação Gráfica.
O grupo de professores apresenta formação diferenciada na área de Arte,
22,5% é formado no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística com
formação polivalente. Essa formação tinha como propósito formar professores
capazes de ensinar artes plásticas, música e teatro, ou seja, uma formação
superficial em todas as linguagens artísticas, embora o professor fosse habilitado
em Artes Plásticas ou Desenho ou Música.
Concordo, plenamente, com Magalhães (2002) quando destaca que essa
proposta polivalente deixou sérias lacunas na formação do professor e nas
práticas
educativas
superficialidade
da
em
Arte,
área
nos
que
contribuíram,
currículos
sem
escolares,
dúvida,
para
impossibilitando
a
um
conhecimento mais sistematizado e aprofundado dos contextos históricos e as
especificidades de cada uma das linguagens artísticas. Outro fator que destaco
50
Os cursos indicados foram: Licenciatura Plena em Educação Artística com habilitações em Artes
Plásticas e Desenho, Licenciatura Plena em Educação Artística sem o caráter polivalente, mas
com as mesmas habilitações e, por fim, Licenciatura em Artes com as habilitações em Artes
Visuais e Desenho e Computação Gráfica.
132
na formação dos professores foi – e por vezes ainda é - a concepção de um
ensino da arte que prioriza a livre expressão em detrimento do conhecimento
dessa arte, uma ênfase excessiva no fazer artístico. O curso de licenciatura com
formação polivalente existiu no IAD durante o período de 1978 até 1993.
Em 1994, após 15 anos, a estrutura polivalente é eliminada do curso, que
mantém a mesma nomenclatura e habilitações. Com formação nesse curso
participaram da pesquisa 37,5% do total de quarenta docentes, sendo que desses
30% habilitadas em Artes Plásticas e 7,5% em Desenho.
O outro grupo de professores – 40% - tem formação no curso de
Licenciatura em Artes, 35% tem habilitação em Artes Visuais e 5% em Desenho e
Computação Gráfica.
Considerando as exigências da LDB nº 9.394/96 e a proposta das
Diretrizes Curriculares, sistematizada pala Comissão de Especialistas de Ensino
de Artes Visuais da SESu/MEC e a conseqüente divulgação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, o curso passa por nova reformulação em 1999. A
reformulação altera, primeiramente, o nome do Curso para Licenciatura em Artes
com habilitações em Artes Visuais e Desenho e Computação Gráfica. Essa última
terminalidade permanece mais alguns anos, até sua reestruturação por decisão
dos professores do IAD e não por adequação às exigências legais. Entendo que o
interesse em manter o ensino do desenho como uma habilitação é um resquício
do ensino praticado na antiga Escola de Belas Artes. A ampliação do ensino das
Artes Plásticas (pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura) para Artes
Visuais (fotografia, moda, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo, computação,
performance, holografia, desenho industrial, arte em computador) foi outro fator
priorizado na estrutura curricular do curso.
Com relação a Curso de Pós-Graduação, apenas três professoras
possuem cursos de Especialização, uma na área de Arte em Patrimônio Cultural:
Conservação de Artefatos e outras duas na de Educação, no IAD e na
FaE/UFPel, respectivamente. Uma das professoras está cursando Especialização
em Educação na área de concentração em Educação Infantil na FaE/UFPel. Uma
professora realizou um Curso de Capacitação para trabalhar com alunos surdos.
133
• Carreira e expectativas profissionais
A carreira e as expectativas profissionais dos professores indicam questões
relevantes como: tempo de docência, regime de trabalho, incluindo categoria
funcional. Nesse item do questionário são, ainda, destacados aspectos referentes
à participação – ou não – em associação de classe e em tipos de atividades
artísticas, a escolha da profissão e as expectativas profissionais.
O tempo de atuação no magistério dos professores varia entre 5 e 24 anos.
Entre 20 e 24 anos de carreira estão três professoras: uma com 20 anos, outra
com 21 anos e outra com 24 anos de magistério e apenas uma professores entre
16 e 20 anos de docência. Entre 11 e 15 anos de carreira encontram-se 15 % das
professoras; 45% estão entre 6 e 10 anos e 27,5% entre 1 a 5 anos de carreira no
magistério (Tabela 9). Portanto, 72,5% dos professores encontram-se na faixa
que varia entre 1 a 10 anos de docência, comprovando-se os dados sobre a
renovação do quadro de docentes na área de Arte no município51.
Tabela 9 – Professores por tempo de docência
ANOS DE DOCÊNCIA
PROFESSORES
1 a 5 anos
27,5%
6 a 10 anos
45,0%
11 a 15 anos
15,0%
16 a 20 anos
5,0%
21 a 25 anos
7,5%
Fonte: Elaboração própria.
O regime de trabalho para a maioria – 90% - dos professores é de 40
horas semanais. Apenas uma tem 20 horas semanais, outra, além das 40 horas
no município, trabalha mais 20 horas numa escola estadual e uma terceira tem
60 horas no município. Uma professora trabalha 40 horas no município, 20 horas
no estado e mais 10 horas numa instituição particular de ensino, ou seja, essa
51
Segundo informações da SME em 2006, no último concurso realizado em 2000 a renovação de
professores de Arte foi de 68%. Esse dado evidencia uma reposição significativa do quadro
docente nas escolas municipais.
134
professora tem uma carga horária semanal de 70 horas. Portanto, 10% dos
professores têm mais de 40 horas de trabalho por semana.
Os docentes, na maioria, não participam da associação de classe nem
exercem outra atividade fora da escola. Uma professora que também atua numa
escola estadual, assinalou o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande
do Sul- CPERS/Sindicato, acrescentando que sua participação é pouco ativa. No
caso de desempenho de alguma atividade artística, os professores não atuam
em nenhuma área da arte fora da escola. Outra professora é filiada ao Sindicato
dos Municipários de Pelotas/SIMP.
Quanto à categoria funcional, os professores municipais que lecionam no
ensino fundamental de 1ª a 4ª séries são professores nível 1 - P1, de 5ª a 8ª
séries, P2, e no ensino médio, P3. Cabe destacar que um professor da rede
municipal pode ter mais de uma categoria funcional. A maioria – 95% - dos
professores pertence ao nível P2, 7,5% desses também ao nível P3, sendo que
5% tem como categoria funcional o nível P1.
O ser professor como opção pessoal foi a maioria das respostas dos
professores. Apenas uma assinala a influência familiar como fator motivador na
escolha da profissão. O professor, no entanto, difere das professoras, não tinha a
intenção de ser professor, mas como não foi aprovado no curso pretendido optou
pela licenciatura por ser a via mais fácil de ingresso no ensino superior. Destacase o fato de todos os professores, exceto uma professora e o professor, terem
cursado o magistério no ensino médio. Ao serem questionados sobre a
possibilidade de reiniciar a carreira profissional, 92,5% dos professores
responderam que voltariam a escolher a docência e 7,5% que não a escolheriam
novamente. No caso de respostas afirmativas ou negativas os professores
deveriam indicar as razões, os que marcaram sim, indicaram que vêem futuro na
educação e consideram o trabalho gratificante e, ainda, apontaram a estabilidade
que a carreira proporciona. Dos três professores que não voltariam a escolher a
carreira docente, duas indicaram como causas o baixo salário e o trabalho
estressante e o professor, além dessas indicações, apontou as condições
precárias de trabalho e o baixo prestígio social como razões para não voltar a ser
professor.
135
Sobre as expectativas profissionais, 60% das professoras pretendem
manter a situação atual e gostariam de buscar o aperfeiçoamento através de
cursos de pós-graduação e 40% assinala a aposentadoria como a expectativa
futura. O professor tem como expectativa profissional a realização de um curso de
pós-graduação no nível de mestrado e, se possível, mudar de profissão.
Em síntese, os dados apresentados até o momento apontam para um
grupo predominantemente feminino, cuja escolarização e formação superior foram
realizadas em instituições públicas de ensino. O regime de trabalho da maioria é
de 40 horas semanais e o tempo de docência varia entre 5 e 24 anos. A escolha
da profissão para todas as docentes foi por opção pessoal e, se pudessem
reiniciar a carreira, escolheriam novamente a docência, pois acreditam na
educação, consideram o trabalho gratificante e destacam, ainda, a estabilidade
que esse trabalho proporciona. No entanto, um grupo significativo tem como
expectativa futura a aposentadoria por considerar o trabalho docente estressante
e as condições de trabalho precárias. Indicam, ainda, os baixos salários e o
desprestígio social como fatores que desestimulam o trabalho docente. Apenas o
professor não tinha como opção profissional a docência e, como já dito, pretende
buscar sua atualização profissional através de um curso de pós-graduação,
trocando, se possível, no futuro, de profissão.
• Dados sobre o processo de trabalho
Neste item do questionário os professores assinalaram respostas às
questões relativas aos aspectos relevantes para o desempenho docente como
nível de ensino e séries de atuação, turno de trabalho, número de turmas e de
alunos, carga horária efetiva em sala de aula. Foram solicitados a responder,
também, questões mais específicas das aulas de Artes Visuais, tais como espaço
físico, recursos materiais, planejamento das aulas, utilização do livro didático,
instrumentos de avaliação. Por fim, os professores deveriam destacar a
participação nas reuniões que a instituição costuma realizar e as atividades de
formação continuada no último ano.
136
As alternativas mais relevantes indicadas pelos professores para o
exercício da profissão foram, dentre as oferecidas, a responsabilidade e o
conhecimento adquirido pela experiência, como mostra a Tabela 10.
Tabela 10 - Alternativas para o exercício da docência
ALTERNATIVAS
PROFESSORES
Conhecimento oriundo da sua formação profissional
Conhecimento adquirido na sua experiência
90,0%
Domínio dos conteúdos de Arte
2,5%
Domínio dos conhecimentos pedagógicos e didáticos
2,5%
Amor pela profissão
2,5%
Responsabilidade e compromisso
92,5%
Constante atualização profissional
5,0%
Fonte: Elaboração própria.
O número percentual de informantes ultrapassa os 100%, uma vez que alguns
professores indicaram mais de uma alternativa.
Esse grupo de professores, como se vê, alega estar imbuído de seus
deveres para com a formação de seus alunos, pois consideram que a
responsabilidade e o compromisso são relevantes para o exercício da profissão
docente. É, sem dúvida, um grupo extremamente comprometido com a profissão
escolhida por eles. E, ainda, destacam o conhecimento adquirido através da
experiência como sendo a alternativa preponderante.
Concordo, em parte, com os docentes. Mas quero enfatizar que um
professor se constrói, sim, ao longo de sua vida e que, no exercício de seu
trabalho, utiliza saberes oriundos de suas experiências profissionais, porém onde
ficam as experiências familiares e escolares, os processos de formação
profissional? É bem como nos diz Arroyo (1985a), os professores costumam
atribuir aos saberes construídos no exercício do magistério um valor
predominante quando questionados sobre a construção de sua competência. As
professoras não consideraram os conhecimentos oriundos de sua formação
profissional nem tampouco o domínio dos conteúdos de sua área de atuação, as
Artes Visuais. Apenas o professor assinalou o domínio do conhecimento em Arte
como aspecto relevante para a sua atuação em sala de aula.
137
É importante lembrar que os estudos sobre os saberes docentes valorizam
a ação da experiência profissional, que é possível a produção de um
conhecimento prático, porém enfatizam a compreensão de que o professor, ao
desenvolver seu trabalho, mobiliza uma pluralidade de saberes. Destaco, aqui,
que tanto Gauthier (1998) quanto Tardif (2002) enfatizam que existe, sem dúvida,
uma mobilização de saberes nas ações dos professores e, ambos compreendem
os educadores como sujeitos que possuem uma história de vida pessoal e
profissional e que são produtores e mobilizadores de saberes no exercício de sua
prática. Portanto, os saberes são originados da história de vida, da formação
profissional, do conhecimento científico da disciplina que o professor ensina, dos
currículos e materiais instrucionais com que trata o professor, da estrutura e
organização escolar onde o professor atua e, finalmente, do conhecimento
construído na prática pedagógica e profissional.
Com relação aos níveis de ensino, 80% dos professores leciona de 1ª a 4ª
séries do ensino fundamental52 no período diurno, manhã e tarde, e ainda atuam
de 5ª a 8ª séries também nos turnos da manhã e tarde. 17,5% do grupo de
professores só atuam de 5ª a 8ª séries. O professor leciona de 1ª a 7ª séries. Três
professoras, além de lecionar para todas as séries do ensino fundamental, atuam
no ensino médio. Duas dessas professoras têm também, cada uma delas, uma
turma de alunos portadores de necessidades especiais e a outra uma turma do
EJA (Educação de Jovens e Adultos), todas no turno da noite.
Desse grupo de professores, 65% atuam em uma única escola em turno
diurno e 35% em duas escolas em turno diurno e 7,5% também trabalha no turno
noturno. Uma professora leciona em três escolas: uma do município, outra do
estado e, ainda, em uma instituição particular, ou seja, essa professora trabalha
nos três turnos. Apenas uma professora atua somente de 1ª a 4ª séries do ensino
fundamental. Uma professora atua em quatro escolas.
Destaco como significativo pensar mais uma vez na formação do grupo de
professores, considerando que 22,5% têm o curso de Licenciatura Plena em
Educação Artística com formação polivalente e 37,5% o curso com o mesmo
nome, porém sem a polivalência, e que esses cursos preparavam seus formandos
Nas escolas municipais os professores de Artes Visuais lecionam nas séries iniciais do ensino
fundamental, o que significa uma adequação ao Art. 26§ 2ª da LDB 9394/96, que determina que o
ensino da Arte deve ser componente curricular em todos os níveis de ensino da educação básica.
52
138
para atuarem de 5ª a 8ª séries, o que significa que 60% dos professores não têm
preparação para trabalhar de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. O outro grupo
de professores - 40% -, por sua vez, encontra-se em situação semelhante, pois a
formação é no curso de Licenciatura em Artes, cujas alterações contemplaram em
parte as exigências legais sem, no entanto, ter na sua estrutura curricular
disciplinas que trabalhassem especificamente a relação do desenvolvimento
cognitivo e afetivo com o grafismo das crianças nesse nível de ensino. A
ampliação na formação de professores para atuar em todos os níveis de ensino
fundamental e médio ocorreu com a reformulação de 2004, não atingindo o grupo
que participa desta pesquisa.
O número de turmas semanais por professor varia entre 15 e 22 e o de
alunos entre 150 e 950. A carga horária efetiva em sala de aula corresponde,
aproximadamente, à carga horária de contrato de cada um dos professores. Uma
professora, com regime de trabalho de 60 horas, dedica 35 horas para uma
atividade de coordenação, complementando sua carga horária com 11 turmas
semanais, dentre elas, uma turma para alunos surdos.
Penso ser importante salientar que os professores ocupam seu tempo na
escola apenas com atividades em sala de aula, exceto a última professora citada.
Essa situação aponta para a questão da intensificação no trabalho docente,
uma vez que, segundo Apple (1987), a redução do tempo dedicado a pensar,
programar e planejar acarreta, no decorrer do processo, um aumento de
desqualificação profissional e um elevado grau de dependência, por parte dos
professores, das tecnologias educacionais e das determinações externas.
Complemento essa idéia com Hargreaves (1998), quando afirma que a
intensificação é uma quebra, muitas vezes abrupta, na organização para o lazer,
ao que Apple (1987) chama de dinâmica de desqualificação intelectual.
O espaço físico mais utilizado pelos professores para o trabalho com Artes
Visuais é a sala de aula. Apenas dois outros locais alternativos foram indicados
por duas professoras: a oficina de arte e o pátio da escola (Tabela 11).
139
Tabela 11 – Espaço físico indicado para as aulas de Artes Visuais
ESPAÇO FÍSICO
PROFESSORES
Sala de aula normal
100%
Oficina de arte
5%
Pátio
5%
Auditório / Ginásio
-
Saguão
-
Refeitório
-
Outro
Fonte: Elaboração própria.
O número percentual de informantes ultrapassa os 100%, uma vez que
alguns professores indicaram mais de uma alternativa.
Destaco, aqui, um aspecto que merece atenção: se a média de alunos em
uma sala de aula varia entre 25 e 30 alunos e as aulas de Artes Visuais são em
sua maioria de 45 minutos, exceto para as raras ditas dobradinhas, como os
professores podem propor aos seus alunos trabalhos que exijam domínio de
espaço visual para além de uma folha de ofício tamanho A4 e o uso de tintas?
Penso que, nesse espaço físico, as professoras sobrevivem com o que têm e
podem fazer, enfrentando a ausência das condições mínimas, e os alunos, por
sua vez, ficam restritos em suas experiências e produções visuais.
Quando ao planejamento das aulas, todos os professores indicam que a
realização dessa atividade ocorre individualmente, e apenas uma professora
responde que, algumas vezes, discute o planejamento das atividades com outras
colegas. A freqüência com que os professores realizam o planejamento de suas
aulas apresenta-se de forma variada, conforme mostra a Tabela 12.
Tabela 12 – Freqüência no planejamento das aulas pelos professores
FREQÜÊNCIA DO PLANEJAMENTO
PROFESSORES
Diariamente
2,5%
Semanalmente
2,5%
No início do período letivo
80,0%
Semestralmente
-
Por unidades de ensino
15,0%
Esporadicamente
-
Não planeja suas aulas
Fonte: Elaboração própria.
140
Fica evidente, aqui, que a maioria dos professores – 80 % - planeja suas
aulas no início do período letivo e 15% faz seu planejamento por unidades de
ensino. Apenas uma professora planeja suas aulas diariamente, a que tem a
carga horária de 20 horas semanais. E, também, uma professora organiza suas
atividades de ensino semanalmente.
A utilização do livro didático como auxiliar na preparação das aulas não é a
opção de 90% dos professores, 10% usam pouco e, apenas, duas professoras
utilizam o livro didático com muita freqüência, uma delas frisa que usa,
principalmente, aqueles que possuem imagens de obras de arte.
Com relação à forma como se dá a escolha do livro didático apenas duas
professoras responderam à questão – aquelas que o utilizam com freqüência.
Essas dizem que os livros que usam em sala de aula são comprados por elas, ora
indicados por colegas, pela faculdade, ora pela SME, pois a escola não possui
livros de arte na biblioteca. Uma professora, ainda, complementa dizendo que
muitas vezes adquire livros de vendedores que visitam a escola.
A seleção dos conteúdos a serem trabalhados pelos professores é realizada
por eles mesmos, pois ao serem solicitados a indicar a influência e ou
interferência da coordenação pedagógica na definição desses conteúdos 97,5%
das docentes responde que a coordenação não exerce nenhuma influência. Uma
professora assinala que a coordenadora exerce pouca influência na seleção dos
seus conteúdos de aula.
Outra questão diz respeito à influência – ou não – dos Parâmetros
Curriculares Nacionais e dos Temas Transversais na preparação das aulas de
Arte e 95% assinalam que eles têm pouca contribuição a dar. Apenas duas
professoras indicam que utilizam tanto de um quanto de outro, e especificam que
os temas Transversais contribuem para as discussões com os alunos sobre Ética,
Saúde e Meio Ambiente e com idéias para desenvolver trabalhos práticos. Outra
colocação de uma dessas professoras refere-se à possibilidade de encontrar nos
temas transversais base para discussões sobre situações cotidianas de sala de
aula sobre racismo, saúde e multiculturalismo.
É de se pensar até que ponto é válida essa negativa de uso dos PCN’s,
pois entendo que eles realmente sinalizam mudanças significativas para o ensino
da Arte, proporcionado, sem dúvida, um diálogo mais aprofundado entre Arte e
141
educação e a inserção de um ensino da Arte comprometido com as
transformações na concepção de Arte e do ensino dessa Arte. Quero crer que há
necessidade de o professor analisar, criticar e selecionar o que é relevante nesse
documento para a sua cultura e, principalmente, para os alunos com quem
convive, planejando suas aulas em conformidade com as peculiaridades de sua
cidade e de sua região.
Quando
solicitados
a
indicar
os
instrumentos
avaliativos
predominantemente utilizados, os docentes apontam várias possibilidades, porém
priorizam as produções artísticas realizadas individualmente ou em grupo e a
leitura de imagens como sendo as formas mais utilizadas. Uma professora
destaca a prova oral como forma de avaliar seus alunos; duas avaliam também,
através de provas descritivas e quatro professoras – 10% – valem-se de provas
com consulta. O professor diz avaliar seus alunos apenas através de produções
artísticas individuais e, ocasionalmente, faz uso da leitura de imagens quando
desenvolve conteúdos da História da Arte (Tabela 13).
Tabela 13 - Instrumentos avaliativos utilizados pelos professores
INSTRUMENTOS AVALIATIVOS
PROFESSORES
Provas descritivas
5,0%
Provas orais
2,5%
Provas com consulta
10,0%
Leitura de imagens
100,0%
Produções artísticas individuais
100,0%
Produções artísticas em grupo
97,5%
Outros
Fonte: Elaboração própria.
O número percentual de informantes ultrapassa os 100%, uma vez que alguns
professores indicaram mais de uma alternativa.
Percebe-se, aqui, que os instrumentos avaliativos mais usados pelos
professores são as produções artísticas individuais e/ou em grupo e a leitura de
imagens, que pela informação dos próprios professores é feita, prioritariamente,
142
com base nas obras de artistas, digo isso a partir da indicação do uso do livro
didático com obras de arte, dito por eles anteriormente, e da utilização de
recursos materiais como de imagens de livros, o que veremos a seguir. Antes,
porém, destaco que o processo de avaliação em Arte não é só, e
necessariamente, a produção poética do aluno, levando em conta que ensinar
Artes Visuais hoje é, também, provocar a interrelação desse fazer com o saber
arte e que a leitura de imagens envolve apreciação interpretativa e a
contextualização histórica, social, antropológica e/ou estética não só da obra do
mundo das artes, mas também da publicidade. Saliento, aqui, uma recomendação
bastante significativa dos PCN’s (1997), pois eles orientam que o ensino das
Artes Visuais deve articular-se em três eixos: a produção, a fruição e a reflexão,
definindo o objeto artístico, no caso as imagens, como produção cultural,
documento do imaginário humano, de sua historicidade e de sua diversidade
(BRASIL, 1997, p. 45). As imagens não cumprem apenas a função de informar ou
ilustrar, mas também de educar e produzir conhecimento (PILLAR, 2002).
Entendo que a leitura de imagens realizadas pelos professores, que
consideram o fazer artístico, a apreciação estética e a contextualização histórica a
partir de obras de Arte, tem servido de base para esse tipo de trabalho, porém só
essa leitura não é suficiente para a construção de uma educação artística ideal,
formadora da sensibilidade e do senso estético.
Considerando as inúmeras possibilidades do trabalho a partir da ampliação
do ensino das Artes Plásticas (pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura)
para Artes Visuais (fotografia, moda, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo,
computação, performance, holografia, desenho industrial, arte em computador),
os professores são solicitados a indicar os recurso materiais mais utilizados por
eles em sala de aula, conforme mostra a Tabela 14.
143
Tabela 14 – Recursos materiais utilizados pelos professores
RECURSOS MATERIAIS
PROFESSORES
Folhas mimeografadas
50,0%
Fotocópias
32,5%
Slides
Sucatas
5,0%
10,0%%
Material impresso
12,5%
Imagens de livro
100,0%
Data-show
-
Computador
-
Retro-projetor
5,0%
Livro didático
5,0%
Jornais e revistas
100,0%
Filmes
15,0%
Músicas
33,3%
Jogos
10,0%
Quadro e giz
Tintas
Lápis de cor, caneta hidrocor,
giz de cera e papéis
Não utiliza nenhum desses
recursos
100,0%
12,5%
100,0%
-
Fonte: Elaboração própria.
O número percentual de informantes ultrapassa os 100%, uma vez que
alguns professores indicaram mais de uma alternativa.
Perguntados sobre se a escola fornece os materiais que utilizam em sala
de aula, 77,5% diz que sim, no entanto salientam que os materiais fornecidos pela
escola são os básicos como folhas de ofício, lápis de cor, giz de cera e tintas.
Duas professoras dizem que a escola não fornece nenhum tipo de material. O
professor diz que uma escola fornece materiais básicos se ele solicitar, já a outra
escola em que trabalha não fornece nenhum tipo de material. Na hora de
especificar como os professores conseguem outros recursos que não os
144
fornecidos pela escola, todos os professores dizem utilizar seus próprios
materiais, principalmente filmes e livros com imagens de obras de Arte.
Observando os dados relativos aos recursos materiais utilizados nas aulas
de Artes Visuais, entendo que as atividades realizadas pelos alunos privilegiam,
como os próprios professores apontam, as produções artísticas individuais ou em
grupo e a leitura de imagens, confirmando-se, aqui, essas atividades como as
avaliadas pelas professoras. Isto significa que os professores utilizam o material
(lápis de cor, caneta hidrocor, giz de cera e papéis) fornecido pela escola, exceto
imagens de obras de arte que são trazidas por eles.
Registro como significativo o pouco uso da sucata, pois sua utilização,
principalmente no final dos anos 80 e durante a década de 90, estava atrelada a
uma concepção de ensino laissez-faire, um deixar fazer “qualquer coisa”. Frange
(2002) diz que o uso deste “lixo-limpo” seria uma simplista apropriação para
grotescas reproduções copistas que nada tem a ver com criação e muito menos
com processos inventivos.
Com relação a slides e filmes sabemos que sua utilização implica em
materiais específicos como projetor de slides e aparelho de televisão e DVD, o
que apenas três escolas têm. Se considerarmos o número de escolas – 54 representadas pelos professores que participam desta pesquisa, veremos que a
falta de equipamentos é uma realidade que, de certa forma, limita o trabalho do
professor de Artes Visuais. Outro destaque que merece atenção é a utilização de
folhas mimeografadas por parte de 50% dos professores, uma vez que esse
recurso vem sendo descartado por limitar o processo criativo do aluno e levá-lo a
uma ação de reprodução – cópia – de modelos pré-estabelecidos.
Os professores foram solicitados, ainda nessa questão, a especificar outros
recursos por eles utilizados, que não tenham sido listados. Não houve indicação
de nenhum outro tipo. Esperava-se que, nesse item, algum dos professores,
principalmente os que trabalham nas quatro escolas que possuem laboratório de
informática, indicassem o uso de tais laboratórios, considerando as possibilidades
de sair do espaço tradicional do ensino da Arte e trabalhar a construção e a
manipulação de imagens, de visitar sites tanto de produção e divulgação de
imagens da arte através de galerias e museus como de produtos culturais
diversos que não apenas os ligados à Arte européia. Isso deixaria o ensino da
145
Arte bem mais próximo do hibridismo cultural. Apenas o professor fez uma
anotação dizendo que em uma das escolas onde trabalha está sendo criado o
laboratório de informática, nas que a diretora avisou que será prioridade dos
professores de Matemática.
No entanto, se considerarmos a ampliação da área de atuação do
professor em Artes Visuais, atestamos que a escola não fornece condições físicas
e materiais para a implementação desse ensino, então ficam as perguntas: como
as professoras ensinam Arte? Que Arte ensinam? Como se dá a convivência dos
meios eletrônicos com os tradicionais? Como acontece o ensino da Arte que vai
do lápis ao mouse? Da imagem estática à imagem em movimento? Será que
ainda há o predomínio da livre expressão, aquela que enfatiza o fazer pelo fazer
artístico, a emoção como o principal conteúdo da expressão? Quero crer que
esses professores, mesmo com as mínimas condições de trabalho, não trabalham
a Arte só para acalmar, descansar os alunos ou para ornar a escola, mas sim
para estabelecer uma relação entre o fazer e o saber Arte, para apreciar e
interpretar imagens tanto do cotidiano quanto de obras de Arte, contextualizandoas com um olhar histórico, social, antropológico e/ou estético.
Concordo plenamente com Nóvoa (1992) quando afirma que as escolas
deveriam abrir espaços para a história e o projeto pessoal do aluno, unindo
saberes e experiências. E digo mais, deveria abrir suas portas para a cultura e a
Arte produzida no seu entorno, na comunidade, na região, no mundo, entendendo
que trabalhar com a alternância de valores culturais, artísticos e sociais é salutar
para o desenvolvimento dos alunos. É preciso que a escola queira um ensino de
Arte que vá além do desenho entre quatro paredes, que entenda, também, que o
papel da Arte na escola é preparar os alunos para novos modos de percepção
amplamente introduzidos pela tecnologia e pela comunicação de massa.
Os professores, quando solicitados a indicar os tipos de reuniões que a
escola costuma realizar, assinalam todas as apresentadas no questionário. No
entanto, na hora de especificar aquelas das quais participam, as indicações
mostram-se reduzidas (Tabela 15). Apenas uma professora assinala que participa
de todos os tipos de reuniões promovidas pela sua escola. Outra acrescenta que
sempre que for convocada e tiver disponibilidade em seu horário.
146
Tabela 15 – Tipos de reunião promovida pela escola das quais os professores participam
TIPO DE REUNIÃO
PROFESSORES
Da comunidade escolar
2,5%
Conselhos de Classe
100,0%
Administrativas
2,5%
Pedagógicas
30,0%
Por áreas de estudo
5,0%
Com pais
2,5%
Outras
Fonte: Elaboração própria.
Com relação à freqüência com que os professores participam das reuniões,
por áreas de estudo, as respostas assinaladas são as seguintes (Tabela 16):
Tabela 16 – Freqüência na participação em reuniões por áreas de estudo
FREQÜÊNCIA NAS REUNIÕES
PROFESSORES
Mensal
2,5%
Bimensal
-
Trimestral
10,0%
Semestral
-
Anual
-
Esporadicamente
90,0%
Nunca
Fonte: Elaboração própria.
Quanto à participação nas reuniões que a escola costuma realizar, os
professores – todos sem exceção – participam dos conselhos de classe; já um
número bastante reduzido - 30% - participa das reuniões pedagógicas quando
elas acontecem e, com relação às reuniões por áreas de estudo, 90% dos
professores participam esporadicamente.
Como se percebe, a participação das professoras no cotidiano da escola
limita-se às aulas, uma vez que a carga horária efetiva em sala de aula
corresponde, aproximadamente, à carga horária do contrato de cada um dos
professores, como vimos anteriormente. A participação em reuniões que a escola
147
costuma realizar resume-se aos conselhos de classe e às esporádicas reuniões
pedagógicas e/ou por áreas de estudo, ora porque elas não acontecem, ora
porque os professores cumprem quase toda a carga horária em sala de aula.
Entendo que a escola existe à medida que seus ocupantes experimentam e
interpretam esse espaço e dele se apropriam, atribuindo significado e valores. A
escola caracteriza-se pelo seu trabalho coletivo que perpassa todas as ações do
seu cotidiano, seja na sua forma de organização e de gestão, seja na constituição
dos sistemas curriculares, seja na convivência entre todos os segmentos da
comunidade escolar. A escola tem em sua estrutura um corpo de princípios e
valores dados pelo sistema educacional, por meio de leis, decretos e papéis
formalmente estabelecidos, e outro corpo de princípios e valores construídos e
reelaborados no seu interior, pelos participantes do processo educacional. Temos,
assim, a cultura da escola como um mundo humanamente construído, mundo das
instituições e dos signos no qual, desde a sua origem, se banha o indivíduo
humano, e a cultura escolar como um conjunto de saberes que compõe a base de
conhecimentos sobre o qual trabalham os professores e alunos. A compreensão
da cultura da escola como um processo dinâmico e negociado entre os diferentes
participantes
do
processo
pedagógico
permite
uma
compreensão
mais
aprofundada da contribuição de tais pessoas na construção dos valores, crenças
e princípios, assim como nas ações que se processam na realidade cotidiana da
escola. É, portanto, significativa a presença dos professores e suas práticas no
cotidiano da escola, uma presença para além da sala de aula. Daí, então, fica a
dúvida: como e quando as professoras participam da vida da escola?
Outra questão abordada no questionário diz respeito à participação no
Projeto Político Pedagógico da escola; apenas uma professora responde que teve
uma participação bastante ativa. Isto significa que 97,5% dos professores afirmam
que não participaram da construção desse projeto. Considero que pensar um
projeto de educação implica pensar o tipo e qualidade de escola, e vou mais
longe, digo que concepção de homem e de sociedade que se pretende construir.
O projeto de uma escola só pode ser pensado por quem está dentro da escola e é
impossível pensar em mudanças a partir daqueles que não estão diretamente
ligados à realidade de cada escola. Alunos, professores, comunidades, não
podem figurar apenas nos papéis e nas propostas, devem fazer parte do sistema
148
de reformulação do pensar a educação e a escola. Entendo que o Projeto Político
Pedagógico das escolas dessas professoras não sinaliza ações para o ensino das
Artes Visuais, uma vez que, por indicação dos próprios professores, todos eles
realizam o planejam sozinhos suas aulas e apenas uma professora responde que,
algumas vezes, discute o planejamento das atividades com outras colegas.
Portanto, os professores têm autonomia para a seleção do que pretendem – ou
não - trabalhar em sala de aula.
Por fim, os professores foram solicitados a indicar as atividades de
formação continuada das quais participaram no último ano, e somente 10% indica
cursos de curta duração. Outras atividades assinaladas por duas professoras são
palestras e seminários. Como fatores de impedimento para participar de
atividades de formação destacam-se falta de disponibilidade pessoal, horários
inadequados, temas sem interesse e falta de recursos financeiros (Tabela 17).
Tabela 17 – Fatores de impedimento para formação continuada
FATORES
Falta de liberação da escola para esse tipo de atividade
PROFESSORES
-
Falta de disponibilidade pessoal
90%
Horários inadequados
85%
Falta de recursos financeiros
65%
Temas sem interesse
75%
Fonte: Elaboração própria.
O número percentual de informantes ultrapassa os 100%, uma vez que alguns
professores indicaram mais de uma alternativa.
Nesse momento faz-se necessário destacar dois aspectos: o primeiro é a
ampliação na área de Artes Visuais e, como conseqüência, mudanças no seu
ensino e, o segundo, o tipo de formação recebida pelos professores.
Considerando esses fatores, percebe-se que 60% dos professores têm sua
habilitação em artes plásticas no período que compreende os anos de 1983 a
1998, no qual a única alteração foi a eliminação do caráter polivalente na
estrutura curricular. 40% são habilitados em Artes Visuais, a partir de 1999, num
curso cuja estrutura curricular adequou-se às novas exigências legais, sem, no
entanto, inovar em suas linhas conceituais. Era o início da caminhada de
149
transformações, marcadamente acentuadas na virada desse nosso século. Sendo
assim, pode-se dizer que cursos de formação continuada são necessários a esse
grupo de professores. Por outro lado, destaca-se que, como vimos anteriormente,
os professores, com quase toda a carga horária em sala de aula, atuando em sua
maioria nos turnos da manhã e tarde, algumas inclusive à noite, e numa
diversidade enorme de níveis de ensino, não têm disponibilidade de realizar
cursos de atualização e, de certa forma, apontam também que os horários dos
cursos são inadequados e os temas sem interesse. Há, também, falta de
disponibilidade pessoal e de recursos financeiros.
As questões relativas ao processo de trabalho apontam para professores
extremamente envolvidos com as atividades de sala de aula, atividades essas
que exigem responsabilidade e conhecimento adquirido pela experiência. Os
professores dedicam quase toda a carga horária em sala de aula, atuando,
majoritariamente, em todas as séries do ensino fundamental; três professoras,
também, atuam no ensino médio e duas atendem classes de alunos portadores
de necessidades especiais. Elas trabalham diuturnamente.
O
planejamento
das
aulas
para
todos
os
professores
é
feito
individualmente, exceto uma que às vezes discute a proposta de atividades com
outras colegas. Esse planejamento para a maioria dos professores é realizado no
início do período letivo, enfatizando como atividades propostas para os alunos
produções artísticas individuais e/ou em grupos e leitura de imagens, atividades
pelas quais os alunos também são avaliados. Os livros mais utilizados pelos
professores são aqueles que possuem imagens de obras de Arte.
As aulas de Artes Visuais acontecem, de acordo com todos as professores,
em salas de aula normal, pois lugar próprio para produções artísticas apenas uma
professora tem e para a concretização de suas propostas artísticas a escola
fornece os recursos materiais básicos. Todo e qualquer outro recurso como
imagens, filmes pertencem ao acervo particular das professoras. Assim, tal como
já dito, como o trabalho em sala de aula desses professores é muito intenso,
pouco tempo resta para participar das reuniões promovidas pela escola e de
atividades de formação continuada, apenas quando possível eles freqüentam
cursos de curta duração.
150
• Dificuldades encontradas para ensinar arte e sugestões para a melhoria do
ensino da Arte
Os professores apontam como principais entraves para a realização de um
ensino da Arte de melhor qualidade a falta de livros didáticos na escola, a
necessidade de um espaço físico adequado e, ainda, a desvalorização da Arte
como área de conhecimento por parte dos alunos e da escola.
Questões recorrentes aparecem como entraves para um ensino das Artes
Visuais de melhor qualidade. Parece-me que os professores continuam
enfrentando os mesmos problemas ao longo dos anos, pois quando realizei minha
primeira investigação, em 1991, com professores tanto da rede municipal quanto
da estadual, uma das dificuldades apontadas era a falta de um espaço físico para
desenvolver as aulas. Outro estudo, realizado em 2004/2005 com professores da
rede pública, também enfatiza a falta de espaço adequado como um dos
principais entraves para o ensino. A falta de livros didáticos na escola e de livros
com imagens de obras de Arte são problemas comuns nas investigações. A falta
de recursos materiais básicos como papel, lápis de cor e giz de cera apenas nas
duas primeiras investigações aparecem como um problema para as professoras,
pois o grupo de docentes desta pesquisa tem esse material disponibilizado pelas
escolas.
Outro aspecto que merece atenção diz respeito à desvalorização da Arte
por parte dos alunos, fato comum nos três estudos. E mais uma vez, é preciso
pensar no lugar que o ensino da Arte ocupa no currículo da escola, pois para
Tourinho
(2002)
a
hierarquia
do
conhecimento
escolar
- explícita
ou
implicitamente - vem mantendo ao longo dos anos o ensino da Arte numa escala
inferior, o que de certa forma acredito refletir-se no nível de interesse dos alunos
por esse conhecimento. Por outro lado, vale destacar que o ensino da Arte
precisa ser significativo para o aluno e aí concordo com Barbosa (2002) quando
diz que esse ensino deve ser tratado como um conhecimento e não somente
como um “grito da alma”, porque na verdade esse é um ensino que não educa
nem no sentido cognitivo, nem no sentido emocional. Para mim um ensino que
não educa não acontece.
151
A condição social do aluno é, também, um entrave para o desenvolvimento
de um ensino da Arte de melhor qualidade, conforme uma professora. Sua escrita
nos revela que:
Para expressar meu pior momento como educadora, sinto muito em
dizer, que, o principal entrave é no que diz respeito à minha ação e à
possível compreensão do aluno, se dá pelas péssimas condições
sociais, as quais a maioria de meus alunos está submetida. São alunos
de uma zona muito carente, que pensam em merenda, e na falta da
alimentação, no caos familiar que estão inseridos e na violência, o tempo
todo. Frente a essa realidade fica muito difícil, tornar interessante – por
maior que seja meu esforço – uma aula de história da Arte ou uma aula
prática sobre produção artística. O aluno que passa fome e é maltratado
não consegue “ver” o que insisto em mostrar-lhe. As condições sociais
interferem brutalmente nas relações de ensino aprendizagem sem
dúvida nenhuma.
É de se questionar, no momento, até que ponto essa realidade da história
da Arte tem significado para esse aluno de um mundo tão diferente? Esboça-se
aqui, para mim, um dos grandes desafios – hoje - do professor de Artes Visuais:
ensinar em consonância com a realidade do aluno. Entendo que pouco importa se
a imagem é de Picasso, de Monet ou de uma propaganda da mídia, o que
interessa é que os alunos possam perceber como o homem e a mulher, em
tempos e lugares diferentes puderam - e podem - falar de seus sonhos e desejos,
de sua cultura, de sua realidade e de suas esperanças e desesperanças
(MARTINS, 2002).
Como sugestões, os professores destacam a necessidade de cursos de
atualização mais voltados para a realidade do aluno e da escola e, também, maior
compromisso da universidade com a formação continuada. Há, ainda, a
reivindicação para o aumento da carga horária da aula de Arte, geralmente de 45
minutos semanais. Destaca-se, por fim, outro registro da mesma professora:
A melhoria do ensino passa por uma melhoria na vida como um todo,
principalmente de parcelas da sociedade totalmente desassistidas pelo
Estado. A realidade escolar é sufocante, e muitas vezes frustrante. Sem
dúvida, a melhoria no ensino da Arte, acontece quando conseguimos
aliar, recursos didáticos e humanos, com objetivos claros e de interesse
mútuo. Ensinar a Arte não é difícil quando se tem domínio e
responsabilidade, o difícil é fazer acontecer em situações sociais
precárias.
152
Imagens percebidas
O professor e sua formação é um tema recorrente no âmbito da pesquisa
educacional e mais uma vez é tema de mais uma pesquisa. No entanto, pretendo,
tal como Monet, pensar que o tema é coisa secundária, pois o que ele queria
mesmo era reproduzir as relações entre o tema, ele e a realidade e eu quero
entender as relações entre eu, os professores e a realidade deles. Monet à luz do
sol, eu à luz da teoria.
Para Monet a impressão de cada momento, fosse pela luz do sol, pelos
reflexos ou pelo vento, era o que importava, buscava sempre mutações coloridas
com sua luminosidade. Eu também busco mutações coloridas com toda a sua
luminosidade possível nas trajetórias profissionais dos professores de Artes
Visuais, não com tintas e pincéis, mas pela voz do professor que ouvi, para dela
extrair considerações que me permitam compreender o entrelaçamento de suas
histórias e seus itinerários em diferentes espaços e tempos de sua vida pessoal e
de sua prática docente.
Neste momento, minha intenção é registrar as imagens delineadas por
respostas dadas, por um simples gesto de marcar numa folha de papel, o que não
significa que essas imagens não sejam reais, são apenas pouco nítidas porque
não são individualizadas. Procurei, com esse grupo de professores em exercício
na área de Artes Visuais, traçar uma imagem geral, queria conhecer
características e expectativas formativas comuns no coletivo.
Então, o que vi? Um grupo de professores, mulheres na maioria, que fez
uma opção pessoal pela docência. Desse grupo apenas o professor não pretendia
seguir a carreira docente. As professoras se sentem gratificadas com o trabalho
que exercem e acreditam, ainda, na educação; o professor, por sua vez, pretende
num futuro próximo mudar de profissão. Essas professoras e o professor são,
extremamente, envolvidos com as atividades de sala de aula, atividades essas
que exigem responsabilidade e conhecimento adquirido pela experiência. Já para
o professor essa atividade o fundamental é o domínio dos conteúdos de Artes
Visuais. É um grupo solitário de professores, planejam suas aulas individualmente
e participam pouco da vida da escola.
153
As aulas de Artes Visuais dos professores acontecem entre quatro
paredes, resumem-se a uma simples sala de aula. Nesse espaço físico as
professoras sobrevivem com o que têm e podem fazer, enfrentam a ausência das
condições mínimas, e os alunos, por sua vez, ficam restritos a uma folha de ofício
tamanho A4 nas suas experiências e produções visuais. Para ampliar a
percepção visual de seus alunos recorrem a materiais próprios, se eles não têm
os alunos não vêem. A escola também não tem.
Para ensinar Artes Visuais hoje, endosso o pensamento de Coutinho
(2006), segundo o qual o professor precisa sair da sala de aula e interagir com os
espaços culturais, museus, bibliotecas e outras instituições que produzem bens
artísticos e culturais. É um professor que precisa estar conectado às redes de
informação, enfim, precisa estar conectado com o seu tempo. Defino, então,
quatro grandes momentos de enfrentamento para esse professor de hoje: a
questão, o perigo, a tarefa e o desafio. A questão é pensar se a seleção dos
conteúdos está dando conta das imagens divulgadas pela televisão, pela
publicidade e por outros meios que usam a imagem para comunicar. O perigo é
não repensar constantemente as concepções de educação, de escola, de Arte e
de ensino da Arte, pois o que está sendo colocado talvez não resista às
exigências do que está por vir. O desafio é qualificar novas propostas do ensino
das Artes Visuais numa relação com o cotidiano do aluno. Por fim, entendo que a
grande tarefa é estar sempre em contato com a produção de imagens, do
passado e atual, e atento às imagens consumidas por nossos alunos, resgatando
na cultura da imagem o que é relevante para a formação do aluno em sintonia
com o seu tempo. E a escola, por sua vez, precisa abrir suas portas e acolher as
produções artísticas e culturais da sua comunidade e de outros lugares e de
outras épocas.
Como trabalham muito, os professores têm pouco tempo para participar
das reuniões da escola e de atividades de formação continuada. Esses
professores estão sempre muito atarefados e muitíssimo apressados.
Com base nessas imagens delineadas, surgem algumas aproximações
cristalizadas pelo tempo e algumas constatações provocadas pelo tempo.
Primeiramente, destaco situações que permanecem inalteradas apesar do
tempo: uma pesquisa realizada em 1991, dezesseis anos atrás, com professores
154
de Arte da rede municipal e estadual, em 2004/2005 outra e, agora, entro em
contato com outro grupo de professores. Ao solicitar, em todas as três
investigações, a indicação das dificuldades encontradas para ensinar Arte e
sugestões para a melhoria do seu ensino, encontro as mesmas respostas: a falta
de livros didáticos, a necessidade de um espaço físico adequado e, ainda a
desvalorização da Arte como área de conhecimento por parte dos alunos e da
escola. E como sugestões, também, as mesmas: a necessidade de cursos de
atualização mais voltados para a realidade do aluno e da escola e, também, maior
compromisso da universidade com a formação continuada e talvez por isso – e
devido a isso – não haja indícios de mudanças tão significativas no ensino das
Artes Visuais desses professores. Há muito que pensar sobre isso!
Agora, registro minhas constatações provocadas pelo tempo e pelos
fatos. Os professores têm sua formação acadêmica realizada no período de 1983
a 2002, o que significa um grupo de professores com formação diversificada, ora
polivalente, ora sem polivalência; ora habilitados em Artes Plásticas, ora em Artes
Visuais. No entanto, a ampliação na formação de professores para atuar em todos
os níveis de ensino fundamental e médio e para entender e atender os vários
contextos da Arte e suas relações com a multiculturalidade e com a cultura visual
ocorreu com a reformulação de 2004, não atingindo o grupo de professores que
participa desta pesquisa.
Se esses professores não possuem uma formação ampliada em Artes
Visuais, quase não freqüentam atividades de educação continuada, ignoram a
contribuição de documentos legais que sinalizam possibilidades de ampliar e
aprofundar o foco do ensino da Arte nas escolas e a preocupação dos
professores ainda esta voltada somente para a produção dos alunos, cria-se,
aqui, um impasse: como, então, os professores atualizam seu ensino? Quero crer
que em geral os mentores e ministrantes de programas ou cursos de formação
continuada visam a mudanças nas concepções e nas práticas dos professores,
oferecendo informações, conteúdos que, provavelmente, a partir do domínio de
novos conhecimentos, produzirão mudanças em posturas e formas de agir. No
entanto, chamo a atenção para o fato de que esses profissionais são pessoas
integradas a grupos sociais de referência nos quais se gestam concepções de
educação, de modos de ser, que se constituem em representações e valores que
155
filtram os conhecimentos que lhes chegam. Os conhecimentos adquirem sentido
ou não, são aceitos ou não, incorporados ou não, em função da trajetória não só
profissional desse professor, mas também pessoal. Assim sendo, pergunto? O
professor pode atualizar-se sozinho? Minha hipótese inicial parte do pressuposto
de que uma mudança nas concepções de ensino e aprendizagem em Artes
Visuais dos professores poderia ser obtida se esses professores, eles próprios,
fossem capazes de buscar atualização.
No momento seguinte apresento, através da voz dos professores, os
eventos e experiências, passados e presentes, em casa, na rua, na escola, na
universidade, que configuram a vida e a carreira e suas expectativas acerca do
futuro, ou seja, acontecimentos histórico-sociais que fazem desse professor uma
pessoa total. Os processos formativos dos e nos professores determinam,
também, as práticas cotidianas em sala de aula e as experiências decorrentes
das continuidades e descontinuidades durante a construção e a (re)construção da
trajetória individual de cada professor. Só ele sabe de si, das relações que
estabeleceu com o seu processo formativo e com as aprendizagens que construiu
ao longo da vida.
DE ONDE VÊM? QUEM SÃO? PARA ONDE VÃO?
O passado não reconhece o seu lugar:
está sempre presente.
Mário Quintana
Paul Gauguin53, na busca de um mundo primitivo nas sociedades
esquecidas nos trópicos, vai para o Taiti, minúsculo arquipélago perdido nas
imensidões do Oceano Pacífico, e pinta o que ele chamou a visão do paraíso,
visão essa denominada De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? E
por mim selecionada para ser minha Imagem Viajante nº7. Nessa obra o artista
retrata, da direita para esquerda, a evolução da vida humana, aparecendo
primeiramente uma criança no canto, depois um adulto ao meio em contato com o
conhecimento e, por fim, no outro extremo, uma velha anciã.
É, exatamente, o representar a trajetória da vida humana que me inspirou a
escolha da obra, pois entendo que tal como o artista pretendo retratar, só que
através de narrativas, a trajetória pessoal e profissional de um grupo de
professores, ou seja, registrar a problemática da profissão docente, a partir do
estudo do ciclo de vida profissional com base nas fases da carreira docente.
Registro, assim, o ciclo vital pelo qual passa o professor, destacando aspectos
Eugène-Henri-Paul Gauguin (1848-1903) foi um pintor francês do pós-impressionismo. O termo
pós-impressionismo foi utilizado no final do impressionismo, por volta de 1885, para designar a
obra de grandes artistas da Europa Ocidental, sem qualquer ligação estilística entre eles, que
evoluem a partir das conquistas do Impressionismo para encontrar novos caminhos para a pintura.
Esse termo tem sido usado para definir especificamente a obra de artistas, além de Gauguin,como
Van Gogh (1853-1890) e Cèzanne (1839-1906) (CUNHA, 2005, p. 268).
53
157
significativos da história pessoal e da trajetória profissional para uma melhor
compreensão da pessoa do professor e, como conseqüência, de sua atuação
docente.
Ciclos de vida dos professores
Os professores entrevistados54 representam cada uma das etapas de
transformação do curso de licenciatura e diferentes fases da carreira docente.
Nessa perspectiva, para a presente etapa do trabalho, tomo o subgrupo
constituído de sete docentes, seis professoras e um professor, como base para o
estudo do ciclo de vida profissional dos docentes de Artes Visuais.
A imagem predominante no grupo é a da professora, uma vez que a
maioria é do sexo feminino, apenas um professor do sexo masculino, com idades
que variam entre 30 e 51 anos, sendo a maioria delas casada, apenas uma,
divorciada e o professor, solteiro. Todos estudaram todos os níveis de ensino em
instituições públicas. A maioria das professoras fez o ensino médio em cursos de
magistério nas escolas públicas da cidade. Uma professora teve formação no
nível médio no ensino técnico profissionalizante e outra em uma instituição
federal. O professor iniciou o ensino médio em uma escola técnica federal e
concluiu esse nível de ensino em uma escola municipal. Todos os professores
são formados, em nível superior, pelo IAD/UFPel, concluindo seus cursos entre
1985 e 2002. O tempo de docência desse grupo de professores varia entre 6 e 21
anos.
Neste momento, através das entrevistas biográfico-narrativas, apresento “a
voz” dos professores, seus relatos de vida e experiências, que tornam públicos
seus
interesses,
percepções,
dúvidas,
circunstâncias
que
influenciam,
significativamente, ser o que são e agir como agem. Esse estudo sobre os ciclos
de vida dos professores permitiu-me a explicitação das dimensões do passado
que pesam sobre as situações atuais e sua projeção em formas desejáveis de
ação. Destaco, também, a importância de compreender os ciclos de vida, através
do entrecruzamento das histórias pessoais e das trajetórias profissionais dos
54
Os critérios para a seleção do subgrupo estão discriminados no capítulo deste trabalho intitulado
“O caminho se faz caminhando.
158
professores em diferentes espaços e tempos da prática docente e suas
implicações no ensino das Artes Visuais, para, então, incentivar propostas de
inovação.
A trajetória biográfico-narrativa dos professores compreende aspectos
relativos à escolarização; escolha da profissão com seus fatores determinantes e
expectativas; a trajetória acadêmica com suas influências, lembranças e formação
prática de ensino; a carreira docente com seus primeiros anos, o exercício da
profissão e se o fato de ser mulher/homem afetou ou não a carreira. Por fim, os
professores falam da escola onde exercem a docência, destacando a história
pessoal vivida na instituição, bem como o grau de satisfação com essa escola e o
momento profissional em que se encontram.
• A escolarização
As primeiras lembranças solicitadas aos professores estão relacionadas
com experiências vividas na infância, como momentos significativos da escola e
como transcorreu a escolaridade e influência de professores.
Tal como Cora Coralina e a sua Mestra Silvina, a Professora Ana lembra
com carinho da professora que a alfabetizou, pois esse foi o momento que
ocorreu o “estalo da alfabetização” como ela própria diz. As lembranças sobre a
sua primeira professora são assim relatadas:
A professora Iva conversando com minha mãe disse que só ouvia
minha voz em sala de aula quando eu respondia a chamada; que eu
era um “sabonetinho” por estar sempre perfumada e que seria
maravilhoso se todos meus outros três irmãos tivessem a mesma
facilidade que eu para a alfabetização (a professora Iva alfabetizou
nós quatro, sou a caçula de quatro irmãos).
Sobre o processo de alfabetização as Professoras Maria e Eduarda contam
que
Fui alfabetizada em casa. Minha primeira professora foi minha irmã
mais velha. Nove anos a mais que eu, ela me ensinava tudo, com o
giz da escola, nas portas dos roupeiros de nossa mãe, me
alfabetizou. Minha primeira série foi sem muitos atrativos, encher as
linhas e o “aeiou” para mim não significavam nada, pois já dominava
muito disso tudo. A partir da segunda série é que tudo começou a
ficar interessante (Professora Maria).
159
Minha infância foi intimamente ligada à escola, pois sempre morei em
prédios de escolas, meu pai era professor de zona rural. Minha
escolaridade inicial foi tranqüila, meu pai foi meu professor até a 5ª
série (Professora Eduarda).
Outras lembranças importantes para a Professora Ana foram os desfiles de
7 de Setembro, pois para ela “o coração batia forte e dava um friozinho na
barriga”; e a visita, com toda a turma, na casa da professora para ver TV colorida
e um passeio com toda turma numa fábrica de bolachas. Suas boas lembranças
de professores não se resumem só à Professora Iva, ela descreve outros,
lembrando seus nomes e dentre eles a Profª Alda que contava a História como se
estivesse contando um caso que aconteceu ontem, a professora diz que “seus
olhos vibravam com os acontecimentos e ela gesticulava muito, falava com as
mãos e o corpo”, ou o Prof. Benedito que, em sua opinião, era um “coringão”,
como ela explica:
Montou o coral da escola (óbvio que eu me infiltrei para não precisar
ficar em sala de aula), montou um grupo teatral que eu também era
da expressão corporal da peça “O pequeno Príncipe” e ainda
administrava junto ao pároco a 1ª comunhão dos alunos da escola. A
primeira e última vez que me “confessei” na vida foi com ele. Tenho
até foto. Uma mistura de produtor cultural com padre. Uma figura.
Surge, ainda, na lembrança, a Profª Cleci, que em “nada favorecia. Era
professora de Matemática, gorda, mal humorada e gritava muito. Diziam que era
solteirona. Percebia que um professor não poderia ser assim. Não funciona”.
Para a Professora Maria suas lembranças recaem na professora que
proporcionou sua primeira experiência de teatro, como ela nos conta:
Quando estava na quarta-série tive minha primeira e única
experiência de teatro na escola. Foi maravilhosa, a professora definiu
os papéis e fui a “Bela Adormecida”, era uma história narrada. Foi
muito importante. Às vezes digo que, fui a “Bela Adormecida” muito
tempo, depois de transitar por outras profissões, certo dia ao acordar
me vi professora, descobrindo assim meu verdadeiro destino, do qual
tenho muito orgulho.
As lembranças relatadas até o momento estão muito ligadas à figura do
professor. Outra professora, no entanto, aponta para um fato ocorrido em sua
casa e muito marcante na sua infância. O tal acontecimento é descrito da
seguinte forma:
160
Tudo normal, mas tem uma coisa que me marcou muito, foi em
relação a uma prima que desenhava muito bem, e quando cheguei
em casa feliz com um trabalho de Arte para fazer a minha mãe me
cortou e disse que minha prima faria muito melhor, mas superei e me
tornei professora de Artes (Professora Diva).
A Professora Silvia não destaca nenhum acontecimento especial, apenas
relata o significado da escola, para ela:
Minha experiência em escola pública foi como qualquer criança
pobre, na minha época a minha mãe pagava mensalidade, assim
como os colegas, uniforme e livros eram comprados pela família e a
escola era muito significativa e valorizada.
Para o Professor Paulo são pouquíssimas as lembranças do período
relativo à educação básica, sentia-se um estranho por ser o único menino na sala
e ter outros interesses que não os propostos em sala de aula. Esse professor faz
assim seu relato:
Nunca fui a maioria, sempre tive um gosto diferente pelas coisas, era
o único garoto da sala que preferia a biblioteca ou as aulas de Artes
ao futebol, gostava de brincar de imaginar mundos alternativos onde
poderia ser qualquer coisa ou qualquer um e adorava escutar música,
muita música, como é até hoje. Tenho pouquíssimas lembranças do
período relativo à minha educação básica, o pouco que consigo
recordar é o sentimento de estar sendo obrigado a fazer algo de que
eu não gostava nenhum pouco, mas todos diziam que era para o meu
bem e que eu tinha de fazer aquilo. Esse sentimento de obrigação só
foi se dissipar na faculdade, onde encontrei pessoas com os mesmo
interesses, onde se podia falar, debater, aprender e até mesmo
questionar, discutir, discordar sobre artistas, visionários e acima de
tudo – apaixonados.
A Professora Jenice não tem lembranças de seus primeiros anos na
escola, porém
Só lembro que tocava acordeom nas festas juninas para o grupo
dançar e de apresentações cantando com um colega. Lembro de um
grito de uma professora comigo. Não lembro mais nada, só a partir da
5ª série primária.
Essa professora, no entanto, diz o que não gostava na escola, suas
lembranças são de algumas amizades, alguns professores, mas uma professora
deixou marcas positivas, como ela própria diz a seguir:
161
Odiava as aulas de História no ginásio. Odiava ter que jogar handebol
na Escola Técnica no 2º grau. Odiava gincanas nas festas juninas. As
lembranças boas foram algumas amizades, alguns professores. A
Professora Eni Zambrano no 2º grau.
A imagem da escola revelada pelos professores está intimamente ligada à
figura do professor. Suas falas revelam a importância das marcas deixadas pelos
seus professores que, na verdade, são referências em suas vidas porque estão
relacionadas às representações e sentimentos construídos no interior da escola.
Sabe-se que a escola tem características próprias, uma cultura que perpassa
todas as ações de seu cotidiano, seja na organização e na gestão, seja na
constituição dos sistemas curriculares, porém destaco como significativa para o
entendimento dessa cultura escolar a presença dos professores com suas
práticas e seus discursos, já que esses constituem aspectos fundamentais para
os processos de transmissão de saberes e de valores dentro da escola.
Evidencia-se, também, nas falas dos professores, a singularidade das
trajetórias individuais de escolarização, reafirmando a especificidade do percurso
de cada um dos professores na apreensão de vivências na família e na escola.
Isto, na percepção de Souza (2006), é o que ele chama de “experiências
formadoras” em diferentes tempos e espaços de convivência revelados pela
memória e pela história de vida de cada indivíduo. Josso (2004) explica muito
claramente o conceito de experiência formadora, quando diz que essa envolve
uma articulação consciente elaborada, atividade, sensibilidade, afetividade e
ideação, articulação que se concretiza numa representação e numa competência.
As práticas vividas na família, na escola, nas brincadeiras e nas mais
diferentes convivências vão construindo a dimensão pessoal do indivíduo; quero
com isso dizer que, segundo Bolivar (2002), essa dimensão pessoal exerce um
papel preponderante para que o professor, posteriormente, construa e dinamize
seu trabalho docente.
•
A escolha da profissão
Para falar sobre a escolha da profissão, os sujeitos foram inicialmente
solicitados a falar sobre os fatores e influências que contribuíram nessa escolha,
162
como, por exemplo, família, professores, colegas, amigos, disciplinas, instituição
de ensino e nível econômico familiar. Entendo que a escolha da profissão se dá
através de diversos caminhos, são vários os motivos que determinam as escolhas
que fazemos em nossa trajetória pessoal e profissional. Tais escolhas não
ocorrem ao acaso, elas são resultados de ponderações sobre possibilidades
futuras, considerando os objetivos, as necessidades e as expectativas tanto
pessoais quanto profissionais. Entendo que as escolhas não são apenas
resultado de uma opção individual, mas sim de um conjunto de fatores externos
circunstanciais ao indivíduo no momento em que realiza sua escolha.
Fatores e influências determinantes
Lembranças marcantes de professores e colegas na educação básica a
Professora Maria não tem, no entanto, influências dessa natureza ocorreram
durante seu curso de graduação. Tal fato é assim descrito por ela:
As influências de professores e colegas na minha educação básica,
foram mínimas, tenho pouquíssimas recordações de meus
professores. Uma rara exceção foi uma professora de música que me
mostrou que através da música a escola poderia ser melhor. Na
licenciatura com certeza as influências foram extremamente
marcantes. Tanto de professores como de colegas. As relações foram
mais intensas e, portanto, serviram de base para minha formação. A
licenciatura foi um laboratório de experimentos, de vivências que me
proporcionou ser professora dedicada, capaz e comprometida com
todo o sistema educacional. Acredito que tudo influenciou um pouco
em minha formação e atuação profissional, contudo, a influência de
meus professores foi determinante para que eu pudesse nortear e
identificar os valores que são essências para trabalhar como docente.
Os professores afetaram diretamente em minhas escolhas, em minha
construção intelectual como um todo. Obviamente que, influências
negativas também existiram, essas, porém, são exemplos que ignoro.
A Professora Silvia também afirma que “houve professores significativos,
principalmente, na área de Português e História na educação básica”. Nessa
época ela destaca suas piores lembranças como sendo ”a baixa auto-estima e o
peso (acima) corporal; as boas foram a minha escola que estudei mais tempo, o
D. João Braga, o antigo 2º Grau, com a auto-estima mais elevada.”
163
Outra que concorda que professores e colegas a influenciaram é a
Professora Eduarda, mas destaca o apoio da família, marido e filhos, como
fundamentais. Eis suas palavras sobre isso:
Ao certo não sei se influência é o termo mais correto, pois acho que na
minha trajetória encontrei bons e péssimos colegas e professores,
pessoas que me alegram e outras que me deixam triste ao lembrar.
Quando comecei o ensino médio e a licenciatura eu já estava bem
amadurecida e sabia o que queria e ia em frente. Os obstáculos eu
vencia e as coisas ficaram para serem lembradas. Eu tinha que chegar
onde eu queria. Para minha carreira tudo influiu. Os conteúdos dados no
curso me serviram de caminho. Os professores serviram para me
espelhar no que eu poderia ser e no que eu não queria ser. Colegas,
felizmente, eu encontrei muitos que me apoiaram de todas as maneiras
possíveis, como, por exemplo, a Helenita que me pagava até o ônibus
quando eu não tinha passagem e me emprestava os xerox, que não
eram poucos, para fazer os trabalhos. Meus filhos, quatro guris, e
marido, apesar das dificuldades, sempre me apoiaram e nunca me
cobraram o tempo que eu deixava de passar com eles, nem com o que
eu deixava de fazer em casa para estudar e as despesas, que por pouco
que fosse, sempre saiam do orçamento da semana. Meus irmãos e pai
achavam que tudo era bobagem, que eu deveria parar de andar na rua
”perneando” para cuidar dos filhos. Minha sogra, que é bem mais velha,
me apoiava muito, minhas cunhadas também me dando roupas e
calçados.
Vários são os fatores que influenciaram a escolha profissional desse grupo
de professores, para a Professora Ana tudo influenciou; além dos professores e
colegas, ela cita as matérias estudadas e o ambiente. A influência das matérias
foi também muito significativa para a Professora Diva, que destaca os professores
de Arte e Matemática como importantes para ela, já que “tinha verdadeira loucura
por Artes e Matemática”. A Professora Jenice é categórica ao afirmar que não
teve nenhuma influência, foi exatamente e somente seu gosto pelas Artes em
geral que a levou a uma formação na área.
O Professor Paulo dá um destaque especial ao espaço físico onde estudou
sua licenciatura, além das pessoas que ele conviveu, pois para ele:
164
O ambiente como um todo, na verdade os ambientes, pois minha
trajetória pela faculdade de Artes começou na antiga Escola de Belas
Artes, um prédio do século XIX, com escadarias de mármore e vitrais
de tirar o fôlego, onde nos dois primeiros anos da licenciatura
podíamos conviver com “os fantasmas do passado” e suas glórias. Já
os dois últimos anos tiveram como palco o novo Instituto de Letras e
Artes, hoje IAD, um prédio de arquitetura contemporânea, teto
abobadado feito de fibras tecnológicas que mais parecia um
Shopping Center. Posso dizer que com toda a segurança que o que
mais me marcou nessa caminhada por entre mundos, foram as
pessoas que trilharam verdadeiramente o caminho e não aqueles
que, acreditando possuir bagagem suficiente para encher seus
passaportes, somente fingiram caminhar.
De acordo com as narrativas, percebe-se que a presença dos professores
para a maioria dos entrevistados foi de fundamental importância para todo o
grupo, seja como parâmetro do que é ser um bom professor ou de um professor
que tenha deixado marcas não muito positivas nas lembranças do grupo. No
entanto, reafirma-se que os fatores que determinaram a escolha da profissão dos
professores foi resultado de um somatório de fatores externos combinados com
as condições subjetivas de cada um deles. A escolha desses professores implicou
em uma profissão ligada à Arte a partir de uma relação com as manifestações
expressivas vivenciadas na infância, na família e/ou na escola.
Opção pela carreira
Retornando a questão sobre as razões da opção pela carreira docente a
maioria das respostas dos professores indica o “ser professor“ como opção
pessoal e duas professoras destacam, ainda, a influência familiar como fator
motivador na escolha da profissão. Dois professores, no entanto, diferem do
restante do grupo. Um desses é o Professor Paulo que não tinha a intenção de
ser professor, mas como ficou excedente no vestibular para o Curso de Design
Gráfico optou pela licenciatura por ser a via mais fácil de ingresso no ensino
superior; a outra é a Professora Jenice, que se aproxima da situação anterior,
porque na verdade desejava ser arquiteta, mas a opção pela licenciatura foi a
mais fácil. Convém lembrar, também, o fato de a maioria das professoras terem
cursado o magistério no ensino médio, exceto o professor e duas professoras.
165
Com o grupo que participou das entrevistas a situação permanece inalterada
daquela encontrada nos dados do questionário, pois os resultados já delineados
reforçam a opção pessoal através de suas falas, como podemos ver a seguir:
Acho que a escolha foi mais pessoal do que por influência de outros
fatores (Professora Silvia).
Sempre tive vontade de dar aula, tentei na área de engenharia, mas
não gostei muito (Professora Diva).
Desde bem jovem quis ser professora. Sempre me senti seduzida
pela profissão, pelo ato de poder ensinar e contribuir com a vida das
pessoas. Através da educação tudo isso, se torna cada vez mais
gratificante para mim. Ser professora foi um sonho que se
transformou em realidade e estou tentando dar o máximo de mim
enquanto puder. Quando foi chegando perto da idade de definir a
profissão, fui percebendo cada vez mais a paixão pela Arte e quando
vi que podia associar essa paixão à possibilidade de levá-la para os
outros, a licenciatura foi o melhor caminho. Tudo influenciou em uma
determinada medida. Tudo contribuiu para minha escolha. A família
que sempre apoiou em todas as decisões pesou muito. Depois da
escolha, tudo “conspirou” a favor, para que, cada vez mais eu me
interessasse pela docência e pelo ensino da Arte (Professora Maria).
A influência familiar na escolha da docência foi assim comentada pela
Professora Ana:
Hoje percebo que a família foi um dos fatores mais determinantes
desse momento, mas não posso deixar de citar que o fato de eu ter
feito o curso de magistério também influiu em eu aceitar a decisão
que no momento minha ex-sogra sugeriu. Disse-me assim: Faz
Educação Artística. Tens gosto e habilidade. Optei.
A Professora Diva assinalou anteriormente que a carreira docente foi uma
opção pessoal, o que se confirma agora, porém ela acrescenta que o auxilio da
família foi fundamental, como ela própria explica:
Foi o apoio de familiares na hora da troca do curso de engenharia
que eu estava detestando no momento, para a Arte, fiquei quase três
anos sem estudar até a decisão, neste tempo trabalhei em uma
escola (maternal) e lá descobri a vontade de trabalhar com Arte.
Os professores que assinalaram no questionário não terem cursado o
magistério e que não indicaram a docência como opção pessoal, justificam, por
meio das entrevistas, o “ser professor” da seguinte forma:
166
Pela estabilidade e oferta de trabalho (Professora Eduarda).
Não escolhi foi por conseqüência. Eu queria entrar na Arquitetura,
mas entrei na licenciatura, foi mais fácil, depois ia pedir reopção, mas
não pude, acho que não foi permitido. Fui gostando do curso e fiquei
(Professora Jenice).
Na verdade, minha paixão sempre foi a Arte, em suas muitas áreas
de expressão, música, poesia, cinema, pintura, entre tantas outras;
logo fazer um curso ligado a essa área foi a única escolha, apesar de
a licenciatura ser um campo desconhecido até então. O desejo de
aprender as muitas formas de expressão artísticas, pintura, gravura,
cerâmica, etc. e a possibilidade de poder aprende a lidar com os
diversos materiais envolvidos em seus processos de criação
(Professor Paulo).
Entendo que a opção pela carreira revela que, por um lado, a decisão da
maioria das professoras está atrelada a uma continuidade da formação, no caso o
magistério, lembrando que elas próprias dizem ter sido esta uma opção pessoal,
um desejo manifesto bem antes do ingresso em um curso de formação de
professores. Por outro lado, temos clara a opção de uma professora por ser esta
uma profissão que proporciona certa estabilidade e existe mais oferta de trabalho.
Já no caso do professor e de outra professora, cuja paixão sempre foi a Arte,
reforça-se, aqui, que o curso de licenciatura na área de Arte é uma via mais fácil
de ingresso no ensino superior, uma vez que apresenta baixa concorrência.
Expectativas pessoais/profissionais
As expectativas do grupo são determinadas pelas possibilidades de
crescimento pessoal e de formação profissional. Para a Professora Ana suas
expectativas ao entrar na academia correspondiam, primeiramente, ao seu
crescimento pessoal, uma vez que esse era o local de produção de conhecimento
e de fazer novas amizades. A Professora Eduarda, por um bom tempo, pensava
apenas na sua realização pessoal, a tomada de consciência do que realmente
estava fazendo no curso aconteceu bem mais tarde e é assim explicada por ela:
”na verdade me caiu a “ficha” no 6º semestre, aí eu percebi para onde eu estava
trilhando, foi quando eu me conscientizei do peso da profissão que eu tinha
167
escolhido”. Um caso diferente dos demais é o da Professora Jenice que lembra
que “não sabia o que queria fazer no futuro, mas sabia que não queria ser
professora, não gostava de escolas e continuo não gostando dessa “entidade””.
Sua decisão de lecionar aconteceu muito tempo depois, como ela própria conta:
No estágio percebi que foi tranqüilo, resolvi trabalhar então. Após
formada me descobri criativa, com idéias criando todos os meus
trabalhos, gostando do contato com os alunos, mas muito
decepcionada com a “entidade”. Acho que a variação da rotina me
agradou, cada dia é diferente (Professora Jenice).
A Professora Ana entende que a sua formação lhe mostrou caminhos, e
que a prática docente gerou novas expectativas. Sua explicação para isso é
assim narrada por ela:
Quanto às expectativas profissionais, eu pensava que sairia pronta
para atuar na sala de aula. Ledo engano. A academia apenas me
apontou tópicos para serem aprofundados gerando assim, novas
expectativas e novas lutas.
A idéia de que o professor se constrói ao longo de sua prática é
compartilhada pela Professora Maria, que além de realizar o sonho de ser
professora, aponta para a necessidade de continuar aperfeiçoando-se, como nos
mostra sua fala:
Sem dúvida que muitas expectativas se realizaram na profissão. Dos
sonhos de menina a ansiedade da faculdade, muitas metas já foram
alcançadas. Muitas outras, ainda, eu pretendo concretizar, pois a
docência exige por si só que se tenha o pensamento no futuro. Sinto
que para ser professora, preciso manter acesa uma chama que me
leve ao aperfeiçoamento e a uma busca incessante de saber mais.
Isso na maioria das vezes não é fácil como pode parecer. As
frustrações do cotidiano, diante do caos social, muitas vezes, fazem
com que o fardo pese muito. Refletir sobre a prática, sobre os acertos
e erros é o que sustenta essa busca.
Já pela fala da Professora Silvia entende-se que suas expectativas
profissionais foram se concretizando com o passar do tempo, no entanto, ela
ressalta a interferência nessa trajetória de fatores de ordem pessoal, como ela
própria diz: “as expectativas profissionais foram acontecendo ao longo do
processo e algumas situações de vida pessoal ocasionaram um novo momento”.
168
A compreensão de que as expectativas geradas pela profissão são resultados de
processos, de sonhos futuros, refletem-se nas seguintes falas:
Totalmente realizada não estou ainda, estou sempre em busca de
algo novo, gosto de estar nesta busca, mas pretendo trabalhar não
somente em sala de aula, mas sim em oficinas como no início da
minha profissão onde trabalhei no CEFET em um atelier com mães
de alunos bolsistas (Professora Diva).
Minhas expectativas profissionais nesse momento se voltam em duas
direções, uma primeira trabalhar noções de patrimônio e memória
cultural no recém inaugurado laboratório de informática da escola
onde trabalho, e uma segunda é a possibilidade de entrar no curso de
Mestrado em Memória e Patrimônio fornecido pela Universidade
Federal de Pelotas (Professor Paulo).
Os fatos determinantes para a escolha da profissão apontados pelos
professores, como vimos, resultam de um somatório de fatores externos
combinados com as condições subjetivas de cada um deles, incluindo as
vivências na família e na escola. Na escola destaca-se o professor com figura
importante na vida dos entrevistados. Quanto à opção pela carreira docente,
prevalece a idéia de que essa decisão foi sendo construída ao longo do tempo,
bem anterior à universidade. Até mesmo a Professora Eduarda, que pretendia
seguir a carreira no campo do desenho industrial, teve sua infância marcada pelo
pai professor da zona rural que a alfabetizou até a 5ª série e pela escola, como
ela diz: ”minha infância foi intimamente ligada à escola, pois sempre morei em
prédios de escolas”.
Considero importante pensar nas razões que lavaram o grupo de
professores à docência em Arte, o porquê dessa especificidade que ora são as
artes plásticas ou Artes Visuais; ora é o desenho ou desenho e computação
gráfica. A relação com a Arte e suas linguagens manifestou-se muito cedo na vida
dos professores, como é o caso da Professora Ana que, além de ser filha de uma
professora de música, diz que sempre cultivou habilidades artísticas tanto no
teatro quanto nas artes plásticas, com o incentivo da família. Outra que teve uma
ligação forte e marcante com a Arte, mais precisamente com o Teatro, foi a
Professora Maria quando representou a personagem “Bela Adormecida” em uma
comemoração na escola e ela lembra, ainda, de uma professora de Música que
defendia a idéia de que através da música a escola poderia ser melhor.
169
A Professora Silvia conta que em sua casa teve contato com o desenho,
pois seus irmãos desenhavam muito e na escola ela gostava de desenhar, na
verdade ela sempre teve contato com pessoas que tinham noção de desenho.
Outra relação forte com o desenho é a da Professora Eduarda, tanto que foi fazer
no ensino médio um curso de Desenho Industrial. Já o gosto pelo desenho para a
Professora Diva data da infância, na época admirava uma prima que desenhava
muito bem, e o fato decisivo para ser uma professora de Arte foi quando, ao
mostrar um desenho feito por ela na escola, sua mãe disse-lhe que a prima o faria
muito melhor. A relação com a Arte e suas manifestações expressivas é, também,
para os Professores Paulo e Jenice uma paixão desde criança. Enfim, a Arte e
suas linguagens fizeram parte da infância desses professores.
• A trajetória acadêmica
Considerando a relação com a Arte e com o querer ser professor, a escolha
do grupo só poderia recair em um curso de ensino superior na área, e mais, um
curso de licenciatura. Esse grupo de professores, graduados entre 1985 e 2002,
tem uma formação diferenciada devido às transformações ocorridas na estrutura
curricular do curso. Assim sendo, esses professores vivenciaram momentos
diferentes em diferentes tempos e espaços o que, de certa forma, se refletem em
suas trajetórias acadêmicas. Incluindo aí as influências, as lembranças e a
formação prática de ensino.
Influências e lembranças do período de formação
Com relação às influências recebidas e lembranças do período de
formação, as narrativas indicam, de um modo geral, os professores como sendo
os exemplos a serem seguidos ou não. As falas, a seguir, são reveladoras:
170
Alguns professores deixaram ótimas lembranças, outros se
mostraram descomprometidos com a formação de quem vai atuar na
área da educação. Alguns não se dão conta do compromisso que tem
na mão. Formar professores é muito sério. Muito! (Professora Ana).
Na faculdade encontrei vários professores legais, mas também
professores que tem cargo vitalício e não tem competência para
exercê-lo, vivem na utopia, fora do contexto. Eu gostaria de vê-los
dando aula em uma das turmas que eu dou, daria muita risada e teria
pena deles. Professores como o [...] que não leva em conta o
conhecimento e vivência do aluno; a [...] que não respeita o aluno
como pessoa; o [...] que nunca se achou nos seus conteúdos e avalia
o aluno pela cara, acho que ele nem sabe que para avaliar tem que
ter critérios bem claros; o [...] que apesar de ser extremamente culto,
enrola o aluno com seu discurso e quase não dá conteúdo, mas tira
do fundo do baú folhas amareladas para cobrar na prova o que ele
não deu. Professores como esses me marcaram negativamente por
terem uma prática pedagógica precária, uma porcaria, e ainda
menosprezam a inteligência do aluno. Acho que os últimos semestres
- 6º,7º e 8 foram o que mais valeram. Minhas professoras preferidas
eram a [...] e a [...], gostava tanto que parece que só tive aula com
elas, não lembro de mais ninguém (Professora Eduarda).
Sem dúvida nenhuma, o que mais me auxiliou na trajetória
profissional foi o exemplo de alguns professores que ao invés de
ficarem repetindo o velho discurso empoeirado da academia, nos
davam noções de como era o mundo real, em se tratando do ensino
da Arte e da educação em geral vigente no país, nos preparando para
as dificuldades que inevitavelmente enfrentaríamos. As maiores
lembranças que tenho dos meus estudos são da oportunidade que
tive de poder observar as diversas maneiras de se dar uma aula.
Lembro-me dos professores pretensiosos, que não sabiam
absolutamente nada sobre o que sua disciplina tratava; aqueles que
sabiam muito, mas guardavam o conhecimento apenas para si com
medo de que algum aluno roubasse o seu intocado lugar ao sol
glorioso que brilha sobre o panteão das Artes e principalmente
aqueles que eram tidos como loucos, pois sabiam, pouco ou muito,
mas tinham o dom de compartilhar e que me deixaram uma valiosa
lição: compartilhar conhecimento é construir saber! (Professor Paulo).
As falas acima destacam que as influências positivas e as boas lembranças
estão diretamente ligadas aos professores comprometidos com a formação
docente e com aqueles que sabiam compartilhar e construir conhecimento. A
Professora Maria concorda com a Professora Ana, pois para ela “a influência de
professores que valorizam a profissão docente, ajudou de forma concreta no
exercício de minha profissão”. E completa dizendo que “os professores ajudaram
na medida em que orientavam, que indicavam caminhos, que faziam a discussão
acontecer sobre a educação”.
171
Lembranças de disciplinas cursadas e que foram significativas se fizeram
presentes nas narrativas, como, por exemplo, o caso da Professora Silvia que
gostava de História da Arte e de Expressão Plástica, ou da Professora Diva que
também adorava História da Arte e nos conta o seguinte fato: “quando estudei a
Arte barroca e depois fiz uma viagem para Belo Horizonte, daí a fixa caiu, foi
realizado um sonho do estudo com a realidade ao vivo e a cores.” Essa mesma
professora relata que detestava as disciplinas de Expressão Cênica porque, como
ela diz, “nunca consegui quebrar a barreira nas aulas de cênica, nunca consegui
me soltar, mas atrás dos bastidores tive uma realização”. A Professora Eduarda é
outra que gostava muito de História da Arte, mas detestava Estética. Os
conteúdos das matérias cursadas “sempre foram motivo de curiosidade e muitas
vezes encantamento” para a Professora Maria, já as aulas de Música e todas as
de desenhos eram as disciplinas preferidas da Professora Jenice, incluindo,
também, História da Arte.
As lembranças dessa época relatadas pela Professora Silvia destacam
como negativo “as dificuldades financeiras, o estudo durante o dia e sem trabalho
e o fato de só o meu marido trabalhar. O lado positivo na faculdade foi o
conhecimento e a conclusão dos meus estudos”. A Professora Ana, tal como o
Professor Paulo, lembra de algumas aulas, do ambiente onde elas transcorriam e
do espaço físico da instituição. Para ela:
O espaço físico da minha graduação é uma boa lembrança. Aulas
teóricas ao som de flautas desafinadas era motivo de crítica para nós
alunos. Hoje tenho saudade dessa impregnação artística dentro dos
espaços escolares. As aulas de teatro eram o máximo. Serviu muito
para eu aprender a lidar com minhas emoções, a ocupação do
espaço dentro da sala de aula enfim. Acredito que todo estudante de
licenciatura deveria ter essa experiência (Professora Ana).
Como vimos anteriormente, o Professor Paulo descreve os prédios onde
aconteciam as aulas da antiga Escola de Belas Artes. Era um prédio do século
XIX, com escadarias de mármore e vitrais, onde se podia conviver com “os
fantasmas do passado e suas glórias” ou o novo Instituto de Arte e Design, um
prédio de arquitetura contemporânea, teto abobadado feito de fibras tecnológicas
que mais parecia um Shopping Center”.
172
Formação prática de ensino
A formação do professor no curso de licenciatura, independente da época
em que foi realizada, envolve um conjunto de disciplinas: as teóricas (saber Arte),
as práticas (fazer Arte) e as pedagógicas (saber-fazer pedagógico). Pelos
depoimentos é possível perceber que os saberes de formação adquiridos durante
a trajetória acadêmica validados pelos professores são aqueles que partem da
experiência (TARDIF et alli, 1991). Reforça-se, aqui, mais uma vez, que os
professores costumam atribuir aos saberes construídos no exercício do magistério
um valor predominante quando questionados sobre a construção de sua
competência (ARROYO, 1985a). Isto explica porque os professores, em suas
falas, destacam como positivas as disciplinas que, de alguma forma, estão mais
próximas dos saberes práticos e daquele saber fazer adquirido na prática. Os
professores consideram que a boa formação é aquela que possibilita o
conhecimento ampliado da realidade para além dos muros da academia. Para o
Professor Paulo se isso acontecesse, alguns transtornos teriam sido evitados.
Seu relato diz o seguinte:
Acredito que todos os erros ou deslizes cometidos no início da minha
docência poderiam ter sido em grande parte evitados, se tivesse tido
uma preparação melhor no sentido de discussões a respeito do
universo que cerca a escola, como comunidade, família, cultura local,
ética...
A Professora Diva concorda que a formação poderia estar mais perto da
realidade da escola, embora entenda que faltou um pouco de dedicação da sua
parte, pois segundo ela “quando a gente sai da faculdade fica pensando que
poderia ter sido bem melhor, deveria ter me dedicado muito mais, e que tem uma
grande diferença dentro da faculdade para a realidade dentro de uma sala de
aula”. A fala da Professora Silvia, a seguir, reforça bem essa idéia:
173
Tanto a parte teórica como a prática tem que “descer” do salto, da
alienação, e mergulhar no mundo real, o da sala de aula, das
condições mínimas estruturais que temos, dos péssimos salários e
como tudo isso vai interferir na nossa vida profissional. Quando fui
fazer meu último estágio, na época de 2º grau, disse para a minha
orientadora: ”Não sei nada, do que me valeu o curso se não consigo
aplicar nesta realidade? A minha vontade é começar tudo de novo.”
Hoje penso que talvez tenha sido muito radical, mas em parte
continuo pensando a mesma coisa.
A Professora Jenice considera sua busca pessoal pelo conhecimento um
aspecto importante para sua atuação profissional, dá uma ênfase maior a essa
ação individual do que a formação acadêmica propriamente dita. Em sua narrativa
ela conta que:
Eu sempre segui construindo meu conhecimento. Sou uma
pesquisadora, estou sempre aprendendo e buscando novos
conhecimentos. Acho que isso deve ser incentivado na formação do
professor. Deve ter a base, mas o professor não pode parar, deve
acompanhar a evolução e entender que as gerações se modificam e
aceitá-las.
Todas as professoras, ao responderem o item do questionário sobre as
alternativas mais relevantes para o exercício da profissão, indicaram o
conhecimento adquiridos pela experiência como sendo o mais importante, exceto
o professor que apontou como alternativa principal o domínio dos conteúdos de
Arte.
A formação prática realizada através de disciplinas que estão mais
próximas dos saberes práticos foi muito significativa para os entrevistados. Eis as
falas de alguns dos professores:
Tive uma formação prática muito boa, pois quando me defrontei com
o ensino pela primeira vez me senti segura, pronta. Acho que sempre
selecionamos o que nos interessa, muitas informações me foram
dadas, todas muito importantes. Acho que a maneira que muitas
delas foram dadas é que poderia ser melhor. Minha formação foi
muito boa, me preparou para o exercício da minha profissão, o resto
é correr atrás (Professora Eduarda).
As lembranças da formação prática são muitas e na maioria são
maravilhosas. Desde o inicio da graduação fiz estágios, esses então
foram muito significativos, e deram uma boa base. Colaboraram para
que ao assumir verdadeiramente a titularidade na escola, a
expectativa fosse sobre coisas reais. Ao estar pela primeira vez como
174
professora formada em uma escola, tive muita tranqüilidade, tive
serenidade, pois já sabia como funcionava o ensino público e as
condições em que se davam as aulas de Arte (Professora Maria).
Meu período de estágios supervisionados foi o momento em que
realmente pude colocar em prática muitos dos conceitos vistos em
sala de aula e onde pude constatar também que os ensinamentos
mais válidos vieram de alguns professores do nosso Instituto de Artes
que aparentemente sabiam muito mais sobre realidade e educação
do que os “mestres” da faculdade de educação que passaram
semestres a fio delirando sobre um mundo hipotético do qual pouco
ou nada sabiam, pois o viam através dos olhos de outros autores e
não com os seus próprios. Exemplo lamentável! (Professor Paulo).
Na prática profissional tive dificuldade nos primeiros anos com a
realidade onde eu fui trabalhar (escolas municipais), eram bem
diferentes em recursos materiais umas das outras. O que mais me
ajudou foi a minha facilidade de entender e gostar de música,
desenho, História da Arte, teatro. Assim eu pude trabalhar conforme a
realidade que tenho, sou uma professora polivalente, que tantos
condenam, mas eu gosto, sou interdisciplinar (Professora Jenice).
Destaca-se a fala da Professora Jenice pelo fato de ter tido uma formação
polivalente, por gostar dessa formação e por considerá-la uma forma de
diversificar o trabalho em sala de aula.
Com base nas narrativas, percebe-se que os professores fazem suas
avaliações da formação recebida a partir de vivências pessoais e da atuação
docente. Os diferentes olhares – e até mesmo o aparecimento de algumas
contradições – dos professores para a formação acadêmica, comprovam a
singularidade na vida desses professores na sua qualidade de pessoas. Uma
coisa, no entanto, um fato é inegável: todos os professores destacam aspectos
positivos da formação que contribuíram na profissão, mas nem por isso deixam de
apontar questões que merecem maior atenção, como as que se apresentam a
seguir:
Acho que fui bem preparada para exercer a profissão, mas a teoria
que devemos saber para passar em concurso ficou devendo. Espero
que isso tenha mudado. Nunca havia discutido sobre pensadores da
educação dentro da faculdade, tive que me virar, ler, arrumar material
emprestado, no ILA – hoje IAD - por exemplo, não se discute,
sabendo que estão formando profissionais que, na sua maioria, vão
para as escolas lidar com crianças e adolescentes (Professora
Eduarda).
175
Ficou faltando muita coisa, tanto teórica quanto prática. Saliento uma
melhor formação para as séries iniciais e a modalidade EJA que são
diferenciados e nem ouvi falar dentro do curso. Não menosprezo
minha formação. Muito pelo contrário. Penso que ela foi fundamental,
mas tive de correr atrás de muita coisa (Professora Ana).
Aprendi a ouvir, a falar, a escrever, a ler, a criticar e a estudar.
Contudo, apesar de ter feito um curso de formação de professores,
digo que não aprendi a ensinar, isto aprendo todos os dias um pouco
mais, cada vez que entro em sala de aula e me encontro com meus
alunos, sejam os pequeninos ou os adolescentes da oitava-série
(Professora Maria).
Vimos que as influências, as lembranças e a avaliação da formação
recebida por parte dos professores são, marcadamente, percepções individuais.
Podemos, também, afirmar que os docentes do curso de formação tiveram um
papel significativo na formação acadêmica dos entrevistados e que a importância
atribuída àqueles varia de acordo com os valores e interesses de cada um.
Cabe, aqui, salientar que o professor que forma professores é uma pessoa
histórica e socialmente contextualizada e que “seu desempenho tem a ver com
suas condições e experiências de vida” (CUNHA, 1994, p. 29). Os professores
são, sem dúvida, o resultado de suas trajetórias pessoal e profissional. Pensando
assim, os professores que formam professores de Artes Visuais construíram – e
reconstruíram – suas práticas e o saber/fazer artístico com concepções de e em
Arte em diferentes momentos histórico-sociais, tal como os professores por mim
entrevistados. A história da (re)construção da trajetória profissional dos
professores repete-se, apesar dos diferentes tempos e espaços de formação.
Entendo como significativo compreender que a docência em Artes Visuais
passa por contextos históricos e conceituais nos quais se insere seu ensino,
sofrendo, obviamente, transformações ao longo dos tempos, já que a Arte em si
mesma é uma realidade cambiante, e que algumas concepções de Arte e do
ensino dessa Arte necessitam ser (re)construídas e revigoradas.
• A carreira docente
A intenção, aqui, através das falas dos professores, é compreender o
percurso de construção da carreira profissional de cada um deles, registrar suas
percepções sobre o acesso àa profissão, os primeiros anos de docência e o
176
exercício propriamente dito da docência. Busquei, ainda, entender se o fato de ser
mulher/homem afetou a sua carreira e o exercício da docência: filhos,
responsabilidades familiares ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes.
A compreensão do que esse grupo pensa e faz – e fez - da e na sua profissão
permitiu a construção dos ciclos de vida de cada um deles. Esse estudo
possibilitou aproximar a pessoa e o professor e o entendimento de que opções
feitas por cada um dos professores são reveladoras de sua maneira de ser e de
sua maneira de ensinar, que juntas fazem do professor o que ele é quando
ensina. Uma vez explicitadas as questões relativas à carreira docente, a ênfase
recai nas fases pelas quais passam os professores durante a trajetória
profissional, considerando essas fases a partir do tempo de atuação na profissão.
Acesso à profissão
A forma pela qual todos os professores chegaram à profissão deu-se
através de concurso público. A atuação de duas professoras em escolas
particulares aconteceu uma por seleção e a outra por indicação de pessoas
conhecidas que já tinham trabalhado nas instituições; uma delas ainda continua
lecionando na escola particular, a outra se demitiu tão logo foi nomeada pelo
Estado.
Ficou evidente, anteriormente, que a maioria das professoras escolheu o
curso de licenciatura por opção pessoal, prevalecendo a idéia de que essa
decisão foi sendo construída ao longo do tempo, bem anterior à universidade,
exceto para três professores: uma fez sua escolha na busca de estabilidade
financeira, o professor e outra professora fizeram sua escolha por ser o curso de
licenciatura mais fácil de ingresso no ensino superior. Registro, novamente, que
esses dois professores acabaram gostando do curso e aceitando a idéia, antes
não imaginada, de ser professor.
Retomando a entrevista na questão da opção pela carreira e fatos que
contribuíram para essa escolha, os professores reiteram suas posições
anteriores, mas outras evidências - percepções mais aguçadas da profissão
177
docente - começam a aparecer na fala de algumas das professoras, como as que
seguem:
Acho que a minha opção pela docência foi, em parte, ao acaso e
outra pelo prazer de ensinar, não para o momento que estamos
vivendo, sem respeito e sem valorização (Professora Silvia).
Eu acho que não saberia fazer outra coisa na vida, apesar da
desvalorização (Professora Diva).
As influências foram muitas, tanto de professores, assim como o
apoio da família. Na verdade essas influências foram o que
sustentaram a busca pela carreira, muito mais do que o desejo em si.
Deram suporte, pois a profissão por si só, sabe-se muito bem que
não seduz ninguém, haja vista, as condições em que se trabalha
(Professora Maria).
As condições de trabalho não muito favoráveis e a desvalorização do ofício
surgem como percepções dos professores, já no início da profissão; a Professora
Maria chega a dizer que, por esses motivos, a profissão docente “não seduz
ninguém”.
Procurei, a partir de então, saber dos professores a avaliação que eles
fazem dessa etapa inicial da profissão. A fala da Professora Maria destaca que no
início da carreira “trabalhar foi algo muito positivo, foi um início vitorioso que
significou a realização profissional tão almejada, considerando que muitos
colegas ficam muitos anos sem conseguir emprego, depois de formados”. Para o
Professor Paulo foi o início de uma grande aprendizagem, pois como diz: “para
minha surpresa, nessa fase em que imaginei que iria ensinar, foi onde mais
aprendi”; já a Professora Jenice explica essa etapa com três palavras: ”difícil,
difícil, difícil”. Pode-se dizer que para a Professora Ana também não foi nada fácil
esse inicio de carreira, seu relato a seguir afirma isso:
Tive de ir à luta. Nesse momento tinha como princípio que os alunos
teriam de levar a sério a disciplina de Arte. Para que isso
acontecesse, eu cobraria tal qual as disciplinas ditas “sérias” do
currículo faziam. Textos, provas e inflexibilidade. Logo tive de mudar
porque os alunos cobravam produção e passei a trabalhar com
conteúdo e produção artística. Baseada no fazer, fruir e
contextualizar. Passei a freqüentar as reuniões pedagógicas e ouvia
as insatisfações dos professores quanto a pagamentos atrasados,
turmas lotadas, alunos protegidos porque eram filhos de fulano e
beltrano enfim. Passei a contabilizar os problemas da docência que
não se resumiam as quatro paredes da sala de aula. Tudo era
novidade.
178
Outras narrativas são, também, significativas para ilustrar essa fase inicial
da docência, pois confirmam o contato com um mundo diferente e bem distante
da academia: a escola. Eis as falas de dois professores sobre isso:
O primeiro ano foi de adaptação em uma nova realidade. Uma
realidade cheia de compromissos e de vivência diária com pessoas
novas, com crianças e adolescentes. Um mundo novo que passou a
completar o meu mundo (Professora Maria).
Em março quando tudo começou me dei conta realmente que estava
em uma escola pública, de ensino fundamental incompleto, até a
quinta série situada do outro lado do muro invisível aos olhos, mas
que separa a periferia dos bancos da academia (Professor Paulo).
Configura-se assim, a partir deste grupo de professores, algumas
características do início da carreira docente como, por exemplo, o sentimento de
vitória, a euforia por estar trabalhando, a realidade da escola incluindo aí as
condições de trabalho, o contato com os colegas, o lugar que o ensino da Arte
ocupa na escola, enfim, as primeiras noções do que seja o trabalho docente com
todas as suas implicações.
Primeiros anos de docência
Continuando com os primeiros anos de docência, os professores foram
solicitados a falar um pouco mais dessa fase, descrever o significado dessa
etapa, comentar as impressões, aprendizagem e mudanças durante esse período
e, por fim, explicitar as principais preocupações profissionais.
Para a Professora Jenice essa foi uma “fase de experimentação,
descobertas e aprendizagem. Descobri que eu podia criar aulas, ia refazendo
após, vendo o que tinha que modificar”. Além da fase de euforia, de descobertas,
da sensação de ter chegado ao lugar desejado, a Professora Eduarda destaca a
preocupação com o domínio do conteúdo e com a equipe diretiva, como podemos
observar em sua narrativa:
179
Os primeiros meses como professora foram cheios de otimismo,
orgulho de mostrar que tinha chegado onde eu queria, que era capaz,
mas também por outro lado ver que as coisas não seguiam o
percurso que se queria, que não era só chegar e despejar o
conteúdo, que além de ter a pretensão de ensinar teria que estar
aprendendo, estudar conteúdo, procurar a melhor maneira de estar
passando isso para o aluno. Minha maior preocupação era
demonstrar domínio do conteúdo para os alunos e de classe para a
equipe diretiva, pois afinal estava em estágio probatório.
A preocupação com o domínio do conteúdo e com sua aplicação e
adequação à realidade dos alunos também se fez presente nas falas que
seguem.
Tinha um verdadeiro pânico de esquecer a matéria ou não saber
responder dúvidas de alunos, mas tentava ao máximo estar sempre
envolvida e estudando o conteúdo e levando algo diferente
principalmente unindo o desenho geométrico com a Arte (Professora
Diva).
As principais preocupações eram em relação à capacidade de
envolver tantos indivíduos – tão diferentes – em torno do mesmo
assunto – Arte – diante de tantas adversidades. As condições sociais
dos alunos, de suas famílias, foram se tornando um referencial em
tudo que eu pensava ao planejar e preparar aulas. Uma preocupação
que passou a ser mais intensa, pois já existia durante o curso de
formação era a busca por material didático para ser usado. Visto que,
o Governo Federal através do Ministério da Educação envia para as
escolas, livros de todas as áreas, menos para Arte e Educação
Física. Todo material bibliográfico que faço uso, é fruto de minha
busca e aquisição. Isto revela entre outras coisas, a falta de
reconhecimento na importância da formação em Arte, pelo Ministério
da Educação, isso para dizer o mínimo (Professora Maria).
Tive muita dificuldade inicialmente em trabalhar com as séries iniciais.
Primeiro porque não tive formação na graduação para atuar com as
séries iniciais. Minha salvação foi ter feito o curso de magistério e
participado do projeto de extensão “Vivenciar, Integrar e Agir”.
Segundo porque concomitante ao trabalho com as séries iniciais eu
ainda trabalhava com o ensino médio regular e EJA do ensino
fundamental e médio, logo, a dedicação não era exclusiva. Fui
aprendendo com a necessidade dos alunos e com a minha própria.
Sempre no estudo e planejamento. Foi difícil (Professora Ana).
A preocupação manifestada pela Professora Silvia não estava ligada ao
domínio - ou não - do conteúdo, ela destaca que, além das dificuldades
financeiras por que passava, enfrentou problemas com a direção da escola, fato
que ocasionou uma mudança de escola, como ela própria conta a seguir:
180
A minha primeira experiência, embora todas as dificuldades
financeiras, foi muito boa, foram 4 anos. Um dos lugares mais
problemáticos que trabalhei foi no [...], mais pela direção (anos
perpétua) do que pelos alunos. Lá eu tive um grupo de teatro junto
com uma colega de Educação Física, foi muito bom. Quando não se
resolve, não se consegue mudar, a gente tem que abandonar o
barco, fiz assim na Escola [...], fiquei um ano e saí.
Para a Professora Diva o impacto maior no início da carreira foi a realidade
da escola já que ela vinha de uma experiência docente em uma escola particular,
para ela:
A mudança de trabalhar na escola particular e ir para a pública, não
conseguia encarar a situação de pobreza dos alunos, a quantidade
de filhos que alguns pais tinham na escola sem poder sustentar, a
falta de carinho entre eles.
A Professora Ana também manifesta, a seguir, o impacto sentido ao
enfrentar uma escola pública de periferia pela primeira vez, e faz uma observação
sobre seus colegas de escola:
Fui parar numa escola de periferia chamada [...]. Localizada numa
zona de extrema pobreza e num bairro violento. Os problemas
começaram. Após sair da faculdade, parecia muito bom trabalhar
numa escola particular e ainda com ensino médio. Eu era feliz e não
sabia. No [...] trabalhei com as séries iniciais e duas 5ª séries. Não foi
fácil. Aliás, tudo era difícil. Desde o transporte. Nessa escola, conheci
o currículo oculto. As conversas de professores nas portas das salas
com os alunos ouvindo tudo, as imagens que os alfabetizadores
utilizavam para fazer associações com as letras totalmente
distanciadas da realidade deles, colegas descomprometidos.
Essa professora, em 2003, deixou a escola porque foi convidada a dedicar
suas 40 horas na organização do setor de Multimeios da Secretaria Municipal de
Ensino, fato que amenizou o impacto e as dificuldades que vinha enfrentando na
escola.
Nesse momento, faz-se necessário retomar dois aspectos: a formação
acadêmica e o lugar que o ensino das Artes Visuais ocupa na escola. Com
relação ao curso de licenciatura temos um grupo de professores graduados entre
os anos de 1985 e 2002, portanto com formação diferenciada. Essa formação
implica em atuações polivalentes em Educação Artística, atuações não
181
polivalentes, mas restritas às artes plásticas ou desenho também em Educação
Artística e, ainda, atuação em Artes, mais especificamente em Artes Visuais ou
desenho e computação gráfica. O curso formou professores, na época da
Educação Artística, polivalentes ou não, para atuar de 5ª a 8ª séries do ensino
fundamental, não preparando esses professores para as séries iniciais. Este fato
repete-se com os professores graduados no Curso de Licenciatura em Artes,
Artes Visuais ou Desenho e Computação Gráfica, que, apesar das alterações
curriculares implantadas em 1999, não contemplou o ensino nas séries iniciais,
nem tampouco o ensino médio. Na verdade, apesar da exigência da LDB de
1996, isso só veio a ocorrer no curso em 2004.
A referida LDB nº 9.394/96 entende que o ensino da Arte deva acontecer
em todos os níveis da Educação Básica55, ensino fundamental e médio,
determinação que foi adotada pela Secretaria Municipal de Pelotas a partir do
concurso para professores de 1999, respeitando, também, as orientações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais sobre a área de atuação desses professores:
Artes Visuais ou Música, áreas distintas, concursos distintos.
Diante dessa situação, entendo que esse grupo de professores procurou as
soluções para esse impasse individualmente, pois os dados dos questionários
indicam que todos os professores entrevistados trabalham em todas as séries do
ensino fundamental, sendo que três das professoras ainda atuam no ensino
médio. Evidenciou-se no questionário, e comprova-se aqui, que todos os
professores preparam suas aulas sozinhos, são eles os responsáveis pelos
conteúdos trabalhados em sala de aula. Como não tiveram em sua formação os
subsídios necessários para trabalhar Artes Visuais nas séries iniciais e no ensino
médio, buscaram soluções e alternativas de trabalho através de esforços
individuais.
O lugar que a Arte ocupa na escola é outro fator que merece atenção.
Apesar da obrigatoriedade, parece-me que os documentos oficiais não são
suficientes para garantir o devido reconhecimento da Arte na formação do aluno,
porque, ao que tudo indica, prevalece o espírito hierárquico da supremacia da
55
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei Darcy Ribeiro – nº 9.394/96 - que no Capítulo II, Da
Educação Básica - Seção I - Das Disciplinas Gerais, Art. 26, § 2º diz que “o ensino da Arte
constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.
182
linguagem escrita e verbal e o conseqüente desprezo pela linguagem visual. Essa
hierarquia do conhecimento na escola, explícita ou implícita, ainda mantém o
ensino da Arte num escalão inferior da estrutura curricular.
Justificam-se as preocupações manifestas pela Professora Ana sobre sua
dificuldade em trabalhar nas séries iniciais e pela Professora Maria quando diz
que seu trabalho tem que envolver tantos indivíduos – tão diferentes – em torno
do mesmo assunto – Arte –, diante de tantas adversidades e da falta de material
didático nas escolas em que trabalha. Aliás, a falta de livros de Arte e sobre Arte é
um fato comprovado pelos dados do questionário. Reforça-se que a utilização do
livro didático, como auxiliar na preparação das aulas, não é uma opção dos
professores porque a escola não possui esse material e, quando utilizado, o livro
pertence a acervos pessoais dos docentes. Faço aqui uma ressalva ao destacar
um caso não muito freqüente, relatado pela Professora Maria:
O apoio mais significativo que recebi foi sem dúvida em relação à
compra de materiais para serem usados em aulas práticas. Esse
apoio sempre foi dado pela diretora da escola, que sempre respondeu
positivamente às minhas solicitações.
Outra questão solicitada aos professores, ainda com relação aos primeiros
anos da carreira, foi sobre a socialização profissional: o planejamento das
primeiras aulas, as preocupações com a disciplina de Artes Visuais e o
relacionamento com colegas e alunos.
O planejamento das primeiras aulas, de um modo geral, e como era de se
prever, foi organizado pelos próprios professores individualmente a partir do
conhecimento da escola e dos alunos, como nos fala a Professora Maria:
Ao conhecer a comunidade escolar e atentar para suas
necessidades, fui aos poucos construindo meus planos de estudos,
minha proposta pedagógica, e assim formatando meus planos de
aula.
A Professora Eduarda conta que sua expectativa, ao apresentar-se na
escola, era a de receber orientações sobre conteúdos e propostas de ensino, no
entanto o que aconteceu foi o seguinte:
183
No dia em que me apresentei na escola fui entrevistada pela diretora
e pela coordenadora da área dentro de uma minúscula salinha da
coordenação, me explicaram sobre documentos que eu deveria
preencher, as turmas que eu iria trabalhar, os horários, com um tema
gerador que não lembro qual era, só sei que achei chato e não tinha
nada a ver com o que eu queria trabalhar, me mostraram onde era o
meu armário e materiais, me apresentaram as turmas que eu iria
trabalhar. As colegas ficaram contentes, pois teriam “folga”, me
deram uma listagem de conteúdos que me baseei para planejamento
das minhas aulas, a coordenadora me esclarecia dúvidas, mas
analisei todas as colegas por um bom tempo e escolhi uma para
perguntar detalhes como preencher algumas coisas na folha de
chamada, etc.
A fala dessa professora aponta para uma questão que não posso me furtar
de falar: a burocratização do sistema de ensino. O exemplo que a professora nos
apresenta é de uma instituição que privilegia tarefas que exigem cumprimento de
horários, preenchimento de folhas e fichas, conteúdos pré-estabelecidos e dá
muito pouca atenção e espaço para o professor pensar e refletir sobre seu
trabalho. Encontro em Nóvoa (1995a, p. 24) o complemento do que acabo de
dizer, para ele “dessa lógica burocrática resulta um trabalho docente
individualizado que acarreta uma redução do potencial dos professores e da
escola”.
A Professora Diva teve o apoio da coordenadora, que era sua amiga, por
isso não encontrou dificuldades para o planejamento das primeiras aulas, tinha
com quem trocar idéias, porém o preparo propriamente dito foi feito sozinha.
As preocupações com a disciplina de Arte, além do domínio dos conteúdos
e da insegurança do que fazer com as crianças das séries iniciais - essa última
circunstância “uma pedra no sapato” da Professora Ana -, envolvem a falta de
materiais e o relacionamento com os colegas e alunos. As falas a seguir
evidenciam essas questões:
Entrei numa eterna preocupação, e isso levo até hoje, que o
professor tem que ser muito, mas muito mesmo organizado, ter
material para mostrar para os alunos, livros, vídeos, imagens, mas
como, se a escola não tem (Professora Diva).
Dar aula de Arte, para crianças que passam fome é tarefa mais que
desafiadora, digo com tristeza, mas com os dois pés na realidade, é
tarefa desumana (Professora Maria).
184
Tive problemas dos alunos. Me diziam na escola - “ a entidade” -que
eu tinha que ter “pulso de classe” (Que raiva!), como lidar com a
emoção, com os alunos punidos ao mesmo tempo (Que difícil!)
(Professora Jenice).
Encontramos muitos colegas, poucos amigos ao longo dos anos. Um
fator bem marcante foi quando concorri à direção de uma escola na
Santa Terezinha, acreditei que as pessoas queriam mudanças, não
era verdade, mas saí da escola quando tive vontade, não aceitei
perseguição (Professora Silvia).
A Professora Eduarda disse não ter problemas de relacionamento com
colegas, porque sempre achou que no trabalho “as relações são obrigatoriamente
profissionais, devemos ser éticos, se a amizade vier junto é um grande lucro”.
Para o Professor Paulo “estar em uma escola é antes de qualquer coisa um
exercício de diplomacia: um universo de situações e realidade conflitantes que se
entrelaçam e caminham lado a lado”. Esse professor fala, ainda, da sua
percepção sobre os colegas de trabalho, pois, como diz:
Nunca sabemos ao certo com que estamos lidando. Existem os bons
colegas, que são competentes naquilo que fazem e sabem
reconhecer a competência nos outros. Existem aqueles que são
competentes e não conseguem ver isso em mais ninguém, bem como
há aquele tipo de professor que em minha opinião é o pior, o
incompetente, que não realiza nada, critica a o trabalho de todos e
ainda usa o seu tempo ocioso pra servir de leva e traz dentro da
escola minando todas as relações.
Percebo que, à medida que o tempo passa, os professores manifestam um
olhar mais aguçado sobre a realidade da escola e as implicações de seu trabalho
com as necessidades específicas da área em que atuam, bem como das relações
com colegas e alunos, criando, assim, mecanismos de sobrevivência no ambiente
escolar, alternativas de ensino por conta da uma maior confiança em si mesmo,
no seu trabalho, o que lhes confere mais autonomia nas decisões relacionadas ao
ensino e no comando de classe. É bem como diz a Professora Jenice: “tive várias
crises, de não ter vontade de ir dar aula, mas saí sozinha. Eu caminhei sozinha.”
Delimita-se, então, mais uma fase de carreira na qual os professores manifestam
diferentes percepções, demonstrando estilos pessoais bem distintos.
185
Exercício profissional
As falas dos professores, até o momento, evidenciam dois períodos
distintos vividos por eles: o primeiro caracterizado pela euforia com as primeiras
aulas, pelo sentimento de vitória alcançada, pelo confronto com uma realidade até
então pouco conhecida, certo estranhamento com o ambiente escolar, e o
segundo, com um maior distanciamento da época da formação recebida, os
professores estão mais seguros de si, conhecedores da estrutura e da
organização da escola e das formas de relacionamento com seus alunos e
colegas, surgindo um estilo pessoal de ser professor.
Na busca de um entendimento mais específico das individualidades
pessoais e docentes, os professores foram solicitados a narrar situações mais
diretamente ligadas à experiência profissional, destacando questões relativas ao
comprometimento com o ensino das Artes Visuais voltado à formação dos alunos
e os momentos críticos vividos na carreira. Pedi a eles, ainda, que manifestassem
suas percepções sobre gênero, ou seja, falar se o fato de ser mulher/homem
afetou a carreira e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares ou
de outro tipo, casos concretos e mais relevantes na escola e na docência, o que
será abordado algumas páginas adiante.
Com relação ao comprometimento dos professores com o ensino e com
seus alunos, os dados do questionário evidenciam que esse grupo de professores
está imbuído de seus deveres para com a formação de seus alunos, pois
consideram que a responsabilidade e o compromisso são relevantes para o
exercício da profissão docente. É, sem dúvida, um grupo extremamente
comprometido com a profissão escolhida por eles. Uma fala que comprova esse
fato é a da Professora Eduarda, que diz: “Sempre me sinto comprometida e com
disposição para o trabalho e também com autonomia. Meu trabalho é com os
alunos e procuro fazê-lo da melhor maneira possível”.
Outro dado destacado do questionário é a ênfase dos professores ao
conhecimento adquirido através da experiência como sendo uma alternativa
preponderante para o exercício profissional, pois a idéia de que na sala de aula o
professor aprende a ser professor é quase uma “teoria” entre os professores,
muito bem explicitada pela Professora Maria, quando diz que: “aprendo todos os
186
dias um pouco mais, cada vez que entro em sala de aula e me encontro com
meus alunos, sejam os pequeninos ou os adolescentes da oitava-série”.
O comprometimento com o ensino e com os alunos está, também, presente
no depoimento do Professor Paulo, que fala claramente das mudanças ocorridas
na sua forma de perceber seu trabalho em sala de aula, como podemos observar
a seguir:
Posso afirmar que aquele recém formado que pretendia se utilizar da
Arte como uma forma de transformar, criar e aprimorar já não existe
mais, após seis anos me transformei em um profissional ciente de
meu dever como educador, mas também ciente de que somente a
minha vontade não é capaz de auxiliar um indivíduo a crescer e
caminhar com as próprias pernas, ele tem que antes de tudo desejar
caminhar, meu papel é mostrar a estrada e caminhar com ele, nunca
por ele. Também não tenho mais a pretensão de caminhar com
todos, o caminho pode ser de todos, mas não é assim que as coisas
são e não é assim que todos pensam. Para mim o importante é
acender a chama em alguns e que esses alguns possam sentir o
mesmo desejo que eu senti, o desejo de ir além, de ver, de conhecer
mais e de perceber que as fronteiras do mundo podem ir muito mais
longe do que a cerca do quintal.
A fala do professor é significativa porque denota um maior amadurecimento
e melhor entendimento de suas reais possibilidades como professor. Quero, aqui,
considerar a concepção sobre os saberes da experiência numa dimensão mais
ampla, não tão restrita apenas à prática pedagógica do professor, mas também o
conhecimento a respeito de sua história, de sua vida cotidiana e, ainda,
conhecimentos da própria organização escolar e das interações que o professor
estabelece no âmbito da escola (GAUTHIER, 1998). Digo isso porque os
professores vêm demonstrando que suas experiências práticas de ensino não
estão limitadas apenas à atuação em sala de aula e, à medida que conhecem as
limitações institucionais do trabalho, se comprometidos com seus alunos e com
seu ensino, reformulam a prática de sala de aula, buscando novas experiências
pessoais. Caso contrário, se prejudicados no desempenho em sala de aula, como
saída buscam remanejamento de escola e, até mesmo, novos desdobramentos
como direção ou outras responsabilidades administrativas.
Esse é outro momento, configura-se uma fase da carreira docente, não
mais aquela primeira onde prevalecia o sentimento de vitória, a euforia por estar
trabalhando, o contato inicial com a realidade escolar e diferente da segunda na
187
qual os professores, mais seguros de si, conhecedores da estrutura e da
organização da escola e das formas de relacionamento com seus alunos e
colegas, definem um estilo pessoal de ser professor.
As mudanças ocorridas com o professor, tanto na sua atuação como na
sua forma de pensar a escola, são explicitadas quando falam dos momentos
críticos no decorrer da profissão. Esses acontecimentos apontados pelos
professores estão relacionados mais diretamente com a escola, ou seja, com uma
situação vivida na escola. De um modo geral, os fatos relatados são aqueles que
desagradaram muito aos professores, como por exemplo, o que nos conta a
Professora Silvia:
Um fato ruim foi quando a direção do [...] tirou minhas horas e deu
para uma professora leiga, sem formação, por perseguição política,
não há apoio do órgão mantenedor. Fui, então, parar na zona rural
graças a uma colega da minha área que se elegeu diretora, passei o
pão que o diabo amassou. Meu filho estava em fase de alfabetização
e não conseguia acompanhar, minha vida familiar um caos, um dia eu
ia lá só para um período, depois caminhava 2 km, tinha 20 horas na
Colônia Maciel e 20 horas na Cascata, tudo isso me tornou muito
“dura”, muitas vezes sem esperança.
Outros acontecimentos destacados pelos professores como momentos
críticos por eles vivenciados são verdadeiros desabafos, narrados com detalhes e
motivadores de mudanças. Eis, então, alguns desabafos:
Momentos críticos vividos na carreira profissional, ainda é aquele
desconhecimento das escolas de que Arte é tão área de
conhecimento quanto qualquer outra disciplina. Material didático não
existe. Sala apropriada muito menos. Sempre falo que a disciplina
mais difícil de se trabalhar dentro das escolas é a Arte porque não há
subsídio algum. Meu grau de satisfação com a escola é baixo. Para
se ter uma idéia, este ano, faltou professor de Arte para um turno da
escola. Eu estou com os horários arrebatados, a solução que deram
foi de uma professora, alfabetizadora, mestranda em educação,
atender algumas turmas. Ela ainda teve a cara de pau de pedir meu
plano de ensino! Poupe-me! Como posso estar satisfeita com a
escola. Ano passado uma professora da outra escola em que
trabalho, pediu-me também planos de aula para atender algumas
turmas no estado. Ela professora de geografia. Engraçado é que
ninguém me convida para substituir o professor de outra área. O
senso comum é de que aula de Arte qualquer um dá. Encontramos
professores que entendem que Arte é uma área de conhecimento e
que não metem as caras, mas a maioria desconhece. A falta de
espaço apropriado para as salas de Arte tornou-se um problema.
Principalmente para o trabalho com as séries iniciais. Eu ainda
trabalho em uma escola que não tem sequer um retroprojetor como
188
recurso. Penso um absurdo isso. As aulas da área de Arte e
Educação Física, no ensino fundamental, são acomodadas de modo
que encaixem nas “folgas” dos professores. Então, elas são
colocadas de qualquer jeito no horário. Pego crianças após a
Educação Física por exemplo. Isso não é legal para o professor. Até
acalmar e centralizar na aula leva um tempo considerável. A aula de
Arte, não raras vezes necessita de concentração, silêncio, serenidade
para poder produzir algo que passou pelo pensamento, pela
imaginação ora! Não há essa preocupação. Escassez ou inexistência
de materiais diversificados também é histórica nas aulas de Arte. Eu
trabalho muito com lixo, mas é necessário diversificar (Professora
Ana).
Momentos críticos foram nos últimos meses que fiquei na minha
primeira escola, fui acusada de ser contra a folga das professoras de
currículo e de ser desumana com uma professora que estava quase
abortando o filho, tudo porque eu me recusei atender os alunos dela
junto com os da turma que eu deveria atender, pois essa professora
faltava muito e a turma estava perdida, sem limites, então de 2ª a 4ª
feira eles dividiam a turma em três grupos para colocar um grupo em
cada turma que tinha as professoras titulares, mas os alunos que
mais incomodavam ficavam na turma da titular de folga, isto é nos
dias das especializadas. Na 5ª feira como era aula com as
especializadas a turma toda ficava junto. Resumo, em todas as
turmas que eu atendia os “pestes” (como eram chamados) estavam.
Explodi, entrei em depressão, só chorava, não comia nem dormia,
depois que foram perceber que eu estava com razão porque a
secretária me defendeu, fizeram antes disso uma reunião com toda a
escola, colocaram o problema, me senti um leão enjaulado, naquele
momento decidi pelo remanejo, tentaram me convencer em ficar, mas
não aceitei. Perdi a confiança, consegui ser remanejada para a
escola que escolhi e estou lá até hoje (Professora Eduarda).
Posso dizer com toda certeza, e com muita tristeza que o momento
mais crítico de minha vida profissional, foi em 2007, quando nossa
escola perdeu um aluno. Na ocasião, passei por uma forte tentação
de abandonar a profissão diante de tanta impotência sobre o
acontecido. Perdemos todos. Eu perdi não somente um aluno, mas
um amigo. Um menino aparentemente alegre, com um sorriso
maravilhoso, educado, querido, gentil, mas ao mesmo tempo, pobre,
com baixa estima, com inúmeras privações sociais, que foram fatais
em sua vida, o levando ao suicídio. Esse fato afetou minha vida –
profissional e pessoal – de forma drástica. Desde aquele momento
concretizou-se em minha frente a incapacidade da escola em
transformar a vida de quem quer que seja. Esse aluno passou o dia
inteiro na escola, pela manhã, em aula, e à tarde, buscando falar com
a diretora – não conseguiu – na madrugada aconteceu... e ninguém,
viu em seus olhos o pedido de ajuda que ele tanto estava precisando.
Tudo isso, me fez parar e chorar muito, pensar muito, refletir sobre
minha prática inicialmente, mas também sobre o sistema de ensino,
no qual estamos inseridos – público, falido e fracassado - que não
educa, e sim, tenta de todas as formas possíveis, adestrar e não
informar. Tudo que havia acontecido, em minha profissão, não
significa nada perto desse episódio, que desejo veementemente, que
nunca mais venha a se repetir. Contudo, não quero esquecê-lo, quero
sim, tê-lo como exemplo de como não se deve proceder diante dos
problemas de meus alunos, por mais distantes de mim que pareçam
estar (Professora Maria).
189
O que dizer de situações como essas? Nada a comentar, apenas a
lamentar. Lamentar pelas condições, ou melhor, pela falta de condições em que
ocorre o ensino das Artes Visuais na escola. Lamentar pela percepção da Arte –
que insiste em continuar – por parte da escola e dos professores, como uma mera
atividade que dispensa o pensar porque é só fazer por isso pode muito bem ser
“usada” para preencher “folgas" de outros professores, ministrada por alguém
sem formação específica. Lamentar situações que levam a uma visão nada
satisfatória da escola e ter que ouvir frases como: “a incapacidade da escola em
transformar a vida de quem quer que seja”, da Professora Maria ou “meu grau de
satisfação com a escola é baixo”, da Professora Ana. E, ainda, que situações
como essas tivessem levado a Professora Silvia a dizer: “Tudo isso me tornou
muito ‘dura’, muitas vezes sem esperança”.
Refletindo melhor sobre os fatos narrados pelas professoras, podemos
considerar que: (a) a Professora Silvia diante dos fatos solicitou remanejamento e
foi para uma escola da zona rural – onde permanece até hoje - e lá assumiu a
coordenação pedagógica da escola, dado explicitado no questionário. Essa
professora já trabalhou como supervisora de ensino junto a SME e como
coordenadora pedagógica em outra escola, além da tentativa frustrada de
concorrer à direção de umas das escolas em que trabalhou anteriormente. Tais
acontecimentos, somados a alguns problemas de ordem pessoal, tornaram essa
professora “muito ‘dura’, muitas vezes sem esperança”; (b) a Professora Eduarda
também solicitou remanejo de escola porque, como ela fala, ”explodi, entrei em
depressão”; (c) a Professora Maria, ao narrar o fato da perda de um aluno, revela
que isso afetou sua vida – profissional e pessoal – de forma drástica e que desde
aquele momento concretizou-se diante dela a incapacidade da escola em
transformar a vida de quem quer que seja, o que a fez tomar esse fato como um
exemplo de como não se deve proceder diante dos problemas dos alunos, por
mais distantes que pareçam estar dela e (d) a Professora Ana deixa claro que
apesar das dificuldades encontradas para lecionar a disciplina de Artes Visuais
nas escolas em que trabalha, não desanima, pois seu principal objetivo era e
continua sendo formar público para Arte. Como disse anteriormente: “O aluno tem
que produzir e saber Arte... pauto até hoje meu trabalho dessa forma”.
190
Considero as narrativas indicadores de outra fase na qual se encontram os
professores, uma vez que o desenvolvimento de suas carreiras vem sendo
resultado de uma série de acontecimentos que os levaram a reagir frente a
situações adversas. Essa fase pode levar o professor a momentos distintos como,
por exemplo, a mudança de instituição de ensino para continuar sua atuação
docente ou ocupar alguma outra função fora da sala de aula, ou por outro lado,
através de uma tomada de consciência mais ”aguda” das questões institucionais,
buscar alternativas para o trabalho em Artes Visuais, o que significa maior
investimento no ensino e na formação dos alunos.
Gênero
Os professores foram solicitados a fazer algumas considerações sobre
questões relativas a gênero, indicando se o fato de ser mulher/homem afetou a
carreira e o exercício da docência.
A educação é considerada um campo profissional predominantemente
desempenhado pelas mulheres. Assim, tento aqui dialogar com a condição do
feminino, isto porque a maioria dos docentes entrevistados é do sexo feminino seis professoras e apenas um professor. Se considerarmos as atividades e
ocupações desempenhadas pelas professoras e suas características, devemos
considerar a carga global de trabalho, ou seja, a segunda jornada laboral: o
trabalho doméstico. As possíveis repercussões da dupla jornada de trabalho se
refletem sobre a saúde, acarretando sobrecarga psicológica, fadiga física; tempo
insuficiente para lazer, para descanso, horas de sono e alimentação. Isso fica
claro numa fala da Professora Eduarda já expressa (quando ela diz que ”Explodi,
entrei em depressão, só chorava, não comia nem dormia”), que as altas
demandas familiares, combinadas com situações vividas no trabalho, estão
associadas a sintomas de depressão. Essa mesma professora, ao falar das
implicações pelo fato de ser mulher na carreira e no exercício da docência, afirma:
191
Acho que o fato de ser mulher até beneficia no exercício da minha
profissão. Meus filhos reclamam que quase não fico com eles, mas
sou eu que faço tudo para eles, levo na escola, cuido para estudar, se
tem tema, se tem que tomar banho, lavar orelha, cortar unha, se a
roupa está limpa, se tem merenda, se tem material, às vezes escapa
alguma coisa. Haja responsabilidade!
Para ela a responsabilidade maior é com os filhos, pois ser mulher “até
beneficia” no exercício da docência, com o que a Professora Maria concorda
plenamente, justificando que esse fato facilita seu relacionamento com os alunos:
Acredito que o fato de ser mulher, somente contribui para minha
escolha profissional. O fato de ser mulher facilita meu relacionamento
e faz com que a proximidade afetiva com meus alunos seja mais
intensa em comparação com colegas do sexo masculino. Penso que
o fato de ser mulher me torna mais capaz e menos desatenta diante
de pequenos detalhes que estão presentes em simples atos e gestos
dos alunos. Pode ser que essa percepção seja “feminista” demais,
mas hoje, sinto assim (Professora Eduarda).
Já para a Professora Maria as responsabilidades familiares referem-se,
especificamente, no que diz respeito apenas a ela e seu companheiro, pois os
filhos ainda não vieram e como ela diz: “Talvez nunca cheguem... Só o tempo
dirá. Assim, ser mulher me faz pensar que sou privilegiada em todos os sentidos”.
A Professora Jenice fez a opção de não ter filhos e completa: ”não vivi o
tradicional que toda a mulher vive”.
A Professora Ana destaca em sua narrativa as implicações do ser mulher
em casa e na escola, pois para ela:
O fato de ser mulher, principalmente no inicio da carreira, afetou no
sentido de que não é fácil administrar tudo. As dificuldades já
começam na gravidez. Depois veio o divórcio. Criar um filho,
administrar casa e estudos. Não foi e ainda não é fácil. Hoje ainda a
gente tem que administrar a escola, o material que vai levar, a aula
da semana que mudou devido à necessidade dos próprios alunos, o
novo relacionamento afetivo enfim. Quanto mais o tempo passa,
parece-me que as responsabilidades aumentam. Penso que esta
situação é bem comum hoje em dia. A mulher está cada vez mais
tendo que administrar tudo. A antológica feminização do magistério
aponta para muitos casos de sobrecarga de atividades às mulheres.
Muitas vezes a mulher que escuta o choro de criança em casa ainda
vai para o trabalho e vai escutar choros e lamúrias de 30, 35 crianças.
É diferente de uma outra profissional mulher que vai para o seu
escritório, consultório ou atender atrás de um balcão. A tarefa da
professora de um modo geral, ao meu ver, sempre vai ser mais
pesada. Isso não é um privilégio, é tarefa árdua e comprometedora.
192
As narrativas das professoras apontam para a questão da feminização do
magistério. Destaco, primeiramente, que o gênero, segundo Scott (1990) é uma
maneira de “indicar “construções sociais”, utilizado para designar as relações
sociais entre os sexos, estabelecendo idéias sobre papéis adequados às
mulheres e aos homens. E um papel definido historicamente para a mulher é o de
professora.
Apple (1991), ao tentar responder por que o magistério tornou-se campo de
trabalho feminino, explica que esta profissão foi uma das primeiras que se abriu
para as mulheres sob a aprovação da sociedade. Entretanto, para o autor, as
mulheres foram impelidas para este trabalho sob a associação da tarefa educativa
com a materna, afirmando, por sua vez, que os componentes de cuidar e servir
embutidos no magistério, principalmente nas séries iniciais, operaram como
fatores de segregação sexual, uma vez que cuidar de crianças e servir sempre
foram consideradas ocupações de baixa qualificação. Estas concepções
contribuíram para o afastamento dos homens da profissão e refletem-se nos
baixos salários. E mais, os atributos femininos associados à esfera doméstica
como docilidade, submissão, sensibilidade, intuição e paciência, induziram a
transformação da escola em um reduto feminino, pois se argumentava que ali
elas continuariam rodeadas de crianças e exercitariam todas as características de
sua vocação maternal.
O magistério vem se definindo e perpetuando como “missão feminina”
desde o período de consolidação como profissão até os dias atuais, em que se
constata flagrantemente a maioria de mulheres nesta função.
A Professora Silvia entende que a sua profissão é, prioritariamente,
feminina e aponta para os problemas oriundos do excesso de trabalho – escola e
casa – e para a pouca valorização da sua profissão. Eis o que ela diz:
A nossa profissão tem em sua maioria mulheres e isso ocasiona
alguns problemas: baixos salários, acúmulo de funções como dona
de casa, problemas de saúde, etc. Os governos não nos valorizam
também, em parte, porque somos mulheres e historicamente são as
que percebem menores salários.
193
As falas das professoras Maria e Eduarda, como já expresso, têm, no
sentido
de maternidade, sua principal linha
de
ação. Além disso, a
missão/apostolado de que se reveste a docência, sobretudo quando exercida
pelas mulheres, imprime também esse papel: uma filiação e uma maternidade
simbólicas, que encontram no magistério o lugar ideal de realização ou o lugar de
realização ideal, pelo fato da profissão docente representar mais um locus de
realização pessoal para as mulheres, ao lado da família. A fala do Professor
Paulo, a seguir, reforça a relação da professora próxima à figura da mãe e mostra
como ele se percebe nesse ambiente predominantemente feminino:
Ser professor é também atender expectativas, sonhos e fantasias,
tanto de alunos, como de pais e colegas de trabalho. O fato de ser
homem me diferenciava do conceito de “tia” - pseudo-projeção da
imagem da mãe -, ser jovem, me colocava em uma posição de irmão
mais velho o que sempre dava margem a um não reconhecimento da
figura do professor e principalmente o fato de ser gay e não me
parecer nenhum pouco com o estereótipo de uma criatura cheia de
afetações e que deveria em tese se vestir de mulher foram três
barreiras em uma que tive de aprender a conviver para mais tarde
transpor. Hoje sou o professor de Artes em qualquer uma das escolas
e sou respeitado como tal, não importando o que mais eu sou ou
deixo de ser.
A presença do professor na escola gerou problemas que ele teve que
enfrentar: um deles, por ser jovem, ter sido considerado como um irmão mais
velho dificultando seu reconhecimento como o professor e a outra situação foi o
fato de ser gay não estereotipado, como ele mesmo fala, sofrendo preconceito por
parte das colegas, não dos alunos. Pode-se entender que o tipo de masculinidade
expressa no comportamento do professor não correspondia às expectativas dos
colegas, ou seja, esse professor não apresentava atitudes e comportamentos
apropriados dentro do lugar comum quando se fala de gênero dos homens, como
nos relata Connell (1995). Para o autor as masculinidades são construídas de
forma convencional, refletidas tanto no agir quanto nos sentir, para se
distanciarem do comportamento das mulheres. De acordo com a teoria de Connell
a não correspondência à norma masculina pode levar à violência, ou à crise
pessoal e a dificuldades nas relações com as mulheres. Esse último fato foi
realmente o grande problema a ser enfrentado pelo professor nas duas escolas
em que trabalha.
194
Outra questão que destaco sobre o item de gênero desenvolvido na
entrevista é a relevância da responsabilidade feminina pelo trabalho doméstico,
ainda uma atribuição das professoras e não do professor. A dupla jornada de
trabalho, profissional e doméstico, foi, de fato, uma realidade para as mulheres
estudadas. Vale lembrar que as professoras, pela necessidade de realizar a dupla
jornada de trabalho, têm aí um possível obstáculo ao avanço profissional.
Quero enfatizar que é impossível pensar numa qualificação das
professoras/mulheres trabalhadoras sem intervir sobre o trabalho doméstico. Digo
isso porque as professoras – as quatro casadas e com filhos - quando solicitadas,
no questionário, a indicar os fatores de impedimento para participar de atividades
de formação, apontam a falta de disponibilidade pessoal para a realização de
cursos de atualização. A professora casada e sem filhos e a professora solteira,
nesse item do questionário, dizem apenas assistir a palestras ou a cursos de
pequena duração, devido à carga excessiva de trabalho na escola. No entanto, o
professor que é solteiro indica que os temas propostos geralmente não lhe
interessam, e sua próxima meta é um curso de mestrado em Memória Social e
Patrimônio Cultural (ICH/UFPel). A Professora Maria, casada e sem filhos,
pretende também fazer um curso de mestrado e a Professora Jenice, solteira,
está próxima da aposentadoria, sendo categórica ao dizer que chega pois “penso
que seria mais feliz em outra profissão. Não gosto de escolas, mas estou lá,
talvez para transgredir”.
• A escola
Os professores apresentam, nesse momento, suas considerações sobre a
instituição de ensino em que trabalham atualmente, evidenciando a chegada à
escola; a história pessoal ali vivida; o grau de satisfação com a escola; o
momento profissional como professor, como professor de Artes Visuais e a
situação desse ensino.
A chegada dos professores à escola atual, de um modo geral, foi tranqüila.
Algumas vieram de outras escolas, como é o caso das Professoras Ana, Silvia e
Eduarda ou como a Professora Jenice, que veio permutada de Porto Alegre para
195
duas escolas municipais de Pelotas. Como já vimos, todos os professores
trabalham em mais de uma instituição.
Os professores, em sua maioria, conforme dados do questionário, têm um
regime de trabalho de 40 horas semanais, sendo que duas professoras trabalham
60 horas e outra 70 horas semanais. Essa última professora fala o seguinte sobre
seu momento atual:
Atualmente trabalho em (4) quatro escolas. Professora de Arte e
desenho do pré a 8º série. Fase bastante difícil pela diversidade de
níveis de ensino. Hoje em dia estou fazendo uma pequena loucura
em trabalhar os três turnos quase 70 horas, mas estou levando numa
boa.
Destaco aqui, mais uma vez, que a participação das professoras no
cotidiano da escola limita-se às aulas, uma vez a carga horária efetiva em sala de
aula corresponde, aproximadamente, à carga horária do contrato de cada um dos
professores. Outro fator que merece atenção, fato também comprovado
anteriormente e citado pela Professora Diva, é a diversidade de níveis de ensino
em que atuam os professores nas escolas municipais, ou seja, a maioria atua em
todas as séries do ensino fundamental. É na instituição particular que essa
professora leciona na pré-escola.
Nas narrativas dos professores destacam-se aspectos relativos ao
relacionamento com colegas, ao desafio de lecionar para alunas do magistério e
às condições sociais dos alunos, como podemos observar nos relatos a seguir:
A chegada na atual escola [...] foi normal, é uma escola pequena,
tenho todo o material didático que peço, tenho autonomia no meu
trabalho, me relaciono bem com os colegas e equipe diretiva, só não
gosto das fofocas que são freqüentes. Eu também pertenço a um
projeto de banda musical do qual sou integrante. Sou muito elogiada
pelo trabalho que faço na sala de aula. A chegada no [Colégio...] foi
normal, mas é outro ambiente, muito mais elitizado. Sou meio “Xepa”,
no início senti que era avaliada pela aparência, mas depois que
muitos descobriram que eu trabalhava com surdos, lugar que muitos
gostariam de estar, começaram a me respeitar. Minha relação com os
colegas é boa. Nas duas escolas o meu grau de satisfação é bom,
faço o que me cabe (Professora Eduarda).
Vim permutada para duas escolas: uma de ensino fundamental e a
outra foi um desafio, pois é um Curso de Magistério para formação de
professores para a Educação Infantil lá no [Colégio...]. Tive que
estudar, aprender muitas coisas, pois nunca havia me dedicado a
196
essa faixa etária, tive que construir meus conteúdos e definir como
trabalhar. É a experiência mais “legal” de todas. Mas é um grupo
coeso, onde trabalhamos juntas com o mesmo propósito e objetivos.
O curso é um projeto, para alunos que já concluíram o 2º grau. Tive
momentos de insegurança, mas agora estou bem, todos se ajudam e
temos a liberdade de ir e vir, uma escola boa de trabalhar (Professora
Jenice).
Minha chegada à escola em 2004 foi muito boa, em relação às
condições para poder exercer a profissão. Mas desde o inicio senti a
deficiência, em que as condições sociais implicavam na formação do
nosso aluno e percebo que, cada vez mais implicam negativamente.
A zona onde está localizada a escola é muito carente. A pobreza é
grande. Ensinar, trocar, aprender, alfabetizar, informar, são desejos
que muitas vezes são aniquilados diante da fome, da criança que
quer merendar e brincar no recreio somente e sabemos que a escola
deve muito mais que isso. Falar de Arte ou de qualquer outra área do
conhecimento com quem é espancado, abusado sexualmente, que
tem em sua casa um ponto de tráfico de drogas, é algo que beira o
desumano. As famílias têm em média quatro filhos. Algumas famílias
possuem quatro filhos na 1ª série, detalhe, que, nenhum mais com
idade adequada. Prova disso é que a escola possui todos os anos,
cinco turmas de 1ª série, lotadas, com média de trinta alunos cada, e
sempre, somente uma oitava, com no máximo quatorze formandos,
isso, representa o “funil social” pelo qual todos passam e,
infelizmente, sabe-se que sociedade resulta disso. É preciso dizer
que mesmo diante de tantas adversidades, tenho experiências dignas
de Prêmio Nobel, não para mim obviamente, mas para “pequenos
guerreiros” como costumo classificar meus alunos. Mesmo diante das
dificuldades, ainda se sente a vontade de aprender, de ensinar, de
amar, de viver. As crianças mesmo lutando contra tudo e todos, ainda
assim, nos surpreendem muitas vezes e fazem com que cada vez
mais tenhamos esperança e perspectiva para continuar (Professora
Maria).
Fica claro na fala das professoras as diferenças existentes entre uma
escola urbana e uma de periferia, principalmente onde está localizada a escola da
Professora Maria. Já no caso da Professora Eduarda, apesar de uma de suas
escolas estar localizada na periferia, as condições sociais do entorno são
melhores e por ser, também, uma escola pequena, oferece melhores condições
de trabalho. Com relação à escola urbana, onde trabalham as Professoras
Eduarda e Jenice, percebe-se em suas falas que é uma escola com “ambiente
mais elitizado”, como diz a Professora Eduarda ou, como no caso da Professora
Jenice, “é a experiência mais ‘legal’ de todas”, tanto que ao ser perguntada sobre
seu momento atual ela diz que: “Meu momento profissional é o melhor da minha
trajetória”.
O grau de satisfação dos professores apresenta-se variado, mas de um
modo geral, eles mostram-se pouco satisfeitos com as condições da escola e com
197
as condições sociais dos alunos, o que acarreta dificuldades no aprendizado dos
mesmos. Para a Professora Diva o grau de satisfação varia de escola para
escola, uma vez que ela trabalha em quatro escolas, localizadas em diferentes
bairros, incluindo aí o centro da cidade.
A Professora Ana disse “meu grau de satisfação com a escola é baixo”
devido à falta de condições para o ensino da Arte e a desconsideração desse
ensino por parte dos colegas. A Professora Maria também anda um pouco
desiludida com a escola, como ela própria fala:
Hoje em dia posso dizer que minha satisfação com a escola poderia
ser muito mais positiva. Mas não culpo ninguém e culpo a todos, se
isso é possível. Eles não têm estrutura familiar, não tem acesso à
cultura, à saúde, e nem mesmo à educação que verdadeiramente se
deseja e necessitam.
Já para a Professora Silvia a satisfação depende de momentos vividos.
Alguns mais esperançosos e outros nem tanto, pois para ela:
A satisfação depende muito dos momentos vividos, das expectativas
que temos. Já vivi momentos de maiores esperanças quanto a
desenvolver um trabalho melhor, hoje estou um pouco cansada, é
difícil lidar com pessoas, mas faz parte.
Outra docente que, apesar de estar vivendo na escola urbana seu melhor
momento profissional, argumenta que está muito difícil lecionar hoje em dia, é a
Professora Jenice, que afirmou anteriormente que seria mais feliz se tivesse
optado por outra profissão e que não gosta de escolas, “a entidade”, como ela
chama.
A questão, agora, é registrar a voz dos professores sobre o momento em
que estão vivendo como professores e mais, como professores de Artes Visuais.
Antes, porém, é preciso lembrar que é na escola que aprendemos e ensinamos a
ler, a escrever, a contar, a colocar questões ao mundo que nos cerca, à natureza,
à maneira como homens/mulheres se relacionam entre si e com ela. É na escola
que professores de Artes Visuais ensinam as imagens do mundo. É através da
produção e circulação de significados, de modos como as pessoas vivem
permutando e produzindo significados na vida social que a cultura escolar é
produzida. Os significados culturais não estão nas próprias coisas, na
198
materialidade dos objetos; eles são construídos nas práticas que os sujeitos
vivem. Os significados dependem da circulação dos sentidos produzidos nessas
práticas.
É nesse processo que a voz dos envolvidos ocupa uma função instituidora.
As vozes dos professores produzem significados, realidades. Nesse sentido, os
significados que são construídos nas práticas vividas por eles na escola e fora
dela, na circulação dos sentidos que eles atribuíram a essas práticas em
determinado tempo e espaço, esclarecem o momento em que estão vivendo
como pessoas e como professores.
Eis “a voz” de alguns dos professores:
Então, eu vejo esse momento profissional que estou vivendo assim:
ser professor está cada vez mais difícil. Tem que ter paixão senão já
era. Nossa clientela pode ser alto risco, não se sabe. Nosso aluno
está difícil. A escola é uma micro sociedade. Se a sociedade está
consumista, em crise, violenta, sem perspectiva, isso vai se refletir na
escola, na sala de aula. A escola não acompanha o apelo visual que
o mundo oferece, a produção de comportamentos disseminados pela
cultura visual. A disciplina de Arte merecia mais recursos para
trabalhar com o mundo visual. Acredito que estamos vivendo um
processo na educação. Estamos em transformação. Sou ciente que
meu papel, nesse momento é de lutar para o reconhecimento da área
de Arte, sua importância nas escolas e na formação do indivíduo,
lutar por melhores condições de trabalho, salário enfim, por um maior
comprometimento com o ensinar Arte (Professora Ana).
Atualmente tento dar o melhor de mim. Tento fazer o melhor possível
como professora, ser coerente e ser responsável com meu
compromisso com a educação. Assumindo todas as tarefas e as
cumprindo da melhor maneira possível. Estou sempre atenta a minha
“eterna graduação”. Fiz curso de especialização e vou pleitear este
ano o mestrado. Fora isso, procuro sempre estar participando de
eventos que propiciem minha atualização e “reciclagem”. Cada vez
mais minha preocupação com o lado humano das pessoas torna-se
mais latente. Humanizar as relações é algo imprescindível. Perceber
meu aluno como um ser único, diferente, mas que deve ser integrado
na coletividade é para mim essencial. Vejo que mais importante que
conteúdos e discussões teóricas faz-se necessário valorizar saberes
culturais de cada aluno. A cada início de ano letivo renova-se a
esperança, a vitalidade, a força para continuar numa batalha pelo
melhor, pelo que atingirá mais pessoas positivamente. Sou
professora porque quero. Porque brota em meu coração a vontade de
contribuir com a vida de crianças e adolescentes e melhorar o mundo
através da docência, da Arte (Professora Maria).
Continuo lotado na mesma escola onde comecei e estou fazendo
desdobramento de carga horária em uma escola de um dos
balneários da cidade há três anos, local este onde me encontro
realizado pelas amizades que fiz e pelos ensinamentos que obtive
199
dos mais experientes que me tornaram um educador visivelmente
melhor do que aquele visionário de cinco anos atrás (Professor
Paulo).
É difícil ser professora de Arte, lidar com o barulho, com a
desvalorização por parte das famílias, das direções e colegas, mas
também é importante o que deixamos nos nossos alunos de
significativo, a lembrança que fica e o reconhecimento (Professora
Silvia).
Meu momento profissional é o melhor da minha trajetória, mas
também uma época difícil, eu percebo que a escola está muito
defasada, está atrasada no tempo. Não acompanhou a evolução,
temos uma escola que prepara o individuo para o vestibular e não
para a vida. Os alunos não querem aprender, vão para a escola para
socializar, namorar e jogar futebol. Trabalhar Arte é quase impossível
(Professora Jenice).
Acho este momento bom, tenho bastante oferta de trabalho, costumo
dizer que se tivesse turno das horas às 6 horas da manhã também
trabalharia. Costumo me impor como professora de artes (Educação
Artística como dizem), tenho que ser vigilante no meu discurso tanto
com os alunos como com os colegas. Nas escolas de séries iniciais,
por incrível que parece as professoras titulares acham que as
especializadas são para “dar folga”. Acham também que tenho que
trabalhar as datas comemorativas, enfeitar a escola, mas não faço
nada disso. No [...] uma professora falou ”brincando” que eu era uma
incompetente porque não fazia isso, respondi a ela que tinha feito um
curso universitário regular, que não tinha feito meu curso superior
“nas coxas” como muitas que fizeram pedagogia porque o governo
tinha oferecido, e ainda cursos de especialização pagos com
trabalhos de conclusão encomendados, também falei que não tinha
tirado curso de decoração de ambientes, se tivesse estaria animando
festas de aniversário e talvez ganhando mais do que professora.
Procuro estar atualizada no interesse dos alunos, estudar e rever a
minha prática. Estou começando a registrar sobre minha prática e
resultados, isso antes eu não fazia, mas como as pessoas me
incentivam, dizem que meu trabalho é bom, se não registro meu
trabalho se perde no tempo. Gostaria de publicar coisas que fiz e deu
certo. Às vezes leio em artigos sobre trabalhos que já fiz e não me dei
conta que era bom, aí pensei mas isso eu faço, e na publicação está
como uma grande novidade. Estou numa fase que quero que um
nome cresça e apareça por pura vaidade e reconhecimento do meu
trabalho é o ditado: “Se eu não gavo....”. Acho muito coerente este
momento (Professora Eduarda).
As narrativas dos professores apontam, por um lado, para esperança de
continuar lutando pelo que acreditam por sentirem-se realizados com o fato de
serem professores por opção; por outro lado, reafirmam as dificuldades
enfrentadas para ensinar Artes Visuais nas escolas em que trabalham.
Dificuldades essas já manifestas nos questionários e confirmadas pela voz dos
professores.
200
Os professores esperançosos acreditam que a luta deva ser pelo
reconhecimento da importância do ensino da Arte para o desenvolvimento dos
alunos por parte da escola, dos colegas, por melhores condições de trabalho,
principalmente, porque a disciplina mereceria mais recursos para trabalhar com o
mundo visual. Há, também, professores satisfeitos com o trabalho que estão
realizando em sala de aula, sentem-se mais amadurecidos, mais conscientes da
sua função de educador, pretendendo até buscar aprimoramento em cursos de
pós-graduação.
As dificuldades encontradas pelos professores estão mais diretamente
ligadas à escola, ao aluno e ao trabalho com Artes Visuais. A escola, para alguns
professores está distante da realidade do aluno e, como diz uma professora, “a
escola está muito defasada, está atrasada no tempo. Não acompanhou a
evolução, temos uma escola que prepara o individuo para o vestibular e não para
a vida”. Ainda com relação à escola, outra professora a considera uma micro
sociedade, pois para ela “se a sociedade está consumista, em crise, violenta, sem
perspectiva, isso vai se refletir na escola, na sala de aula”. E, conseqüentemente,
esses fatos refletem-se nos alunos, que na percepção de três professoras estão
“difíceis” e como diz uma delas: “os alunos não querem aprender, vão para a
escola para socializar, namorar e jogar futebol”. Isso faz com que elas considerem
que ensinar Artes Visuais seja uma tarefa árdua, difícil, quase impossível de ser
realizada.
Com relação ao ensino das Artes Visuais, há o argumento de que a escola
não acompanha o apelo visual que o mundo oferece, a produção de
comportamentos disseminados pela cultura visual. Reafirma-se, mais uma vez, a
concepção desse ensino vinculado a sua antiga terminologia, a Educação
Artística, cuja função é trabalhar datas comemorativas, enfeitar a escola e
proporcionar à professora titular das séries iniciais a sua tão almejada “folga”.
Cabe, aqui, relembrar momentos muito distintos pelos quais passaram os
professores, como, por exemplo, aquele em que a professora continua
entusiasmada querendo mudar o mundo com seu ensino; aquele do professor
mais centrado no seu trabalho e consciente de suas reais possibilidades, não tão
visionário, fazendo o que pode e como pode; ou o da professora que trabalha em
quatro escolas e vai levando “numa boa”. Ou aquele momento, já delineado
201
anteriormente, em que ocorre uma mudança de instituição de ensino para
continuar a atuação docente ou ocupar alguma outra função fora da sala de aula,
ou por outro lado, através de uma tomada de consciência mais ”aguda” das
questões institucionais, buscar alternativas para o trabalho em Artes Visuais, o
que significa maior investimento no ensino e na formação dos alunos.
Configura-se, a partir das últimas falas dos professores, outro momento na
vida profissional de alguns deles, como a docente que diz estar numa fase que
“quer que seu nome cresça e apareça por pura vaidade e reconhecimento do seu
trabalho”; ou como a professora que se tornou mais “dura”, menos esperançosa,
diz estar hoje um pouco cansada e considera difícil lidar com pessoas, “mas faz
parte”.
É possível compreender, agora, ao término das narrativas sobre a trajetória
pessoal e profissional dos professores, que o percurso de cada um dos docentes
é único, repleto de singularidades e de acontecimentos variados em função do
contexto social e escolar do trabalho ou da própria pessoa.
Como vimos no decorrer das narrativas as modificações nas fases da vida
dos professores foram ocasionadas pelas condições de tempo e lugar
determinados, elas ocorreram pelas situações de oportunidades e limitações
vividas por cada um dos professores.
Fases da carreira docente
Há algum tempo - penso que pelos resultados de pesquisas realizadas
anteriormente e pelas situações vividas na minha prática docente num curso de
formação de professores de Artes Visuais - venho me perguntando: o que leva um
professor a ser diferente de outro se praticamente a formação acadêmica foi a
mesma? O que leva um professor a ensinar Artes Visuais igual ao outro se a
formação acadêmica foi diferente? Quais os fatores que determinam as
diferenças? Por que alguns professores resistem tanto às mudanças?
Acompanhada desses questionamentos, tenho um encontro decisivo com
Bolivar e Huberman, autores que me possibilitaram visualizar possíveis respostas
para tais inquietações. Em Bolivar encontrei o caminho que me levou aos ciclos
202
de vida dos professores, em Huberman as fases da carreira docente. Daí porque
eu decidi trabalhar os ciclos de vida com base nas fases da carreira docente.
O estudo dos ciclos de vida me permitiu traçar a trajetória pela qual
passaram os professores, com a intenção de obter uma melhor compreensão da
pessoa do professor e de sua atuação docente. Já as fases da carreira docente,
que apresento a seguir, oportunizaram conhecer os momentos de mudanças de
vida, de enfrentamento das crises e dos compromissos institucionais que os
professores enfrentaram.
Como já dito aqui, o modelo proposto por Huberman (1995) é centrado nos
anos de experiência docente e não na idade. Para ele o desenvolvimento de uma
carreira é um processo linear para alguns, para outros com momentos de altos e
baixos, tornando-se bastante significativo compreender o percurso de uma
pessoa numa determinada organização e a forma como as características dessa
pessoa influenciam a organização e são, ao mesmo tempo, influenciadas por ela.
Entretanto, os estudos realizados por Huberman envolvem professores
com outras nacionalidades, com outras realidades. A proposta do autor, portanto,
não foi aqui usada literalmente, mas serviu de base para a construção de um
quadro com as fases da carreira docente do grupo pesquisado: professores de
Artes Visuais de escolas municipais da cidade de Pelotas.
A carreira docente caracteriza-se por diferentes fases que constituem o
ciclo de vida profissional dos professores. O modelo que proponho, construído a
partir das narrativas dos professores, segue uma ordem seqüencial de fases,
admitindo uma diversidade com relação às variáveis históricas, institucionais e
psicológicas que configuram um determinado grupo, ou seja, pessoas de uma
mesma idade, pessoas com idades diferentes e um conjunto de experiências
comuns - ou não - num certo espaço de tempo. Porém, esse modelo,
diferentemente do proposto por Huberman, não toma como base para definir as
fases apenas um critério rígido de anos de docência. Os anos de docência são
considerados, mas não são definidores das fases, pois as narrativas dos
professores comprovam que as fases podem mesclar-se constantemente, e uma
não afasta nem elimina a possibilidade de outra. A definição de uma fase
predominante em uma determinada situação, não descarta a possibilidade de
outra fase considerada próxima.
203
As fases propostas são em número de quatro (Quadro 4), considerando
que as duas primeiras foram comuns a todos os professores pesquisados. Tendo
em conta o tempo de docência para aposentadoria, que é de 25 anos para
mulheres (já que as professoras entrevistadas com mais tempo de docência são
mulheres) e os acontecimentos narrados pelos professores que originaram as
quatro fases da carreira, o cálculo para definição dos anos de docência foi feito
com base na divisão do tempo de aposentadoria pelo número de fases, o que
resultou na média de 6 anos para cada fase.
Quadro 4 – Fases da carreira por aproximação dos anos de docência
Anos de docência
Fases da carreira
1-6
Impacto
7-12
Personalização
13-18
Alternância
19-25
Individualização
Fonte: Elaboração própria.
Para compreender as fases acima apresentadas, parto do princípio de que
os anos de carreira são significativos para definir o início da primeira fase,
denominada de impacto (1-6 anos), mas não balizadores do seu término, porque
os acontecimentos – mais ou menos intensos - vividos pelos professores, tanto na
escola quanto na vida pessoal, são determinantes para uma mudança de fase.
Já a aproximação da segunda fase, de personalização (7-12), com os anos
de carreira, justifica–se porque acontece a construção de um estilo pessoal de
ensinar Artes Visuais para turmas de níveis tão diversificados e escolas com
realidades diferentes e isso requer tempo e maturidade, o que não descarta uma
mudança mais rápida provocada por um ou outro tipo de acontecimento, um
momento crítico enfrentado pelo professor. É preciso lembrar que a docência em
Artes Visuais passa por contextos históricos e conceituais nos quais se insere seu
ensino, sofrendo, obviamente, transformações ao longo dos tempos, já que a Arte
204
em si mesma é uma realidade cambiante, e que algumas concepções de Arte e
do ensino dessa Arte necessitam ser constantemente revisitadas.
A fase de alternância (13-18 anos) corresponde a um período no qual o
tempo de atuação possibilita ao professor uma maior compreensão do sistema
educacional e da docência, do que pode ou não, do que quer ou não fazer; o
professor permite-se optar. Lembro que fatores da vida pessoal são também
determinantes na manutenção ou na mudança de fase.
Já a proximidade com o final da carreira determina a fase de
individualização (19-25 anos), responsável pelo distanciamento do professor dos
problemas educacionais e pela busca de satisfação pessoal.
Eis, então, as características, mais especificadas de cada uma das fases
propostas.
A primeira é a de impacto, o início da carreira docente, onde o professor
tem um encontro com a realidade do cotidiano escolar, o “choque do real”. Esse
primeiro contato pode ser fácil ou difícil, caracteriza-se, por um lado, pelo
entusiasmo, pela sensação de euforia e de vitória por estar trabalhando; por outro
lado, pelo contato com a realidade da escola, incluindo aí as condições de
trabalho, condições sociais dos alunos, o relacionamento com os colegas, o lugar
que o ensino da Arte ocupa na escola, enfim, as primeiras noções do que seja o
trabalho docente com todas as suas implicações. Delineiam-se, nesse momento,
os contornos da profissão docente pela descoberta por parte do professor de sua
própria atuação, de seus alunos e de sua integração no coletivo profissional. Essa
fase pode prolongar-se – ou não –, seu tempo de duração depende única e
exclusivamente da forma como cada professor enfrenta seu início de carreira,
mas o certo é que todos os professores entrevistados passaram por ela.
A personalização é a fase onde o professor constrói um olhar mais
aguçado sobre a realidade da escola, as implicações de seu trabalho, as
necessidades específicas da área em que atua, bem como das relações com
colegas e alunos, criando, assim, mecanismos de sobrevivência no ambiente
escolar, alternativas de ensino por conta da uma maior confiança em si mesmo e
no seu trabalho, o que lhe confere mais autonomia nas decisões relacionadas ao
ensino e no comando de classe. Nessa fase da carreira os professores
manifestam diferentes percepções, demonstrando estilos pessoais bem distintos.
205
É o momento em que estão mais seguros na organização e no desenvolvimento
dos conteúdos frente à diversificação de níveis de ensino em que atuam.
Outra fase é a de alternância, que pode levar o professor a momentos
distintos como, por exemplo, a mudança de instituição de ensino para continuar
sua atuação docente ou ocupar alguma outra função fora da sala de aula, ou por
outro lado, através de uma tomada de consciência mais “aguda” das questões
institucionais, ora buscar alternativas para o trabalho em Artes Visuais - o que
significa maior investimento no ensino e na formação dos alunos -, ora acomodarse à rotina, fazer o que pode e como pode ou “levar numa boa. É uma fase em
que os percursos individuais são mais acentuados, variando de pessoa para
pessoa.
A fase da individualização (19-25 anos) implica, realmente, no caminho
para o final da carreira, para a aposentadoria, onde o professor tem seus
pensamentos voltados mais para si do que para sua atuação docente, torna-se
mais espectador do que ator do cenário educacional. É um período de
interiorização, o investimento é mais pessoal, do querer estar bem consigo
mesmo, pois a docência deixou o professor cansado, mais “duro”, menos
esperançoso. Há certo distanciamento dos alunos e dos problemas da escola Os
professores manifestam a dificuldade em lidar com os alunos, considerando-os
pessoas difíceis.
A construção dessa proposta de fases da carreira docente teve como base
professores com diferentes tempos de trabalho, tal como indica o quadro abaixo:
Quadro 5 – Professores entrevistados por anos de docência
Professores
Anos de Docência
Ana
9 anos
Sílvia
20 anos
Maria
5 anos
Diva
12 anos
Eduarda
8 anos
Paulo
5 anos
Jenice
21 anos
Fonte: Elaboração própria.
206
Então, se considerarmos os anos de docência, diríamos que temos uma
professora e um professor na fase de impacto, duas na de personalização, uma
professora na fase de alternância e, por fim, duas professoras, uma com 20 anos
e outra com 21 anos, na fase de individualização. Entretanto, ao analisarmos as
narrativas, percebemos que os limites de anos não são rígidos porque as
mudanças de fases diferem de professor para professor de acordo com a
trajetória pessoal e profissional, acontecimentos vividos individualmente, os
momentos críticos, aceleraram ou retardaram as mudanças.
Podemos, agora, lembrar dos docentes: daquela professora com cinco
anos de docência que se sente mais segura e continua entusiasmada querendo
mudar o mundo com seu ensino; do professor também com cinco anos de
docência, que diz estar mais centrado no seu trabalho e consciente de suas reais
possibilidades, não tão visionário, fazendo o que pode e como pode; ou o da
professora com 12 anos de docência que trabalha em quatro escolas e vai
levando “numa boa”; a professora que trabalha há 9 anos, busca alternativas para
o trabalho em Artes Visuais, o que significa maior investimento no ensino e na
formação dos alunos; e a outra com 8 anos de docência que quer que seu nome
cresça e apareça por pura vaidade e reconhecimento do seu trabalho; a
professora com 20 anos de carreira que algum tempo atrás, mudou de instituição
de ensino para ocupar uma função fora da sala de aula e que diz estar hoje um
pouco cansada, considerando difícil lidar com pessoas, que se tornou mais ”dura”,
menos esperançosa e, ainda, a professora com 21 anos de docência que foi
categórica ao dizer que chega, pois pensa que seria mais feliz em outra profissão.
Não gosta de escolas, mas está lá, talvez para transgredir, e, apesar de tudo,
afirma estar vivendo seu melhor momento na profissão.
As narrativas dos professores comprovam que as fases se mesclam e uma
não afasta nem elimina a possibilidade de outra.
O estudo dos ciclos de vida, através da trajetória biográfico-narrativa dos
professores compreendeu aspectos relativos à escolarização; escolha da
profissão com seus fatores determinantes e expectativas; a trajetória acadêmica
com suas influências, lembranças e formação prática de ensino; a carreira
docente com seus primeiros anos de docência, o exercício da profissão e se o
fato de ser mulher/homem afetou ou não o exercício da docência e, por fim, os
207
professores falaram da escola onde exercem a docência, destacando a história
pessoal vivida na instituição, bem como o grau de satisfação com essa escola e o
momento profissional em que se encontram.
Finalizando, então, apresento uma breve retrospectiva do que eu ouvi dos
professores. A imagem predominante no grupo é a da professora - uma vez que
há apenas um professor do sexo masculino -, com idades que variam entre 30 e
51 anos sendo a maioria delas casada, apenas uma divorciada e, o professor,
solteiro. Estudaram todos os níveis de ensino em instituições públicas e são
formados, em nível superior, pelo IAD/UFPel, concluindo seus cursos entre 1985
e 2002, com formação diferenciada devido às transformações ocorridas na
estrutura curricular do curso durante esse período.
Com relação às experiências escolares, os professores revelam que estão
intimamente ligadas à figura do professor, cujas marcas deixadas são, na
verdade,
referências
em
suas
vidas,
porque
estão
relacionadas
às
representações e sentimentos construídos no interior da escola.
Os professores, sobre a opção pela carreira, destacam que para a maioria
foi uma decisão pessoal, um desejo manifesto bem antes do ingresso em um
curso de formação de professores. Ou como no caso do professor e de uma das
professoras, cuja paixão sempre foi a Arte, a opção pelo curso de licenciatura na
área de Arte foi por ser este a via mais fácil de ingresso no ensino superior, uma
vez que apresenta baixa concorrência. Os fatos determinantes para a escolha da
profissão resultam de um somatório de fatores externos combinados com as
condições subjetivas de cada um deles, incluindo as vivências na família e na
escola. Destaco que a escolha pela área deu-se porque a Arte e suas linguagens
fizeram parte da infância desses professores.
Com base nas narrativas, percebo que os professores fazem suas
avaliações da formação recebida a partir de vivências pessoais e da atuação
docente. As diferentes percepções sobre a formação acadêmica comprovam a
singularidade na vida desses professores. Apesar de destacarem aspectos
positivos da formação que contribuíram na profissão, enfatizam que o
conhecimento adquirido através da experiência é preponderante para o exercício
profissional, pois acreditam que na sala de aula o professor aprende a ser
professor.
208
As mudanças ocorridas, tanto na sua atuação como na sua forma de
pensar a escola, são devidas aos momentos críticos no decorrer da profissão. Os
acontecimentos
apontados
pelos
professores
estão
relacionados
mais
diretamente com a escola, ou seja, com situações vividas na escola,
principalmente, com o lugar que a Arte ali ocupa, evidenciado pela falta de
condições materiais e a não valorização do ensino das Artes Visuais por parte dos
colegas, e até mesmo por parte dos alunos.
Todos os professores preparam sozinhos suas aulas, são eles os
responsáveis pelos conteúdos trabalhados em sala de aula. O que significa que,
como não tiveram em sua formação acadêmica subsídios necessários para
trabalhar Artes Visuais nas séries iniciais e no ensino médio, eles buscam
soluções e alternativas de trabalho através de esforços individuais.
O fato de ser mulher, na percepção das professoras, ajuda no exercício da
profissão. Algumas falas estão centradas na idéia da maternagem, destacandose, ainda, a missão/apostolado de que se reveste a docência. A presença do
professor na escola gerou problemas primeiro por ser jovem e ser visto como um
irmão mais velho, dificultando seu reconhecimento como o professor; a outra
situação foi o fato de ser gay e sofrer preconceito por parte das colegas. A
responsabilidade feminina pelo trabalho doméstico se mostrou relevante, ainda
uma atribuição das professoras e não do professor. A dupla jornada de trabalho,
profissional e doméstico, foi, de fato, uma realidade para as mulheres estudadas.
Vale lembrar que as professoras, pela necessidade de realizar a dupla jornada de
trabalho, têm aí um possível obstáculo ao avanço profissional.
O grau de satisfação dos professores apresenta-se variado, mas de um
modo geral, eles mostram-se pouco satisfeitos com as condições da escola e com
as condições sociais dos alunos, o que acarretaria dificuldades no aprendizado
desses alunos.
Suas narrativas apontam, por um lado, à esperança de continuar lutando
pelo que acreditam por sentirem-se realizados com o fato de serem professores
por opção; por outro lado, reafirmam as dificuldades enfrentadas para ensinar
Artes Visuais nas escolas em que trabalham.
As dificuldades encontradas pelos professores estão mais diretamente
ligadas à escola, ao aluno e ao trabalho com Artes Visuais. A escola, para alguns
209
professores, está distante da realidade do aluno, não acompanha a evolução,
uma escola que prepara o individuo para o vestibular e não para a vida. Quanto
ao ensino das Artes Visuais, a escola não teria condições de acompanhar os
apelos visuais contemporâneos.
Considero que o estudo sobre os ciclos de vida com base nas fases da
carreira docente dos professores possibilitou-me a compreensão do percurso de
cada professor através da análise diacrônica, em função do conjunto de etapas
como circunstâncias sociais e históricas e estágios profissionais. O estudo
obedeceu a um certo grau de normatividade, seguindo as seqüências de
fases/estágios pelos quais costumam passar as pessoas, no entanto considero,
também, o conjunto de acontecimentos sócio-históricos e eventos individuais
inesperados na vida de cada pessoa.
O caminho biográfico possibilitou a construção de um inventário de
experiências e competências profissionais vivenciadas e, ao mesmo tempo,
permite uma compreensão global da pessoa que habita cada um dos professores.
Seu desempenho profissional pode atuar como um espelho crítico que devolve a
imagem para que possa ser repensada, refletida, analisada e reconstruída.
A seguir, apresento um capítulo “visual”, com acontecimentos vividos que
marcaram a trajetória profissional de cada um dos professores, ou seja, biovias,
caminhos biograficamente construídos.
OS PROFESSORES PELAS SUAS TRAJETÓRIAS DOCENTES
“Squares? I see no squares in my pictures"
Piet Mondrian
Minha Imagem Viajante nº8 é a tela Broadway Boogie-Woogie de
Mondrian57, realizada pouco depois de este ter mudado para Nova Iorque, em
1940. Embora a obra tenha um caráter essencialmente abstrato, essa pintura se
inspira diretamente em duas referências do mundo real: o traçado urbano de
Manhattan e o ritmo do boogie-woogie, estilo de dança que o pintor admirava. A
geometrização de Mondrian, para mim, é um exemplo de organização do espaço
e porque não dizer, também, do tempo. Na tela a idéia é a forma e a forma é a
idéia, percebo, ainda, um equilíbrio estático e ao mesmo tempo dinâmico. Seu
traçado, através de linhas horizontais e verticais, limita e ao mesmo tempo
transcende ao espaço pictórico. É, exatamente, aí, que vejo o traçado das
trajetórias docentes individuais dos professores: no estático pelas continuidades
do percurso, com uma unidade singular e de formas particulares; no dinâmico
Pieter Cornelis Mondrian, conhecido como Piet Mondrian (1872-1944), pintor holandês que
considerava a arte um meio intuitivo tão exato como a matemática para representar as
características do cosmo. O termo Neoplasticismo refere-se ao movimento artístico de vanguarda
capitaneado pela figura de Mondrian, relacionado à arte abstrata. O Neoplasticismo defendia uma
total limpeza espacial para a pintura, reduzindo seus elementos mais puros e buscando suas
características mais próprias. Muitos de seus ideais foram expostos na revista De Stijl (O Estilo).
Para Mondrian, o elemento definitivo no neoplasticisno era o seu desejo de objetividade, uma
tendência anti-expressionista (READ, 1980, p. 194-196).
57
211
pelas descontinuidades dos percursos, com uma aparente organização contínua
que permite ir além, uma organização necessária para entender que os
professores continuarão a (re)construção de suas trajetórias profissionais. Um
traçado de limites ilimitados é o que me sugere a imagem de Mondrian.
A utilização de biovias serve para mostrar fatos ocorridos durante os anos
de docência, o perfil profissional dos professores. Tais fatos narrados pelos
professores, em sua percepção atual, contribuíram para configurar a vida
profissional. Os acontecimentos vividos - momentos críticos – que marcaram a
trajetória docente em Artes Visuais são relatados seqüencialmente, conforme
ocorridos no tempo narrativo do professor. Pelas narrativas os professores
reconstruíram um conjunto de acontecimentos que determinaram por si mesmos o
curso da vida docente e suas relações com as fases da carreira de cada um.
A seguir, apresento os professores pelas suas trajetórias docentes e uma
breve caracterização do perfil profissional. Optei por representar cada
acontecimento por uma cor, que se repetirá nos acontecimentos comuns ao
grupo, como por exemplo, o concurso público – na cor azul – que significou para
todos o início da tão almejada docência, vitória pessoal e estabilidade financeira.
Outro caso é o Curso de Especialização – na cor laranja – que proporcionou aos
professores maior qualificação e conhecimentos que os acompanham até hoje. A
falta de recursos materiais e a desvalorização da Arte na escola - na cor marrom
e vermelho, respectivamente – acompanham a trajetória de alguns docentes até o
momento atual.
Desta forma, para a construção das biovias foi utilizado o programa
PowerPoint 2007, a partir dos seguintes critérios: (a) definição de dois eixos: um
vertical para indicação dos acontecimentos, que seguiram uma ordem seqüencial,
de cima para baixo, de acordo com o tempo de ocorrência e outro horizontal
relativo aos anos de docência indicados da esquerda para a direita; (b) traçado de
linhas coloridas para cada um dos acontecimentos de acordo com os anos de
docência. Sendo mantidas as cores para os acontecimentos repetidos. A linha
pontilhada não significa acontecimento, apena marca a direção do mesmo,
representado pela linha cheia.
Eis, então, as biovias de cada um dos professores.
212
Biovias 1 – Professora Ana - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA ANA
Tem 43 anos e 9 anos de docência. Trabalha em três escolas num total de 60 horas, 40 horas
semanais em duas escolas municipais, 20 horas em cada uma delas e mais 20 horas em uma
escola estadual. Leciona ao todo para 398 alunos, o que corresponde a 18 turmas. Atua em todos
os níveis do ensino fundamental, primeiros anos do ensino médio e uma turma do EJA.
Momentos críticos: curso de especialização na área de Educação, concurso público para o
magistério, desvio da função docente para o setor de Multimeios da SME, dupla jornada de
trabalho, dificuldades com o ensino nas séries iniciais, falta de recursos materiais, desvalorização
da Arte na escola.
213
Biovias 2 – Professora Sílvia - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA SÍLVIA
Tem 45 anos e 20 anos de docência. Trabalha60 horas semanais em três escolas: 40 horas em
duas escolas municipais e 20 horas em uma escola estadual. Leciona ao todo para 200 alunos, o
que corresponde a 10 turmas. Atua em todos os níveis do ensino fundamental, primeiros anos do
ensino médio e em uma turma de alunos surdos. É coordenadora pedagógica da escola municipal.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, dupla jornada de trabalho, desvio da
função docente para coordenação por área na SME curso de especialização em Educação
Ambiental, perda de 20 horas por perseguição política na escola, mudança de escola, desvio da
função docente para coordenação pedagógica da escola, falta de recursos materiais,
desvalorização da Arte na escola.
214
Biovias 3 – Professora Maria - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA MARIA
Tem 34 anos e 5 anos de docência. Trabalha 40 horas semanais em uma escola municipal.
Leciona ao todo para 400 alunos, o que corresponde a 16 turmas. Atua em todos os níveis do
ensino fundamental.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, curso de especialização em Patrimônio
Cultural, desvio da função docente para coordenação por área na SME, condições sociais dos
alunos, desvalorização da Arte na escola.
215
Biovias 4 – Professora Diva - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA DIVA
Tem 38 anos e 12 anos de docência. Trabalha 70 horas semanais, 40 horas em duas escolas
municipais, 20 horas numa estadual e 10 horas numa escola particular, Leciona ao todo para 950
alunos, o que corresponde a 27 turmas. Atua em todos os níveis do ensino fundamental.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, impacto entre escola particular e escola
pública, dificuldade com o ensino noturno, falta de recursos materiais.
216
Biovias 5 – Professora Eduarda - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA EDUARDA
Tem 46 anos e 8 anos de docência. Trabalha 60 horas semanais, 40 horas em uma escola e 20
horas em outra, ambas municipais. Leciona ao todo para 450 alunos, o que corresponde a 21
turmas. Atua em todos os níveis do ensino fundamental, no primeiro ano do ensino fundamental e
em uma turma de alunos surdos.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, mudança de escola, curso de capacitação
para trabalhar com surdos, dupla jornada de trabalho, desvalorização da Arte pelos colegas e na
escola.
217
Biovias 6 – Professor Paulo - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSOR PAULO
Tem 30 anos e 5 anos de docência. Trabalha 60 horas semanais, 40 horas em uma escola e 20
horas em outra, ambas municipais. Leciona ao todo para 600 alunos, o que corresponde a 19
turmas. Atua em todos os níveis do ensino fundamental, menos a 8ª série.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, mudança de escolas (quatro vezes),
enfrentamento com a realidade escolar, preconceito das colegas sobre sua orientação sexual.
218
Biovias 7 – Professora Jenice - Trajetória docente por acontecimentos e anos de docência
PROFESSORA JENICE
Tem 51 anos e 21 anos de docência. Trabalha 60 horas semanais, 40 horas em uma escola e 20
horas em outra, ambas municipais. Leciona ao todo para 400 alunos, o que corresponde a 15
turmas. Atua em todos os níveis do ensino fundamental e no Curso de Magistério.
Momentos críticos: concurso público para o magistério, mudança de país, mudança de cidade
(docência em Porto Alegre e em Pelotas), enfrentamento com estrutura escolar, distanciamento da
escola com a realidade, desinteresse dos alunos, desafio de trabalhar no Curso de Magistério.
219
Quando me propus a sair ao “ar livre” para capturar dados era para
entender melhor as nuances e as mutações coloridas das trajetórias profissionais
dos docentes de Artes Visuais. Agora, o quadro abaixo, revela as cores de cada
professor marcadas pelos seus momentos críticos, vividos de acordo com os anos
de docência e as fases da carreira dos professores.
Quadro 6 – Mutações coloridas da trajetória profissional dos docentes
O próximo capítulo é, também, “visual”, pois nele os professores, graças à
imaginação, apresentam-se pelas imagens por eles escolhidas. Mais que qualquer outra
função, elas especificam o humano. Assim, a imaginação não é um estado de espírito, é
a própria existência humana dos professores.
OS PROFESSORES PELAS SUAS IMAGENS VIAJANTES
A arte não representa o visível,
ela torna visível.
Paul Klee
A inspiração para explicar este momento do trabalho veio, sem dúvida, de
Paul Klee58, sua obra “Reconstruction” é minha Imagem Viajante nº 9.
Para mim o traço do artista parece ser um instrumento de busca de uma
forma mais livre que se desdobra no tempo e no espaço e exige a participação do
espectador. Uma obra pode ter mil significados ou não ter nenhum, depende de
quem a vê.
O artista se propunha a revelar o que permanecia oculto na superfície visível
do quadro, pensava ele que o espectador buscava uma semelhança através da
correspondência no tempo e no espaço que permitiam desdobramentos, para
possíveis identificações. Ao declarar em 1921, querer tornar visível o invisível, ele
pretendeu captar a energia vital existente no mundo. Ele pintava o que os olhos
não enxergavam. Seus quadros não eram para ser vistos, apenas sentidos com a
alma e com o coração, ele buscava o mundo exterior, aquele que estava além das
aparências.
Assim, ao solicitar aos professores suas Imagens Viajantes, reveladoras de
si, queria como espectadora que essas imagens, tal como Paul Klee pensava,
ocasionassem, independente do tempo e da cultura, uma aproximação, um
encontro com o outro para além das aparências.
Então, os professores pelas suas imagens.
Paul Klee (1870-1940) foi um pintor alemão que pertenceu ao grupo “Cavaleiro Azul” do
Expressionismo de Munique, que buscava um “novo realismo que comportava certo aroma
socialista” (READ, 1980, p. 220).
58
221
PROFESSORA Nº 1
Como na imagem de René Magritte,
estou indo. Tento me ver e me enxergo
indo, fazendo parte de um momento de
avanço. Não me sinto pronta como
professora, sempre falta mais. Me olho
e não me enxergo de frente, me
enxergo indo em frente.
A reprodução proibida – Retrato de Edward James
Rene Maggrite – 1937
Private collection
PROFESSORA Nº 2
Considero a obra de Dali de
acordo com o meu momento
atual. O tempo que passa
rápido e não nos permite viver e
só sobreviver. A ligação do
tempo versus memória nos faz
pensar na saúde, na diminuição
de hormônios e na necessidade
de se permanecer atuante no
trabalho, na família e na
sociedade
Persistência da Memória - Salvador Dali, 1931.
MoMA, New York
222
PROFESSORA Nº 3
Escolher
uma
imagem
apenas
para
representar o momento atual de minha
profissão, foi algo muito difícil de fazer. Ao
conviver com as imagens e reproduções das
obras de arte, desde a faculdade e na
seqüência da carreira, fez com que elas façam
parte de minha vida de forma especial. Ao
pensar sobre a profissão e o que cada obra
pode “dizer” é difícil não encontrar algo em
tantas que não tenha significado.
Contudo, escolhi a obra de Picasso – Lês
Demoiselles d’Avignon, 1907 – pois nela
encontrei muito de mim, de meu jeito, de minha
vida, de minha prática e do meu dia-a-dia, que
tentarei descrever. Assim como nessa obra
onde se vê muitas mulheres, penso que
também sou por vezes “muitas mulheres”.
Mulher dona da casa que luta para mantê-la;
mulher amada; mulher amante; mulher amiga;
mulher frágil, mulher valente; mulher que quer
estar sozinha, mas que também gostaria
sempre de ter alguém para compartilhar, e
quem sabe outra mulher; uma mulher que às
vezes está bem de frente, para tudo e para
todos; mulher que às vezes está de costas,
pois não suporta mais encarar o mundo – e
esse mundo difícil às vezes é o da educação mulher que às vezes precisa usar uma
máscara, talvez não para esconder-se, mas
para que simplesmente não vejam sua tristeza
ou depressão ou até mesmo o êxtase do seu
prazer. Penso que hoje sou assim, “muitas” em
uma só. Sou sem sobre maneira, muitas
professoras:
comprometida,
preocupada,
realizada, otimista, frustrada, orgulhosa,
desmotivada; Uma apenas que precisa se
desdobrar em muitas, para enfrentar as
adversidades, dificuldades, lutas e muito mais.
Hoje me vejo assim, tentando estar da melhor
maneira possível diante de tudo e todos e, às
vezes o melhor é estar junto, é usar máscara, é
ficar de perfil, de frente, de costas, mas sempre
estar presente. Minha profissão atualmente
exige tanto de mim, que sinto ser mais que
uma mulher... sinto que preciso ser aquela que
ainda é aluna, e que quer ser aluna, que é
professora, que quer ser mais professora, que
tem especialização, mas quer chegar no
mestrado, que é filha e quer ser mãe... Hoje
minha profissão me coloca assim na vida,
muitas mulheres diferentes.
Les Demoiselles d'Avignon, Pablo Picasso, 1907
Giraudon, Paris
223
PROFESSORA Nº 4
Bom, escolhi é claro do Van Gogh por adorar a obra
deste artista, escolhi também esta obra por ter
imagens ligadas à influência japonesa na qual
estamos agora vivendo um momento tão ligado a
arte oriental vivenciando as olimpíadas, ideogramas.
Essa relação com outras culturas da obra do artista
me fascina.
Retrato de Pai Tanguy 1887-1888
Van Gogh
Collection Niarchos
PROFESSORA Nº 5
Escolhi essa imagem porque me sinto responsável
por meus alunos tanto no desenvolvimento moral,
cognitivo como físico. Às vezes sou mãe, psicóloga,
babá de pobre porque muitas famílias vêem a
escola como um depósito, lugar onde coloca o filho
para descansarem, lamentam as férias, mandam
seus filhos sem material e nós que temos que nos
resolver com o que temos. Eu também trabalho
com criança de periferia.
Morro Vermelho – Lasar Segall -1926
Coleção Particular
224
PROFESSOR Nº 6
Detalhe da obra Nascimento de Vênus – Sandro
Botticelli – 1483 Galeria degli Uffizi, Florença
Alguém certa vez disse: “que a melhor
parte da viagem acontece justamente
quando pomos de lado os mapas” e nos
deixamos ir ao sabor das sensações, para
tanto a minha viagem por estes
questionamentos terá como ponto fixo
apenas o local da partida, uma imagem,
com múltiplos significados e infindas
interpretações. Na verdade não se trata de
uma imagem, mas de um detalhe muito
peculiar de uma famosa obra de um dos
grandes mestres da renascença.
Resolvi
escolher
o
rosto
da
personagem tema da obra “O Nascimento
de Vênus” de Botticceli mesmo antes de
ter
posto
meus
olhos
sobre
a
entrevistadora, na verdade acho que ela
me escolheu. Em uma de muitas das
minhas andanças virtuais pela rede de
computadores a procura de imagens
significativas da historia da arte, depareime com aqueles olhos. Olhos que me
fizeram viajar mais além, em busca talvez
de mim mesmo, ou quem sabe o que mais.
A partir daquele momento o pano de
fundo da área de trabalho do meu
computador havia se transformado numa
ponte, numa janela, onde ela, a Venus, me
levava
ao
encontro
de
vários
pensamentos, tais como, beleza, arte,
educação e renascimento.
Uma imagem, um rosto, um olhar
secular, que apesar de toda a sua beleza e
significação traz consigo séculos de
história desgastada em seus pequenos
craquelados, marcas que o tempo foi
talhando, modificando-a em sua forma,
tornando-a um pálido reflexo daquilo que
os olhos do mestre haviam concebido.
Terão os anos alterado, também, a sua
essência?
225
PROFESSORA Nº 7
Solitária, observando o mundo, mas com um
entendimento mais profundo de tudo isso...
por isso o meio sorriso.
Mona Lisa - Leonardo da Vinci, 1503-1507
Museu do Louvre - Paris
A VOZ: IMPRESSÕES FINAIS
O senhor mire e veja,
o mais importante do mundo é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais,
não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando.
É o que a vida me ensinou”.
Guimarães Rosa
Em “O Grito” de Munch, a Imagem Viajante nº 9, encontro minha
inspiração para escrever minhas (in) conclusões. Essa obra é representada por
uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero
existencial. O pano de fundo é a doca de Oslofjord ao pôr-do-sol em Oslo. “O
Grito” é considerada como uma das obras mais importantes do movimento
expressionista59 e adquiriu um estatuto de ícone cultural. Entendo a obra do
artista como o resultado de uma necessidade compulsiva de abrir seu próprio
coração. Ele, ao longo de sua vida, não só lutou pelo subjetivismo como tal, mas
teve como objetivo estabelecer valores universais através dos individuais, pela
cristalização das imagens, das emoções mais profundas do homem - amor, morte
e angústia - que retiveram suas propriedades primitivas evidentemente
esquecidas pela civilização burguesa do seu tempo.
Expressionismo: corrente estilística que surgiu na Alemanha em 1904-1905, caracteriza-se pelo
predomínio do sentimento sobre a sensação visual. Os expressionistas expressavam
interrogações espirituais sobre o destino do homem e a intimidade das coisas do mundo. Edvard
Munch (1863- 1944) foi um pintor norueguês, um dos precursores do expressionismo alemão
(Cavalcanti, 1978, p. 312).
59
227
A fonte de inspiração de “O Grito” pode ser encontrada na vida pessoal do
próprio Munch e eu, tal como o artista, encontrei em mim as razões para falar pela minha voz escrita – o que sei, o que vi e ouvi durante a trajetória de
realização deste trabalho. Não tomo esse momento, como aquele do artista ao
realizar sua obra, para expressar angústia ou qualquer problema existencial, mas
o considero delicado e difícil porque preciso ter o cuidado de não julgar na
tradicional linha do certo e do errado, do bem e do mal, de não achar que
encontrei todas as soluções para o trabalho docente em Artes Visuais. Quero sim,
entender esse momento pelas palavras de Guimarães Rosa, que eu não estou
pronta, que eu e meus professores entrevistados não somos sempre iguais, não
fomos terminados, mas que vamos sempre mudando. No entanto, não posso e
não vou deixar de falar nas evidências determinadas e determinantes pelos dados
coletados nesta investigação para explicitar a trajetória profissional dos
professores, com suas continuidades, descontinuidades e seus reflexos na
docência em Artes Visuais.
Pensando bem, eu não poderia desenvolver uma tese que não tratasse –
mais uma vez e como sempre - do professor de Arte, neste caso específico do
professor de Artes Visuais. Procurei, então, entender esse docente com outro
olhar que não o reduzisse a um conjunto de possibilidades metodológicas para o
ensino, ou tentar analisar seu ensino no cotidiano da sala de aula, ou ainda, pela
definição das características intrínsecas do ‘bom’ professor. Busquei entender o
professor através de sua trajetória profissional, considerando que essa resulta
também de sua trajetória pessoal, que como eu gosto de dizer, parodiando
Nóvoa, pensar a pessoa e o profissional que habita cada professor.
Como o objetivo desta pesquisa foi investigar as continuidades e
descontinuidades na (re)construção da trajetória profissional de docentes de Artes
Visuais, defendi, ao longo do trabalho, a idéia de que os aspectos significativos da
vida pessoal e profissional e que o momento docente em que se encontram os
professores interfere e revela sua atuação docente.
O primeiro passo foi voltar o olhar para mim e reconstruir minha própria
trajetória pessoal e profissional, buscar na memória registros do passado,
lembranças das experiências vividas, dos eventos significativos que me
produziram e fizeram produzir-me como sujeito, mulher, professora. Nessa volta
228
ao passado percebi que minha trajetória pessoal foi determinante na
(re)construção
da
trajetória
profissional
e
que
as
continuidades
e
descontinuidades ocorridas nessa união de trajetórias determinaram, sem dúvida,
minha maneira de ser professora.
A partir daí, voltei minha atenção para minha trajetória profissional numa
instituição formadora de professores e ao revisitar pesquisas anteriores, ora com
professores da rede pública, ora com professores do centro formador desses
professores, encontrei o foco para este trabalho. Os resultados inquietaram-me,
levaram-me a pensar que, em parte, por um lado os professores ensinam Arte
nas suas escolas de forma semelhante a dos seus professores e por outro, criam
soluções próprias para o seu ensino. No entanto, ficou claro para mim um fator
nitidamente marcante: a diferença existente de professor para professor na sua
forma de trabalhar as Artes Visuais com seus alunos, apesar de concepções e
formações semelhantes ou diferentes.
Meu desafio, então, estava posto. Aceitei o desafio de pensar a dimensão
pessoal aliada aos acontecimentos marcantes da dimensão profissional como
fundamental no processo pelos quais os professores se constroem e dinamizam
seu trabalho, deixando claro que o aperfeiçoamento profissional está associado
ao desenvolvimento pessoal, ou faz parte dele. Um desafio que me levou a
conhecer as características e expectativas formativas comuns no coletivo a partir
de um grupo de professores, para depois ouvir a voz do professor e dela extrair
as considerações que me permitiram compreender o entrelaçamento de suas
histórias e trajetórias em diferentes espaços e tempos de sua vida pessoal e de
sua prática docente. É essa escuta que considerei antes de qualquer julgamento,
pois o relato de vida, ao transpor a voz do professor, revelou suas reais
necessidades, revelou quem ele é.
Imagens delineadas pelo gesto
Certa do que eu queria pesquisar, parti para conhecer as características e
expectativas formativas comuns no coletivo a partir de um grupo de quarenta (40)
professores.
229
Um grupo predominantemente feminino, com idades entre 30 e 51 anos,
cuja escolarização e formação superior foram realizadas em instituições públicas
de ensino. O regime de trabalho da maioria dos professores é de 40 horas
semanais e o tempo de docência varia entre 5 e 24 anos. A escolha da profissão
para todos os docentes foi uma opção pessoal; e se eles pudessem reiniciar a
carreira escolheriam novamente a docência, pois acreditam na educação,
consideram o trabalho gratificante e destacam, ainda, a estabilidade que esse
trabalho proporciona. No entanto, um grupo significativo tem como expectativa
futura a aposentadoria por considerar o trabalho docente estressante e as
condições de trabalho precárias. Indicam, ainda, os baixos salários e o
desprestígio social como fatores que desestimulam o trabalho docente. Apenas o
professor, que não tinha como opção profissional a docência, pretende buscar
sua atualização profissional através de um curso de pós-graduação e, no futuro,
se tivesse possibilidade, trocaria de profissão.
Com relação ao ensino das Artes Visuais, destaco situações que
permanecem inalteradas apesar do tempo: questões recorrentes na pesquisa. Ao
solicitar, tanto nessa investigação como nas anteriores, a indicação das
dificuldades encontradas para ensinar Artes Visuais e sugestões para a melhoria
do ensino, encontro as mesmas respostas: a falta de livros didáticos, a
necessidade de um espaço físico adequado e, ainda a desvalorização da Arte
como área de conhecimento por parte dos alunos e da escola. E como sugestões,
também, as mesmas: a necessidade de cursos de atualização mais voltados para
a realidade do aluno e da escola e, também, maior compromisso da universidade
com a formação continuada e, talvez por isso – e devido a isso –, não há indícios
de mudanças tão significativas no ensino das Artes Visuais desses professores.
Um fato comprovado, e mais uma vez evidenciado, é sobre o espaço físico
onde ocorrem as aulas de Artes Visuais dos professores. Elas, como já disse
anteriormente, acontecem entre quatro paredes, resumem-se a uma simples sala
de aula. Nesse espaço físico os professores sobrevivem com o que têm e podem
fazer, enfrentam a ausência das condições mínimas e os alunos, por sua vez,
ficam restritos a uma folha de ofício tamanho A4 nas suas experiências e
produções visuais. Para ampliar a percepção visual de seus alunos recorrem a
230
materiais próprios, se eles não têm os alunos não vêem. A escola também não
tem.
Outro aspecto detectado com a pesquisa diz respeito à formação
acadêmica. Os professores têm essa formação realizada no período de 1983 a
2002, o que significa um grupo de professores com formação diversificada, ora
polivalente, ora sem polivalência; ora habilitados em Artes Plásticas, ora em Artes
Visuais. No entanto, a ampliação na formação de professores para atuar em todos
os níveis de ensino fundamental e médio e para entender e atender os vários
contextos da Arte e suas relações com a multiculturalidade e com a cultura visual
ocorreu com a reformulação de 2004, não atingindo o grupo de professores que
participa desta pesquisa.
Penso ser importante salientar que os professores ocupam seu tempo na
escola apenas com atividades em sala de aula, exceto a professora que tem uma
carga horária dedicada à coordenação pedagógica. Essa situação evidencia a
questão da intensificação do trabalho docente, pois eles têm pouco tempo para
pensar, programar e planejar, o que acarreta, segundo Apple (1987), no decorrer
do processo, um aumento de desqualificação profissional e um elevado grau de
dependência, por parte dos professores, das tecnologias educacionais e das
determinações externas. Confirma-se com esses professores a falta de tempo
para cursos de aperfeiçoamento, ao que Apple (1987) chama de dinâmica de
desqualificação intelectual.
O grupo de professores é extremamente comprometido com a profissão
escolhida por eles, consideram o conhecimento adquirido através da experiência
fundamental para o exercício da profissão. Reforço, aqui, o que disse
anteriormente a respeito de eles estarem certos, pois concordo que os
professores se constroem, sim, ao longo de sua vida e que, no exercício de seu
trabalho, utilizam saberes oriundos de suas experiências profissionais. Porém,
onde ficam as experiências familiares e escolares, os processos de formação
profissional? Arroyo (1985a) está correto ao dizer que os professores costumam
atribuir aos saberes construídos no exercício do magistério um valor
predominante quando questionados sobre a construção de sua competência. Os
professores não consideraram os conhecimentos oriundos de sua formação
profissional nem tampouco o domínio dos conteúdos de sua área de atuação, as
231
Artes Visuais. Apenas o professor homem assinalou o domínio do conhecimento
em Arte como aspecto relevante para a sua atuação em sala de aula.
É importante lembrar que os estudos sobre os saberes docentes valorizam
a ação da experiência profissional, que é possível a produção de um
conhecimento prático, porém enfatizam a compreensão de que o professor, ao
desenvolver seu trabalho, mobiliza uma pluralidade de saberes. Tanto Gauthier
(1998) quanto Tardif (2002) enfatizam que existe, sem dúvida, uma mobilização
de saberes nas ações dos professores e, ambos compreendem os educadores
como sujeitos que possuem uma história de vida pessoal e profissional e que são
produtores de saberes no exercício de sua prática. No entanto, não se pode negar
a contribuição dos saberes da formação profissional, do conhecimento científico,
da disciplina que o professor ensina, dos currículos e materiais instrucionais com
que trata o professor, da estrutura e organização escolar onde o professor atua na
sua prática docente.
As imagens delineadas por respostas dadas, por um simples gesto de
marcar numa folha de papel, traçaram uma imagem geral do grupo de
professores, apresentando as características e expectativas formativas comuns
no coletivo.
Imagens construídas pela voz
No momento seguinte apresentei, através da voz dos professores, os
eventos e experiências, passados e presentes, em casa, na escola, na
universidade, que configuram a vida e a carreira e suas expectativas acerca do
futuro, ou seja, acontecimentos histórico-sociais que fazem desse professor uma
pessoa total. Os processos formativos dos e nos professores determinam,
também, as práticas cotidianas em sala de aula e as experiências decorrentes
das continuidades e descontinuidades durante a construção e a reconstrução da
trajetória individual de cada professor. Só ele sabe de si, das relações que
estabeleceu com o seu processo formativo e com as aprendizagens que construiu
ao longo da vida.
A trajetória biográfico-narrativa dos professores compreendeu aspectos
relativos à escolarização; escolha da profissão com seus fatores determinantes e
232
expectativas; a trajetória acadêmica com suas influências, lembranças e formação
prática de ensino; a carreira docente com seus primeiros anos de docência, o
exercício da profissão e se o fato de ser mulher/homem afetou a carreira, o
exercício da docência. Por fim, os professores falaram da escola onde exercem a
docência, destacando a história pessoal vivida na instituição, bem como o grau de
satisfação com essa escola e o momento profissional em que se encontram.
Evidenciou-se nas falas dos professores a singularidade das trajetórias
individuais de escolarização, reafirmando a especificidade do percurso de cada
um dos professores na apreensão de vivências na família e na escola.
A imagem de escola revelada pelos professores está intimamente ligada à
figura do professor. Suas falas revelam a importância das marcas deixadas pelos
seus professores que, na verdade, são referências em suas vidas porque estão
relacionadas às representações e sentimentos construídos no interior da escola.
A figura do professor destacou-se, seja como parâmetro do que é ser um bom
professor ou de um professor que tenha deixado marcas não muito positivas nas
lembranças do grupo. Entretanto, reafirmou-se que as razões que determinaram a
escolha da profissão dos professores foi resultado de um somatório de fatores
externos combinados com as condições subjetivas de cada um deles. A escolha
desses professores implicou em uma profissão ligada à Arte a partir de uma
relação com as manifestações expressivas vivenciadas na infância, na família
e/ou na escola.
A opção pela carreira revelou que, por um lado, a decisão da maioria das
professoras está atrelada a uma continuidade da formação, no caso o magistério,
lembrando que elas próprias dizem ter sido esta uma opção pessoal, um desejo
manifesto bem antes do ingresso em um curso de formação de professores. Por
outro lado, temos clara a opção de uma professora por ser esta uma profissão
que proporciona certa estabilidade e existe mais oferta de trabalho. Já no caso do
professor e de outra professora, cuja paixão sempre foi a Arte, reforça-se, aqui,
que o curso de licenciatura na área de Arte é uma via mais fácil de ingresso no
ensino superior, uma vez que apresenta baixa concorrência.
Com relação à formação recebida, percebi que os professores fizeram suas
avaliações da formação recebida a partir de vivências pessoais e da atuação
docente. Os diferentes olhares – e até mesmo o aparecimento de algumas
233
contradições – dos professores para a formação acadêmica, comprovam a
singularidade na vida desses professores na sua qualidade de pessoas. Uma
coisa, no entanto, é inegável: todos os professores destacam aspectos positivos
da formação que contribuíram para a profissão. Para os professores o aspecto
positivo da formação prática do ensino são as disciplinas que, de alguma forma,
estão mais próximas dos saberes práticos e dão aquele saber fazer adquirido na
prática. Os professores consideram que a boa formação é aquela que possibilita o
conhecimento ampliado da realidade para além dos muros da academia.
As narrativas dos professores sobre o percurso de construção da carreira
profissional possibilitaram registrar suas percepções sobre o acesso à profissão,
os primeiros anos de docência e o exercício propriamente dito da docência.
Busquei, ainda, entender se fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira e o
exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares ou de outro tipo, casos
concretos e mais relevantes.
Como vimos, a maioria dos docentes entrevistados é do sexo feminino seis professoras e apenas um professor -, e se considerarmos as atividades e
ocupações desempenhadas pelas professoras e suas características o destaque
fica para a dupla jornada de trabalho, o trabalho doméstico. A responsabilidade
feminina pelo trabalho doméstico se mostrou relevante, uma atribuição das
professoras e não do professor. A dupla jornada de trabalho, profissional e
doméstico, foi, de fato, uma realidade para as mulheres estudadas. Vale lembrar
que as professoras, pela necessidade de realizar a dupla jornada de trabalho, têm
aí um possível obstáculo ao avanço profissional.
Os professores, ao revelarem suas dificuldades, destacaram aquelas
relacionadas à escola, ao aluno e ao trabalho com Artes Visuais. A escola, para
alguns professores, está distante da realidade do aluno, atrasada no tempo. Os
alunos são “difíceis”, o que torna o ensino das Artes Visuais uma tarefa árdua.
E com relação a esse ensino, há ainda o argumento de que a escola não
acompanha o apelo visual que o mundo oferece, a produção de comportamentos
disseminados pela cultura visual. Reafirma-se, mais uma vez, a concepção, por
parte da escola e dos colegas professores, desse ensino vinculado a sua antiga
terminologia, a Educação Artística, cuja função é trabalhar datas comemorativas,
enfeitar a escola e proporcionar a professora titular a sua almejada “folga”.
234
O momento profissional em que se encontram os docentes varia de
professor para professor. Há aquele em que a professora continua entusiasmada
querendo mudar o mundo com seu ensino; aquele do professor mais centrado no
seu trabalho e consciente de suas reais possibilidades, não tão visionário,
fazendo o que pode e como pode; ou o da professora que trabalha em quatro
escolas e vai levando “numa boa”. Ou aquele momento em que ocorre uma
mudança de instituição de ensino para continuar a atuação docente ou ocupar
alguma outra função fora da sala de aula; ou por outro lado, através de uma
tomada de consciência mais ”aguda” das questões institucionais, buscar
alternativas para o trabalho em Artes Visuais, o que significa maior investimento
no ensino e na formação dos alunos ou deixar-se envolver pela rotina.
Assim, pela compreensão do que esse grupo pensa e faz – e fez - da e na
sua profissão foi possível a construção dos ciclos de vida de cada um deles, com
base nas fases da carreira docente. Esse estudo possibilitou aproximar a pessoa
do professor e o entendimento de que as opções feitas por cada um dos
professores são reveladoras de sua maneira de ser e de sua maneira de ensinar,
que juntas fazem do professor o que ele é quando ensina. Pela explicitação das
questões relativas à carreira docente, foi possível definir e construir as fases pelas
quais passam os professores durante a trajetória profissional, considerando essas
fases a partir do tempo de atuação docente.
Para a elaboração das fases parti do princípio de que os anos de carreira
são significativos para definir o início da primeira fase, denominada de impacto
(1-6 anos), mas não foram balizadores do seu término, porque os acontecimentos
– mais ou menos intensos - vividos pelos professores, tanto na escola quanto na
vida pessoal, foram determinantes para uma mudança de fase. Já a aproximação
da segunda fase, de personalização (7-12), justificou–se porque os professores
definiram um estilo pessoal de ensinar Artes Visuais para turmas de níveis tão
diversificados e escolas com realidades diferentes, o que requer tempo e
maturidade e não descartou uma mudança mais rápida provocada por um ou
outro tipo de acontecimento, um momento crítico enfrentado pelo professor. A
fase de alternância (13-18 anos) correspondeu a um período no qual o tempo de
atuação possibilitou ao professor uma maior compreensão do sistema
educacional e da docência, do que pode ou não, do que quer ou não fazer, o
235
professor permitiu-se optar. Já a proximidade com o final da carreira determinou a
fase de individualização (19-25 anos), responsável pelo distanciamento do
professor dos problemas educacionais e pela busca de satisfação pessoal.
O caminho biográfico-narrativo possibilitou a construção de um inventário
de experiências e competências profissionais vivenciadas e, ao mesmo tempo,
permitiu uma compreensão global da pessoa que habita cada um dos
professores. Uma vez identificadas as fases da carreira dos professores, pelas
narrativas reconstruí um conjunto de acontecimentos – momentos críticos – que
determinaram por si mesmos o curso da vida docente e suas relações com as
fases da carreira pelas quais passaram os professores, criei as biovias, caminhos
biograficamente construídos, para, assim, dar visibilidade ao percurso docente,
destacando
os
fatos
significativos
que
marcaram
as
continuidades
e
descontinuidades da trajetória profissional dos docentes de Artes Visuais.
Imagens (in)concluídas
Olhar os ciclos de vida com base nas fases da carreira docente dos
professores possibilitou-me compreender o percurso de cada professor em função
do conjunto de etapas, como circunstâncias sociais e históricas e estágios
profissionais. Nesse estudo, seguindo as seqüências de fases/estágios pelos
quais costumam passar as pessoas considerei, também, o conjunto de
acontecimentos sócio-históricos e eventos individuais inesperados na vida de
cada um dos professores.
O desempenho profissional dos professores atuou como um espelho crítico
que devolve a imagem para que possa ser repensada, refletida, analisada e
reconstruída. Isto porque a maneira de ensinar de cada professor está
diretamente dependente daquilo que ele é como pessoa.
Penso que, agora, entendi o que leva um professor a ser diferente de outro,
se praticamente a formação acadêmica foi a mesma; o que leva um professor a
ensinar Artes Visuais igual a outro, se a formação acadêmica foi diferente; os
fatores que determinam as diferenças e porque alguns professores resistem tanto
às mudanças.
236
Comprovei que os professores não possuem uma formação ampliada em
Artes Visuais, quase não freqüentam atividades de educação continuada, ignoram
a contribuição de documentos legais que sinalizam possibilidades de ampliar e
aprofundar o foco do ensino da Arte nas escolas e sua preocupação, ainda, está
voltada somente para a produção dos alunos. Como, então, os professores
atualizam seu ensino? O professor pode atualizar-se sozinho? Respondo que
uma mudança nas concepções de ensino e aprendizagem em Artes Visuais dos
professores pode ser obtida se esses quiserem e puderem, eles próprios são
capazes de buscar a atualização se assim desejarem. Mas, por outro lado, é
preciso lembrar que a formação recebida pelos professores aconteceu em uma
instituição na qual, apesar do esforço de conjugar as mudanças para adequação
às diferentes concepções de Arte e de ensino de Arte, persistem, ainda, aquelas
dadas e herdadas da antiga Escola de Belas Artes.
Por falar nisso, destaco um fato bastante significativo. Quando pensei na
forma que daria a minha tese logo imaginei conduzi-la pelo meu olhar e de
imediato surgiram imagens. Comecei, então, um trabalho cuidadoso de seleção
de imagens que me inspirassem a escrita de cada etapa da pesquisa. Pedi,
também, aos professores
entrevistados que
escolhessem imagens
que
representassem o momento atual pelo qual eles estão passando, eles
prontamente escolheram e justificaram a escolha. Ao repassar todas as imagens,
as minhas e as dos professores, o que vejo? Todas nos foram dadas e herdadas
pelos ensinamentos visuais das Belas Artes, atreladas à cultura artística européia.
Os anos de docência são considerados significativos na trajetória
profissional, mas não são definidores das fases, pois as narrativas dos
professores comprovam que as fases se mesclam constantemente - ou não - e
uma não afasta nem elimina a possibilidade de outra. A definição de uma fase
predominante em uma determinada situação, não descarta a possibilidade de
outra fase. Quero com isso afirmar que as modificações nas fases da vida dos
professores são ocasionadas pelas condições de tempo e lugar determinados,
elas ocorreram pelas situações de oportunidades e limitações vividas por cada um
dos professores e o entrecruzamento das histórias pessoais e das trajetórias
profissionais nesses diferentes espaços e tempos configuram uma singularidade
na prática docente desses professores. Embora todos os professores passem, de
237
um modo geral, por fases similares da carreira docente, como vimos pelas falas
dos professores e pela representação de seus caminhos biograficamente
construídos nas biovias, ficou evidente que cada um deles tem uma história de
vida e trajetórias profissionais únicas e singulares que se cruzam nas vidas
pessoais, cada um deles tem uma trajetória subjetiva específica, cada um deles é
único.
Através dos acontecimentos vividos pelos professores delineados por uma
seqüência progressiva como uma conjunção de estabilidade e mudança, percebi
continuidades e descontinuidades na construção da trajetória profissional dos
professores, que, sem dúvida, se refletem na docência em Artes Visuais.
Reafirmo, aqui, que o estudo dos ciclos de vida deixou claro que não é
possível dissociar o desenvolvimento profissional do pessoal, e acredito que essa
articulação deva ocorrer, também, no processo formativo de futuros professores.
O que me leva a pensar que toda e qualquer proposta de mudança na formação
inicial de professores deve considerar a dimensão pessoal do aluno. E, ainda, que
uma proposta de formação continuada deve considerar a dimensão pessoal da
mudança (atitude, compromisso ou capacitação) para identificar que fatores de
evolução profissional (fases da carreira docente) dos professores vão condicionar
a disposição para a inovação.
Ao finalizar este trabalho, quero dizer que, nesse momento, as imagens
são (in)concluídas porque entendo que, talvez, num amanhã muito próximo, os
professores busquem novos contornos e nuances coloridas para suas trajetórias
profissionais, quiçá novas imagens.
Digo também que me sinto, como professora que forma professores, (in)
conclusão, ao término deste trabalho, porque preciso visualizar outros caminhos,
ainda pouco conhecidos, que possam contribuir mais efetivamente para e na
formação inicial ou continuada do docente em Artes Visuais; e, assim, quem sabe,
incentivar propostas de inovação.
Por fim, a seguir, a imagem que fica dos professores...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APPLE, Michael. Relações de classe e de gênero e modificações no processo de
trabalho docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 60, p. 3-14, fev. 1987.
_____. Educação e Poder. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.
_____; TEITELBAUN, Kenneth. Está o professorado perdendo o controle de suas
qualificações e do currículo? Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 62-71,
1991.
ARANHA, Maria Lúcia de A. História da Educação. São Paulo, Moderna, 1989.
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular? 13. ed. São Paulo,
Brasiliense, 1988.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Lisboa, Estampa, 1983.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora.
São Paulo, Edusp/Pioneira, 1989.
ARROYO, Miguel G. Operários e educadores se identificam: que rumos tomará a
educação brasileira? Educação e Sociedade, São Paulo, n. 5, p. 5-23, jan.1980.
_____. Mestre, educador, trabalhador; organização
profissionalização. Belo Horizonte, FaE/UFMG, 1985a.
do
trabalho
e
_____. Quem de-forma o profissional do ensino? Revista de Educação AEC,
Brasília, n. 58, p. 7-15, out/dez. 1985b.
BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do
movimento. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
239
BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte/educação contemporânea; consonâncias
internacionais. São Paulo, Cortez, 2005.
_____ (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez,
2002.
_____. Tópicos utópicos. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
_____ (org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo, Cortez, 1997.
_____. A imagem no ensino da arte. São Paulo, Perspectiva, 1991.
_____. O ensino da arte e sua história. São Paulo, MAC/USP, 1990.
_____.Teoria e prática da educação artística. 2. ed. São Paulo, Cultrix, 1978.
BAUDRILLAR, Jean. O Sistema dos objetos. Col. Debates 70. São Paulo,
Perspectiva, 1997.
BIASOLI, Carmen Lúcia A. Arte-educação: realidade ou utopia? Pelotas,
ETFPEL, 1994.
_____. A formação do professor de arte: do ensaio... à encenação. 3. ed.
Campinas, Papirus, 2007.
_____. Professor de Arte: onde pisam seus pés? Pelotas, Editora Gráfica
Universitária/UFPel, 2005.
BOLÍVAR, Antonio (org.) Profissão professor; itinerário profissional e a
construção da escola. Bauru, EDUSC, 2002.
_____; DOMINGO, J. (2006). La investigación biográfica y narrativa en
Iberoamérica: Campos de desarrollo y estado actual. Forum Qualitative
Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, 7(4), Art. 12. Monográfico
sobre Estado del arte de la investigación cualitativa en Ibero América.
http://www.qualitative-research.net/fqs-texte/4-06/06-4-12-s.htm
BORGES, Cecília M. F. Formação e prática pedagógica do professor de
educação física: A construção do saber docente. In: Anais da 19ª Anped, 1996.
_____. Os professores da Educação Básica de 5ª a 8ª séries e seus saberes
profissionais. 2003. Tese (Doutorado). Departamento de Educação da Pontifícia
Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2003.
_____; TARDIF, M. (orgs.). Dossiê: Os saberes dos docentes e sua formação.
Educação & Sociedade, Campinas, n. 74, p. 11-26, abr. 2001.
BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo, T. A.
Queiroz, 1983.
240
BOURDIEU, Pierre. A reprodução. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975.
_____.Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
_____; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1992.
_____. As regras da arte. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
BUENO, Belmira O.; CHAMILIAN, Helena C.; SOUZA, Cynhia P.; CATANI,
Denice B. Histórias de vida e autobiografias na formação de professores e
profissão docente (Brasil,1985-2003). Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n.
2, p. 329-343, maio/ago. 2006.
BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem no ensino da
arte. São Paulo, Educ/Fapesp/Cortez, 2002.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
- Lei Darcy Ribeiro – Nº 9.394/1996.
BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros
Nacionais: ARTE. Brasília: MEC/SEF, 1997. 130 p.
Curriculares
BRIQUET, Raul. Educação: Brasil colônia. In: MORAES, Rubens Borba. Manual
bibliográfico de estudos brasileiros. Rio de Janeiro, Souza, 1949.
CALDEIRA, M.S. A apropriação e a construção do saber docente e a prática
cotidiana. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 95, p. 5-12, nov. 1995.
CAMPOFIORITO, Quirino. A pintura posterior à Missão Artística Francesa 1835-1870. v. 3. Rio de Janeiro, Edições Pinakothake, 1983.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. 4. ed. São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, 2003.
CANDIDO, Antônio. A estrutura da escola. In: PEREIRA, Luiz; FORACCHI
Marialice M. Educação e Sociedade. 6. ed. São Paulo, Editora Nacional, 1973.
CATANI, Denice Bárbara et al. Histórias de vida e autobiografias na formação de
professores e profissão docente (Brasil, 1985-2003). Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 32, n. 2, p. 385-410, maio/ago. 2006.
CAVALCANTI, Carlos. História das artes. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1968.
_____. O predomínio do academismo neoclássico. In: PONTUAL, Roberto.
Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização, 1969.
CHERRYHOLMES, Cleo H. Um projeto social para o currículo: perspectivas pós-
241
estruturais. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.) Teoria educacional critica em
tempos modernos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de
pesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.
COMPARATO, Doc. Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão.
3. ed. Rio de Janeiro, Nórdica,1983.
CONNELL, Robert. W. Políticas da masculinidade. Educação e Realidade, Porto
Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, jul/dez. 1995.
CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias mais. 6. ed. São
Paulo, Global. p. 75-8.
COUTINHO, Rejane G. A formação do professor de Arte. In: BARBOSA, Ana
Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002. p.
153-159.
CUNHA, Almir Paredes. Dicionário de Artes Plásticas. Rio de Janeiro:
EBA/UFRJ, 2005.
CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. 3. ed. Campinas,
Papirus, 1994.
DOMINICÉ, Pierre. A formação de adultos confrontada pelo imperativo biográfico.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 329-343, maio/ago. 2006.
DONDIS, D. A Sintaxe da linguagem visual. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
DUARTE JR. João Francisco. O sentido dos sentidos; educação do sensível.
Curitiba, Criar Edições, 2001.
EINSNER, Elliot. The arts and the criation of mind. New Haven, Yale University
Press, 2002.
FABRIS, Annateresa. Redefinindo o conceito de imagem. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 217-224, 1998.
FERNÁNDEZ ENGUITA, M. A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo
e a proletarização. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 41-61, 1991.
FERRER, Virgínia. La crítica como narrativa de las crises de formación. In:
LARROSA, Jorge et allí. Déjame que te cuente. Barcelona, Laertes, 1995. p.166180.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas
do conhecimento escolar. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.
242
FRANGE, Lucimar P. Bello. Por que se esconde a violeta? São Paulo,
Annablume, 1995.
_____. Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões? In: BARBOSA, Ana
Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002. p.
35-60.
FURET, François; OZOUF, Jacques. Lire at écrire. Paris, Minuit, 1997.
FUSARI, Maria F.; FERRARI Maria H. Ensino da Arte. São Paulo, MEC/PUC,
1988.
_____; _____. Arte na educação escolar. São Paulo, Cortez, 1992.
_____; _____. Metodologia no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 1993.
GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da pedagogia. Ijuí, UNIJUÍ,1998.
GIROUX, Henry. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, Vozes,
1995.
_____; McLAREN, P. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, T.
T.; MOREIRA, A. F. (orgs.). Territórios contestados. Petrópolis, Vozes, 1995. p.
144-58.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores,
1983.
GUARNIERI, M.R. O início na carreira docente: Pistas para o estudo do trabalho
do professor. In: Anais da Anped, 1997 (disq.).
GULLAR, Ferreira, PEDROSA, Mário. Textos de Lygia Clark. Rio de Janeiro,
FUNARTE, 1980.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.
HALL, Stuart. Representation: cultural representations and signifying practices.
Thousand Oaks (CA), Sage Publications, 1997.
_____. A identidade cultural na pós-modernidade. 8. ed. Rio de Janeiro, DP&A
Editora, 1992.
HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a
cultura dos professores na idade pós-moderna. Rio de Janeiro, McGraw-Hill,
1998.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de
trabalho. São Paulo, Artmed, 1999.
243
HUBERMAN, Michael. O ciclo da vida profissional dos professores. In: NÓVOA,
Antônio. Vidas de Professores. 2. ed. Porto, Porto Editora,1995. p. 31-59.
HYPOLITO, Álvaro L. M. Trabalho docente, classe social e relações de
gênero. Campinas, Papirus, 1997.
JOSSO, Marie Christine. As figuras de ligação nos relatos de formação: ligações
formadoras deformadoras e transformadoras. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 32, n. 2, p.373-384, maio/ago. 2006.
_____. Experiências de vida e formação. São Paulo, Cortez, 2004.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto historiográfico. In: Revista
Brasileira de História da Educação, São Paulo, n. 1, 2001.
KELLNER, D. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pósmoderna. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução
aos estudos culturais em educação. Petrópolis, Vozes, 1995. p. 104-31.
LEITE, Siomara. Considerações em torno do significado do conhecimento. In:
MOREIRA, A.F. Conhecimento educacional e formação de professores.
Campinas, Papirus, 1994.
LÉVI-STRAUSS, C.O. Campo da Antropologia. In: _____. Antropologia
Estrutural II. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1976.
LOURO, Guacira Lopes. Magistério de 1º grau: um trabalho de mulher. Educação
e Realidade, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 31-39, jul/dez. 1989.
MAGALHÃES, Ana Del Tabor Vasconcelos. Ensino da Arte: perspectivas com
base na prática de ensino. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e
mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002. p. 161-174.
MARTINS, Miriam Celeste. Aquecendo uma transformação: atitudes e valores no
ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no
ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002.
_____; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, Maria Terezinha. A língua do mundo:
poetizar, fruir, e conhecer arte. São Paulo, FTD, 1998.
NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A.; GROSSBERG, Lawrence. Estudos
Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na
sala de aula. Petrópolis, Vozes, 1995.
NÓVOA, Antônio. O professor e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, Antônio.
Vidas de Professores. 2. ed. Porto, Porto Editora, 1995a.
244
_____. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice versa. In: FAZENDA, Ivani.
A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas,
Papirus, 1995b. p. 29-41.
_____. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, António. Profissão
professor. Porto, Porto Editora, 1992.
_____. Para uma análise das instituições escolares. In: NÓVOA, António (coord.).
As organizações escolares em análise. Lisboa, Publicações Dom Quixote: IIE,
1992. p. 13-43.
_____. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão
docente. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 109-139, 1991.
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo, Brasiliense, 1994.
OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro, Campus, 1990.
_____. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, Vozes, 1987.
_____. Universos da arte. Rio de Janeiro, Campus, 1983.
PARSONS, Michael J. Compreender a arte. Lisboa, Presença, 1992.
PENIN, Sônia T. de Souza. A aula: espaço de conhecimento, lugar de cultura.
Campinas, Papirus, 1994.
PÉREZ-GOMEZ A. I. A. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto
Alegre, Artmed, 2001.
PIERRE, José. Surrealismo e artes plásticas. In: PONGE, Robert. O surrealismo.
Porto Alegre, Editora Universidade/UFRGS, 1991.
PILLAR, Analice Dutra (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto
Alegre, Mediação, 1999.
_____. A educação do olhar no ensino das artes. BARBOSA, Ana Mae (org.).
Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002.
PIMENTEL, Lúcia Gouveia. Limites em expansão: licenciaturas em Artes
Visuais. Belo Horizonte, C/Arte, 1999.
PINEAU, Gaston. As histórias de vida em formação: gênese de uma corrente de
pesquisa – ação - formação existencial. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32,
n. 2, p. 329-343, maio/ago. 2006.
READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo, Martins Fontes, 1977.
_____. História da pintura moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1980.
245
RICHTER, Ivone. Multiculturalidade e interculturalidade. In: BARBOSA, Ana Mae
(org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002.
ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam, leitura da arte na escola.
Porto Alegre, Mediação, 2003.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, jul/dez. 1990.
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Cultura escolar: quadro conceitual e
possibilidades de pesquisa. In: Educar em Revista, n. 28, jul/dez 2006.
SILVA, Tomaz Tadeu. O que produz e o que reproduz em educação. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1992.
SILVA Úrsula Rosa, LORETO, Mari Lucie. História da Arte em Pelotas. Pelotas,
EDUCAT, 1996.
SOUCY, Donald. Não existe expressão sem conteúdo. In: BARBOSA, Ana Mae
(org.). Arte/educação contemporânea – Consonâncias internacionais. São
Paulo, Cortez, 2005.
SOUZA, Elizeu Clementino. O conhecimento de si; estágios e narrativas de
formação de professores. Rio de Janeiro/Salvador, DP&A/UNEB, 2006.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 5. ed. São
Paulo, Vozes, 2002.
_____; LESSARD, C.; GAUTHIER, C. Formação dos professores e contextos
sociais. Porto, Rés, 2001.
_____. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários:
elementos para uma epistemologia da prática e suas conseqüências em relação à
formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, Campinas,
Autores Associados, n. 13, p. 5-21, jan./abr. 2000.
_____; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Os professores face ao saber; esboço de uma
problemática do saber docente. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 215233, 1991.
TOURINHO, Irene. Transformações no ensino da arte: algumas questões para
reflexão. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino
da arte. São Paulo, Cortez, 2002.
VILLA-BOAS, André. Identidade e cultura. Rio de Janeiro, Editora 2AB, 2002.
WILLIAMS, R. Cultura. Rio de Janeiro, Guerra e Paz, 1992.
ZEICHNER, Kenneth. M. A formação reflexiva de professores: idéias e
246
práticas. Lisboa, Educa,1993.
_____. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In:
NÓVOA, Antônio (org.). O professor e sua formação. 2. ed. Lisboa, Dom
Quixote, 1995. p. 115 -138.
_____. Para além da divisão professor pesquisador e professor acadêmico. In:
GERALDI, Corinta M.G.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete Monteiro de A.
(orgs.) Cartografia do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a). São
Paulo, Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil, 1998. p. 207-236.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
Professora: Ana
IDADE: 43 anos
DATA: 21/03/2008
HORA 14 horas
INÍCIO: 14 h TÉRMINO: 16h30min
Nº DO PROTOCOLO: 01
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº1
A reprodução proibida – Retrato de Edward James –– René Magritte – 1937
Private collection
Como na imagem de René Magritte, estou indo. Tento me ver e me enxergo indo, fazendo
parte de um momento de avanço. Não me sinto pronta como professora, sempre falta mais.
Me olho e não me enxergo de frente, me enxergo indo em frente.
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade ou anos de docência: 43 anos e 8 anos de docência
Data de início da carreira de licenciatura: início: 1990 A 1991 –
URCAMP – Bagé/ término: 1999 – UFPel – Pelotas
Curso: Licenciatura em Artes / Habilitação em Artes Visuais
Data de conclusão do curso: 1999
Data de início da docência: Dezembro de 1999 - Colégio Albert
Einstein – Pelotas
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
1991 – Interrupção do curso por nascimento do filho;
1992 – Transferência para UFPel;
1994 – Trancamento do curso: mudança para Porto Alegre, divórcio;
1997 – Retorno à UFPel para término do curso.
248
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola; como transcorreu a escolaridade.
1) O estalo da alfabetização;
2) A professora Iva conversando com minha mãe que só ouvia minha voz
em sala de aula quando eu respondia a chamada; que eu era um
“sabonetinho” por estar sempre perfumada e que seria maravilhoso se
todos meus outros três irmãos tivessem a mesma facilidade que eu
para a alfabetização (A professora Iva alfabetizou nós quatro, sou a
caçula de quatro irmãos);
3) Na primeira série fiquei envergonhada em pedir para ir ao banheiro e fiz
cocô na calça e ainda por cima fui convidada a ir até o quadro. Que
micão!
4) Os desfiles de 7 de Setembro (o coração batia forte e dava um friozinho
na barriga)
5) Na terceira série a professora levou toda a turma para ver TV colorida
na sua casa;
6) Um passeio com toda turma numa fábrica de bolachas;
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Educação básica e licenciatura foram realizadas em instituições públicas e
privadas conforme segue:
Ensino fundamental:
1ª série – Grupo Escolar Machado de Assis – PoA
2ª série – Escola Estadual Roque Gonzales – PoA
3ª e 4ª séries – Colégio Beata Tereza Verzéri – Santo Ângelo
5ª e 6ª séries – Ginásio Estadual Polivalente – Santo Ângelo
7ª e 8ª séries – Colégio Estadual Missões – Santo Ângelo
Ensino médio – Curso de Magistério:
1° ano – Colégio Beata Tereza Verzéri – Santo Ângelo
2º ano – Escola Cenecista Sepé Tiarajú – Santo Ângelo
3º ano – Instituto de Educação Olavo Bilac – Santa Maria
Estágio supervisionado de 6 meses pelo Colégio São José – Pelotas
Graduação em Arte:
1º e 2º ano no Curso de Belas Artes da URCamp – Bagé
3º e 4º ano no Instituto de Letras e Artes da UFPel - Pelotas
Especialização em Educação na FaE UFPel.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Ensino Básico
Profª Alda – contava a História como se estivesse contando um caso que
aconteceu ontem. Seus olhos vibravam com os acontecimentos e ela
gesticulava muito, falava com as mãos e o corpo. Eu gostava disso.
249
Profº Raul Dala Barba – Foi meu treinador na ginástica olímpica, na
ginástica rítmica, no atletismo e no handebol. Ele era muito exigente. Não
admitia falta ao treino e era um obcecado pela vitória. Para ele não bastava
só competir.
Prof° Benedito - Ele era um “coringão”. Montou o coral da escola (óbvio
que eu me infiltrei para não precisar ficar em sala de aula) montou um
grupo teatral que eu também era da expressão corporal da peça “O
pequeno Príncipe” e ainda administrava junto ao pároco a 1ª comunhão
dos alunos da escola. A primeira e última vez que me “confessei” na vida
foi com ele. Tenho até foto. Uma mistura de produtor cultural com padre.
Uma figura.
Profª Cleci – Nada favorecia. Era professora de Matemática, gorda, mal
humorada e gritava muito. Diziam que era solteirona. Percebia que um
professor não poderia ser assim. Não funciona.
Tive ainda um professor em Santa Maria no curso de magistério (3º ano)
não lembro o nome, mas ele me marcou muito porque falava com
convicção sobre as leis do magistério e suas lutas. Lembro que ali percebi
que o magistério fazia parte das lutas de classes e que havia muito a se
conquistar. Até ali eu considerava tudo meio sacerdócio.
Graduação:
Profª Marilu Bueno – Foi minha professora de História da Arte em Bagé.
Suas aulas eram muito cansativas. Dava aula sentada o tempo todo
percorrendo um fichário amarelado pelo tempo onde constavam os
períodos da História da Arte. Ditava a matéria e fazia comentários sempre
com olhar fixo nas fichas. Raramente encarava os alunos. Foi muito chato.
Profª Mirna – Foi minha professora em Bagé da disciplina de Estudo de
Materiais e Técnicas. Eu não me esqueci dela porque era uma operária do
“Fazer Arte”. Chamava atenção por suas mãos estarem sempre
“detonadas” de experimentar novas e diferentes técnicas.
Profª Carmem Biasoli – Foi minha professora das disciplinas de Teatro, de
Fundamentos, de Projeto em Arte I e II e me oportunizou a participação em
projetos de Extensão em pré - escola (Pelotas) e para professores de
séries iniciais (Piratini). Ainda tive o privilégio de ser sua monitora. Fazia
associações geniais com o conhecimento erudito e a vida como ela é.
Sempre disposta e bem humorada e com um domínio muito particular de
sala de aula. Com ela aprendi muito e não raras vezes, em serviço, lembrome dela. Como professora, percebo que me esforço para reproduzir um
pouco da capacidade que ela tem de transformar conhecimento em aula
propriamente dita.
Profº Beto Santos - Foi meu professor de História da Arte. Era
extremamente imprevisível quanto ao seu humor. Às vezes dócil noutras
vezes amargo, mas, entendia do assunto e ilustrava suas aulas com
seminários e longas horas de projeções de slides. Fumava muito e era
muito acelerado.
Profª Zunilda – Esta parece brincadeira, deu como encerramento do
semestre um trabalho onde os alunos teriam de fazer uma análise das
decorações com luzinhas de natal expostas na cidade em contraponto com
250
a arquitetura de Pelotas. Até hoje não entendi onde ela quis chegar. Me
senti uma débil mental fazendo este trabalho.
Profº Lauer – Com esse conheci o descomprometimento de um professor.
Na sua disciplina propôs como nota de encerramento que fizéssemos uma
intervenção na cidade. Meu grupo optou por fazer a tal intervenção em um
canalete da cidade (situado na Rua Argolo) Para tanto precisávamos de
muito tecido e fomos pedir nas lojas. Apresentávamos como estudantes da
UFPel e percorremos várias lojas. Ouvimos muitos “sins” e “nãos”. Quando
já tínhamos passado o mico da pedincha, prontas para começarmos o
trabalho, ele sumiu. Foi embora para fazer seu pós e não deixou nem “até
logo”. Que coisa absurda. Não gosto nem de lembrar. Pior que hoje ele é
diretor do instituto.
Foram muitos professores que deixaram boas e más impressões.
Agradeço a todos, pois, contudo, deu prá ir construindo o que se pode e
não se pode ser como pessoa e profissional, se é que dá para separar.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família).
Tudo. O ambiente, os colegas as matérias e os professores.
3. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Quando fiz vestibular, três opções deveriam ficar claras na inscrição. As
minhas foram:
1ª) Direito – coloquei essa em primeiro lugar porque minha irmã havia sido
brutalmente assassinada a pouco tempo e eu queria justiça;
2ª) Letras – Porque sempre gostei de português, tinha facilidade em
escrever e gostava (vinha de um namoro de 8 anos onde nos
comunicávamos por correspondência semanal. Eram cartas/jornais, com
muita escrita e leitura)
3ª) Belas Artes – Porque sempre cultivei habilidades artísticas, tanto no
teatro quanto nas artes plásticas, além de ser filha de professora de
música.
Na hora de decidir, eu queria fazer todas. Passei com média para o Direito,
a que exigia maior pontuação. Fui fazer a matrícula com minha ex-sogra e,
na verdade, ela decidiu por mim. Disse-me assim: Faz Educação Artística.
Tens gosto e habilidade. Optei.
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar).
Hoje percebo que a família foi um dos fatores mais determinantes desse
momento, mas não posso deixar de citar que o fato de eu ter feito o curso de
magistério também influiu em eu aceitar a decisão que no momento minha
ex- sogra sugeriu.
251
Em que grau as expectativas pessoais/profissionais
realizaram? Ou se geraram outras novas?
se
As expectativas pessoais corresponderam no sentido de ser a academia um
local de produção de conhecimento e de novas amizades. Quanto às
expectativas profissionais, eu pensava que sairia pronta para atuar na sala
de aula. Ledo engano. A academia apenas me apontou tópicos para serem
aprofundados gerando assim, novas expectativas e novas lutas.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Alguns professores deixaram ótimas lembranças, outros se mostraram
descomprometidos com a formação de quem vai atuar na área da educação.
Alguns não se dão conta do compromisso que tem na mão. Formar
professores é muito sério. Muito!
O espaço físico da minha graduação é uma boa lembrança. Aulas teóricas
ao som de flautas desafinadas era motivo de crítica para nós alunos. Hoje
tenho saudade dessa impregnação artística dentro dos espaços escolares.
As aulas de Teatro eram o máximo. Serviu muito para eu aprender a lidar
com minhas emoções, a ocupação do espaço dentro da sala de aula enfim.
Acredito que todo estudante de licenciatura deveria ter essa experiência.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino?
Avaliando esse momento, que tipo de formação acredita ter
necessitado (teórica, prática) Como avalia a formação
recebida?
Ficou faltando muita coisa, tanto teórica quanto prática. Saliento uma melhor
formação para as séries iniciais e a modalidade E.J. A que são diferenciados
e nem ouvi falar dentro do curso. Não menosprezo minha formação. Muito
pelo contrário. Penso que ela foi fundamental, mas tive de correr atrás de
muita coisa.
4. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
252
Optei pela docência por ter feito 6 anos de curso sem nunca ter rodado e
pego exame só uma vez. Muitas matérias eu tive de fazer novamente devido
à tramitação da minha transferência. Não raras vezes, estava cursando uma
disciplina e vinha da reitoria que eu não precisava fazê-la porque já havia
feito, mas eu não podia esperar devido aos pré-requisitos. Uma novela.
Foram 6 anos árduos de busca pela profissão. Também porque no momento
em que me formei, mais do que nunca, almejava pela minha independência
financeira. A docência nesse momento já não era uma opção, era uma
conseqüência.
Terminado o curso, a formatura foi num dia e o concurso no outro, e na outra
semana foi o concurso para o Estado. Ufa!!! Foi uma etapa conturbada, pois
só fui respirar aliviada depois. Tudo aconteceu muito rápido e ainda, antes
de prestar os concursos eu já estava empregada.
Como chegou a profissão (concurso).
Na escola particular por indicação e na rede pública (município e estado) por
concurso.
Como avalia essa etapa.
Minha primeira experiência profissional foi numa escola privada. Colégio
Albert Einstein por indicação de um colega de curso que havia se formado
antes. Minha primeira turma era composta por 60 alunos da E.J.A ensino
médio. Me colocaram num palquinho e me deram um microfone. Detestei.
Quase caí do palco (porque caminhava muito). Em seguida abandonei o
microfone e perdi a timidez na voz. A água bateu no pescoço. Tive de ir à
luta. Nesse momento tinha como princípio que os alunos teriam de levar a
sério a disciplina de arte. Para que isso acontecesse, eu cobraria tal qual as
disciplinas ditas “sérias” do currículo faziam. Textos, provas e inflexibilidade.
Logo tive de mudar porque os alunos cobravam produção e passei a
trabalhar com conteúdo e produção artística. Baseada no Fazer, Fruir e
Contextualizar.
Passei a freqüentar as reuniões pedagógicas e ouvia as insatisfações dos
professores quanto a pagamentos atrasados, turmas lotadas, alunos
protegidos porque eram filhos de fulano e beltrano enfim. Passei a
contabilizar os problemas da docência que não se resumiam as quatro
paredes da sala de aula. Tudo era novidade.
As primeiras aulas eu planejei com muito estudo. Não queria seguir pura e
simplesmente o programa proposto pela escola. A Bienal acontecendo em
PoA e eu trabalhando o Antigo Egito. Abandonei o programa e passei a
programar minhas aulas com mais autonomia. Lembro que propus uma
instalação, retratos tridimensionais etc. Foi ficando cada vez melhor. Meu
foco já não era ser uma disciplina “séria” para que a escola e os alunos
levassem a sério. A minha postura foi modificando porque eu levava e levo a
sério o que faço. Meu principal objetivo era e continua sendo formar público
para arte. O aluno tem que produzir e saber arte. Os alunos foram gostando
cada vez mais das aulas e pauto até hoje meu trabalho dessa forma.
253
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo. Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
Passei nos concursos. Fui chamada primeiramente para a rede municipal de
ensino. Fui parar numa escola de periferia chamada Getúlio Vargas.
Localizada numa zona de extrema pobreza e num bairro violento. Os
problemas começaram. Após sair da faculdade, parecia muito bom trabalhar
numa escola particular e ainda com ensino médio. Eu era feliz e não sabia.
No Getúlio Vargas trabalhei com as séries iniciais e duas 5ª séries. Não foi
fácil. Aliás, tudo era difícil. Desde o transporte. Nessa escola, conheci o
currículo oculto. As conversas de professores nas portas das salas com os
alunos ouvindo tudo, as imagens que os alfabetizadores utilizavam para
fazer associações com as letras totalmente distanciadas da realidade deles,
colegas descomprometidos enfim. Na escola Getúlio Vargas, essa da
periferia, foi a única que de tanto eu insistir, eu ganhei uma sala. Foi a
primeira e única experiência, nesse sentido, nos meus 8 anos de docência.
Isso foi muito bom! Em 2003, fui convidada a trabalhar na Secretaria
Municipal de Educação para montar um setor que hoje se chama Multimeios.
Concomitante à proposta, o Estado me chama para trabalhar com o ensino
médio regular e E.J. A médio.
Ainda nesse mesmo período fiz seleção para professora substituta da
disciplina de Metodologia do Ensino da Arte (se não me engano era esse o
nome). Fui aprovada. Acabei ficando com a SME e o Estado. Sempre em
sala de aula.
Contudo, eu na verdade gostava da infra-estrutura oferecida pela escola
particular, mas o afeto era gritante na escola da periferia. Não sei discernir
uma escola melhor ou pior. Ambas têm os dois lados. Nenhuma é totalmente
ruim ou totalmente boa. Tive muita dificuldade inicialmente em trabalhar com
as séries iniciais. Primeiro porque não tive formação na graduação para
atuar com as séries iniciais. Minha salvação foi ter feito o curso de
magistério e participado do projeto de extensão “Vivenciar, Integrar e Agir”.
Segundo porque concomitante ao trabalho com as séries iniciais eu ainda
trabalhava com o Ensino médio regular e E.J.A do ensino fundamental e
médio, logo, a dedicação não era exclusiva. Fui aprendendo com a
necessidade dos alunos e com a minha própria. Sempre no estudo e
planejamento. A noite fazia pós na Faculdade de Educação. Descia do
ônibus da Escola Getúlio Vargas e embarcava no ônibus para o Pós na
Faculdade de Educação. Foi difícil.
254
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares sentiu-se mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugar foi pior?
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas curso, experiências)
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Quanto a momentos críticos vividos na carreira profissional, ainda é aquele
desconhecimento das escolas de que Arte é tão área de conhecimento
quanto qualquer outra disciplina. Material didático não existe. Sala
apropriada muito menos. Sempre falo que a disciplina mais difícil de se
trabalhar dentro das escolas é a Arte porque não há subsídio algum.
Atualmente trabalho com todas as séries do ensino fundamental, na zona
rural e urbana, segundos anos do ensino médio e E.J.A do ensino médio.
Escola Municipal Garibaldi – Zona rural (1ª a 4ª séries) Escola Assistencial
Municipal Jeremias Fróes – Zona Urbana (de 1ª a 8ª séries) e Escola
Estadual de Ensino Médio Areal (2º ano médio regular e E.J. A do ensino
médio). Zona Urbana. 50 h semanais. Meu grau de satisfação com a escola
é baixo. Para se ter uma idéia, este ano, faltou professor de arte para um
turno da escola. Eu estou com os horários arrebatados, a solução que deram
foi de uma professora, alfabetizadora, mestranda em educação, atender
algumas turmas. Ela ainda teve a cara de pau de pedir meu plano de ensino!
Poupe-me! Como posso estar satisfeita com a escola. Ano passado uma
professora da outra escola em que trabalho, pediu-me também planos de
aula para atender algumas turmas no estado. Ela professora de geografia.
Engraçado é que ninguém me convida para substituir o professor de outra
área. O senso comum é de que aula de arte qualquer um dá. Encontramos
professores que entendem que arte é uma área de conhecimento e que não
metem as caras, mas a maioria desconhece. A falta de espaço apropriado
para as salas de arte tornaram-se um problema. Principalmente para o
trabalho com as séries iniciais. Eu ainda trabalho em uma escola que não
tem sequer um retroprojetor como recurso. Penso um absurdo isso. As aulas
da área de arte e Ed. Física, no ensino fundamental, são acomodas de modo
que encaixem nas “Folgas” dos professores. Então, elas são colocadas de
qualquer jeito no horário. Pego crianças após a Ed. Física por exemplo. Isso
não é legal para o professor. Até acalmar e centralizar na aula leva um
tempo considerável. A aula de arte, não raras vezes necessita de
concentração, silêncio, serenidade para poder produzir algo que passou pelo
pensamento, pela imaginação ora! Não há essa preocupação. Escassez ou
inexistência de materiais diversificados também é histórica nas aulas de arte.
Eu trabalho muito com lixo, mas é necessário diversificar. Material do MEC,
como as outras disciplinas recebem, também não vem nada. Ou melhor, ano
255
passado vieram DVDs para todas as áreas, alguns interessantes. Mas ainda
é muito pouco.
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes.
O fato de ser mulher, principalmente no inicio da carreira, afetou no sentido
de que não é fácil administrar tudo. Ainda grávida, certa vez em Bagé,
tendo que entregar um trabalho a noite, fiquei de bruços sobre um trabalho
enorme, acabei vomitando sobre ele. E para dar a explicação que eu havia
vomitado sobre o trabalho. Pareceu deboche, mas era real. As dificuldades
já começam na gravidez. Depois veio o divórcio. Criar um filho, administrar
casa e estudos. Não foi e ainda não é fácil. Hoje ainda a gente tem que
administrar a escola, o material que vai levar, a aula da semana que mudou
devido à necessidade dos próprios alunos, o novo relacionamento afetivo
enfim. Quanto mais o tempo passa, parece-me que as responsabilidades
aumentam. Penso que esta situação é bem comum hoje em dia. A mulher
está cada vez mais tendo que administrar tudo. Ainda na faculdade,
deparei-me com uma situação inusitada de preconceito de mulher para
mulher: uma colega de curso, mãe de 5 filhos homens, esforçando-se para
estudar, recém parida do 5º filho, necessitava levar a criança para as aulas
e foi convidada a se retirar pois se o ILA (Instituto de Letras e Artes)
abrisse precedente, o local viraria uma creche. Achei um absurdo, pois a
criança não atrapalhava nada e a colega precisava muito concluir seu
curso. A antológica feminização do magistério aponta para muitos casos de
sobrecarga de atividades às mulheres. Muitas vezes a mulher que escuta o
choro de criança em casa ainda vai para o trabalho e vai escutar choros e
lamúrias de 30, 35 crianças. È diferente de uma outra profissional mulher
que vai para o seu escritório, consultório ou atender atrás de um balcão. A
tarefa da professora de um modo geral, a meu ver, sempre vai ser mais
pesada. Isso não é um privilégio, é tarefa árdua e comprometedora.
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Grau de satisfação com a escola.
Momento profissional
. Então, eu vejo esse momento profissional que estou vivendo assim: ser
professor está cada vez mais difícil. Tem que ter paixão senão já era. Nossa
clientela pode ser alto risco, não se sabe. Nosso aluno está difícil. A escola é
uma micro sociedade. Se a sociedade está consumista, em crise, violenta,
sem perspectiva, isso vai se refletir na escola, na sala de aula. A escola não
acompanha o apelo visual que o mundo oferece, a produção de
comportamentos disseminados pela cultura visual. A disciplina de arte
merecia mais recursos para trabalhar com o mundo visual. Acredito que
estamos vivendo um processo na educação. Estamos em transformação.
Sou ciente que meu papel, nesse momento é de lutar para o reconhecimento
256
da área de arte, sua importância nas escolas e na formação do indivíduo,
lutar por melhores condições de trabalho, salário enfim, por um maior
comprometimento com o ensinar arte. Quero registrar que foi muito
interessante ter feito essa entrevista, um verdadeiro “memorial docente”.
Pude perceber que, como na imagem de René Magritte, estou indo. Tento
me ver e me enxergo indo, fazendo parte de um momento de avanço. Não
me sinto pronta como professora, sempre falta mais. Me olho e não me
enxergo de frente, me enxergo indo em frente.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
Professora: Silvia
IDADE: 45 anos
DATA: 04/04/2008
HORA 14 horas
INÍCIO: 14 h TÉRMINO: 15h30min
Nº DO PROTOCOLO: 2
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº 2
Persistência da Memória- Salvador Dali, 1931. MoMA, New York
Considero a obra de Dali de acordo com o meu momento atual. O tempo que passa rápido e não
nos permite viver e só sobreviver. A ligação do tempo versus memória nos faz pensar na saúde,
na diminuição de hormônios e na necessidade de se permanecer atuante no trabalho, na família e
na sociedade
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade ou anos de docência – Tenho 45 anos, e 20 anos de docência.
Curso: Sou formada em Licenciatura Plena em Educação ArtísticaHabilitação em Artes Plásticas.
Data de conclusão do curso: 1988
Data de início da docência: março de 1988.
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
As mudanças foram: em 1991 lecionei numa escola particular em Rio Grande
mais uma gravidez; em 1998 perdi 20 horas numa escola para uma professora
leiga e fui dar aulas na zona rural; em 2001 dei aulas para surdos, sem curso e
sem material.
258
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola, como transcorreu a escolaridade.
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Sempre estudei em escola pública (Grupo Escolar Estadual Nossa Senhora
Medianeira, Escola Estadual Lindolfo Collor, Escola Estadual Dom João Braga e
na Universidade Federal de Pelotas o Ensino Superior).
Minha experiência em escola pública foi como qualquer criança pobre, na minha
época a minha mãe pagava mensalidade, assim como os colegas, uniforme e
livros eram comprados pela família e a escola era muito significativa e valorizada.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Houve professores significativos, principalmente na área de português e história
na educação básica. Na faculdade um professor de história da arte e em
disciplinas que envolviam “plástica”. A influência foi muito satisfatória.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família)?
Na minha casa sempre tive contato com o desenho por causa de meus irmãos e
acho que não tinha muita noção das licenciaturas. Na escola sempre desenhei e
convivi com pessoas que tinham noção sobre desenho, a arte surgiu depois com
o conhecimento e as expectativas foram surgindo com o tempo. Destaco na
UFPel, nos anos de 1984,1985, 1986 1987, as professoras Miriam Anselmo e
Ângela Gonzales. Acho que foi um somatório.
2. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Eu gostava de desenhar, meus irmãos estudavam na ETFPEL (hoje CEFET) e
convivia muito com essa situação. O primeiro vestibular que fiz foi nessa área em
São Paulo, depois que voltei acabei entrando na licenciatura, mas sem muito
conhecimento do que era.
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar)?
259
Acho que a escolha foi mais pessoal do que por influência de outros fatores.
Em que grau as expectativas pessoais/
realizaram? Ou se geraram outras novas?
profissionais
se
As expectativas profissionais foram acontecendo ao longo do processo e algumas
situações de vida pessoal ocasionaram um novo momento.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Na UFPEL, no período de 1984 a 1987, sempre gostei de história da arte e das
disciplinas de expressão plástica.
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
No meu exercício profissional, o conhecimento me ajudou, mas a prática e a
experiência foram mais significativas.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Lembranças da Educação Básica: as piores foram a baixa auto-estima e o peso
(acima) corporal; as boas foram a minha escola que estudei mais tempo, o D João
Braga, o antigo 2º Grau , com a auto-estima mais elevada. No Ensino Superior as
dificuldades financeiras, o estudo durante o dia e sem trabalho e o fato de só o
meu marido trabalhar. O lado positivo na faculdade foi o conhecimento e a
conclusão dos meus estudos.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino? Avaliando esse momento, que tipo de formação
acredita ter necessitado (teórica/prática). Como avalia a
formação recebida?
Lembro de uma prática de Educação Artística no próprio ILA (hoje IAD), íamos
estagiar no Lar de Jesus e atrás da Beneficência Portuguesa (Escolinha da
Faculdade de Educação), zonas muito pobres. Queriam que ensinássemos
260
pintura em tecido e outras atividades que possibilitassem um rendimento aquela
população. Foi muito difícil porque, muitas vezes, lidar com pessoas relacionadas
à educação transformadora é mais complicado que a tradicional. Tanto a parte
teórica como a prática tem que “descer” do salto, da alienação, e mergulhar no
mundo real, o da sala de aula, das condições mínimas estruturais que temos, dos
péssimos salários e como tudo isso vai interferir na nossa vida profissional.
Quando fui fazer meu último estágio, na época de 2º grau, disse para a minha
orientadora: ”Não sei nada, do que me valeu o curso se não consigo aplicar nesta
realidade? A minha vontade é começar tudo de novo.” Hoje penso que talvez
tenha sido muito radical, mas em parte continuo pensando a mesma coisa.
3. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Acho que a minha opção pela docência foi, em parte, ao acaso e outra pelo
prazer de ensinar, não para o momento que estamos vivendo, sem respeito e sem
valorização.
Como chegou a profissão (concurso).
Cheguei á profissão por indicação de uma professora da Faculdade de Educação
na escola privada do seu filho. Na mesma época fiz os concursos, trabalhei com
adolescentes em outra escola privada. Fui chamada e acabei assumindo no
município e no estado.
Como avalia essa etapa?
Lá, na escola privada, aprendi muita coisa, a lidar com as mães e filhinhos de
classe média alta, com a direção, com a falsidade, com os baixos salários, com o
sindicato (hoje sou filiada ao CPERS, tenho 20 horas no Estado, com a primeira
greve (e única de 1989) das escolas privadas, com o construtivismo, com o prazer
de orientar aquelas crianças. Já trabalhei como supervisora de ensino junto a
SME e como coordenadora pedagógica em duas escolas
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
A minha primeira experiência, embora todas as dificuldades financeiras, foi muito
boa, foram 4 anos. Um dos lugares mais problemáticos que trabalhei foi no CAIC
261
do Pestano, mais pela direção (anos perpétua) do que pelos alunos. Lá eu tive um
grupo de teatro junto com uma colega de Educação Física, foi muito bom.
Quando não se resolve, não se consegue mudar, a gente tem que abandonar o
barco, fiz assim na Escola Saldanha da Gama, fiquei 1 ano e saí.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo? Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
Encontramos muitos colegas, poucos amigos ao longo dos anos. Um fator bem
marcante foi quando concorri à direção de uma escola na Santa Terezinha,
acreditei que as pessoas queriam mudanças, não era verdade, mas saí da escola
quando tive vontade, não aceitei perseguição.
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares sentiu-se mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
Um fato ruim, como falei anteriormente, foi quando a direção do CAIC tirou
minhas horas e deu para uma professora leiga, sem formação, por perseguição
política, não há apoio do órgão mantenedor.
0
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas. curso, experiências).
Em 2005, consegui fazer um curso de especialização em Educação Ambiental no
CEFET, com muito sacrifício com aulas toda semana, com filho em idade escolar,
com mãe doente, com problemas conjugais e sem conseguir licença do município
para estudar, no estado a minha escola me liberava sexta feira à noite e sábado.
Foi muito difícil, mas muito prazeroso.
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Fui, então, parar na zona rural graças a uma colega da minha área que se elegeu
diretora, passei o pão que o diabo amassou. Meu filho estava em fase de
alfabetização e não conseguia acompanhar, minha vida familiar um caos, um dia
eu ia lá só para um período, depois caminhava 2 km, tinha 20 horas na Colônia
262
Maciel e 20 horas na Cascata, tudo isso me tornou muito “dura”, muitas vezes
sem esperança.
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes?
A nossa profissão tem em sua maioria mulheres e isso ocasiona alguns
problemas: baixos salários, acúmulo de funções como dona de casa, problemas
de saúde, etc. Os governos não nos valorizam também, em parte, porque somos
mulheres e historicamente são as que percebem menores salários.
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Hoje em dia, eu atuo 20 horas numa escola à noite, onde leciono em uma turma
de surdos no ensino médio e coordeno turmas do ensino médio de ouvintes. Em
outra escola tenho 10 horas em sala de aula com duas turmas de 1ª séries e duas
de 2ª séries, e esse ano pela primeira vez tive uma estagiária de música.
Completo minha carga horária, com mais 30 horas, numa escola da zona rural: 10
horas em sala de aula com o pré e de 1ª a 4ª séries e 20 horas na coordenação
pedagógica do currículo por atividades; esse é o último ano dessa equipe diretiva
que eu faço parte.
Grau de satisfação com a escola.
A satisfação depende muito dos momentos vividos, das expectativas que temos.
Já vivi momentos de maiores esperanças quanto a desenvolver um trabalho
melhor, hoje estou um pouco cansada, é difícil lidar com pessoas, mas faz parte.
Momento profissional.
É difícil ser professora de Arte, lidar com o barulho, com a desvalorização por
parte das famílias, das direções e colegas, mas também é importante o que
deixamos nos nossos alunos de significativo, a lembrança que fica e o
reconhecimento.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
PROFESSORA: Maria
IDADE: 34 anos
DATA: 12/05/2008
HORA: 16 horas
INÍCIO: 16h TÉRMINO: 18h30min
Nº DO PROTOCOLO: 03
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº 3
Les Demoiselles d'Avignon, Pablo Picasso, 1907,
Giraudon, Paris
Escolher uma imagem apenas para representar o momento atual de minha profissão, foi algo
muito difícil de fazer. Ao conviver com as imagens e reproduções das obras de arte, desde a
faculdade e na seqüência da carreira, fez com que elas façam parte de minha vida de forma
especial. Ao pensar sobre a profissão e o que cada obra pode “dizer” é difícil não encontrar algo
em tantas que não tenha significado.
Contudo, escolhi a obra de Picasso – Lês Demoiselles d’Avignon, 1907 – pois nela encontrei muito
de mim, de meu jeito, de minha vida, de minha prática e do meu dia-a-dia, que tentarei descrever.
Assim como nessa obra onde se vê muitas mulheres, penso que também sou por vezes “muitas
mulheres”. Mulher dona da casa que luta para mantê-la; mulher amada; mulher amante; mulher
amiga; mulher frágil, mulher valente; mulher que quer estar sozinha, mas que também gostaria
sempre de ter alguém para compartilhar, e quem sabe outra mulher; uma mulher que às vezes
está bem de frente, para tudo e para todos; mulher que às vezes está de costas, pois não suporta
mais encarar o mundo – e esse mundo difícil às vezes é o da educação - mulher que às vezes
precisa usar uma máscara, talvez não para esconder-se, mas para que simplesmente não vejam
sua tristeza ou depressão ou até mesmo o êxtase do seu prazer; Penso que hoje sou assim,
“muitas” em uma só. Sou sem sobre maneira, muitas professoras: comprometida, preocupada,
realizada, otimista, frustrada, orgulhosa, desmotivada; Uma apenas que precisa se desdobrar em
muitas, para enfrentar as adversidades, dificuldades, lutas e muito mais. Hoje me vejo assim,
264
tentando estar da melhor maneira possível diante de tudo e todos e, às vezes o melhor é estar
junto, é usar máscara, é ficar de perfil, de frente, de costas, mas sempre estar presente. Minha
profissão atualmente exige tanto de mim, que sinto ser mais que uma mulher... sinto que preciso
ser aquela que ainda é aluna, e que quer ser aluna, que é professora, que quer ser mais
professora, que tem especialização, mas quer chegar no mestrado, que é filha e quer ser mãe...
Hoje minha profissão me coloca assim na vida, muitas mulheres diferentes: Regiane, Reja,
Rezane, Rezinha, Sora, Sorinha, Prof, Professorinha, essas sou eu: Professora R...... S .......
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade ou anos de docência – Tenho 34 anos, e 5 anos de
docência.
Curso: Sou formada em Licenciatura em Artes / Habilitação em
Artes Visuais .
Data de conclusão do curso: 2003
Data de início da docência: 24 de fevereiro de 2004.
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
Acredito que ainda não tive nenhuma mudança radical em minha carreira. O que
posso dizer que acontece, é que, inevitavelmente o tempo faz com que o modo de
encarar e resolver as situações do dia-a-dia seja cada vez mais aprimorado e
consciente.
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola, como transcorreu a escolaridade.
Fui alfabetizada em casa. Minha primeira professora foi minha irmã mais velha.
Nove anos a mais que eu, ela me ensinava tudo, com o giz da escola, nas
portas dos roupeiros de nossa mãe, me alfabetizou. Minha primeira série foi sem
muitos atrativos, encher as linhas e o “aeiou” para mim não significavam nada,
pois já dominava muito disso tudo. A partir da segunda série é que tudo
começou a ficar interessante. Quando estava na quarta-série tive minha primeira
e única experiência de teatro na escola. Foi maravilhosa, a professora definiu os
papéis e fui a “Bela Adormecida”, era uma história narrada. Foi muito importante.
As vezes digo que, fui a “Bela Adormecida” muito tempo, depois de transitar por
outras profissões, certo dia ao acordar me vi professora, descobrindo assim meu
verdadeiro destino, do qual tenho muito orgulho.
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Meu Ensino Fundamental foi em escola pública (Gravataí e Pelotas), o Ensino
Médio em Instituição Particular (Pelotas), e a formação acadêmica em instituição
pública federal (Pelotas).
265
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
As influências de professores e colegas na minha educação básica, foram
mínimas, tenho pouquíssimas recordações de meus professores. Uma rara
exceção foi uma professora de música que me mostrou que a através da música
a escola poderia ser melhor. Na licenciatura com certeza as influências foram
extremamente marcantes. Tanto de professores como de colegas. As relações
foram mais intensas e, portanto, serviram de base para minha formação. A
licenciatura foi um laboratório de experimentos, de vivências que me proporcionou
ser professora dedicada, capaz e comprometida com todo o sistema educacional.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família)?
Acredito que tudo influenciou um pouco em minha formação e atuação
profissional, contudo, a influência de meus professores foi determinante para que
eu pudesse nortear e identificar os valores que são essências para trabalhar
como docente. Os professores afetaram diretamente em minhas escolhas, em
minha construção intelectual como um todo. Obviamente que, influências
negativas também existiram, essas, porém, são exemplos que ignoro.
3. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Desde bem jovem quis ser professora. Sempre me senti seduzida pela profissão,
pelo ato de poder ensinar e contribuir com a vida das pessoas. Através da
educação tudo isso, se torna cada vez mais gratificante para mim. Ser professora
foi um sonho que se transformou em realidade e estou tentando dar o máximo de
mim enquanto puder. Quando foi chegando perto da idade de definir a profissão,
fui percebendo cada vez mais a paixão pela arte e quando vi que podia associar
essa paixão à possibilidade de levá-la para os outros, a licenciatura foi o melhor
caminho.
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar)?
Tudo influenciou em uma determinada medida. Tudo contribuiu para minha
escolha. A família que sempre apoiou em todas as decisões pesou muito. Depois
da escolha, tudo “conspirou” a favor, para que, cada vez mais eu me interessasse
pela docência e pelo ensino da arte.
Em que grau as expectativas pessoais/profissionais
realizaram? Ou se geraram outras novas?
se
Sem dúvida que muitas expectativas se realizaram na profissão. Dos sonhos de
menina a ansiedade da faculdade, muitas metas já foram alcançadas. Muitas
266
outras, ainda, pretendo concretizar, pois a docência exige por si só que se tenha o
pensamento no futuro. Sinto que para ser professora, preciso manter acesa uma
chama que me leve ao aperfeiçoamento e a uma busca incessante de saber mais.
Isso na maioria das vezes não é fácil como pode parecer. As frustrações do
cotidiano, diante do caos social, muitas vezes, fazem com que o fardo pese muito.
Refletir sobre a prática, sobre os acertos e erros, é que sustenta essa busca.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Minha formação acadêmica foi na Universidade Federal de Pelotas em seis anos
de estudo. Muitos professores foram influentes. Poucos os preferidos. Como
minha paixão pela Arte e pela docência era o que me movia dentro do curso, as
matérias, sempre foram motivo de curiosidade e muitas vezes encantamento.
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Acredito que o domínio sobre as matérias dos conteúdos e a influência de
professores que valorizam a profissão docente, ajudou de forma concreta no
exercício de minha profissão. As matérias deram subsídios teóricos e práticos
também para desenvolver os planejamentos. Os professores ajudaram na medida
em que orientavam, que indicavam caminhos, que faziam a discussão acontecer
sobre a educação.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Com muita satisfação afirmo que minhas lembranças são maravilhosas de minha
formação. Obviamente que coisas negativas aconteceram inevitavelmente, mas
representam minoria. Aprendi muito, troquei muito, absorvi muito, vivi
intensamente todos os momentos na faculdade. Fiz amizades eternas, sinceras.
Aprendi a ouvir, a falar, a escrever a ler a criticar e a estudar. Contudo, apesar de
ter feito um curso de formação de professores, digo que não aprendi a ensinar,
isto aprendo todos os dias um pouco mais, cada vez que entro em sala de aula e
me encontro com meus alunos, sejam os pequeninos da pré-escola ou os
adolescentes da oitava-série.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino? Avaliando esse momento, que tipo de formação
267
acredita ter necessitado (teórica,prática) Como avalia a
formação recebida?
As lembranças da formação prática são muitas e na maioria são maravilhosas.
Desde o inicio da graduação fiz estágios, esses então foram muito significativos, e
deram uma boa base. Colaboraram para que ao assumir verdadeiramente a
titularidade na escola, a expectativa fosse sobre coisas reais. Ao estar pela
primeira vez como professora formada em uma escola, tive muita tranqüilidade,
tive serenidade, pois já sabia como funcionava o ensino público e as condições
em que se davam as aulas de arte. Ao avaliar minha formação, tanto teórica
quanto prática, a satisfação é grande. Ela foi muito positiva. Tenho consciência,
obviamente, que em alguns aspectos poderia ter sido melhor. Mas, como
profissional comprometida, acho que não devo colocar a culpa em terceiros e sim
assumir e correr atrás do que eventualmente possa ter ficado deficitário. É assim
que penso e procuro agir.
4. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Durante todo o curso de formação, minha intenção sempre foi ser professora, dar
aula para crianças e adolescentes, mesmo sabendo que poderia atuar em outras
atividades. As influências foram muitas tanto de professores, assim como o apoio
da família. Na verdade essas influências foram o que sustentaram a busca pela
carreira, muito mais do que o desejo em si. Deram suporte, pois a profissão por si
só, sabe-se muito bem que não seduz ninguém, haja vista, as condições em que
se trabalha.
Como chegou a profissão (concurso).
Sou professora da Rede Municipal de Ensino de Pelotas, nomeada através de
concurso público.
Como avalia essa etapa?
Quando estava terminando o curso de licenciatura houve concurso público pela
Prefeitura. Ter concluído o curso e logo em seguida ter a oportunidade de
começar a trabalhar foi algo muito positivo, foi um início vitorioso que significou a
realização profissional tão almejada, considerando que muitos colegas que ficam
muitos anos sem conseguir emprego, depois de formados.
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
268
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Após a nomeação do concurso público, fui designada para uma escola na zona
do Porto/Várzea do município de Pelotas, na Vila da Balsa. A escola chama-se
Ferreira Vianna. Os primeiros meses foram muito intensos, tendo assumido 11
(onze) turmas que atendiam alunos da pré-escola até a 6ª série. O primeiro ano
foi de adaptação em uma nova realidade. Uma realidade cheia de compromissos
e de vivência diária com pessoas novas, com crianças e adolescentes. Um mundo
novo que passou a completar o meu mundo. As principais preocupações eram em
relação a capacidade de envolver tantos indivíduos – tão diferentes – em torno do
mesmo assunto – arte – diante de tantas adversidades. As condições sociais dos
alunos, de suas famílias, foram se tornando um referencial em tudo que eu
pensava ao planejar e preparar aulas. Uma preocupação que passou a ser mais
intensa, pois já existia durante o curso de formação era a busca por material
didático para ser usado. Visto que, o governo federal através do Ministério da
Educação envia para as escolas, livros de todas as áreas, menos para Arte e
Educação Física. Todo material bibliográfico que faço uso, é fruto de minha busca
e aquisição. Isto revela entre outras coisas, a falta de reconhecimento na
importância da formação em arte, pelo ministério da educação, isso para dizer o
mínimo.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo? Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
Ao conhecer a comunidade escolar e atentar para suas necessidades, fui aos
poucos construindo meus planos de estudos, minha proposta pedagógica, e
assim formatando meus planos de aula. O apoio mais significativo que recebi foi
sem dúvida em relação a compra de materiais para serem usados em aulas
práticas. Esse apoio sempre foi dado pela diretora da escola, que sempre
respondeu positivamente às minhas solicitações. Por ser muito carente a
comunidade escolar de modo geral não questiona muito, não participa muito, não
se envolve. Daí não se tem grandes problemas com as famílias. O que interessa
para a maioria, é que seus filhos tenham um lugar onde possam ficar durante
quatro horas. As principais preocupações sempre eram – e ainda são – em
relação a desenvolver atividades e propor aulas interessantes a quem não vê na
escola nada de bom. A escola de modo geral não atrai, não investe no aluno, não
seduz ninguém. Essa é a maior dificuldade. Dar aula de Arte, para crianças que
passam fome é tarefa mais que desafiadora, digo com tristeza, mas com os dois
pés na realidade, é tarefa desumana.
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares se sentiu mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
269
Em 2005 fui convidada pelo então Secretário Municipal da Educação para fazer
parte da equipe pedagógica daquela secretaria, ocasião que ocupei o cargo de
supervisora de ensino até 2006. Nesse tempo ainda continuei trabalhando na
escola, dividindo carga-horária. Foi um momento muito gratificante, em que pude
vivenciar duas experiências distintas ao mesmo tempo. Na escola, o cotidiano de
entrega para uma comunidade escolar. Na secretaria, ter que conviver e estar à
disposição de toda a rede de ensino, em um total de 75 escolas de ensino
fundamental e reuniões que tinham que atender mais de 80 professores da área
de Arte. Sem dúvida que estou muito mais a vontade e tenho muito mais
disposição para trabalhar na escola. Que representa hoje para mim um segundo
lar. Conheço todo mundo, sei nome e sobrenome, sei dos sonhos, desejos e
necessidades. Assim, acredito que ajudo muito mais, por isso me sinto muito mais
útil e feliz.
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas curso, experiências).
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Posso dizer com toda certeza, e com muita tristeza que o momento mais crítico
de minha vida profissional, foi em 2007, quando nossa escola perdeu um aluno.
Na ocasião, passei por uma forte tentação de abandonar a profissão diante de
tanta impotência sobre o acontecido. Perdemos todos. Eu perdi não somente um
aluno, mas um amigo. Um menino aparentemente alegre, com um sorriso
maravilhoso, educado, querido, gentil, mas ao mesmo tempo, pobre, com baixa
estima, com inúmeras privações sociais, que foram fatais em sua vida, o levando
ao suicídio. Esse fato afetou minha vida – profissional e pessoal – de forma
drástica. Desde aquele momento concretizou-se em minha frente a incapacidade
da escola em transformar a vida de quem quer que seja. Esse aluno, passou o dia
inteiro na escola, pela manhã, em aula, e a tarde, buscando falar com a diretora –
não conseguiu – na madrugada ...aconteceu... e ninguém, viu em seus olhos o
pedido de ajuda que ele tanto estava precisando. Esse fato, que agora
(abril/2008) completa um ano, ainda é vivo em meu coração. Cada vez que entro
naquela sala de aula, lembro-me daqueles olhos, daquele sorriso e daquele ser,
que poderia ter sido tanto, que deveria ter tido tanto, mas que desapareceu
deixando um vazio. Tudo isso, me fez parar e chorar muito, pensar muito, refletir
sobre minha prática inicialmente, mas também sobre o sistema de ensino, no qual
estamos inseridos – público - falido e fracassado, que não educa, e sim, tenta de
todas as formas possíveis, adestrar e não informar. Tudo que havia acontecido,
em minha profissão, não significa nada perto desse episódio, que desejo
veementemente, que nunca mais venha a se repetir. Contudo, não quero
esquecê-lo, quero sim, tê-lo como exemplo de como não se deve proceder diante
dos problemas de meus alunos, por mais distantes de mim que pareçam estar.
270
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes?
Acredito que o fato de ser mulher, somente contribui para minha escolha
profissional. O fato de ser mulher facilita meu relacionamento e faz com que a
proximidade afetiva com meus alunos seja mais intensa em comparação com
colegas do sexo masculino. Penso que o fato de ser mulher me torna mais capaz
e menos desatenta diante de pequenos detalhes que estão presentes em simples
atos e gestos dos alunos. Pode ser que essa percepção seja “feminista” demais,
mas hoje, sinto assim. As responsabilidades familiares referem-se no meu caso,
especificamente no que diz respeito apenas para mim e meu companheiro, pois,
os filhos ainda não vieram... Talvez nunca cheguem... Só o tempo dirá. Assim, ser
mulher me faz pensar que sou privilegiada em todos os sentidos.
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Minha chegada à escola em 2004 foi muito boa, em relação às condições para
poder exercer a profissão. Mas desde o inicio senti a deficiência, em que as
condições sociais implicavam na formação do nosso aluno e percebo que, cada
vez mais implicam negativamente. A zona onde está localizada a escola é muito
carente. A pobreza é grande. Ensinar, trocar, aprender, alfabetizar, informar, são
desejos que muitas vezes são aniquilados diante da fome, da criança que quer
merendar e brincar no recreio somente e sabemos que a escola deve muito mais
que isso. Falar de Arte ou de qualquer outra área do conhecimento com quem é
espancado, abusado sexualmente, que tem em sua casa um ponto de tráfico de
drogas, é algo que beira o desumano. As famílias tem em média 4 filhos. Algumas
famílias possuem quatro filhos na 1ª série, detalhe, que, nenhum mais com idade
adequada. Prova disso é que a escola possui todos os anos, cinco turmas de 1ª
série, lotadas, com média de trinta alunos cada, e sempre, somente uma oitava,
com no máximo quatorze formandos, isso, representa o “funil social” pelo qual
todos passam e infelizmente sabe-se que sociedade resulta disso. É preciso
dizer que mesmo diante de tantas adversidades, tenho experiências dignas de
Prêmio Nobel, não para mim obviamente, mas para “pequenos guerreiros” como
costumo classificar meus alunos. Mesmo diante das dificuldades, ainda se sente a
vontade de aprender, de ensinar, de amar, de viver. As crianças mesmo lutando
contra tudo e todos, ainda assim, nos surpreendem muitas vezes e fazem com
que cada vez mais tenhamos esperança e perspectiva para continuar.
Grau de satisfação com a escola.
Hoje em dia posso dizer que minha satisfação com a escola poderia ser muito
mais positiva. Mas não culpo ninguém e culpo a todos, se isso é possível. Eles
não têm estrutura familiar, não tem acesso a cultura, a saúde, e nem mesmo a
educação que verdadeiramente se deseja e necessitam.
271
Momento profissional.
Atualmente tento dar o melhor de mim. Tento fazer o melhor possível como
professora, ser coerente e ser responsável com meu compromisso com a
educação. Assumindo todas as tarefas e as cumprindo da melhor maneira
possível. Estou sempre atenta a minha “eterna graduação”. Fiz curso de
especialização e vou pleitear este ano o mestrado. Fora isso, procuro sempre
estar participando de eventos que propiciem minha atualização e “reciclagem”.
Cada vez mais minha preocupação com o lado humano das pessoas torna-se
mais latente. Humanizar as relações é algo imprescindível. Perceber meu aluno
como um ser único, diferente, mas que deve ser integrado na coletividade é para
mim essencial. Vejo que mais importante que conteúdos e discussões teóricas
fazem-se necessário valorizar saberes culturais de cada aluno. A cada início de
ano letivo renova-se a esperança, a vitalidade, a força para continuar numa
batalha pelo melhor, pelo que atingirá mais pessoas positivamente. Sou
professora porque quero. Porque brota em meu coração a vontade de contribuir
com a vida de crianças e adolescentes e melhorar o mundo através da docência,
da Arte.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
PROFESSORA: Diva
IDADE: 38 anos
DATA: 15/05/2008
HORA:16 horas
INÍCIO: 15 h TÉRMINO: 16h 30min
Nº DO PROTOCOLO: 04
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº 4
Retrato de Pai Tanguy 1887-1888 – Van Gogh
Collection Niarchos
Bom, escolhi é claro do Van Gogh por adorar a obra deste artista, escolhi também esta obra por
ter imagens ligada a influência japonesa na qual estamos agora vivendo um momento tão ligado a
arte oriental vivenciando as olimpíadas, ideogramas. Essa relação com outras culturas da obra do
artista me fascina.
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade ou anos de docência: Tenho 38 anos e comecei a trabalhar em
1996 um ano após a formatura. Tenho 12 anos de docência.
Curso: Sou formada em Licenciatura Plena em Educação ArtísticaHabilitação em Desenho.
Data de conclusão do curso: 1995
Data de início da docência: março de 1996.
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
273
Nos três primeiros anos comecei a dar aula em duas escolas particulares, com
todos os materiais, livros e recursos. Depois passei na prefeitura e peguei uma
das escolas mais carentes, foi complicado, mas superei.
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola, como transcorreu a escolaridade.
Tudo normal, mas tem uma coisa que me marcou muito, foi em relação a uma
prima que desenhava muito bem, e quando cheguei em casa feliz com um
trabalho de arte para fazer a minha mãe me cortou e disse que minha prima faria
muito melhor, mas superei e me tornei professora de artes
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Escola do município da 1º a 4º série, em escola particular da 5º série até o 3 ano
e o curso superior na UFPel.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Tinha verdadeira loucura por artes e matemática, alguns professores foram
responsáveis outros não
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família)?
As matérias.
2. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Sempre tive vontade de dar aula, tentei na área de engenharia, mas não gostei
muito
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar)?
Foi o apoio de familiares na hora da troca do curso de engenharia que eu estava
detestando no momento para a arte, fiquei quase três anos sem estudar até a
274
decisão, neste tempo trabalhei em uma escola (maternal) e lá descobri a vontade
de trabalhar com arte
Em que grau as expectativas pessoais/ profissionais se
realizaram? Ou se geraram outras novas?
Totalmente realizada não estou ainda, estou sempre em busca de algo novo,
gosto de estar nesta busca, mas pretendo trabalhar não somente em sala de aula,
mas sim em oficinas como no início da minha profissão onde trabalhei no CEFET
em um atelier com mães de alunos bolsistas.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Na UFPel, entrei no vestibular de 1990, sim, adorei as disciplinas do Beto,
Pelegrin e tinha verdadeira dificuldade em Expressão Cênica
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Professores.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Melhores: história da arte, principalmente quando estudei com o beto a arte
barroca e depois fiz uma viagem para Belo Horizonte, daí a fixa caiu, foi realizado
um sonho do estudo com a realidade ao vivo e a cores.Piores: nunca consegui
quebrar a abarreira nas aulas de cênica, adorava a professora (rsrsrsr- era tu)
mas nunca consegui me soltar, mas atrás dos bastidores tive uma realização.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino? Avaliando esse momento, que tipo de formação
acredita ter necessitado (teórica/prática) Como avalia a
formação recebida?
Amei o meu estágio no CEFET, trabalhei com uma turma dez, era aula prática de
Batik. É complicado falar sobre este tema, mas quando a gente sai da faculdade
fica pensando que poderia ter sido bem melhor, deveria ter me dedicado muito
275
mais, e que tem uma grande diferença dentro da faculdade para a realidade
dentro de uma sala de aula.
3. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Sonho de criança realizado.
Como chegou a profissão (concurso).
Cheguei à profissão por seleção em uma escola particular e depois por concurso.
Como avalia essa etapa?
Vou repetir a resposta anterior _ REALIZAÇÃO _ eu acho que não saberia fazer
outra coisa na vida, apesar da desvalorização.
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Comecei em uma escola particular foi tranqüilo, eram apenas duas horas
semanais tinha muito tempo para organizar minhas aulas, tinha um verdadeiro
pânico de esquecer a matéria ou não saber responder dúvidas de alunos, mas
tentava ao máximo estar sempre envolvida e estudando o conteúdo e levando
algo diferente principalmente unindo o desenho geométrico com a arte.Hoje em
dia estou fazendo uma pequena loucura em trabalhar os três turnos quase 70
horas, mas estou levando numa boa.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo? Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
Como falei entrei numa eterna preocupação, e isso levo até hoje, que o professor
tem que ser muito, mas muito mesmo organizado, ter material para mostrar para
os alunos, livros, vídeos, imagens, mas como se vê a escola não têm. Quando
iniciei a coordenadora era minha colega, daí a coisa ficou fácil além da amizade
estávamos caminhando juntas.
276
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares se sentiu mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
Nunca tive problemas em escolas, tanto particular como municipal os meus
alunos são os mesmos, trabalho os mesmos conteúdos, claro que alguns lugares
tenho mais material, mais apoio de computadores, tvs,...Uma das coisas que
adoro muito em trabalhar é com cursos pois ali estão pessoas afim de fazer os
cursos o geralmente em sala de aula temos alunos sem a menor disposição ainda
mais quando se trata de aula de artes que não é dado o valor, na qual eles acham
que não reprova o aluno. Outro aspecto que enfrentei foi quando iniciei a trabalhar
a noite em uma escola em local complicado e difícil (Caíque- como é mais
conhecida), mas acabei gostando é claro que tem pessoas muito difíceis,
problemas que enfrentamos com certos alunos, mas também descobri que é
muito bom trabalhar com adultos e que tem pessoas ótimas, lá e fiz amigos.
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas. curso, experiências).
Foram os que eu já citei na pergunta anterior.
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
A mudança de trabalhar na escola particular e ir para a pública, não conseguia
encarar a situação de pobreza dos alunos, a quantidade de filhos que alguns pais
tinham na escola sem poder sustentar, a falta de carinho entre eles,...
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes?
Sempre tentei realizar um trabalho no momento de aula, levando coisas para
meus alunos conhecerem e ali naquele momento tentar levar um pouco da arte
até eles.
277
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Grau de satisfação com a escola.
Variada, cada uma tem lados positivos e também lados negativos, atualmente
trabalho em (4) quatro escolas.
Momento profissional.
Professora de arte e desenho do pré a 8º série. Fase bastante difícil pela
diversidade de níveis de ensino.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
PROFESSORA: Eduarda
IDADE: 46 anos
DATA: 17/05/2008
HORA: 20 horas
INÍCIO: 20h TÉRMINO: 22h30min
Nº DO PROTOCOLO: 05
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº 5
Morro Vermelho – Lasar Segall -1926
Coleção Particular
Escolhi essa imagem porque me sinto responsável por meus alunos tanto no desenvolvimento
moral, cognitivo como físico. Às vezes sou mãe, psicóloga, babá de pobre porque muitas famílias
vêem a escola como um depósito, lugar onde coloca o filho para descansarem, lamentam as
férias, mandam seus filhos sem material e nós que temos que temos que nos resolver com o que
temos. Eu também trabalho com criança de periferia.
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade ou anos de docência: Tenho 46 anos e 8 anos de docência.
Curso: Sou formada em Licenciatura em Artes com habilitação em
Desenho e Computação Gráfica.
Data de conclusão do curso: 1999
Data de início da docência: 21 de junho de 2000.
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
Independência financeira, separação depois de 20 anos de casada, financiamento
de um apartamento do PAR.
279
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola; como transcorreu a escolaridade.
Minha infância foi intimamente ligada à escola, pois sempre morei em prédios de
escolas, meu pai era professor de zona rural. /minha escolaridade inicial foi
tranqüila, meu pai foi meu professor até a 5ª série.
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Sempre estudei m instituições públicas.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Ao certo não sei se influência é o termo mais correto, pois acho que na minha
trajetória encontrei bons e péssimos colegas e professores, pessoas que me
alegram e outras que me deixam triste ao lembrar. Quando comecei o ensino
médio e a licenciatura eu já estava bem amadurecida e sabia o que queria e ia em
frente. Os obstáculos eu vencia e as coisas ficaram para serem lembradas. Eu
tinha que chegar onde eu queria.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família)?
Para minha carreira tudo influiu. Os conteúdos dados no curso me serviram de
caminho. Os professores serviram para me espelhar no que eu poderia ser e no
que eu não queria ser. Colegas, felizmente, eu encontrei muitos que me apoiaram
de todas as maneiras possíveis, como, por exemplo, a Helenita que me pagava
até o ônibus quando eu não tinha passagem e me emprestava os xerox, que não
eram poucos, para fazer os trabalhos. Meus filhos, quatro guris, e marido, apesar
das dificuldades, sempre me apoiaram e nunca me cobraram o tempo que eu
deixava de passar com eles, nem com o que eu deixava de fazer em casa para
estudar e as despesas, que por pouco que fosse sempre saiam do orçamento da
semana. Meus irmãos e pai achavam que tudo era bobagem, que eu deveria
parar de andar na rua ”perneando” para cuidar dos filhos. Minha sogra, que é bem
mais velha, me apoiava muito, minhas cunhadas também me dando roupas e
calçados.
2. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Pela estabilidade e oferta de trabalho.
280
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar)?
Nível econômico familiar.
Em que grau as expectativas pessoais/profissionais
realizaram? Ou se geraram outras novas?
se
Na verdade me caiu a “ficha” no 6º semestre, aí eu percebi para onde eu estava
trilhando, foi quando eu me conscientizei do peso da profissão que eu tinha
escolhido.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Estudei na UFPel, de 1996 até 1999 – a formatura foi em 2000 – e minha
disciplina preferida era História da Arte, detestava Estética.
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Tanto professores quanto os conteúdos me ajudaram muito, mas o de maior peso
eu acho que foi o conteúdo porque para ser professor não é só ter postura mas
conhecimento acadêmico e também estar atualizado.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Melhor de todas as lembranças foi de um professor da ETFPEL que no dia em
que eu fui fazer uma prova, eu estava muito insegura e ele chegou perto de mim e
falou: “Parabéns, pensei que tu não sabias a matéria, mas agora vi que me
enganei”, foi como uma injeção de segurança, eu fiquei tão feliz que tirei a melhor
nota da turma. Outra vez, esse mesmo professor me deu uma dica de como fazer
uma maquete que eu teria que fazer ou seria reprovada e perderia o ano, sem o
outro professor perceber ele falou: “em forma de sanduíche”, entendi a
mensagem “era por empilhamento”. Meu trabalho foi o melhor, tanto que o
professor ficou com ele para ser mostrado. A pior foi ter ficado em recuperação
junto com a amante do professor, ela era burra como uma porta eu e ela
estávamos com a nota na tangente, então ele me colocou em recuperação para
não ter que fazer a recuperação só com ela. Esse mesmo professor fez com que
eu e outra colega perdêssemos um estágio em uma firma de embalagens. No
final do curso, eu e essa colega fomos fazer uma entrevista e conseguimos o
estágio, quando ele descobriu telefonou para a firma e disse que tinha a indicação
de uma aluna com média maior que a nossa, a firma aceitou e os dispensou.
Fiquei sem estágio lá e na Prefeitura porque antes de eu aceitar o estágio nessa
firma tive que rescindir o contrato que eu tinha como estagiária. Na faculdade
281
encontrei vários professores legais, mas também professores que tem cargo
vitalício e não tem competência para exercê-lo, vivem na utopia, fora do contexto.
Eu gostaria de vê-los dando aula em uma das turmas que eu dou, daria muita
risada e teria pena deles. Professores como o Zeca que não leva em conta o
conhecimento e vivência do aluno; a Luciana Leitão que não respeita o aluno
como pessoa; o Caringi que nunca se achou nos seus conteúdos e avalia o aluno
pela cara, acho que ele nem sabe que para avaliar tem que ter critérios bem
claros; o Beto, que apesar de ser extremamente culto, enrola o aluno com seu
discurso e quase não dá conteúdo, mas tira do fundo do baú folhas amareladas
para cobrar na prova o que ele não deu. Professores como esses me marcaram
negativamente por terem uma prática pedagógica precária, uma porcaria, e ainda
menosprezam a inteligência do aluno.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino? Avaliando esse momento, que tipo de formação
acredita ter necessitado (teórico/prática) Como avalia a
formação recebida?
Acho que os últimos semestres - 6º, 7º e 8º – foram o que mais valeram. Minhas
professoras preferidas eram a Biasoli e a Tânia Porto, gostava tanto que parece
que só tive aula com elas, eu não me lembro de mais ninguém. Tive uma
formação prática muito boa, pois quando me defrontei com o ensino pela primeira
vez me senti segura, pronta. Acho que sempre selecionamos o que nos interessa,
muitas informações me foram dadas, todas muito importantes. Acho que a
maneira que muitas delas foram dadas é que poderia ser melhor. Minha formação
foi muito boa, me preparou para o exercício da minha profissão, o resto é correr
atrás.
3. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Quando terminei a ETFPEL, o curso de Desenho Industrial, eu não consegui
estágio-emprego que pagasse o suficiente para levar meus filhos – na época trêsjuntos, pois estagio bom só fora da nossa cidade, então resolvi fazer uma
faculdade que desse uma continuidade ao curso feito e esse curso seria o de
Artes. Conversei com uma amiga e ela me aconselhou a escolher a licenciatura
porque eu arrumaria emprego.
Como chegou a profissão (concurso).
282
Depois da colação de grau eu prestei concurso para o município – P1 e Educação
Infantil como auxiliar, eu estudei muito e consegui passar nos dois.
Como avalia essa etapa?
Acho que fui bem preparada para exercer a profissão, mas a teoria que devemos
saber para passar em concurso ficou devendo. Espero que isso tenha mudado.
Nunca havia discutido sobre pensadores da educação dentro da faculdade, tive
que me virar, ler, arrumar material emprestado, no ILA –hoje IAD- por exemplo,
não se discute, sabendo que estão formando profissionais que, na sua maioria,
vai para as escolas lidar com crianças e adolescentes.
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Comecei a exercer minha profissão em uma escola perto da minha casa, a escola
em que morei, cresci, estudei até a 5ª séria, escola onde meu pai durante minha
infância e adolescência, era professor e diretos (EMEF Luiz Augusto Assumpção
no Laranjal). Os primeiros meses como professora foram cheio de otimismo,
orgulho de mostrar que tinha chegado onde eu queria, que era capaz, mas
também por outro lado ver que as coisas não seguiam o percurso que se queria,
que não era só chegar e despejar o conteúdo, que além de ter a pretensão de
ensinar teria que estar aprendendo, estudar conteúdo, procurar a melhor maneira
de estar passando isso para o aluno. Minha maior preocupação era demonstrar
domínio do conteúdo para os alunos e de classe para a equipe diretiva, pois afinal
estava em estágio probatório.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo? Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
(iii) Exercício profissional
A minha socialização profissional foi boa, acho e sempre achei que no trabalho as
relações são obrigatoriamente profissionais, devemos ser éticos, se a amizade vir
junto é um grande lucro. No dia em que me apresentei na escola fui entrevistada
pela diretora e pela coordenadora da área dentro de uma minúscula salinha da
coordenação, me explicaram sobre documentos que eu deveria preencher, as
turmas que eu iria trabalhar, os horários, com um tema gerador que não lembro
qual era, só sei que achei chato e não tinha nada a ver com o que eu queria
trabalhar, me mostraram onde era o meu armário e materiais, me apresentaram
as turmas que eu iria trabalhar. As colegas ficaram contentes, pois teriam “folga”,
me deram uma listagem de conteúdos que me baseei para planejamento das
minhas aulas, a coordenadora me esclarecia dúvidas, mas analisei todas as
colegas por um bom tempo e escolhi uma para perguntar detalhes como
283
preencher algumas coisas na folha de chamada, etc. Escolhi bem porque era uma
excelente colega.
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares se sentiu mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
Sempre ocupei cargo de professor em escolas municipais. Sempre me sinto
comprometida e com disposição para o trabalho e também com autonomia. Meu
trabalho é com os alunos e procuro fazê-lo da melhor maneira possível. O
pedagógico é muito importante, se não há uma harmonia com ele nada funciona,
então troca-se de escola.
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas. curso, experiências).
Meu desenvolvimento como docente foi intenso, mas tenho muito que
desenvolver. Fiz curso de capacitação para trabalho com surdos, que no final
transformou-se em um curso de especialização. Este curso dentre todos os que
eu fiz foi o mais significativo, pois me proporcionou perspectivas novas de
trabalho, por exemplo, quando fiz o segundo concurso que passei fui designada
para trabalhar com turmas de inclusão na escola, mas exclusão de surdos na sala
de aula no CMP e também aumentou meu salário com a gratificação e aumento
do percentual de incentivo além da experiência com ma cultura até então nova
para mim.
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Momentos críticos foram nos últimos que fiquei na minha primeira escola, fui
acusada de ser contra a folga das professoras de currículo e de ser desumana
com uma professora que estava quase abortando o filho, tudo porque eu me
recusei atender os alunos dela junto com os da turma que eu deveria atender,
pois essa professora faltava muito e a turma estava perdida, sem limites, então de
2ª a 4ª feira eles dividiam a turma em três grupos para colocar um ouço em cada
turma que tinha as professoras titulares, mas os alunos que mais incomodavam
ficavam na turma da titular de folga, isto é nos dias das especializadas. Na 5ª feira
como era aula com as especializadas a turma toda ficava junto. Resumo, em
todas as turmas que eu atendia os “pestes” (como eram chamados) estavam.
Explodi, entrei em depressão, só chorava, não comia nem dormia, depois que
foram perceber que eu estava com razão porque a secretária me defendeu,
fizeram antes disso uma reunião com toda a escola, colocaram o problema, me
senti um leão enjaulado, naquele momento decidi pelo remanejo, tentaram me
284
convencer em ficar, mas não aceitei. Perdi a confiança, consegui ser remanejada
para a escola que escolhi e estou lá até hoje. Acho que não houve
descontinuidade no meu trabalho. A experiência me ensinou que devo me
respaldar com documentos escritos quando trabalho com “aborrecentes”
principalmente à noite. Acho que nem o MEC respeita o docente e fico triste de
saber que Instituição como essa cria “leis” que acabam desvalorizando o meu
trabalho e eu não posso fazer nada. Às vezes ma sinto uma palhaça organizando
trabalhos, conteúdos, critérios de avaliação para fazer de conta.
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes?
Acho que o fato de ser mulher até beneficia no exercício da minha profissão.
Meus filhos reclamam que quase não fico com eles, mas sou eu que faço tudo
para eles, levo na escola, cuido para estudar, se tem tema, se tem que tomar
banho, lavar orelha, cortar unha, se a roupa está limpa, se tem merenda, se tem
material, às vezes escapa alguma coisa. Haja responsabilidade!
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Grau de satisfação com a escola.
A chegada na atual escola (Nabuco) foi normal, é uma escola pequena , tenho
todo o material didático que peço, tenho autonomia no meu trabalho, me relaciono
bem com os colegas e equipe diretiva, só não gosto das fofocas que são
freqüentes. Eu também pertenço a um projeto de banda musical do qual sou
integrante. Sou muito elogiada pelo trabalho que faço na sala de aula. A chegada
no Pelotense foi normal, mas é outro ambiente, muito mais elitizado. Sou meio
“Xepa”, no início senti que era avaliada pela aparência, mas depois que muitos
descobriram que eu trabalhava com surdos, lugar que muitos gostariam de estar,
começaram a me respeitar. Minha relação com os colegas é boa. Nas duas
escolas o me grau de satisfação é bom, faço o que me cabe.
Momento profissional.
Acho este momento bom, tenho bastante oferta de trabalho, costumo dizer que se
tivesse turno das horas às 6 horas da manhã também trabalharia. Costumo me
impor como professora de artes (Educação Artística como dizem), tenho que ser
vigilante no meu discurso tanto com os alunos como com os colegas. Nas escolas
de séries iniciais, por incrível que parece as professoras titulares acham que as
especializadas são para “dar folga”. Acham também que tenho que trabalhar as
datas comemorativas, enfeitar a escola, mas não faço nada disso. No Nabuco
uma professora falou ”brincando” que eu era uma incompetente porque não fazia
isso, respondi a ela que tina feito um curso universitário regular, que não tinha
285
feito meu curso superior “nas coxas” como muitas que fizeram pedagogia porque
o governo tinha oferecido, e ainda cursos especialização paga com trabalhos de
conclusão encomendados, também falei que não tinha tirado curso de decoração
de ambientes, se tivesse estaria animando festas de aniversário e talvez
ganhando mais do que professora. Procuro estar atualizada no interesse dos
alunos, estudar e rever a minha prática. Estou começando a registrar sobre minha
prática e resultados, isso antes eu não fazia, mas como as pessoas me
incentivam, dizem que meu trabalho é bom, se não registro meu trabalho se perde
no tempo. Gostaria de publicar coisas que fiz e deu certo. Às vezes leio em
artigos sobre trabalhos que já fiz e não me dei conta que era bom, aí pensei, mas
isso eu faço, e na publicação está como uma grande novidade. Estou numa fase
que quero que um nome cresça e apareça por pura vaidade e reconhecimento do
meu trabalho, é o ditado. “Se eu não gavo...”. Acho muito coerente este momento.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
PROFESSOR: Paulo
IDADE: 43 anos
DATA: 11/08/2008
HORA: 14 horas
INÍCIO: 14 h TÉRMINO: 16h30min
Nº DO PROTOCOLO: 06
IMAGEM VIAJANTE DO PROFESSOR Nº 6
Detalhe da obra Nascimento de Vênus - Sandro Botticelli – 1483
Galeria degli Uffizi, Florença
Alguém certa vez disse: “que a melhor parte da viagem acontece justamente quando pomos
de lado os mapas” e nos deixamos ir ao sabor das sensações, para tanto a minha viagem por
estes questionamentos terá como ponto fixo apenas o local da partida, uma imagem, com
múltiplos significados e infindas interpretações. Na verdade não se trata de uma imagem, mas de
um detalhe muito peculiar de uma famosa obra de um dos grandes mestres da renascença.
Resolvi escolher o rosto da personagem tema da obra “O Nascimento de Vênus” de Botticceli
mesmo antes de ter posto meus olhos sobre a entrevistadora, na verdade acho que ela me
escolheu. Em uma de muitas das minhas andanças virtuais pela rede de computadores a procura
de imagens significativas da historia da arte, deparei-me com aqueles olhos. Olhos que me
fizeram viajar mais além, em busca talvez de mim mesmo, ou quem sabe o que mais.
A partir daquele momento o pano de fundo da área de trabalho do meu computador havia se
transformado numa ponte, numa janela, onde ela, a Venus, me levava ao encontro de vários
pensamentos, tais como, beleza, arte, educação e renascimento.
Uma imagem, um rosto, um olhar secular, que apesar de toda a sua beleza e significação traz
consigo séculos de história desgastada em seus pequenos craquelados, marcas que o tempo foi
talhando, modificando-a em sua forma, tornando-a um pálido reflexo daquilo que os olhos do
mestre haviam concebido. Terão os anos alterado também a sua essência?
287
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade e anos de docência: 30 anos de vida e estou no meu
quinto anos de docência.
Nome do Curso: Licenciatura em Artes - Habilitação em
Desenho e Computação Gráfica – IAD/UFPel.
Ano da formatura: 2002.
Data de início da docência: 14 de fevereiro de 2004.
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
Deixar para trás boa parte dos “pedagogismos” da academia para poder
sobreviver ao mundo real sem ser esmagado por ele.
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola. Como transcorreu a escolaridade?
Nunca fui à maioria, sempre tive um gosto diferente pelas coisas, era o
único garoto da sala que preferia a biblioteca ou as aulas de artes ao futebol,
gostava de brincar de imaginar mundos alternativos onde poderia ser qualquer
coisa ou qualquer um e adorava escutar música, muita música, como é até hoje.
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Cursei o ensino fundamental em escola publica estadual, iniciei o ensino
médio em uma escola publica federal e o conclui numa escola municipal, também
publica. Completei meus estudos fazendo a licenciatura em uma universidade
federal.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Tenho pouquíssimas lembranças do período relativo à minha educação
básica, o pouco que consigo recordar é o sentimento de estar sendo obrigado a
fazer algo de que eu não gostava nenhum pouco, mas todos diziam que era para
o meu bem e que eu tinha de fazer quilo. Esse sentimento de obrigação só foi se
dissipar na faculdade, onde encontrei pessoas com os mesmo interesses, onde
se podia falar, debater, aprender e até mesmo questionar, discutir, discordar
sobre artistas, visionários e acima de tudo – apaixonados.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família).
O ambiente como um todo, na verdade os ambientes, pois minha trajetória
pela faculdade de artes começou na antiga Escola de Belas Artes, um prédio do
século XIX, com escadarias de mármore e vitrais de tirar o fôlego, onde nos dois
primeiros anos da licenciatura podíamos conviver com “os fantasmas do passado”
e suas glórias. Já os dois últimos anos tiveram como palco o novo Instituto de
288
Letras e Artes, hoje IAD, um prédio de arquitetura contemporânea, teto
abobadado feito de fibras tecnológicas que mais parecia um Shopping Center.
Posso dizer que com toda a segurança que o que mais me marcou nessa
caminhada por entre mundos, foram as pessoas que trilharam verdadeiramente o
caminho e não aqueles que acreditando possuir bagagem suficiente para encher
seus passaportes somente fingiram caminhar.
3. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Na verdade, minha paixão sempre foi a arte, em suas muitas áreas de
expressão, musica, poesia, cinema, pintura, entre tantas outras; logo fazer um
curso ligado a essa área foi a única escolha, apesar de a licenciatura ser um
campo desconhecido até então.
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar).
O desejo de aprender as muitas formas de expressão artísticas, pintura,
gravura, cerâmica, etc. e a possibilidade de poder aprende a lidar com os diversos
materiais envolvidos em seus processos de criação.
Em que grau as expectativas pessoais/profissionais
realizaram? Ou se geraram outras novas?
se
Minhas expectativas profissionais nesse momento se voltam em duas
direções, uma primeira trabalhar noções de patrimônio e memória cultural no
recém inaugurado laboratório de informática da escola onde trabalho, e uma
segunda é a possibilidade de entrar no curso de mestrado em Memória e
Patrimônio fornecido pela Universidade Federal de Pelotas.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou, houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Minha faculdade durou exatos quatro anos cursados na integra no Instituto
de Letras e Artes da UFPel, onde dentre muitas disciplinas cursadas destacaram
as que eram relacionadas ao “pensar sobre arte” como Estética, Projeto em Artes
I e II.
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Sem duvida nenhuma, o que mais me auxiliou na trajetória profissional foi
exemplo de alguns professores que ao invés de ficarem repetindo o velho
289
discurso empoeirado da academia, nos davam noções de como era o mundo real,
em se tratando do ensino da arte e da educação em geral vigente no país, nos
preparando para as dificuldades que inevitavelmente enfrentaríamos.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
As maiores lembranças que tenho dos meus estudos são da oportunidade
que tive de poder observar as diversas maneiras de se dar uma aula. Lembro-me
dos professores pretensiosos, que não sabiam absolutamente nada sobre o que
sua disciplina tratava; aqueles que sabiam muito, mas guardavam o
conhecimento apenas para si com medo de que algum aluno roubasse o seu
intocado lugar ao sol glorioso que brilha sobre o panteão das artes e,
principalmente, aqueles que eram tidos como loucos, pois sabiam, pouco ou
muito, mas tinham o dom de compartilhar e que me deixaram uma valiosa lição:
compartilhar conhecimento é construir saber.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino?
Meu período de estágios supervisionados foi o momento em que realmente
pude colocar em pratica muitos dos conceitos vistos em sala de aula e onde pude
constatar também que os ensinamentos mais validos vieram de alguns
professores do nosso Instituto de Artes que aparentemente sabiam muito mais
sobre realidade e educação do que os “mestres” da faculdade de educação que
passaram semestres a fio delirando sobre um mundo hipotético do qual pouco ou
nada sabiam, pois o viam através dos olhos de outros autores e não com os seus
próprios. Exemplo lamentável!
Avaliando esse momento, que tipo de formação acredita ter
necessitado (teórica, prática) Como avalia a formação
recebida?
Acredito que todos os erros ou deslizes cometidos no inicio da minha decência
poderiam ter sido em grande parte evitada, se tivesse tido uma preparação
melhor no sentido de discussões a respeito do universo que cerca a escola, como
comunidade, família, cultura local, ética...
4. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Como chegou a profissão (concurso).
Como avalia essa etapa.
290
Pouquíssimo tempo depois da conclusão do curso e da formatura, surgiu à
possibilidade de fazer um concurso para o município em que quase todos da
nossa turma se lançaram. Inscrição, provas, aprovação, exames médicos, físicos
e mentais e aproximadamente com seis meses de formado eu era professor da
rede municipal de ensino. Para minha surpresa, nessa fase em que imaginei que
iria ensinar, foi onde mais aprendi.
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Meu ingresso no município se deu em fevereiro, ou seja, já entrei comecei
em férias, com a escola funcionando parcialmente, onde recebi a ordem da
diretoria para me apresentar somente no inicio das aulas. Em março quando tudo
começou me dei conta realmente que estava em uma escola publica, de ensino
fundamental incompleto, ate a quinta série situada do outro lado do muro invisível
aos olhos, mas que separa a periferia dos bancos da academia.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo. Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
Estar em uma escola é antes de qualquer coisa um exercício de
diplomacia: um universo de situações e realidade conflitantes que se entrelaçam e
caminham lado a lado.
Relações:
Professor x aluno
Como se portar em sala de aula, o nível de absorção intelectual relativo a
cada idade, o tipo de linguagem a ser usada segundo a idade, classe social e
cultural de cada grupo.
Professor x pai de aluno
O que o pai espera da disciplina, do professor e do próprio filho. Como
esse pai vê seu filho e como ele realmente é na escola, seu comportamento e
suas capacidades. Pais ausentes, filhos problemáticos; pais super protetores que
projetam uma serie de frustrações nos pequenos e pais que acham que o filho
sempre esta sendo injustiçado, por não tirar sempre dez, afinal, é somente artes!
Professor x colega de profissão
Nunca sabemos ao certo com que estamos lidando. Existem os bons
colegas, que são competentes naquilo que fazem e sabem reconhecer a
291
competência nos outros. Existem aqueles que são competentes e não conseguem
ver isso em mais ninguém, bem como há aquele tipo de professor que em minha
opinião é o pior, o incompetente, que não realiza nada, critica a o trabalho de
todos e ainda usa o seu tempo ocioso pra servir de leva e traz dentro da escola
minando todas as relações.
Professor x funcionário
Alguns funcionários são excelentes, verdadeiros companheiros, auxiliares
valiosos no processo de construção da escola como um todo, mas também existe
o funcionário que não pretende fazer nada alem daquilo que ele mesmo imagina
ser atributo de sua profissão e mais acredita que o professor por ter um salário
mais alto esta lá somente para fazê-lo de seu empregado.
Professor x direção da escola
Direção da escola, cargo temporário, muitas vezes pode ser confundida
com poder e quando isso acontece é preciso saber equilibrar os quocientes de
uma delicada equação. Ate onde se pode ir, o que se pode dizer, como e onde e
principalmente, para quem dizer.
Escola x comunidade
A escola tem o dever de ser um fator de transformação na comunidade,
gerando uma transformação para melhor nas formas de pensar, agir e viver
utilizando da educação como veiculo desse processo. O problema se encontra
quando a comunidade tem um conjunto de valores extremamente distintos dos da
escola e tenta reverter o processo transformando negativamente a escola para
atender os seus interesses.
Escola x academia
Professores da rede de ensino geralmente não são vistos como colegas
pelos professores da academia, me parece que não se recordam que um dia já
sentaram nos mesmo bancos e partilharam das mesmas idéias. A impressão que
se tem é de que os acadêmicos se cercaram tanto por de trás dos conceitos e
teorias, que hoje em dia não conseguem mais dialogar com o professor que esta
lá na periferia vivenciando a realidade do dia a dia
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares se sentiu mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
Nesses cinco anos de já passei por quatro escolas, a primeira onde sou
lotado é uma instituição de periferia, voltada para a comunidade, mas com os pés
fincados no chão, atende as necessidades do seu publico alvo, mas não deixa de
enxergar os profissionais que lá trabalham como seres humanos que possuem
uma vida particular que vai bem mais alem dos muros da escola e não tenta fazer
da educação uma utopia meramente ilusória e sem resultados práticos.
292
A segunda onde comecei a fazer meu primeiro desdobramento de carga
horária também era uma escola situada na periferia, mas com um diferencial, uma
população carente, mas com ascendência étnica forte, na sua maioria de origem
alemã, fato que contribuía para uma visão de escola transformadora e formadora
de indivíduos.
O meu segundo desdobramento se deu em uma escola rural onde a
comunidade era mais forte que a direção da escola e apesar de serem também
de origem alemã, nesse caso a comunidade via a escola como o quintal de casa,
um lugar para atender suas necessidades e uma inesgotável fonte de
oportunidades.
Finalmente no meu terceiro desdobramento consegui fincar banco e me
estabelecer. Trata se de uma escola situada em um balneário da cidade, um local
violento, onde a comunidade vive em total desagrega mento familiar, e a própria
família não vê a escola como um local de aprendizado e modificação, mas sim um
deposito onde atiram as crianças para poderem ter algum tempo livre para fazer
seja lá o que for, mas surpreendentemente foi o local onde fiz amigos.
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas curso, experiências)
Posso afirmar que aquele recém formado que pretendia se utilizar da arte
como uma forma de transformar, criar e aprimorar já não existe mais, após seis
anos me transformei em um profissional ciente de meu dever como educador,
mas também ciente de que somente a minha vontade não é capaz de auxiliar um
indivíduo a crescer e caminhar com as próprias pernas, ele tem que antes de tudo
desejar caminhar, meu papel é mostrar a estrada e caminhar com ele, nunca por
ele. Também não tenho mais a pretensão de caminhar com todos, o caminho
pode ser de todos, mas não é assim que as coisas são e não é assim que todos
pensam. Para mim o importante é acender a chama em alguns e que esses
alguns possam sentir o mesmo desejo que eu senti, o desejo de ir além, de ver,
de conhecer mais e de perceber que as fronteiras do mundo podem ir muito mais
longe do que a cerca do quintal.
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes?
Ser professor é também atender expectativas, sonhos e fantasias, tanto de
alunos, como de pais e colegas de trabalho. O fato de ser homem me diferenciava
do conceito de “tia” pseudo projeção da imagem da mãe, ser jovem, me colocava
em uma posição de irmão mais velho o que sempre dava margem a um não
reconhecimento da figura do professor e principalmente o fato de ser gay e no me
parecer nenhum pouco com o estereotipo de uma criatura cheia de afetações e
que deveria em tese se vestir de mulher foram três barreiras em uma que tive de
293
aprender a conviver para mais tarde transpor. Hoje sou o professor de artes em
qualquer uma das escolas e sou respeitado como tal, não importando o que mais
eu sou ou deixo de ser.
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
Grau de satisfação com a escola.
Momento profissional (como professor, como professor de Arte
e a situação desse ensino)
Acredito já ter respondido de forma satisfatória essa unidade toda no
transcorrer do meu relato. Continuo lotado na mesma escola onde comecei e
estou fazendo desdobramento de carga horária em uma escola de um dos
balneários da cidade há três anos local este onde me encontro realizado pelas
amizades que fiz e pelos ensinamentos que obtive dos mais experientes que me
tornaram um educador visivelmente melhor do que aquele visionário de cinco
anos atrás.
PROTOCOLO DE REGISTRO DE ENTREVISTA
PROFRSSORA: Jenice
IDADE: 51 anos
DATA: 13/08/2008
HORA: 14 horas
INÍCIO: 14h30min TÉRMINO: 16 h
Nº DO PROTOCOLO: 07
IMAGEM VIAJANTE DA PROFESSORA Nº 7
Mona Lisa Leonardo da Vinci, 1503-1507
Museu do Louvre - Paris
Solitária, observando o mundo, mas com um entendimento mais profundo de tudo isso... por isso
o meio sorriso.
1. Esboço biográfico geral: dados relevantes na história de vida
Idade e anos de docência: 51 anos e 21 anos de docência.
Nome do Curso: Licenciatura Plena em Educação ArtísticaHabilitação em Artes Plásticas
Ano da formatura: 1985
Data de início da docência: 1986
Algumas mudanças radicais ao longo da carreira:
295
Sim. Em dezembro de 1992 pedi demissão e fui morar em outro país, na
Espanha, onde fiquei dois anos.
2. Primeira etapa biográfica: ensino básico e de licenciatura
Experiência na infância: algumas lembranças significativas da
escola. Como transcorreu a escolaridade?
Sim, só lembro que tocava acordeon nas festas juninas para o grupo dançar e de
apresentações cantando com um colega. Lembro de um grito de uma professora
comigo. Não lembro mais nada, só a partir da 5ª série primária.
Em que tipo de instituição estudou a educação básica e a
licenciatura?
Sempre estudei em instituições públicas. O segundo grau fiz na ETFPEL.
Influências de professores e colegas na educação básica e na
licenciatura.
Nenhuma.
O que acha que mais influiu dessa etapa de sua carreira?
(matérias, professores, colegas, família).
Gostar de artes em geral.
3. Segunda etapa biográfica: opção de estudos e anos de carreira
(i) Opção de estudos
Porque decidiu seguir essa carreira?
Não escolhi foi por conseqüência. Eu queria entrar na Arquitetura, mas entrei na
licenciatura, foi mais fácil, depois ia pedir reopção, mas não pude, acho que não
foi permitido. Fui gostando do curso e fiquei.
Que fatores foram mais determinantes? (instituição de ensino,
família, professores, amigos, nível econômico familiar).
Gostava de algumas matérias e de outras não, fiz todo o curso sem influência de
família ou outras, foi por opção, minha a família sempre me deixou escolher o que
296
eu quisesse. Lembro que não sabia o que queria fazer no futuro, mas sabia que
não queria ser professora, não gostava de escolas e continuo não gostando
dessa “entidade”
Em que grau as expectativas pessoais/profissionais
realizaram? Ou se geraram outras novas?
se
Mas no estágio percebi que foi tranqüilo, resolvi trabalhar então. Após formada
me descobri criativa, com idéias criando todos os meus trabalhos, gostando do
contato com os alunos, mas muito decepcionada com a “entidade”. Acho que a
variação da rotina me agradou, cada dia é diferente.
(ii) Anos de estudo na universidade
Onde estudou, anos que estudou , houve algum professor ou
matéria mais influente ou preferida?
Estudei durante cinco anos no Instituto de Letras e Artes da UFPel, As disciplinas
de Música com a Ceci Hirch e a Ane, História da Arte com a Maria Luiza, de
Desenho gostava de todas.
O que mais ajudou em seu exercício profissional posterior:
matérias ou professores?
Na prática profissional tive dificuldade nos primeiros anos com a realidade onde
eu fui trabalhar (escolas municipais) eram bem diferentes em recursos materiais
umas das outras. O que mais me ajudou foi a minha facilidade de entender e
gostar de Música, Desenho. História da arte, Teatro. Assim eu pude trabalhar
conforme a realidade que tenho, sou uma professora polivalente, que tantos
condenam, mas eu gosto, sou interdisciplinar.
Quais as lembranças (melhores ou piores) que tens de seus
estudos?
Odiava as aulas de História no ginásio. Odiava ter que jogar handebol na Escola
Técnica no 2º grau. Odiava gincanas nas festas juninas. As lembranças boas
foram algumas amizades, alguns professores. A Professora Eni Zambrano no 2º
grau.
(iii) Formação prática de ensino
Quais as lembranças que tens da formação prática? Que
aspectos mais ajudaram quando se defrontou pela primeira vez
com o ensino?
297
Eu sempre segui construindo meu conhecimento. Sou uma pesquisadora, estou
sempre aprendendo e buscando novos conhecimentos. Acho que isso deve ser
incentivado na formação do professor. Deve ter a base, mas o professor não pode
parar, deve acompanhar a evolução e entender que as gerações se modificam e
aceitá-las.
Avaliando esse momento, que tipo de formação acredita ter
necessitado (teórica, prática) Como avalia a formação
recebida?
Na época, questionei a interação que os professores pediam na didática, pois
então isso deveria existir também durante toda a formação por parte dos
professores
4. Acesso ao ensino e exercício profissional
(i) Acesso à profissão
Razões pela opção pela docência e influências.
Não sei ao certo, fui indo.
Como chegou a profissão (concurso).
Contrato depois, muito mais tarde, por concurso.
Como avalia essa etapa.
Difícil, muito difícil.
(ii) Primeiros anos de docência
Onde começou a exercê-la? Descrever o significado dos
primeiros meses como professor. Comentar as impressões,
aprendizagem e mudanças durante esse período. Explicitar as
principais preocupações profissionais durante esse período.
Numa escola do município – no Sítio Floresta. Fase de experimentação,
descobertas e aprendizagem. Descobri que eu podia criar aulas, ia refazendo
após, vendo o que tinha que modificar.
Socialização profissional. Como planejou as primeiras aulas, de
quem recebeu apoio, como foi aprendendo. Preocupações
principais: disciplina, gestão de classe, programa da disciplina,
relacionamento com colegas, alunos e pais.
298
Tive problemas dos alunos. Me diziam na escola - “ a entidade” - que eu tinha que
ter “pulso de classe” (Que raiva!), como lidar com a emoção, com os alunos
punidos ao mesmo tempo (Que difícil!)
(iii) Exercício profissional
Cargos ocupados no exercício profissional; lugares,
instituições, mudanças. Em que lugares se sentiu mais à
vontade, comprometido e com disposição para trabalhar? Por
quê? Em que lugares foi pior?
Sempre fui professora, por um ano no Morro Redondo no município; por 2 anos
numa escola do estadual em Pelotas; um ano no município de Florianópolis em
Santa Catarina e 5 anos em Porto Alegre, onde fiz concurso e fui funcionária da
Prefeitura e da Fundação Rubem Berta (Quase pirei!).
Na verdade é muito cansativo e desgastante ser professora de Artes. Cada vez
está pior.
Porto Alegre foi importante conhecer os projetos que a cidade oferece para as
escolas, coisa que não acontece em Pelotas.
Desenvolvimento como docente; fatores e marcos a destacar
(colegas curso, experiências)
Eu caminhei sozinha.
Momentos
críticos
vividos
na
carreira
profissional.
Descontinuidade na carreira profissional. Acontecimentos da
vida profissional ou familiar que influíram no seu ensino ou no
transcorrer da sua carreira.
Tive várias crises, de não ter vontade de ir dar aula, mas saí sozinha disso.
De 1992 a 94 não exerci a profissão, morei na Espanha.
Gênero: Como o fato de ser mulher/homem afetou a sua carreira
e o exercício da docência: filhos, responsabilidades familiares
ou de outro tipo, casos concretos e mais relevantes (ou como
vês esta situação na escola e na docência)
Optei por não ter filhos, não vivi o tradicional que toda a mulher vive. A opção foi
casual e penso que seria mais feliz em outra profissão. Não gosto de escolas,
mas estou lá, talvez para transgredir
(iv) Instituição de ensino atual
Chegada à escola atual. História pessoal vivida na escola.
299
Vim permutada para duas escolas: uma de ensino fundamental e a outra foi um
desafio, pois é um Curso de Magistério para formação de professores para a
Educação Infantil lá no Colégio Pelotense. Tive que estudar, aprender muitas
coisas, pois nunca havia me dedicado a essa faixa etária, tive que construir meus
conteúdos e definir como trabalhar.
Grau de satisfação com a escola.
É a experiência mais “legal” de todas. Mas é um grupo coeso, onde trabalhamos
juntas com o mesmo propósito e objetivos. O curso é um projeto, para alunos que
já concluíram o 2º grau. Tive momentos de insegurança, mas agora estou bem,
todos se ajudam e temos a liberdade de ir e vir, uma escola boa de trabalhar.
Momento profissional (como professor, como professor de Arte
e a situação desse ensino)
Meu momento profissional é o melhor da minha trajetória, mas também uma
época difícil, eu percebo que a escola está muito defasada, está atrasada no
tempo. Não acompanhou a evolução, temos uma escola que prepara o individuo
para o vestibular e não para a vida. Os alunos não querem aprender, vão para a
escola para socializar, namorar e jogar futebol. Trabalhar arte é quase impossível.
Download