P á g i n a | 104 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA LITERATURA ERÓTICA ESCRITA POR MULHERES: MARINA COLASANTI E MAYA BANKS Edilson Alves de SOUZA (UEG/Esp.) ([email protected]) Vanessa Gomes FRANCA (UEG/Dra.) ([email protected]) Luziene Taveira dos SANTOS (UEG) ([email protected]) Palavras-chave: Literatura erótica, representação da mulher, Marina Colasanti, Maya Banks. Durante séculos, a mulher foi submetida ao marido e a um ambiente extremamente patriarcal, no qual ela era educada para ser meiga, passiva, submissa, dentre outras “qualidades” obrigatórias para a classe feminina. Esses e outros aspectos são construções sociais e históricas compartilhadas por algumas sociedades, as quais também partilham estereótipos que revelam “[...] paradigmas do ser frágil ou forte, dominador ou submisso, racional ou intuitivo” (PUGA DE SOUSA, 2002, p. 138), arquitetando, sobretudo, a moral e as relações de poder que devem funcionar e reger os comportamentos. Nesse contexto, à mulher foi atribuída uma culpabilização bíblica que a silenciou durante anos. As instituições familiares, religiosas, governamentais, aderindo ao modelo de sociedade patriarcal pregado pela religião, conferiram ao homem privilégios, ao passo que, legaram à figura da mulher o segundo plano ou, em muitos casos, plano nenhum, o que denota a tamanha derrogação e a anulação da mulher enquanto ser humano (PUGA DE SOUSA, 2002). Situações como essas impulsionaram o surgimento de movimentos que procuravam a libertação da mulher oprimida por esse sistema, apresentando um caráter de defesa da igualdade de direitos e de busca por melhores condições de vida para as mulheres. Destarte, entre as décadas de 30 e 60, floresceram novos ideais, alimentados principalmente por pensadoras, entre os quais se destacam aqueles da vertente francesa, tendo Simone de Beauvoir como ícone intelectual de maior força, e aqueles da vertente americana, demarcada pelos pensamentos de Betty Friedan. Simone de Beauvoir, em meados de 1949, realiza a primeira publicação do seu livro O segundo sexo, no qual ela “[...] estabelece uma das máximas do feminismo: ‘não se nasce mulher, se torna mulher’” (PINTO, 2010, p. 16, grifo da autora). Com tal afirmação, Beauvoir provoca polêmicas e uma profunda ruptura no modelo de sociedade, pois dá uma nova interpretação àquele modelo pregado e sustentado P á g i n a | 105 pelas entidades religiosas. Em 1963, Betty Friedan lança o livro que ficou conhecido como “[...] uma espécie de ‘bíblia’ do novo feminismo: A mística feminina” (PINTO, 2010, p. 16, grifo da autora), que acaba por incitar o diálogo e a mudança de discursos e posicionamentos sobre as relações de poder entre homem e mulher. Assim, um conjunto de fatos imbricados, associados aos pensamentos dessas autoras, e o patrocínio ideológico do comunismo, fortaleceram as lutas em favor da mulher na Europa e na América. Durante o período militar do Brasil, a partir dos anos de 1970, manifestações, com o apoio de organizações feministas e da Organização das Nações Unidas (ONU), fizeram com que as mulheres mostrassem o desejo de igualdade dentro de um âmbito nacional e internacional (PINTO, 2010, p. 16-17). Além disso, nos anos de 1980, serão feitas alianças entre grupos feministas e outros coletivos, o que contribuirá para impulsionar as lutas pelos direitos das mulheres. Estes grupos se organizam, a fim de abordarem uma série de temas, tais como “[...] violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito à terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo, opções sexuais” (PINTO, 2010, p. 17). A partir da luta do feminismo brasileiro, foram criados o Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), em 1984; as Delegacias Especiais da Mulher, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11 340, de 7 de agosto de 2006) e diversas Organizações Não-Governamentais (ONGs) que, com o apoio da Constituição Federal (CF) de 1988, têm colocado em discussão o papel da mulher na sociedade brasileira de uma maneira que nunca havia sido tratado (PINTO, 2010, p. 17). Como respaldo dessa gama de ações, ocorreram alterações nos padrões tradicionais sociais a partir das novas concepções de sujeito. Em consequência disso, a “nova” mulher transforma (e vê transformada) a sua realidade. Ela também começa a ocupar vários espaços na sociedade, como na educação, na política, passando a tomar decisões sobre sua própria vida. Os pensamentos de Simone de Beauvoir aliados aos de Judith Butler, filósofa norte-americana, desmontam os discursos sobre o corpo do homem e da mulher de modo a criar novos valores sexuais e morais, dando a mulher a liberdade de ter o poder de decisão não apenas sobre a direção da sua vida, mas, sobre como usar seu corpo. Conforme Céli Regina Jardim Pinto (2010, p. 15), “[p]ode se conhecer o movimento feminista a partir de duas vertentes: da história do feminismo, ou seja, da ação do movimento feminista, e da produção teórica feminista nas áreas da História, Ciências Sociais, Crítica Literária e Psicanálise”. Na década de 80, por exemplo, os estudos de Gênero, P á g i n a | 106 contribuíram para que houvesse uma abertura para uma nova leitura da mulher e do homem e de seus papeis simbólicos na sociedade. Ainda no que concerne à produção teórica – o que nos interessa de modo especial nesse trabalho –, é importante destacar que o ideário feminista demostrou ser um profícuo e fecundo olhar, o qual penetrou nas diversas áreas do conhecimento, sobretudo na crítica literária e na Literatura, ocasionando o surgimento de movimentos literários na Europa, nos Estados Unidos e igualmente no Brasil. A produção literária, então, não ficou indiferente ao que estava acontecendo. Por esse motivo, as personagens femininas passam a aparecer na literatura com um novo cariz. Dessa maneira, além do estereótipo do papel doméstico, biológico (maternidade), vemos delineada uma mulher preocupada consigo mesma e com as questões sociais. Ademais, [a] literatura contemporânea é rica, sobretudo, em figuras de mulheres do tipo transitório. É rica em heroínas que tem simultaneamente as características da mulher antiga e da mulher nova [...] O antigo e novo encontram-se em contínua hostilidade na alma da mulher. Logo, as heroínas contemporâneas tem que lutar contra um inimigo que apresenta duas frentes: o mundo exterior e as suas próprias tendências, herdadas de suas mães e avós (KOLONTAI, 1978, p. 21). À vista disso, a mulher não é representada somente no papel de vilã, como se constata na literatura misógina medieval. Ela agora ganha representações consoantes a de uma heroína. Não de uma heroína de contos de fadas que, geralmente, só é feliz quando se casa com o príncipe encantado; mas de uma mulher capaz de escrever/determinar a sua própria história/vida, conforme vemos no livro A moça tecelã, de Marina Colasanti. Em tal narrativa, a personagem exerce a autonomia de tecer/decidir sua vida em oposição a subjugação do marido. Nessa direção, comumente, encontramos estudos que desvelam a maneira inferiorizante pela qual a mulher foi/é tratada e produções literárias que demostram uma nova face da figura feminina, como ocorre na Literatura Erótica. Marina Colasanti, escritora brasileira, é “[...] assumidamente feminista e defensora dos direitos da mulher” (FRANCA; SOUZA; DIAS; FARIAS, 2009, p. 79). A autora tem se destacado no cenário nacional e internacional por suas narrativas intrigantes, que problematizam o universo feminino. Podemos dizer que em seus textos, Mariana Colasanti dá voz às personagens femininas. Desse modo, ao perscrutarmos as histórias colasantianas ouvimos ecos de vozes femininas, vozes silenciadas, impedidas, proibidas por vários anos de repressão, que em suas narrativas manifestam-se e ao manifestar-se clarificam/corporificam P á g i n a | 107 seus desejos, seus medos, seus anseios, suas paixões (FRANCA; SOUZA; DIAS; FARIAS, 2009, p. 81). Os aspectos arrolados na citação acima são constantes nos contos do livro O leopardo é um animal delicado, de Colasanti. Da mesma forma, encontramos características similares nos romances da autora americana Maya Banks. Dentre as dezenas de publicação de Banks, destacam-se os romances eróticos, muitos traduzidos para o português. Na cama com um Highlander, por exemplo, o primeiro livro da trilogia dos McCabe, possui personagens marcantes, revestidos de sensualidade e bem construídos. Em ambas as autoras, percebemos que as personagens femininas são envolvidas em uma trama e uma atmosfera eróticas. A mulher é objeto de uma descrição que a mostra sujeita ou sujeitando-se ao desejo sexual. Tanto Colasanti quanto Banks, cada uma dentro de um peculiar estilo narrativo, trazem representações inusitadas do desejo sexual feminino, desconstruindo padrões sobre a atividade sexual, convencionalmente, estabelecidos para a mulher. Em visto disso, nesse trabalho, pretendemos desvelar representações da mulher na Literatura Erótica, tendo como corpus de pesquisa os livros O leopardo é um animal delicado, de Marina Colasanti, e Na cama com um Highlander, de Maya Banks. Referências: BANKS, Maya. Na cama com um Highlander. Tradução de Ana Cunha Ribeiro. Lisboa: Bertrand Editora, 2013. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 2009. COLASANTI, Marina. O leopardo é um animal delicado. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. ______. A moça tecelã. In: ______. Doze reis e a moça no labirinto do vento. 6. ed. São Paulo: Global, 2001. p. 81-87. FRANCA, Vanessa Gomes; SOUZA, Edilson Alves de; DIAS, Luciana Santos Barbosa; FARIAS, Vanderléia dos Santos. A literatura infantil e juvenil brasileira: um estudo dos contos de fadas de Marina Colasanti. In: CAMARGO, Flávio Pereira; FRANCA, Vanessa Gomes (Org.). Estudos sobre literatura e linguística: pesquisa e ensino. São Carlos: Claraluz, 2009. p. 75-104. KOLLONTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. Tradução de Roberto Goldkorn. São Paulo: Global Editora, 1978 PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, história e poder. Revista de sociologia e política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010. P á g i n a | 108 PUGA DE SOUZA, Vera Lúcia. Gênero e cultura: descortinando sujeitos e violências. ArtCultura, Uberlândia, v. 4, n. 4, p. 137-143, jul. 2002.