A Física Pré-Einsteiniana Revisitada

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A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
Lição 1
A Física Pré-Einsteiniana Revisitada
Operacionalidade e Conceitos Mecânicos
``Algo Velho, Algo Novo’’1
Poema Tradicional de Casamento
em países Anglo-Saxónicos
Estrutura Pedagógica
Apresentação:
Esta lição tem dois objectivos principais:
 Por um lado, vamos iniciar uma revisão (prosseguida na lição seguinte) de
alguns conceitos fundamentais de mecânica Newtoniana (i.e., Física PréEinsteiniana).
 Por outro lado, iremos reformular esses conceitos e expressões de uma forma
rigorosa e não ambigua (caso não o tenham sido antes num curso de mecânica
geral , e.g.).
O que se entende por ``leis da Física serem o mesmo” ou ``em repouso”? Como
definir``observador em laboratório em repouso ou observador inercial com relógio
inercial''? A nossa tarefa nesta lição (e seguinte) é expressar conceitos básicos de
mecânica Newtoniana da forma mais clara e precisa. Assim sendo, poderemos
explorar as consequências lógicas (e físicas) de qualquer ideia em Física (neste
caso, a Teoria da Relatividade Restrita (ou Especial).
Questões Centrais:
O tópico anterior introduz ou sugere o que são as questões centrais desta lição:
 Porquê revisitar a Física Pré-Einsteiniana?
 Como proceder a essa (re)visita e o que rever?
De facto, é crucial neste ponto focar a nossa atenção no seguinte:
 É importante rever a Física Pré-Einsteiniana pois permite re-introduzir
conceitos e expressões que terão que ser re-avaliados (alguns de forma
drástica) no contexto da Teoria da Relatividade Restrita (ou Especial).
1
``Something Old, Something New’’
1
 Paulo Vargas Moniz
 O Principio da Relatividade (num contexto Einsteiniano) requer formulações
realistas e operacionais desprovidas de abstração e ambiguidade quanto
possível.
Estrutura da Lição:
Esta lição seguirá uma orientação sequencial e por vezes clássica. Nomeadamente,
esta lição irá consisitir numa série de definições e exemplificações (cada uma
contendo aspectos essenciais em mecânica Newtoniana) que irão levar a
conclusões e ou questões, por vezes em sequência
Sumário da lição:
Em termos mais precisos, iremos nesta licção:
 Precisar ainda mais porque é importante revisitar a Física Pré-Einsteiniana,
indicando argumentos de natureza filsófica e pedagógica;
 Enunciar e rever:
 Conceitos operacionais de Referencial de Inércia, Observador, Evento
ou Acontecimento;
 Aspectos essenciais em mecânica Newtoniana: velocidade, aceleração,
energia cinética ,...
Objectivos Didácticos:
O objectivo pedagógico desta lição é que seja possível ao(à) aluno(a) saber reencontrar com precisão o que se entende operacionalmente por Referencial
Inercial, Observador, Relógio Inercial, Evento/acontecimento e daí descrever com
rigor conceitos e situações carcateristicas da Mecânica Newtoniana.
P
orquê revisitar a Física Pré-Einsteiniana? Além dos argumentos anteriormente
introduzidos há outros mais que devem ser adicionados:
1. Natureza Filosófica:
A Ciencia não é algo estático e imutável. O que hoje se pode aceitar como “verdade
cientifica” pode ser questionado e ser abandonado em face de novas evidencias
(e.g., experimental)
2. Natureza Pedagógica:
É muito importante
2
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
(a) Saber descrever com rigor o que ocorre (i.e., os acontecimentos que
observamos) quando estão envolvidas velocidades, v, muito inferiores à da luz,
c, (i.e., v  c ). Tal é essencial para proceder, se necessário, a alterações nas
nossas descrições quando v tem valores próximos de c ( v  c ). Só assim
poderemos, de forma substanciada, desafiar e redifinir o senso comum
estabelecido.
(b)
D
Compreender igulamente como fenómenos fisicos que observamos
correntemente determinam a nossa percepção da ``realidade’’ e natureza. I.e.,
como o nosso senso comum é estabelecido com base nas nossas observações.
esenvolvamos agora em maior detalhe os tópicos enunciados no sumário da
lição. Comecemos por introduzir o conceito de:
Definição Operacional: Uma definição operacional de uma quantidade/observável
físico define essa quantidade pela descrição de como essa quantidade pode ser
medida/registada. I.e., estabelece uma definição completa dessa quantidade física com
base num processo que podemos usar para determinar essa quantidade/observável.
O seguinte comentário poderá reforçar a justificação do conceito atràs introduzido.
A noção de operacionalidade é de fundamental importância em teoria da Relatividade. De
facto, as ideias do físico/filósofo E. Mach influenciaram fortemente A. Einstein. O ponto de
vista de E. Mach era que quantidades/observáveis físicos devem ser definidos em termos de
operações utilizadas para os medir.
Não há quantidades absolutas. Apenas existem observáveis físicos, cujas relações fisicomatemáticas são determinadas por cada observador. Essas relações físicas são a base
fundamental da descrição da natureza. Qualquer interpretação menos cientifica seria
negligenciada. Este é um dos ingredientes da corrente filosófica designada de positivismo.
A génesis de uma filosofia inteiramente relativista e rejeitando noções absolutistas podem
aqui ser identificadas.
Neste contexto, (re-)introduzamos então as seguintes defínições (operacionais):
1. Evento/Acontecimento (E): Qualquer ocorrência física que pode ser considerada
acontecer num determinado instante de tempo (t) [medido num relógio] e numa
determinada localização espacial (x,y,z) [medido por réguas, por exemplo].
3
 Paulo Vargas Moniz
Exemplo: A colisão de 2
particulas, uma estrela que surge
no ceu (a explosão da supernova
SN 1987a) ou a passagem de um
particula em determinado ponto
do espaço num determinado
instante -- tudo isto são
exemplos
de
eventos.
O
movimento de uma particula
pode ser analisado como uma
sequência de eventos.
Note-se que o conceito de acontecimento constitui uma idealização: qualquer
evento real tem necessáriamente uma extensão finita no espaço e no tempo.
2. Sistema de Referência/Referêncial (S): Rede rígida ou equivalente (idealizada)
baseada num sistema de eixos coordenados, consistindo num número
indeterminado de intervalos de medida espacial e um número indeterminado de
relógios (sincronizados consistentemente), presentes em cada ponto do espaço.
A origem espacial O define a localização no referencial onde outras localizações
(de eventos) podem ser comparadas. As coordenadas espaciais são determinadas
pelo sistema de eixos coordenados. A coordenada temporal do evento é
determinada pelo relógio mais proximo desse evento. De forma mais precisa
3. Coordenadas espacio-temporais (t,x,y,x): Relativamente a um evento num dado
referencial, são definidas por um número ordenado de números. Um, t, especifica o
tempo em que um evento ocorre tal como registado pelo relógio do referencial mais
próximo (ou idealmente, onde ocorre); os restantes números (x,y,z) especificam as
4
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
coordenadas espacias onde o evento ocorre (ou idealmente onde está o relógio que
coincidiu com o evento).
4. Observador: Individuo (hipotético) que regista e relaciona medições feitas num
referencial [Um sistema de referência é usualmente associado a um observador que
o utiliza para proceder a medições (registos das cordenadas espacio-temporias de
eventos)].
As definições acima substituem conceitos vagos tais como ``laboratório’’ por
idealizações operacionais mais precisas de referencais e eventos. De seguida, vamos
classificar o que e como se deve entender “movimento” ou “repouso” de observador.
O ponto essencial não é (como veremos) se um observador está em repouso ou
movimento (operacionalmente isso não é possivel devido ao Principio da
Relatividade) mas como esse observador se move.
A seguinte definição (operacional) permite classificar e distinguir entre dois tipos de
observadores (referenciais). Essencialmente, vamos estabelecer como se relacionam
referenciais onde a mecânica Newtoniana é valida. I.e., definir e identificar como se
relacionam referenciais onde eventos são descritos pelas leis de Newton da mecânica.
5. Referencial (e Relógio) Inercial: Referencial onde a primeira lei de Newton (lei de
inércia) é testada e determinada como válida em qualquer ponto do referencial e
para qualquer instante (medido em relógios sincronos presentes no referencial).
Tais relógios, presentes no referencial, dizem-se Inerciais se associados com e/ou
como instrumentos para determinar a validade da primeira lei de Newton.
5
 Paulo Vargas Moniz
Note-se que a definição de
Referencial Inercial (RI)
acima permite distinguir e
classificar referenciais como
sendo inerciais ou nãoinerciais. É uma definição
operacional
pois
define
referencial
através
da
descrição de como construir
um
(ver
definição
de
referencial) e identifica o que
é inercial através de testes
para determinar as suas
caracteristicas.
Comentário: Relembre-se que a primeira lei de
Newton estabelece que qualquer corpo permanece no
seu estado de repouso (v = 0) ou movimento uniforme

em linha recta ( v  const . ) a não ser que seja
constragido a mudar o seu estado pela acção de uma
força. Mais simplesmente, um objecto onde a soma de
todas as forças externas exercida é nula, move-se em
linha recta com velocidade constante.
Exemplo: o caso de patinadora sobre gelo ou nave
espacial (Pionner 10 or Voyager II) ``longe’’ de
interações (e.g., fora do sistema solar) - se nenhuma
força for exercida, continuarão o seu movimento
idealmente sem parar e em linha recta com velocidade
constante.
Comentário: Podemos classificar os seguintes referenciais de acordo com o seu grau de RI.

Um RI ideal é aquele que não possui rotação2 e se encontra infinitamente afastado de qualquer
objecto que exerça interacção gravitacional. De facto, um RI é uma idealização no sentido que
nenhuma experiência pode segurantemente determinar se um referencial real é estritamente inercial
e não está sujeito a forças e suas influencias.

Um referencial sem rotação mas em queda livre é localmente inercial3. Representa em boa
aproximação um RI mas quanto mais extenso (espacialmente) fôr mais acentudada será a nãoinercialidade na sua periferia. Noutro sentido, um outro referencial em repouso num campo
gravitico uniforme é fisicamente equivalente a um referencial uniformemente acelerado, longinquo
de qualquer interacção4.

Refereciais locais em repouso (fixos) na superficie da Terra não são rigorosamente Inerciais. Para
a grande generalidade de experiencias de mecânica (com movimento na horizontal) onde v <<c,
um referecial fixo com Terra é uma aproximação satisfatória de RI: os efeitos de rotação são
negligenciáveis relativamente a descrever fenómenos de mecânica, óptica, electromagnetismo,
atómicos e nucleares. Há que contar com movimento de rotação da Terra a que corresponde uma
5
velocidade de 7.3 10 rad/seg. Mas isso implica que os efeitos associados são pequenos. Com a
órbita da Terra em torno do Sol os efeitos são ainda menores em escala que os anteriores (no
referente à órbita do Sol em torno do centro da Galáxia a magnitude é ainda menor). De facto,
tomando uma nave espacial que se mova idealmente com velocidade uniforme relativamente às
estrelas fixas e na direção da Terra, essa nave (Pionner 10 or Voyager II, sem sofrerem interações
externas) não têm forças aplicadas sobre elas. Mas registadas na Terra, têm uma orbita espiral,
devido à rotação desta. Experiencias conhecidas neste contexto são o pendulo de Foucault e as
inferencias na balistica e atmosferas planetárias, relacionadas com a aceleração de Coriólis.
2
Um referencial sob efeito de rotação (e não estando em queda livre) não pode ser rigorosamente
inercial. Está sob acção de forças externas (centripeta ou centrifuga, dependendo do ponto de vista de
observador)
3
Todos os corpos, se presentes num campo gravitico uniforme, cairão em qualquer ponto com igual
valor de aceleração. Mas campos graviticos reais são não uniformes. Apenas referenciais em queda
livre são localmente inerciais.
4
Na base desta hipótese está o Primcipio de Equivalência, que é fundamental no desenvolvimento da
Teoria da Relatividade Geral. Básicamente, enuncia que (a) localmente não podemos distinguir entre
um Observador num campo gravitico uniforme ou um Observador uniformente acelerado, com valor de
aceleração igual à determinada para gravitação nesse ponto, ou equivalentemente (b), entre um
Observador Inercial ou um Observador fazendo as suas observações enquanto em queda livre
6
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
U
ma vez estabelecido o anterior, apresentemos um sumário de conceitos e relações
físicas de mecânica Newtoniana, válidas e estabelecidas por meio de
observadores associados a referenciais inerciais.
 Conceitos fundamentais:
 massa - m
 coordenadas espaciais - x,y,x
Evento
 tempo - t
 Conceitos Derivados:
 velocidade (taxa de variação de posição com tempo)
 
dx
dy
dz 
v  v x 
,vy 
, vz  
dt
dt
dt 

(1.1)
 aceleração (taxa de variação de velocidade com o tempo)
 
d 2x
d2y
d 2z 
a   a x  2 ,a y  2 ,a z  2 
dt
dt
dt 

(1.2)
 Momento linear (produto de massa com velocidade)


p  mv
(1.3)
 Força (taxa de variação temporal de momento linear)
[Segunda lei de Newton]

 d p
dv

F
m
 ma
dt
dt
(1.4)
(se massa for constante)
 Interação:
[Terceira lei de Newton]

A força exercida por um corpo A num corpo B, FAB , tem valor (magnitude) igual mas

sentido contrário à força exercida por corpo B em A, FBA :




FAB = - FBA , | FAB | = | FBA |
(1.5)
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 Paulo Vargas Moniz
 Conservação de momento linear:
[consequência da 2a e 3a lei de Newton]
Se soma de forças (força total) exercida num sistema é nula, o movimento linear total
permanece constante



d ptotal

Ftotal   Fi  0 
 0  ptotal  const .
dt
i
(1.6)
Tomemos o exemplo de colisão de duas particulas A
e B. Inicialmente, a particula A com massa mA
(assumida como inalteravel) move-se na direção do
eixo dos xx com velocidade inicial constante


v A  v iA e x . A particula B tem massa mB e está em
repouso relativamente ao RI S. Depois da colisão, A
fica em repouso
e B adquire movimento no eixo dos xx. Assumindo que durante a



colisão FAB = - FBA , em particular, FAB e x = - FBA e x , então integrando para o tempo
em que as particulas interagiram obtemos
Nota: Numa colisão, quando a
força total é nula, o momento
linear de cada objecto pode
variar mas o momento total
não muda.
F
AB
dt    FBA dt 
m
d vA
A dt
tempototal
dt  
m
d vB
B dt
tempo total
dt
(1.7)
i.e.,
v Af  0
m
v iA
v Bf
A
dv A    mB dv B  m A v iA  mB v Bf
(1.8)
0
 Trabalho (W): Produto de força actuante pelo deslocamento correspondente
efectudo
  



dW  F  dr  F  ( xex  ye y  zez )
(1.9)
 Energia Cinética ( E K ): variação de energia cinética E K é igual ao trabalho
realizado por força total actuante.




No caso simples de F  Fe x e dr  dxe x temos que
vf
dW  F  dx  m
dv
dt
dx  mv dv  W   mvdv  12 m(v 2f  vi2 )  E K f  E K i
(1.10)
vi
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A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
 Energia potencial, (EP): Função de coordenadas tal que diferença entre seus valores
na posição inicial e final é igual ao trabalho para mover objecto de posição inicial
até posição final. Neste caso, a força diz-se conservativa.
A conservação de energia é expressa por (para forças conservativas)
E K f  E pf  E K i  E ip
(1.11)
Comentários:
 Energia: Pode ser transferida mas não pode ser criada ou destruida. Energia total de
sistema isolado é constante (conservação de energia).
 Trabalho W é igual à diferenca de energia cinética e é independente da força e da
trajectoria seguida.

 Uma força F ( x , y , z) diz-se conservativa se satisfizer a condição que trabalho resultante
é sempre expresso por diferenças de valor de energia potencial, Ep, i.e., independente da
trajectória seguida.
9
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