Transcrição da aula 12 de microbiologia Por: Priscila da Silva Daflon Infecções do trato urinário A uretra possui naturalmente uma microbiota, podemos ter estafilococos coagulase negativa, estreptococos hemolítico, lactobacilos... Mas os rins, ureteres e bexiga são órgãos naturalmente estéreis. Logo a presença de microorganismos nessa porção mais superior do trato urinário sugere infecção. Bacteriúria – presença de bactéria na urina, o que não quer dizer nada por si só. O que vi dizer se há infecção ou não, dentre outros fatores como o estado do paciente, é a quantidade de bactérias que estão presentes na urina. Somente à partir de 105 bactérias/ml de urina é considerado Bacteriúria significatica. Bacteriúria pode ser sintomática ou assintomática. A pesar de ter uma bacteriúria significativa o paciente pode não apresentar sintomas de ITU (infecção do trato urinário). O ponto de corte de 105 bactérias/ml de urina veio de um estudo comparativo entre pacientes do sexo feminino com sintomas de ITU e pacientes sem sintomas. Esse estudo concluiu que as pacientes com sintomas tinham uma contagem de colônias sempre igual ou superior a 105 bactérias/ml de urina, enquanto o grupo das pacientes sem sintomas possuíam sempre uma contagem inferior a 105 bactérias/ml de urina. As ITU representam 5% dos atendimentos anbulatorias, 30 – 45% das infecções hospitalares, 20% dos antimicrobianos utilizados (importante na pressão seletiva para o desenvolvimento de bactérias), sendo responsáveis pela maior parte do trabalho em um laboratório de microbiologia. Podem levar a septicemia, acelera a destruição renal e, em gestantes, induzir o aborto ou nascimento pré-maturo. No trato urinário há uma série de mecanismos de desfesa contra possíveis infecções: Propriedades antimicrobianas da urina: o PH baixo naturalmente a urina possui um pH ácido que dificulta a sobrevivência das bactérias o Osmolaridade elevada com isso há uma tendência do microorganismo ganhar água (Não seria perder????) por isos para o organismo sobreviver ali ele precisa ter um mecanismo de controle de osmolaridade bem desenvolvido. Fatores de resistência da mucosa do trato urinário: Citocinas e mecanismos de antiaderência da mucosa bloqueiam os receptores aos quais os microorganismos (MO) vão se ligar. Efeito mecânico da micção: o fluxo da urina dificulta o estabelecimento da bactéria no trato urinário. Integridade anatômica e funcional do trato urinário: permite a manutenção do fluxo e funciona como barreira contra MO. Por isso é possível entender porque alterações anatômicas (ex. Hiperplasia de próstata) e funcionais (ex. aumento da freqüência urinária, Diabetes) em idosos, gestantes e pacientes cateterizados favorece a instalação de infecções urinárias. Apesar da situação adversa uma grande quantidade de bactérias é capaz de sobreviver na urina e por isso a retenção urinária, transformam a urina num meio de cultura para essas bactérias. Qualquer mecanismo que diminua o fluxo de urina ou cause retenção favorece à ITU. Uma exceção é o Diabetes, onde há aumento do fluxo urinário porém, há alteração da composição da urina (aumento da [] de glicose) , mudança do Ph o que favorece ao crescimento do MO. Muitas bactérias se desenvolvem melhor na ausência de O2. Para essas bactérias, basta encontrar na urina um produto do próprio metabolismo para continuar quebrando através de fermentação e produzir energia através daquilo. As mulheres são muito mais acometidas por ITU que os homens isso porque: Possuem uma uretra menor – diminui a distancia que deve ser percorrida pela bactéria para alcançar as regiões mais altas do trato urinário. Maior suscetibilidade do epitélio urinário feminino – Há uma teoria que “acredita” que as células do epitélio urinário feminino sejam mais suscetíveis a infecções do que as células do trato urinário masculino, isso por expor mais receptores favoráveis a infecção bacteriana. Hábitos higiênicos – a proximidade do trato urinário com o ânus faz com que o principal agente causador de ITU seja oriundo do trato gastrointestinal. Atividade sexual – Por causa da proximidade entre a vagina e a uretra. Gestação Ausência da próstata – a própria secreção prostática é bactericida e a ausência de mecanismo semelhante em mulheres fazem com que sejam mais suscetíveis à ITU que os homens. Há também relação entre infecção urinária e idade. Observamos que a linha da incidência em homens é bem distinta. A dos homens quase nau oscila e é igual a das mulheres apenas no primeiro ano de vida. Há um aumento incidência em meninas na idade pré-escolar, provavelmente relacionada ao sistema imune imaturo e ao não controle dos esfíncteres. Depois é possível observar uma segunda onda, entre os 17 e 20 anos chamada “cistite da lua de mel”, relacionada ao início da atividade sexual feminina. Há ainda outra s duas ondas que refletem a ocorrência de pielonefrites durante a gravidez. E por fim nos idosos as duas curvas aumentam e a dos homens chega a ultrapassar a das mulheres, isso é justificado pelo aumento natuarl da próstata que causa retenção do fluxo urinário e favorece o estabelecimento bacteriano. Na mulher depois da menopausa há o aumento do ph da vagina e sua proximidade com a uretra também favorece ao desenvolvimento bacteriano. Além disso o uso de cateter favorece a infecção urinária em qualquer faixa etária. Principais microorganismos relacionados a ITU Nem todas as bactérias são capazes de produzir ITU. Para tanto a bactéria precisa: Ser capaz de aderir a parede epitelial e se ligar aos receptores; Produzir hemolisinas – as hemolisinas não destroem só hemácias, também destroem componentes do sistema imune. Produção de uréase – é a uréia que torna o pH da urina ácido, logo a produção de uréase torna o pH mais propício para o desenvolvimento bacteriano As principais bactérias capazes de causar ITU são: Bastonetes gram negativos Escherichia coli, Proteus mirabilis (é o que mais produz uréase e por isso se adapta muito bem ao trato urinário), Enterobacter spp, Klebisiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa. Cocos gram positivos Staphylococcus saprophyticus (aparece basicamente em mulheres com vida sexual ativa. A E. coli é mais freqüente em ITU comunitária (70%) e o Staphylococcus saprophyticus é o segundo mais frequente, porém esse perfil muda quando falamos de ITU hospitalar. Neste segundo caso a E. coli ainda é líder mas sua incidência diminui, entretanto o Staphylococcus saprophyticus perde o segundo lugar, Isso se dá pela mudança no perfil do paciente. Se o paciente está imuno deprimido a capacidade da bactéria fazer mal ao organismo aumenta e bactérias que antes não causariam infecção passam a fazê-lo. As ITU se dividem em: a. ITU do trato urinário alto pielonefrites são infecções do parênquima renal, e podem ser agudas ou crônicas. b. ITU do trato urinário baixo cistite é infecção da bexiga e uretrite é a infecção da uretra. A infecção pode se dar de duas maneiras: a. Via ascendente É a principal via de infecção. A bactéria penetra pela porção terminal da uretra e ascende pelo trato urinário. Isso envolve modificações da própria bactéria, uma vez que para colonizar o epitélio que reveste diferentes porções do trato urinário (uretra, bexiga, ureter, parênquima renal) ela precisa expressar diferentes tipos de adesinas. Por isso nem todas as bactérias serão capazes de percorrer todo o caminho, tendo “preferência” por determinada porção do trato. b. Via hematogênica nesse caso há uma bactéria na corrente sanguinea (uma bacteremia) e através do sangue essa bactéria consegue chegar ao parenquima renal e fazer o caminho inverso, isso é descer para infectar o ureter, bexiga e uretra. Está muito mais relaciona ao ambiente hospitalar. Nas uretrites o quadro clínico inclui disúria (dor ao urinar) e frequência e urgência ao urinar. Nas cistites além dos mesmos sintomas das uretrites pode haver a sensação de esvaziamento incompleto da bexiga e piúria (presença de pus composto por células do sistema imune), nesse caso há uma resposta mais exarcebada do sistema imune. O problema está no fato de nem sempre os sintomas que diferenciam as uretrites das cistites estarem presentes, isso faz com que o quadro clínico das uretrites e cistites possam ser bem parecidos. Nas pielonefrites, além dos sintomas das cistites há sintomas sistêmicos devido à proximidade da bactéria da corrente sanguinea (o que pode permitir sua passagem para o resto do organismo através da corrente sanguinea) o paciente pode ter febre e calafrios em decorrência da resposta imune; dor lombar, muitas vezes confundida com dor na musculatura da coluna vertebral; e hematúria devido à disfunção e/ou destruição do parênquima renal que permite a passagem de hemárias para a urina (processo de filtração não ocorre adequadamente). Infecções recorrentes Uma característica importante das ITU é a recorrência. É mais comum nas mulheres e pode se dar por reinfecção (80% dos casos) ou por recidiva. Na reinfecção ocorrem infecções repetidas por bactérias de cepas diferentes. Pacientes idosos, diabéticos, gestantes e com litíase renal ao mais suscetíveis a esse tipo de recorrência. Na recidiva a mesma cepa se mantém causando infecções repetidas, isto porque o tratamento utilizado não foi capaz de eliminar totalmente aquela bactéria. Pesquisas revelam que essas bactérias são capazes de escapar da ação do antimicrobiano invandindo a célula do epitélio. As bactérias que estão fora da célula são mortas pelo antimicrobiano, mas quando o tratamento cessa, aquelas que estavam dentro das células epiteliais são liberadas para o exterior e instalam uma nova infecção. Diagnóstico das ITU A coleta e o transporte são as duas etapas mais importantes do processo diagnóstico. Ambas são capazes de direcionar o diagnóstico correto. 1º) Coleta Urina de jato médio – É a principal forma de coleta. Deve ser feita de a forma de evitar qualquer tipo de contaminação, que pode acabar mascarando do verdadeiro agente etiológico da infecção. No material contaminado pode crescer um tipo de bactéria diferente da que causa a infecção, com antibiograma diferente o que vai levar a um tratamento incorreto. Nem sempre é possível esperar pela primeira urina da manhã, nesses casos é necessária uma retenção mínima de 4 horas. Menos que isso pode haver falsos negativos devido uma quantidade não representativa do número de bactérias presentes na amostra. Quando não é possível coletar urina de jato médio como em casos de crianças de até 2 anos, usa-se um saco coletor que deve ser colocado após a higienização da genitália e trocado a cada 30 min. A urina após algum tempo no saco coletor deve ser desprezada, pois há multiplicação das bactérias e modificação da contagem alterando o resultado ou bactérias da própria flora uretral podem crescer e contaminar o material. Em paciente cateterizados – A coleta deve ser feita da junção ou tubo de drenagem, com seringa e agulha estéril sem jamais desconectar a bolsa do cateter, para evitar a contaminação da amostra e/ou levar uma contaminação para o paciente. A urina não pode ser coletada do recipiente onde a urina está sendo armazenada pois a urina presente ali ficou armazenada durante muito tempo sem refrigeração e bactérias contaminantes podem ter crescido, e isso invalida o resultado. Punção supra púbica – Em alguns casos a urina de jato médio é ineficiente e portanto é necessário uma coleta direto da bexiga. São eles: a) infecção por anaeróbios - não crescem bem em urina de jato médio devido ao ambiente desfavorável. Além disso o crescimento de qualquer outra bactéria pode sobrepujar o crescimento dos anaeróbios. b) Em pacientes com sintomatologia de ITU e sucessivas urinoculturas negativas – a infecção pode estar ocorrendo por algum agente difícil de processar em laboratório. 1º) Transporte Se não é processada imediatamente, as bactérias presentes no material começam a se multiplicar, gerando erro na contagem de colônias. Portanto a urina deve ser processada em no máximo 2h, quando armazenada em temperatura ambiente, ou 24h, quando sob refrigeração. Nunca mais que isso. 2º) Volume Para cultura 2 ml é o suficiente. Para EAS (Elementos Anormais e Sedimentoscopia) 10 ml. Geralmente os dois são feitos juntos. Em um estudo realizado no HUPE em janeiro e fevereiro de 2004 com 1019 urinoculturas, 50% tiveram resultado negativo, 35% positivo e 15% estavam contaminadas. Esses 15% representam perda de dinheiro e tempo (para iniciar a antibioticoterapia do paciente que pode estar hospitalizado, necessitando de tratamento urgente), comprovando que as duas primeiras etapas são cruciais para o diagnóstico. Principais problemas na realização de urinoculturas Recipientes de coleta não estéreis (garrafas, isopor, gelo na urina....) Falta de informação na requisição médica (nome, sexo, idade...) – é papel do médico preencher corretamente os pedidos de exame os frascos de amostra. Transporte do meio de cultura – como é preciso saber a quantidade de bactérias que cresceram naquela urina e o transporte em meio de cultura estimula o crescimento bacteriano, o transporte em meio de cultura inviabiliza a realização do exame. Urina de meio de janto para anaeróbios (precisa fazer punção da bexiga!!! Meios especiais!!!) Procedimentos laboratoriais 1º) Gram – correlacionar a contagem de bactérias em lâminas com a contagem de colônias em placa. Uma contagem de 1 a 2 bactérias por campo compatível com uma bacteriúria significativa 105. Muitas células epiteliais indicam contaminação. 2º) Semeadura em placa com contagem quantitativa – é semeado um volume conhecido de urina e espalhado sobre a superfície da placa. Depois é contado o número de colônias que cresceram naquele volume e multiplicado para se achar o número de colônias em 1ml. O diagnóstico das ITU não é feito isoladamente nem pela contagem de colônias (bacteriúria signigicativa) nem pela sintomatologia. Nada impede de um paciente com contagem inferior a 105 UFC/ml apresentar sintomas de infecção, assim como um paciente com contagem superior não apresentar sintomas estando apenas colonização, o que é ≠ de infecção. É preciso correlacionar a quantidade de leucócitos na urina, o estado imunológico do paciente, a sintomatologia, com a contagem de colônias. Outra coisa importante é que esse valor de 105 UFC/ml não é absoluto. Punções vesicais (urina retirada da bexiga) fornecem material teoricamente estéril, logo mesmo um crescimento de 102 UFC/ml é considerado positivo. Dependendo da condição do paciente isso também muda, se eu tenho uma mulher sintomática com cultura de bastonetes gram negativos com 102 UFC/ml (E. coli) já caracteriza infecção, então não é necessário esperar a paciente evoluir para um quadro mais grave para depois tratar. Algumas situações diminuem a quantidade de bactérias na urina. Ex.: Uso de antimicrobiano até 3 dias antes da coleta – Por isso essa informação deve vir no pedido para que se o crescimento for inferior a 10 5 UFC/ml também seja considerado; Bactérias com menor poder de replicação – Ex.: micobactérias. São de difícil identificação por metodologias comuns de urinocultura; Intervalo menor que 4h entre uma micção e outra; Contaminação com detergente – a higiene exagerada, inclusive do recipiente de coleta, com detergente pode reduzir a contagem de colônias. Tratamento Cistites e uretrites – antimicrobiano oral por 3 dias. Alguns médicos utilizam a dose única. Pielonefrites – antimicrobiano sistêmico para evitar que a bactéria se dissemine para a corrente sanguine e acompanhamento para evitar a reincidiva. Tratamento empírico (antes da identificação) – Nem sempre dá tempo de esperar o laudo do laboratório, mas isso não significa que este deve ser desprezado. Para realizar tratamento empírico deve-se conhecer a realidade do hospital onde se está, que a infecção é causada por uma E. coli por exemplo, por que corre-se o risco de dar um antimicrobiano para Gram – e ser um Gram +, daí não adianta nada. É preciso saber o perfil de resistência dos microorganismos mais freqüentes no hospital, porque se for uma bactéria resistente, a antibioticoterapia convencional também não vai resolver o problema. Pode-se tratar o paciente e esperar o resultado do exame para que, caso necessário, a terapia possa ser reavaliada e se necessário mudada, evitando-se a seleção bactérias multiressistentes e o agravamento do quadro infeccioso.