universidade do estado do rio de janeiro

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - IFCH
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
A CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA DE SCHOPENHAUER PARA O MODELO
EDUCACIONAL
ISAAC DOMINGOS DA SILVA
TRABALHO ORIENTADO POR
PROFESSORA DIRCE SOLIS
Rio de Janeiro, 2011
INTRODUÇÃO
Puxe assunto, no ônibus, em festas, ou em qualquer lugar, sobre o
comportamento das pessoas e, pelo menos aqui no Brasil o mote é sempre o
mesmo: Esse povo precisa de educação...
Também a mídia, quando quer dar ênfase a qualquer desvio de conduta
não hesita: O que falta no Brasil é educação...
Catástrofes, epidemias... lá vêm os governantes: O problema do Brasil é
educação...
Então, todo mundo concorda que a solução para todos os males é
investir em educação. Mas o que é educação?
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Poderia ser a busca da plenitude do conhecimento da verdade? - Aliás,
um dos imperativos mais intrigantes é: “Conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará.” -; a construção de um código de ética, como propõe Aristóteles;
o cumprimento de um contrato como propõem os contratualistas; a aceitação
tácita de uma teoria da justiça como propõe Rawls.
A resposta não a tenho, mas estou convencido de que educação tem de
ser algo que promova a felicidade, pois esta é a busca permanente do homem.
Nesse sentido educação não é privilégio, educação é um estado de espírito
que dever nortear as atitudes sociais do homem.
Vista a educação como um conjunto de normas e comportamentos que
deve nortear as ações dos indivíduos em busca da boa convivência social.
Neste sentido não se pode definir a quem cabe o papel de educador e sim que
papel dever exercer cada educador.
No âmbito da filosofia, muitos foram os filósofos que deram suas
contribuições.
É precípuo escopo deste trabalho analisar o pensamento de
Schopenhauer e sua visão a respeito do papel do professor de filosofia na
construção de uma educação sem atrelamento ao Estado.
Como inspiração primeira tomei como tarefa neste trabalho dealbar a
visão de vanguarda de um filósofo inconformado com os procedimentos
inadequados à utilização do ensino de filosofia nas Universidades, a serviço do
Estado e que sem meias palavras denuncia professores que capitulam sem
constrangimento a esse atrelamento. O ponto de partida são os Discursos
sobre o Ensino da Filosofia. Neste trabalho Schopenhauer faz uma radiografia
nua e crua de um sistema de ensino colimado para satisfazer os interesses de
Chefes de Estado, não raramente déspotas ou comprometidos com a Igreja
Católica. Não obstante, como direi adiante, a crítica ter alvo determinado, quiçá
até de caráter pessoal é uma inestimável contribuição ao processo educacional
da época e que transborda para os dias atuais.
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Certamente não causará qualquer espécie um filósofo ocupar-se do
ensino da filosofia, tampouco se ocupar do tema educação. Desde que a razão
deu aos gregos a primazia da reflexão o exercício de educar tem sido a
principal ocupação dos filósofos. Em Protágoras de Platão é possível perceber
que a arte de ensinar é uma virtude que cabe a quem detém a teknê, esse
recurso se esgota no momento em que a Aretê a ser ensinada não depende
tão somente do educador mas acima de tudo do educando. É talvez por isso
que tenha prosperado na Grécia a figura dos sofistas, que prometiam ensinar a
Aretê da arte política.
Retiremos
qualquer
hipótese
de
que
a
educação
possa
ser
adestramento, o que justificaria o homem dar-se ao trabalho de buscar
conhecimento? Schopenhauer certamente tem a resposta – a representação e
a vontade - esse binômio é inseparável para a educação. Não haveria
educação se o homem não fosse dotado de vontade, e o mundo da
representação não poderia se manifestar.
No primeiro capítulo procurarei demonstrar a essencial contribuição da
filosofia de
Schopenhauer no processo da educação. Adiante no segundo
capítulo demonstrarei que o sistema educacional que Schopenhauer tanto
criticara é que ainda prevalece em nosso dias e por fim, sem qualquer
pretensão de colocar a derradeira pá de cal no assunto, defenderei uma visão
crítica dos rumos da educação do Brasil, a partir do pensamento de
Schopenhauer.
CAPÍTULO I
Por que a crítica de Schopenhauer é construtiva, não obstante a sua
causticidade
“No livro “Sobre a Filosofia Universitária”, Artur Schopenhauer, filósofo
alemão do século XIX não mede palavras ao discutir sobre o ensino da filosofia
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dentro das universidades alemãs. Schopenhauer arrasa tudo e com todos.
Atacando o Estado, a religião, a instituição de ensino, os professores, os
filósofos e o ensino da filosofia de sua época, Schopenhauer grita aos quatros
cantos da Alemanha que a filosofia precisa proclamar sua independência.
De dentro do sistema universitário, ou seja, de dentro do sistema estatal,
visto que, a universidade está totalmente comprometida com o Estado,
Schopenhauer como um vírus parte para cima dos professores de filosofia e
dos filósofos atacando-os ferozmente e condenando-os por suas práticas. Para
Schopenhaeur os professores de filosofia estão muito longe da criação
filosófica e ao contrário de permitir a realização filosófica, esses servidores
acabam por impedir o movimento da filosofia e do pensamento.
Para
Schopenhauer,
o
ensino
da
filosofia
não
deve
estar
comprometido com o Estado. E nem este deve controlar o ensino da filosofia,
ditando o que deve ou não ser ensinado.
Com relação ao papel da filosofia, deve esta, estar preocupada com a
busca da verdade e da criação. Para Schopenhauer a filosofia deve ter a tarefa
realizadora de libertar os homens da ignorância e do dogmatismo. Assim, ela
estando comprometida com o Estado ou até com a religião, acaba por fazer o
papel contrário do que seria sua verdadeira função.
O ensino da filosofia deveria ter como compromisso o aprendizado da
historia da filosofia e dos filósofos e assim, despertar o estudante para um
mundo em que ele possa se sentir livre para criar e pensar. No entanto, o que
Schopenhaeur percebe é que em sua época os professores de filosofia se
tornaram funcionários de Estado, homens burocratas que impedem o
pensamento e os filósofos de sua época filósofos mercenários.
Esse livro nos leva a refletir a nossa atualidade e nos remete as salas
de aula na universidade e no Ensino Médio nos forçando a levantar algumas
questões: Como ensinar filosofia? Para que ensinar filosofia? Qual deve ser o
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papel do professor de filosofia? Como é ensinada a filosofia para os futuros
professores de filosofia”
A visão de Arthur Schopenhauer a respeito dos princípios que devem
nortear o ensino da filosofia encontra-se em “Sobre a Filosofia Universitária”,
que destacarei alguns trechos:
“O Ensino da Filosofia nas Universidades é para ela certamente
proveitoso sob vários aspectos. Alcança, com isso, uma existência pública e
seu estandarte é hasteado diante dos olhos dos homens, o que sempre faz
recordar e notar sua presença. Mas a principal vantagem será a de que
alguma cabeça jovem e capaz com ela se familiarize e desperte para o seu
estudo. Entretanto, tem-se de admitir que aquele que tem aptidão para ela, e
por isso sente sua falta, poderia muito bem encontrar e travar conhecimento
com ela por outras vias. Coisas que se amam e que nasceram umas para as
outras se relacionam facilmente: as almas afins já de longe se saúdam. Pois
qualquer livro de um filósofo autêntico que caia nas mãos de tal pessoa será
para ele um estímulo mais forte e eficaz que a conferência de um filósofo de
cátedra, tal como se apresenta hoje em dia.” (SCHOPENHAUER, Arthur –
Sobre a Filosofia Universitária – p. 33).
A primeira observação a ser feita é que Schopenhauer separa
claramente o ofício de professor exercido por filósofo e o filósofo em si.
Antecipamos, tratar-se de crítica aos filósofos, ávidos por fama, que se
submetem aos desígnios do Estado.
Está claro que Schopenhauer não desaprova o ensino da filosofia
como disciplina, mas separa claramente em dois momentos: Num primeiro
momento este ensino servirá apenas para educar, contribuir para a formação
da cidadania e um outro momento que ele destaca com ênfase é o de que é
possível alavancar uma cabeça jovem dotada de afinidade para produzir
filosofia. A isto ele dá o principal crédito e valor.
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Schopenhauer
logo no início do texto conclui que o ensino da
filosofia, quando a serviço do governo se descaracteriza enquanto livre
investigação da verdade.
Assim justifica: “É que, antes de mais nada, um governo não pagará pessoas
para que contradigam direta, ou mesmo indiretamente, aquilo que faz apregoar
em todos os púlpitos por milhares de sacerdotes ou professores de religião por
ele empregados.” (ibidem – p. 34)
Curioso é notar que Schopenhauer não condena as outras disciplinas
ao atrelamento do estado, posto que as ver como algo determinado que ocorre
naturalmente de acordo com a capacidade de cada mestre. Todavia, dizia ele,
no ensino da filosofia a questão deve ser entendida cum grano salis (com
uma pitada de sal).
Isto significa dizer que um professor de filosofia não pode ceder aos
propósitos de um governante, sob pena de tornar a disciplina insípida.
Também não poupa críticas quanto ao conúbio do estado com a igreja, que
impede um ensino laico da filosofia.
“Consequentemente, enquanto a Igreja existir, só poderá ser
ensinada nas universidades uma filosofia que , composta em total
consideração para com a religião do Estado, no essencial, caminhe
paralelamente a ela, e que portanto – embora rebuscada, singularmente
engalanada e, assim, difícil de entender – de fato nada mais seja, no fundo e
no principal, que uma paráfrase e uma apologia da religião do Estado. Assim,
aos que ensinam sob tais limitações, nada mais resta do que ir a busca de
novas expressões e formas sob as quais representem o conteúdo revestido em
termos abstratos e, por isso, insípido, da religião do Estado, que a partir de
então se chama filosofia.” (SCHOPENHAUER, Arthur – Sobre a Filosofia
Universitária – pp.35,36). Schopenhauer não hesita em concluir que um
verdadeiro filósofo jamais poderá ser um docente de filosofia.
7
Schopenhauer
após lançar críticas ácidas, especialmente, ao
Filósofo Hegel, que obliterei, retoma a questão da incompatibilidade do ofício
de docente com o de filósofo, posto que na sua visão um filósofo não pode
estar preso aos caprichos do Estado, enquanto que é impossível que um
professor se livre dessas amarras:
“Entretanto, temos de lidar aqui apenas com a filosofia e seus
representantes. Em primeiro lugar, constatamos que, desde sempre, muito
poucos filósofos foram professores de filosofia e, proporcionalmente, ainda
menos professores de filosofia, filósofos. Daí se poderia dizer que, do mesmo
modo que os corpos idielétricos não são condutores de eletricidade, também
os filósofos não são professores de filosofia. De fato esse cargo põe mais
barreiras que qualquer outro para aquele que pensa por si próprio. Pois a
cátedra de filosofia é de certo modo um confessionário público, onde se faz
profissão de fé coram populo. Logo, para a obtenção efetiva de conhecimentos
mais fundamentais ou mesmo mais profundo, ou seja, para se tornar
verdadeiramente sábio, quase nada é tão contrário quanto a coerção constante
de parecer sábio, o alardear de pretensos conhecimentos diante de alunos
ávidos em aprender e o ter respostas prontas para todas as questões
imagináveis.” (SCHOPENHAUER, Arthur – Sobre a Filosofia Universitária –
pp.48-49)
Parece aqui que Schopenhauer
faz alusão a atividade sofistica e
mais adiante se utiliza do argumento de que é impossível que um filósofo use a
filosofia como ganha-pão e remete a Platão e sua concepção a respeito dos
sofistas.
“Que a filosofia não seja próprio para o ganha-pão, já o provou Platão
em suas descrições dos sofistas, que ele contrapõe a Sócrates, e
principalmente no início do Protágoras, onde descreve a prática e o sucesso
dessa gente com comicidade e graça insuperáveis. Entre os antigos, o sinal
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que diferenciava os sofistas dos filósofos sempre foi o ganhar dinheiro com a
filosofia.”( SCHOPENHAUER, Arthur – Sobre a Filosofia Universitária – pp.52)
Mas adiante indaga: “Eram por acaso os sofistas (que Sócrates tão
incansavelmente combatia e que Platão tomava por tema de escárnio) algo
mais que professores de filosofia e retórica?” (SCHOPENHAUER, Arthur –
Sobre a Filosofia Universitária )
Schopenhauer declara-se continuador dessa luta: “Ora, não é este o
mesmo combate, que nunca se extinguiu por completo e que ainda hoje é
levado adiante por mim?”
Schopenhauer nesse breve ensaio sobre o ensino da filosofia e o
papel do professor na condução da disciplina nos deixa um legado de reflexão
a respeito do papel do educador.
Não obstante ser possível notar neste ensaio que toda sua verve está
direcionada para os filósofos que abandonavam os princípios éticos da filosofia
para entregar-se à fama e ao reconhecimento fácil, outorgado pelo atrelamento
ao governo, principalmente quando se refere a Hegel. Não podemos deixar de
reconhecer a coragem de Schopenhauer que em detrimento do prestígio,
combateu o casuísmo, tão atual ainda nos dias de hoje.
CAPÍTULO II
De como o Estado ainda tutela a Educação
“Educa a criança no caminho em que
deve andar e ainda quando for velho não
se desviará dele.”
É papel do professor ensinar; educar; conformar para adaptar o
indivíduo, como propõe o imperativo acima?
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A educação é necessariamente o critério para a construção de um
estado de justiça e equidade.
Como praticar o ensino, especialmente o da filosofia, sem estar a
serviço dos interesses dos detentores do poder, sem se constituir em
instrumento de propagação de interesses escusos dos mandatários ?
Como conciliar a defesa de um ensino desatrelado dos interesses do
Estado e defender uma escola laica sob a tutela do Estado?
“A Escola que serve de instrumento da construção da cidadania é, em
que pesem todas as contradições que carrega, é a escola publica.”
Creio que esse questionamento está contido no pensamento de
Schopenhauer, quando inconformado denuncia os equívocos de um ensino de
filosofia colimado para satisfazer os interesses do estado.
“Apoiemo-nos mutuamente, nós, pais e professores, para a finalidade
da formação moral dos alunos! Por meio dessa união é-nos permitido esperar
ver coroada de êxito a nossa tarefa de educá-los para homens hábeis,
capazes e honestos! Está sobretudo reservado à geração em germe colher um
dia plenamente os frutos do que saiu de bom de tantos anos de confusão e de
necessidade, e do que ainda está para de desenvolver. Possa ela, e nós com
ela, deixar para trás as convulsões! Assim, sem se entristecer pela recordação
da perda sofrida, nem pelo hábito de outra situação, possa ela, com o frescor
próprio da juventude, agarrar as novas formas de vida que nós vimos surgir e
para cuja maturação a nossa vida se dirige. O mundo deu à luz uma grande
época. Que vós, jovens, tenhais a possibilidade de uma formação digna dela e
de alcançar assim a aptidão superior que ela exige e, dessa forma, também a
felicidade que dela deve resultar!” (trecho do Discurso de encerramento do Ano
Letivo – 30 de agosto de 1815 – G.W.F. Hegel – Discursos sobre Educação –
pg. 83).
Neste texto podemos inferir que toda a educação é necessariamente
diretiva e atende prioritariamente aos interesses de Estado. Schopenhauer em
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“Sobre a Filosofia Universitária”, combate peremptoriamente o ensino da
filosofia atrelada aos interesses da igreja e do Estado, não poupa de críticas os
professores que se sujeitam ao papel subalterno de submeter sua filosofia aos
interesses do Estado. É sabido que sua crítica tem endereço certo. Não
podemos obliterar o ressentimento contido nos epigramas schopenharianos, convenhamos, quem suporta ver sua sala com dois ou três alunos, enquanto a
sala ao lado está repleta de alunos ávidos de serem adestrados. Mas a sua
cáustica crítica é de valor inestimável, quando precisamos pensar a respeito de
um modelo educacional que não tenha tão somente como objetivo atender aos
interesses do Estado e da religião. Para Schopenhauer o ensino da filosofia é
de fundamental importância nas universidades, mas só alcançará seu telos se
puder propiciar ao educando a necessidade de dela se ocupar. Nada justifica
sua propriedade propedêutica.
Sobre a educação no Brasil dou alguns dados; ainda que não sejam
suficientes para contestar a cantilena de que o problema do Brasil é educação,
são significantes do ponto de vista de que alguma melhoria deveria ter sido
sentida nos últimos 50 anos. Na década de 60 o Brasil tinha 93 mil graduados
(1% dos nossos jovens de 18 a 14 anos) e hoje temos perto de 13 % os
últimos investimentos na área de graduação apontam para em breve
chegarmos a 20 %. Se considerarmos que a escolaridade média dos
brasileiros está abaixo dos oitos anos não temos muito a comemorar, mas se
compararmos nossa situação com os anos 60, poderíamos afirmar que o Brasil
de hoje é muito melhor, caso fosse a educação saúva do Brasil hodierno.
“...Falar em geral da “educação das massas” ou da “educação pelo
trabalho” ou da educação que dá a vida” etc. é tanto dizer a respeito
da educação como não dizer nada. Mas examinar em detalhe os
problemas estabelecidos pela educação como incorporação ordenada
de bens culturais tendo em vista sua compreensão é tirar a filosofia
da educação dos estreitos limites em que alguns autores a puseram
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para relacioná-la com todas as questões que afetam a vida humana
como vida em sociedade.” (MORA, José Ferrater (1912-1991).
A educação só pode ser levada a termo, vista assim. Algo permanente,
contínuo e intrínseco na vida do indivíduo enquanto partícipe da sociedade.
Porquanto é imprescindível a filosofia como componente curricular para que o
homem se conscientize da necessidade de uma educação permanente, que
inclui naturalmente, conhecimento, acesso a informação e a todo avanço
tecnológico. As leis e os programas emanados da estrutura de Estado não
podem submeter a consciência de seus professores, todavia não podemos
eximir
o
Estado
de
dar
ao
cidadão
condições
para
educar-se
permanentemente, isso não significa que o estado deve educar e sim promover
as condições para a educação.
Este é o questionamento de Schopenhauer atrelar o ensino de qualquer
disciplina, fundamentalmente o de filosofia aos interesses do Estado não é
promover educação é adestrar o cidadão para servir tão somente seus
interesses.
A partir do texto Sobre a Filosofia Universitária faremos uma leitura da
contribuição de Schopenhauer para um modelo educacional que não produza
alienação.
“A ética de Schopenhauer não está, contudo, presa à noção de “dever”;
Schopenhauer rejeita as formas imperativas de filosofia que são, para ele,
formas de coerção. Sua ética não se apoia em mandamentos, antes na noção
de que a contemplação da verdade é o caminho de acesso ao bem. Para
Schopenhauer, o egoísmo, que faz do homem o inimigo do homem, advém da
ilusão de vontades independentes que afirmam seus ímpetos individuais. A
superação do egoísmo somente seria possível mediante o conhecimento da
natureza
universal
da
Vontade.
Como
conseqüência
moral
do
desaparecimento de sua individualidade, o homem pode tornar-se bom; ao
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espírito de luta contra os semelhantes segue-se o espírito que é o fundamento
de todo a verdade moral: “Não prejudiques pessoa alguma, sê bom com
todos”.
CAPÍTULO III
A Contribuição de Schopenhauer para os rumos da Educação atual
“Que dentro de pouco tempo os vermes roam
meu corpo, eis um pensamento que posso
suportar; mas que os professores de filosofia
roam a minha filosofia, estremeço desde já.”
(Apud
LEFRANC,
Jean
–
Compreender
Schopenhauer – pg18)
Possais vós, Supremo Artífice, livrar-me de tal vaticínio, e dai-me agora
inspiração para que eu possa, sem claudicar no raciocínio,
fazer minha
louvação ao Gênio Schopenhauer, um mestre da educação.
“Ouviste dizer: Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses
e o universo. Esta prescrição délfica é o imperativo que mais aproxima o
homem do em si. Seria ousado dizer que Schopenhauer em “O Mundo como
Vontade e Representação” (1819) teria se aproximado o mais possível desse
conhecimento ao declarar
a coisa em si manifesta como vontade. Dirá
Schopenhauer que a vontade não é privilégio do homem, todavia somente este
será capaz de dissimulá-la e agindo assim promover a felicidade. É a partir
dessa constatação que a filosofia de Schopenhauer encanta a Europa e ecoa
no mundo por seu discípulos e admiradores e o faz detentor de uma filosofia
educativa, filosofia esta que aponta caminhos para o homem na incansável
busca da felicidade.
Schopenhauer nos oferece um quadro de pessimismo na eterna luta do
homem pela sobrevivência mas aponta para as artes como caminho da
mitigação desse eterno sofrimento a que está condenada a espécie humana.
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A partir de recortes de sua obra defenderei a contribuição de sua filosofia
para a educação ainda nos dias hodiernos.
Certa feita, não muito remota, o Brasil foi tomado pela comoção de uma
campanha contra a fome. O movimento era eminentemente político partidário,
todavia não deixou de ser uma causa nobre. Para essa mobilização elegeram
como baluarte o Sr. Hebert de Souza, o nosso magnânimo Betinho. No
lançamento da Campanha – Em São Paulo – em uma entrevista o Betinho
vaticinou “Enquanto olharmos para um semelhante atirado na sarjeta e isso
não nos indignar, no Brasil, nada mudará”. O movimento passou, nada mudou
porque faltou exatamente o que Betinho reclamara – a indignação - vontade
para mudar. O que faz tantos seres, a despeito de viver à míngua de qualquer
recurso lutarem pela sobrevivência?
O Cronista Fernando Sabino em “Oito milhões de solitários” analisa a
solidão de um passageiro de um trem metropolitano, não obstante cercado de
milhares de seres que se acotovelam e permanecem impassíveis como se
nada estivesse acontecendo em seu redor. O que faz tantos seres, a despeito
de viver à míngua de qualquer conforto lutarem pela vida?
Platão em sua “Alegoria da Caverna” dramatiza a saída de um “filósofo”
em direção à luz (o conhecimento). Naquele mundo de representação algo o
impele a sair das sombras, mas curiosamente o mesmo ímpeto o faz retornar .
Retornar para quê? Para educar? Segundo Danilo Marcondes o que o faz
retornar é Eros. Schopenhauer dirá é a Vontade. Freud, bebendo na fonte de
Schopenhauer dirá que essa vontade chama-se libido.
“...Entretanto ele deve voltar à caverna! Essa é a terceira parte do texto,
em que Platão descreve a chamada dialética descendente, a volta à caverna,
contraponto da parte inicial, a dialética ascendente, em que o prisioneiro sai da
caverna para a região superior. Podemos nos perguntar: por que o prisioneiro
deve voltar à caverna? Platão caracteriza com isso a missão políticopedagógica do filósofo, que, não contentando-se em atingir o saber, deve
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procurar mostrar a seus antigos companheiros na caverna a existência da
realidade superior, bem como motivá-los a percorrer o caminho até ela, mesmo
que corra o risco de ser incompreendido e até assassinado, uma clara alusão
ao julgamento e morte de Sócrates. E este processo da dialética descendente
exige igualmente uma adaptação da visão do filósofo – agora no sentido
oposto, que poder ser até mais desorientador – para que sua missão seja
eficaz. Não é correta portanto a visão do filósofo como puramente
contemplativo, já que ela não dá conta da volta à caverna, que representa
explicitamente o seu papel político.
Na passagem final do texto, Sócrates interpreta brevemente a alegoria
para Glauco, enfatizando o aspecto ético-político do saber filosófico, pois ao
ver a luz pode “comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na
pública”.” (MARCONDES, Danilo – Iniciação à História da Filosofia... – Zahar
Editor – RJ – pg. 67)
Ao apresentar neste capítulo os pressupostos estabelecidos por
Schopenhauer em O Mundo como representação e Vontade procurarei
estabelecer o elo que faz da filosofia schopenhariana o princípio fundamental
da educação.
Desenvolverei a questão da Vontade como primado para que o homem
tenha motivação suficiente para fazer da educação o princípio da busca da
felicidade.
Demonstrarei que a partir dessa Vontade, nasce o despertar da
consciência para a representação do mundo e a conseqüente dedicação às
artes.
Do prefácio do livro Compreender Schopenhauer (Editora Vozes)
podemos destacar o caráter inatual da filosofia de Schopenhauer (1788-1860),
mas, acima de tudo, sua capacidade de influenciar gerações futuras de gênios
como Wagner, Nietzsche, Freud e Wittgenstein. No decorrer desta dissertação
ficará evidenciada essa sua capacidade.
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“Sendo a vontade a coisa em si, a substância, a essência do mundo; e a
vida, o mundo visível, o fenômeno, não sendo mais que o espelho da vontade,
segue-se daí que a vida acompanhará a vontade com a mesma
inseparabilidade com que a sombra acompanha o corpo: onde houver vontade,
haverá também vida, mundo. A vida está, portanto, assegurada ao quererviver, e por quanto isto subsista em nós, não devemos preocupar-nos pela
nossa existência nem mesmo diante da morte. Bem vemos o indivíduo nascer
e morrer, mas o indivíduo é apenas um fenômeno; não existe senão pelo
conhecimento submetido ao princípio de razão, que é o princípio de
individuação: nesta ordem de idéias, certamente o indivíduo recebe a vida
como um dom: oriundo do nada e despojado do seu dom pela morte, ao nada
retoma. Mas para quem, como nós, contempla a vida do ponto de vista
filosófico, isto é, das Idéias, nem a vontade ou a coisa em si de todos os
fenômenos, nem o sujeito dos conhecimentos, espectador dos fenômenos, são
de qualquer forma tocados pelo nascimento ou pela morte. Nascer e morrer
são coisas que pertencem ao fenômeno da vontade, e aparecem nas criaturas
individuais, manifestando fugitivamente e no tempo, aquilo que em si não
conhece tempo e deve exatamente manifestar-se sob esta forma com o fim de
poder objetivar a sua verdadeira natureza. Pela mesma razão, nascimento e
morte pertencem à vida e equilibram-se mutuamente como condições
recíprocas, ou melhor, como pólos do fenômeno total. A mitologia hindu, entre
todas a mais sábia, exprime este pensamento, dando por atributo a Civa que
simboliza a destruição ou a morte (como Brama, o deus ínfimo e pecador da
Trimurti, simboliza a procriação, o nascimento e Vishnu simboliza a
conservação), o colar dos mortos, juntamente com o Lingam, símbolo da
geração, o qual conseguintemente aqui aparece para compensar a destruição;
o que significa que nascimento e morte são pela sua essência correlativos que
se neutralizam e se compensam a seu turno. Pelas mesmas razões, Gregos e
Romanos cobriam seus preciosos sarcófagos, tais como podem ser vistos no
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dia de hoje, com ornamentos que representavam festas, danças, casamentos,
caças, combates de feras e bacanais e colocavam deste modo em cena os
fatos mais animados da vida expressos não unicamente sob a forma de
divertimentos, mas também por meio de grupos voluptuosos e até mesmo de
cópulas de sátiros com cabras. Tinha isto o fim evidente de subtrair ao
indivíduo pranteado o pensamento da morte, para levá-lo à vida imortal da
natureza, acentuada com energia, mostrando assim, embora estivessem muito
longe de possuir a consciência abstrata deste fato, que toda a natureza não é
mais que o fenômeno e a realização da vontade de viver. A forma de tal
fenômeno é o tempo, o espaço e a causalidade, donde a individuação, que tem
por conseqüência que o indivíduo deve nascer e morrer; mas a vontade de
viver de que o indivíduo não constitui por assim dizer, mais que um exemplar
ou uma parcela singular de manifestação, não é perturbada pela morte do ser
individual, tanto quanto não o é o conjunto da natureza. Pois que não é pelo
indivíduo, mas unicamente pela espécie que a natureza se interessa e é dela
unicamente que estuda seriamente a conservação, circundando-a de grande
luxo de precauções e por meio da superabundância ilimitada dos germes e do
poder imenso do instinto de reprodução. O indivíduo, ao contrário, não tem
valor algum para a natureza e nem pode tê-lo, desde que é apenas um ponto
num tempo infinito e num espaço infinito que compreende um número infinito
de indivíduos possíveis. A natureza está sempre pronta a abandonar o
indivíduo que não somente está exposto a perecer de mil modos e pelas
causas mais insignificantes, como também é, desde o princípio, destinado a
uma perda certa, para a qual é arremessado por ela mesma, apenas haja
satisfeito a missão que tem de conservar a espécie. Com isto a natureza
exprime ingenuamente esta grande verdade, que são as Idéias e não os
indivíduos que têm uma verdadeira realidade, isto é, são a objetividade perfeita
da vontade. Ora bem, sendo o homem a própria natureza cônscia de si no
mais alto grau, e sendo a natureza a vontade de viver objetivada, é natural e
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justo que o homem, desde que haja atingido e se mantenha neste ponto de
vista, se console da morte dos seus e da sua própria, vislumbrando a vida
imortal da natureza que não é mais que ele mesmo. Eis o que se deve
compreender por Civa com o Lingam e por aqueles antigos sarcófagos que
com suas imagens da mais ardente vida, gritam ao espectador desolado:
Natura non contristatur .(A natureza não se contrista)
Antes de mais nada é preciso que nos convençamos de que a forma de
fenômeno da vontade, ou por outras palavras, a forma da vida ou da realidade,
é o presente, e não o futuro, nem o passado; estes não existem senão na
abstração por meio da concatenação do conhecimento submisso ao princípio
de razão. Ninguém viveu no passado e ninguém viverá no futuro; o presente,
somente ele, é a forma exclusiva da vida, propriedade certa, que nada poderá
jamais subtrair-lhe. O presente está sempre ali, com tudo quanto abrange:
continente e conteúdo quedam-se parados, imóveis, como o arco-íris sobre a
catarata. Por isso que a vida é assegurada à vontade, e o presente é
assegurado imutavelmente à vida. Certamente, quando pensamos nos
milhares de anos decorridos e nos milhões de homens que viveram,
perguntamos: Que eram eles? – Que se tornaram? – Mas basta-nos em
compensação recordar o passado da nossa própria vida e chamar vivamente
suas cenas à nossa imaginação, para então perguntarmos de novo: – Que é,
então, tudo isto? – A que se reduziu? – Como para a nossa vida, assim
também para a existência daqueles milhões de homens. Ou seria porventura
necessário acreditar que por haver recebido o sigilo da morte, o passado haja
adquirido uma nova existência? O nosso próprio passado, ainda o mais
próximo, o dia apenas transcorrido, não é mais que um sonho vácuo da
Imaginação, e nada mais que isto é o passado de todos esses milhões de
seres. Que é aquilo que foi? – Que é aquilo que é? – Aquilo que foi, aquilo que
é, assim é a verdade de que a vida é o espelho, e o conhecimento disjunto do
querer que no espelho vê distintamente essa vontade. Quem quer que não
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haja ainda aprendido ou não queira aprender esta verdade, quando se propõe
as questões acima acentuadas sobre o destino das gerações que foram, deve
agregar-lhes ainda uma: é preciso que se pergunte a si próprio, como sucede
que ele, interrogador, tenha a graça de possuir tal presente tão precioso, tão
fugitivo, o único real; por que razão tantas centenas de gerações, esses sábios
e esses heróis doutros tempos, caíram na sombra do passado, desapareceram
em nada, enquanto ele, esse “eu” insignificante, em realidade existe? – ou, em
palavras mais breves e bizarras, deverá perguntar-se a si mesmo, por que
esse presente, o seu presente, existe precisamente neste momento e não
tenha já existido há muito tempo. Propondo-se a estranha interrogação, ele
considera a sua existência e o seu tempo independentes um do outro e a
primeira, de certo modo, como lançada no segundo: admite, a bem dizer, dois
presentes, dos quais um pertence ao objeto e outro ao sujeito e maravilha-se
do afortunado acaso que os fez coincidir. Mas na realidade (como o
demonstrei na minha dissertação sobre o princípio de razão) o que constitui o
presente não é mais que um ponto de contato entre o objeto, de que o tempo é
forma, e o sujeito que não tem por forma nenhum dos modos do princípio de
razão. Ora, o objeto é a verdade tornada representação e o sujeito é o
correlativo necessário do objeto; mas não se dão objetos reais senão no
presente porque o passado e o futuro contêm apenas abstrações e fantasias
do espírito: portanto o presente é a forma essencial e inseparável do fenômeno
da vontade. O presente, só ele, é o que é sempre e que permanece imóvel.
Essencialmente fugaz, considerado do lado empírico, apresenta-se ao olhar
metafísico que vê além das formas da percepção empírica, como a única coisa
permanente, como o “Nunc stans” dos escolásticos. Fonte e portadora do seu
conteúdo, assim é a vontade de viver, ou a coisa em si: por outras palavras,
nós mesmos. O que nasce e passa sem trégua, seja por já ter nascido, seja
por dever suceder depois, pertence ao fenômeno como fenômeno em virtude
das formas deste, que tomam possível o nascer e o morrer. E preciso dizer por
19
conseguinte: Quid fuit? – Quod est; – Quid erit? – Quod fuit; o que é preciso
tomar no sentido literal das palavras e não entender com isto semelhante mas
idem. Entendido que a vida é assegurada à vontade e o presente à vida. Cada
um pode dizer, portanto: “Eu sou para sempre possuidor do presente; ele me
acompanhará como sombra por toda a eternidade; por conseguinte é inútil que
procure donde vem o presente e como acontece que existe precisamente
neste instante.” Pode-se comparar o tempo a uma circunferência que gira
continuamente; a metade que sempre desce seria o passado, e a que sempre
sobe, o futuro; ao alto, o ponto indivisível que encontra a tangente seria o
presente que não tem dimensões; como a tangente não é arrastada pelo giro,
assim permanece imóvel o presente, ponto de contato entre o objeto, com a
sua forma do tempo, e o sujeito que não tem forma, pois que é a condição de
tudo o que pode ser conhecido, sem que possa ele mesmo ser conhecido.
Poderia ainda comparar-se o tempo a um rio impetuoso e o presente a uma
barreira contra a qual o rio se franje sem poder, todavia, arrastá-la consigo. A
vontade como coisa em si, é tão pouco submissa ao princípio de razão, quanto
o sujeito do conhecimento, que de certo modo, vem a ser, enfim, a vontade ou
a sua representação; e da mesma maneira pela qual a vida, o fenômeno, é
assegurado à vontade, assim lhe é assegurado o presente, única forma da
vida real. Não devemos, por conseguinte, investigar do passado, antes da vida,
nem do futuro, depois da morte: devemos reconhecer que o presente é a única
forma sob a qual a vontade se aparece a si mesma: (2) esta forma não lhe
faltará nunca, e nunca decerto virá a falecer-lhe. Quem ama a vida como é,
quem a afirma com todo o poder, pode, com toda a segurança, considerá-la
infinita e afastar o pavor da morte com uma ilusão que lhe faz temer sem razão
a possibilidade de perder algum dia a posse do presente e que lhe acena com
a imagem falaz dum tempo que não teria presente. Essa ilusão em relação ao
tempo, é o mesmo que em relação ao espaço, é essa outra ilusão em virtude
da qual cada um imagina estar no alto o ponto por si ocupado sobre o globo
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terrestre, enquanto tudo o mais estaria embaixo: assim, igualmente cada um
liga o presente à sua própria individualidade, imaginando que com ela todo o
presente desaparece e que dele ficam então o passado e o futuro despojados.
Mas como em nosso globo, o alto se encontra em qualquer ponto, assim o
presente é a forma de toda vida: temer a morte porque nos tira o presente não
é mais razoável do que ter medo de cair do globo terrestre tendo a fortuna de
se lhe achar no alto, no momento atual. A objetivação da vontade tem por
forma necessária o presente, ponto indivisível que talha o tempo prolongandose ao infinito nas duas direções e que permanece imóvel, tal como um eterno
meio-dia que nenhuma noite apagasse, ou como o Sol real que brilha,
continuamente, conquanto nos pareça que imerge no seio da noite: temer a
morte como destruição é como se o Sol no crepúsculo exclamasse, gemendo:
“Ai de mim que vou perder-me numa noite eterna!”. (3) Mas, vice-versa,
também o contrário é verdadeiro: aquele que, oprimido pelo peso da vida, e
embora a amando e afirmando-a lhe teme as dores e, sobretudo, não quer
suportar por mais tempo o triste destino que lhe toca, em vão espera encontrar
a libertação na morte e salvar-se com o suicídio: o porto que lhe oferece o
Orco, escuro e gelado, cuja calma o atrai, não é mais que uma vazia miragem.
A Terra gira incessantemente do dia para a noite; o indivíduo morre: mas o Sol
arde sem trégua e o meio-dia é eterno. A vontade de viver está certa de viver:
a forma da vida é um presente sem fim; e pouco importa que os indivíduos,
fenômenos da Idéia, nasçam e morram como sonhos fugazes. O suicídio,
portanto, desde já nos aparece como um ato inútil e porventura insensato: na
seqüência das nossas considerações há de se nos apresentar sob um aspecto
ainda mais desfavorável.
O conceito de liberdade é, portanto, um conceito negativo, porque contém,
unicamente, a negação da necessidade, Isto é, a negação da relação de efeito
para causa, segundo o princípio de razão. Encontramos aqui, bem
pronunciado, o nivelamento dum grande contraste, a união da liberdade com a
21
necessidade, de que tanto se tem falado nos últimos tempos e sobre o que
nada se tem dito, que eu saiba, de claro e de sensato. Qualquer coisa, como
fenômeno, como objeto, é absolutamente necessária: em si, essa é a vontade
inteiramente e eternamente livre. O fenômeno, o objeto, é necessariamente e
imutavelmente determinado na concatenação das causas e efeitos, que não
admite interrupção de sorte alguma. Mas a existência em geral deste objeto e
o seu modo de existir, isto é, a Idéia que se manifesta nele, ou, por outras
palavras, o seu caráter, é fenômeno imediato da vontade! Esta sendo livre,
esse objeto poderia, efetivamente, não existir, ou ser outro, original e
essencialmente; mas nesse caso, também toda a cadeia, de que é anel, e a
qual é também fenômeno da vontade, seria de todo diferente; mas, uma vez
realizada, esse objeto tomou na série de causas ou efeitos um lugar
necessariamente fixado e já não pode ser outro, como não pode trocar, nem
sair da série, nem desaparecer. O homem é, como qualquer outra parte da
natureza, objetividade da vontade; por conseguinte, o que acabamos de dizer
aplica-se, igualmente, a ele. Como qualquer coisa na natureza tem as suas
forças e as suas qualidades que contra uma ação determinada reagem duma
determinada maneira, e constituem o ‘seu caráter, assim também o homem
tem um caráter, em virtude do qual os motivos lhe provocam os atos de
necessidade. E por meio destes atos que se manifesta o seu caráter empírico,
que revela a seu turno o caráter inteligível, a vontade em si, de que ele é o
fenômeno determinado. Mas o homem é o fenômeno mais perfeito da vontade:
a sua conservação exigia que fosse assistido por uma inteligência de tal sorte
desenvolvida que fosse capaz de elevar-se até ao ponto de tornar-se, na
representação, uma repetição adequada da essência do mundo; esta
repetição, este espelho que reflete o mundo é a concepção das Idéias:
apreendemo-lo no livro terceiro. A vontade no homem pode, portanto, chegar
ao pleno conhecimento de si: pode conhecer claramente e inteiramente a sua
própria essência tal qual se reflete no mundo inteiro. O conhecimento projetado
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a este grau, dá origem à arte, como expus no livro terceiro. Mas a seqüência
das nossas considerações nos mostrará também outro resultado: veremos que
esta faculdade, empregada pela vontade em estudar-se a si mesma, permitelhe afirmar-se ou negar-se no seu mais perfeito fenômeno: de modo que a
liberdade, que doutra maneira só pertence a coisa em si, pode em tal caso
manifestar-se também no fenômeno; e como essa lhe suprime a essência
enquanto o indivíduo continua a existir no tempo, assim provoca o
antagonismo do fenômeno consigo mesmo, criando assim o estado de
santidade ou de renúncia. Mas tudo isto só se nos tornara compreensível no
fim do livro. Para o momento quero somente expor aqui, de modo geral, que o
homem se distingue de todos os outros fenômenos da vontade, nisto que a
liberdade, isto é, a qualidade de não depender do princípio de razão, qualidade
que pertence apenas à coisa em si e que esta em contradição com o
fenômeno, pode eventualmente surgir também neste último, onde se manifesta
fatalmente como uma contradição do próprio fenômeno. Em tal sentido se
pode certamente dizer, que não somente a vontade em si, mas também o
homem é livre, o que pode servir para distingui-lo de todos os outros seres. A
seqüência nos ensinará como se deve entender tudo isto; do que não vamos
para o momento ocupar-nos. Por isso que, antes de mais nada, devemos pôr à
margem o erro que consiste em acreditar que a conduta dum indivíduo
determinado não esteja submissa à necessidade, isto é, que o poder do motivo
seja menos positivo que o poder da causa, ou duma conclusão extraída de
premissas estabelecidas. A liberdade da vontade como coisa em si, abstração
feita do único caso excepcional acima recordado, não se transmite diretamente
ao fenômeno, nem àquilo em que a vontade aparece mais visivelmente, isto é,
ao animal racional dotado dum caráter individual; por outras palavras: à pessoa
humana. Esta não é nunca livre, embora seja o fenômeno da vontade livre, por
isso que é precisamente um fenômeno já determinado por essa vontade livre;
submetendo-se à forma de todo objeto, ou seja, ao princípio de razão, ela
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desenvolve, é verdade, a unidade da vontade em ações inumeráveis, mas tal
pluralidade de ações conserva o rigor de uma lei natural, por causa da unidade
extratemporânea dessa vontade em si. Ao mesmo tempo, como é
precisamente a mesma vontade livre que se mostra na pessoa e em toda a
conduta humana, a que se refere com uma noção à sua definição, assim, cada
ação isolada deve ser também atribuída à vontade livre, e assim, sempre como
livre, a vontade se apresenta à consciência, de primeira vista: eis pois, e já o
dissemos no livro segundo, por que razão qualquer homem, a priori (quer dizer
aqui, por um sentimento primitivo) se crê livre em qualquer dos seus atos, no
sentido em que, em qualquer caso, acredita poder cumprir qualquer ação:
somente a posteriori, por meio da experiência e meditando sobre ela, ele se
apercebe de que seus atos resultam com inteira necessidade do seu caráter
combinado com motivos. Eis aí como sucede que os homens vulgares, até os
mais incultos que não ouvem senão o próprio sentimento, sustentam
calorosamente a perfeita liberdade de todas as ações isoladas, enquanto os
grandes pensadores, e até as doutrinas religiosas mais profundas, a negaram.
Mas quando se chega a ser compenetrado perfeitamente de que toda a
essência do homem não é senão vontade, que o próprio homem não é mais
que um fenômeno dessa vontade, que tal fenômeno tem o princípio de razão –
aqui lei de motivação – por forma necessária e já reconhecível do ponto de
vista subjetivo, não se pode duvidar da fatalidade da ação, dados que sejam o
caráter e os motivos, como não se poderia duvidar de que no triângulo a soma
dos três ângulos é igual a duas retas.
“A solidão, é a sorte de todos os espíritos excepcionais”.
As Instituições e Estado podem ser um mal a Filosofia verdadeira ao
privarem sua liberdade, afinal qual Instituição ou Governo, pagará um
profissional para que este exerça críticas sobre sua política, porém, até mesmo
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Kant, precisou buscar conciliar ambas atividades. Afinal, despertar o homem
para a verdade é a real tarefa do filósofo. Essa é uma tarefa social, portanto,
bem exemplificada no Mito da Caverna Platônico, quando ao ver a luz da
verdade, o filósofo volta à Caverna para relatar aos seus companheiros o
conhecimento obtido. Podemos pensar as Instituições e o Estado, como a
Caverna no Mito, e o homem que escapa para a verdade, o filósofo sozinho,
que autodidata, conseguiu ver a luz, e tem a missão de comunicar sobre ela
aos seus contemporâneos, por mais que estes estejam presos aos sofismas
(sombras), insaciados pela vontade. Seria esta então, a tarefa social do
filósofo, ser um ilustrado, e induzir os jovens das Instituições a verdade,
encontrando caminhos ocultos para despertar os eleitos pela aristocracia da
natureza, mesmo que esse objetivo solitário, possa não ser aceito com
glorificação, e o preço seja a morte social.
O Ensino da Filosofia na Atualidade, ainda possui similaridades ao
contexto de Schopenhauer, permeado por inviabilidades Institucionais e
Políticas, com professores que se consideram sábios, vendendo seus livros,
palestrando aos alunos, ensinando – os não a buscarem por sabedoria, mas a
produzirem um discurso convincente e uma usurpada fama, em nome de
benefícios financeiros. Porém, ainda encontramos mestres e alunos, que
amantes de um saber verdadeiro, desafiam a toda essa fábrica de pedantismo,
e solitários, contemplam, avaliam, refletem sobre todas as coisas, movidos
pelo real desejo de conhecer, afinal, esta é a verdadeira tarefa da Filosofia.”
CONCLUSÃO
Arthur Schopenhauer, 1788-1860, ao proferir que a solidão é a sorte de
todos os espíritos excepcionais, certamente tinha conhecimento do seu gênio
criador. Do seu mais ilustre admirador recebeu o epíteto de “O Cavaleiro
Solitário” mas Nietzsche foi além e em "Schopenhauer Educador” declara:
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“Certamente pode haver outros meios para fugir do torpor que habitualmente
nos envolve com uma nevem sombria e para reencontrar-se a si mesmo, mas
não conheço melhores do que pensar naqueles que foram nossos educadores
e nossos mestres. É por isso que hoje penso num só mestre, no único iniciador
de quem posso me glorificar – em Arthur Schopenhauer.” (Ibidem Nietzsche)
“Estimo um filósofo à medida que pode me dar um exemplo. Sem dúvida
alguma esse exemplo não tem a virtude de arrastar após si nações inteira.
Prova disso é a história da índia que se confunda quase com a história da
filosofia hindu. Mas esse exemplo deve ser dado não somente pelos livros,
mas pela vida cotidiana, como ensinaram os filósofos gregos, pela expressão
do rosto, pela atitude, pelo vestuário, pelo regime alimentar, pelos costumes,
mais do que pelo que se diz e , acima de tudo, do que por quilo que se
escreve.
Como estamos longe ainda na Alemanha de poder realizar essa corajosa
evidência numa vida filosófica! Muito lentamente os corpos se libertam aqui,
enquanto que os espíritos há muito tempo já se libertaram. E, no entanto, é
uma ilusão acreditar que um espírito possa ser livre e autônomo quando essa
autonomia conquistada – que é uma servidão fecunda que nos impomos – não
se manifesta da manhã à noite em cada passo e em cada olhar. Kant estava
ligado à Universidade, submetido aos poderes públicos, guardava as
aparências de uma fé religiosa, suportava viver entre colegas e estudantes; é
natural, portanto, que seu exemplo tenha produzido especialmente professores
de filosofia e uma filosofia de professores. Schopenhauer se preocupa muito
pouco com a classe dos estudantes, se separa, procura a independência com
relação ao Estado e à sociedade e nisso é um exemplo e um modelo, se for
para falar primeiramente daquilo que nele há de mais exterior. Mas essa
conquista
de
uma
vida
filosófica
livre
há
numerosos
graus
ainda
desconhecidos dos alemães e que não poderão ficar assim para sempre.
Nossos artistas demonstram mais ousadia e probidade em sua vida; e o
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exemplo mais evidente que temos diante dos olhos, o de Richard Wagner,
mostra que o gênio não pode temer entrar violentamente em conflito com as
formas e as ordens existentes, se quiser manifestar á luz do dia a ordem
superior e a verdade mas elevada que traz em si. Mas a “verdade” que nossos
professores sempre têm na boca parece ser, falando claramente, uma coisa
mais modesta, da qual não se deve temer nem, desordem nem ordem
excêntrica; é uma criatura de humor fácil e benevolente que não cessa de
assegurar a todos os poderes estabelecidos que ela não quer criar
aborrecimentos e ninguém, porquanto é apenas “ciência pura”. Para resumir,
diria que
a filosofia na Alemanha deveria desaprender cada vez mais ser
“filosofia pura” e que esse é justamente o exemplo que Schopenhauer deu em
sua vida.
Mas foi necessário nada menos que um milagre para que ele atingisse
essa humanidade exemplar, visto que estava cercada de todos os lados, de
dentro e de fora, pelos mais monstruosos perigos que teriam esmagado ou
despedaçado um ser mais fraco. Havia, ao que me parece, fortes presunções
para que Schopenhauer, como homem, tivesse de parecer, deixando, no caso
mais favorável, como único vestígio dele, um pouco de “ciência pura”; mas
somente no caso mais favorável; é mais provável que nem o homem nem seu
saber
tivessem podido substituir.”
(NIETZSCHE,
Friedrich Wilhelm –
Schopenhauer Educador, Ed. Escala – São Paulo, SP – 2008 – pg. 31-32)
O testemunho de Nietzsche é suficiente para concluir que a obra de
Schopenhauer é um compêndio didático e pedagógico deixando para as
gerações futuras seu legado de gênio e educador. Ao apontar o caminho das
artes como fuga para o eterno devenir de sofrimento e de dor a que se
submete o homem à vontade Schopenhauer produz uma filosofia que
transcende à metafísica e dá ao homem a inversão de papéis de títere a
manipulador.
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BIBLIOGRAFIA
SCHOPENHAUER, Artur – Os Pensadores – Nova Cultural – SP – 1985.
DIAS, Rosa Maria – Cadernos Nietzsche 3, p. 07-21, 1997 – A influência de
Schopenhauer na Filosofia da arte de Nietzsche em O nascimento da tragédia.
MANN, Thomas – O pensamento vivo de Schopenhauer .....
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm – Schopenhauer Educador – Col. Grandes
obras do pensamento Universal - 90 – Editora Escala – São Paulo – SP –
2008.
LEFRANC, Jean – Compreender Schopenhauer – Ed. Vozes – 2008 –
Petrópolis-RJ – 4ª edição
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