Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA Análise critica-reflexiva da linguagem e dos aspectos formais e estéticos que compõem o poema “Língua Portuguesa” de Olavo Bilac em interrelação com a Linguística Moderna d.o.i.10.113/2236-1499.2013v1n10p145 SILVA, Isadora Cristiana Alves “A transmissão e o exame dos discursos de outrem, das palavras de outrem, é um dos temas mais divulgados e essenciais da fala humana. Em todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa fala contém em abundância palavras de outrem, transmitidas com todos os graus variáveis de precisão e imparcialidade.” Mikhail Bakhtin Resumo: O referido artigo tem como objetivo analisar sob a perspectiva crítica-reflexiva e interpretativa a temática, o contextual e a forma do poema “Língua Portuguesa” de Olavo Bilac, a partir de pesquisa bibliográfica e análise do discurso acerca da formação ideológica, constituição do discurso, interpretação temática e contextual, filosofia da linguagem e interdiscursividade a fim de se averiguar a visão de superioridade, o posicionamento elitista do escritor em relação ao conteúdo abordado, a linguagem empregada, construção técnica, contexto histórico e social da época de sua escrita. 145 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA Palavras-chave: crítica-reflexiva; interpretativa; temática; contexto; forma. 1. Introdução Os diversos posicionamentos lingüísticos existentes são reflexos das correntes ou linhas teóricas da Lingüística Moderna, que surgiu no início do século XX com o surgimento do Estruturalismo Linguístico, estudos científicos relacionados aos aspectos formais da língua, desenvolvidos pelo linguista Ferdinand Saussure. Posteriormente diversos linguistas também desenvolveram pesquisas voltadas para os diversos fenômenos funcionais e formais da língua/linguagem e passaram assim a influenciar a concepção de língua tida por gramáticos, educadores e falantes de modo geral. Na trajetória cronológica da literária brasileira, no estilo de produção das diferentes épocas e de alguns escritores, encontram-se resquícios que prenunciam posicionamentos linguísticos, embora estabelecidos sem uma relação direta com os diversos conceitos linguísticos originários das abordagens modernas, que foram sendo aprofundadas, consolidadas e disseminaram ao longo dos anos alcançando a atualidade. A análise do período histórico, do enunciado do poema “Língua Portuguesa” e das características peculiares de criação de seu autor Olavo Bilac (1865-1918), permitem, por conseguinte identificar os fatores de formação da postura linguística do escritor e a relação com estudos linguísticos recentes. 146 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA Poema/Soneto “Língua Portuguesa” de Olavo Bilac Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela… Amo-te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! 2. Linguagem e estética As características formais de estruturação e composição do Soneto “língua Portuguesa” retratam fidedignamente a valorização de uma linguagem culta e da perfeição formal, e distinguíveis por possuir uma forma fixa, formado por 14 versos, dois quartetos (4 versos) e dois tercetos (3 versos), constituído de versos decassílabos heróicos, formados por dez sílabas poéticas, com acentuação nas 6º e 10º sílabas. Há presença de rimas interpoladas e emparelhadas do tipo ABBA, sendo perfeitas e soantes, como Bela/Fera; Sepultura/Impura. Rimas ricas, pois 147 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA pertencem a categorias morfológicas diferentes, como Bela (adjetivo) e Vela (verbo), Sepultura (substantivo) e Impura (adjetiva), e cruzadas ou alternadas CDC, em Aroma/Amargo; Filho/Brilho. Bilac é considerado o mais importante poeta do Parnasianismo, escola literária ou manifestação poética do Realismo/Naturalismo que surgiu no século XIX e caracterizavase por buscar como ideal de arte o gosto pelas formas perfeitas e fixas, emprego da língua com extremo rigor gramatical e vocabulário culto, prezava a metrificação rígida e linguagem exageradamente erudita, de difícil compreensão. A busca da perfeição pela correção gramatical, a volta aos clássicos e o rebuscamento marcam uma atitude de tipo aristocrático e constituem um traço saliente da fase que vai dos anos de 1880 até a altura de 1920, correspondendo a um desejo generalizado de elegância ligado à modernização urbana do país, sobretudo sua capital, Rio de Janeiro. Do ponto de vista da literatura, foi uma barreira que petrificou a expressão, criando um hiato largo entre a língua falada e a língua escrita, além de favorecer o artificialismo que satisfaz as elites, porque marca distância em relação ao povo; e pode satisfazer a este, parecendo admiti-lo em terreno reservado. Essa cultura acadêmica, geralmente sancionada pelos Poderes, teve a utilidade de estimular, por reação, o surto transformador do Modernismo, a partir de 1922. (CANDIDO, 2004, p. 78-79) O Parnasianismo se revelou no final da década 1870 e prolongou-se aproximadamente até 1922, buscando inspiração na poesia clássica, retratava na maioria das vezes acontecimentos peculiares da história ou da mitologia greco-latina, prestigiava 148 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA sempre o léxico extremamente culto e perfeitas elaborações estruturais. Recebeu grande influencia do Parnasianismo Francês que passou a influenciar os escritores brasileiros, a camada mais elitizada da população, de mais elevado nível intelectual, social e econômico teve o primeiro contato com as principais ideias científicas, filosóficas e culturais provenientes do Iluminismo, que vinha se revelando com a finalidade de romper alguns preceitos do momento literário anterior, o Romantismo. Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinado, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência sociodialógica em torno do objeto de tal enunciado e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu; ele é como sua continuação, réplica [...] (BAKHTIN, 1978.p. 100). Bilac valorizava, sobretudo a estética, muitas vezes considerada autoritária e ditatorial, os poetas da época não tinham a oportunidade de expressar suas ideias através de textos livres, pois estavam sempre presos á padrões de valorização estética. O importante não era produzir uma arte que representava a livre expressão, e sim partir sempre do pressuposto de criação literária que consagrava a forma sobre conteúdo. 2. Temática O soneto de Bilac retrata o processo histórico de formação da Língua Portuguesa, a última língua neolatina formada, que 149 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA surgiu do latim vulgar na região italiana do Lácio, falado por pessoas menos favorecidas economicamente, como eram vistos os soldados e camponeses. Bilac defendia a ideia de que a língua que se originava em detrimento do latim que caía em desuso era uma língua rústica, grosseira, mas que através de um processo de elaboração, lapidação, poderia ser moldada, enquadrada nas normas estéticas que ele acreditava. A linguagem empregada nos textos dessa época não era acessível a todas as camadas socioeconômicas da população, uma vez que grande parte era analfabeta, sendo privilégio apenas da classe letrada. Na concepção parnasiana só existia poesia, cultura e literatura dentro dos seus parâmetros específicos, a linguagem deveria seguir a norma gramatical da Língua Portuguesa clássica de Portugal. Quanto à língua, tem-se que, em geral, nas sociedades letradas, o que se configura como a tradição é o que ficou registrado, nos “instrumentos linguísticos”, como prática prestigiosa da língua, tomado assim como um parâmetro para o “julgamento” de todos os enunciados linguísticos, falados e escritos. Desse modo, todos os enunciados que estiverem mais próximos da tradição são considerados “cultos”, e todos os que dela se distanciarem são considerados menos cultos ou “populares”. Isso da origem à dicotomia norma culta/norma popular [...] e hierarquiza os falantes (Silva, 2006, p. 198). A visão de superioridade acerca da língua tida por Bilac reflete no poema uma postura excludente em relação às demais línguas faladas no período colonial durante o processo de aculturação linguística. A língua portuguesa foi imposta por Portugal à população do Brasil colônia, a cultura dos índios e africanos foi em parte desfeita, a língua que eles falavam e que 150 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA carregava uma bagagem social e histórica do meio e do momento em que viviam foi desvalorizada. Com a chegada dos portugueses ao Brasil houve um multilinguísmo, pois os índios falavam em sua grande maioria a língua Tupi, posteriormente os colonizadores diante da necessidade de reforçar a mão de obra e facilitar os processos de exploração das riquezas brasileiras, transportaram para o Brasil, no processo então chamado de “trafico negreiro”, os africanos que foram escravizados, estes por sua vez falavam “dialetos crioulos” que se distanciavam consideravelmente do Português falado pelos colonos. Nesse sentido a Língua Portuguesa em combinação com as demais línguas faladas na colônia tornou-se Nheengatu (Língua Geral), entretanto em meados do século XVIII Portugal decretou a proibição definitiva da utilização da Língua Geral, a partir desse momento apenas foi permitido falar o idioma Português vindo de Portugal. O poema retrata o histórico da Lingua Portuguesa, a última língua neolatina formada, que surgiu do latim vulgar na região italiana do Lácio, região próxima de Roma, falado por pessoas menos favorecidas economicamente como eram vistos os soldados e camponeses da época, e nao pelo latim clássico falado por pessoas cultas e pelas classes tidas dominantes como poetas, filósofos, senadores. Nos versos “Última flor do Lácio, inculta e bela”, “Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela...” fazem referência a este enfoque, Bilac defende a ideia de que a língua é rústica, grosseira, mas que deve ser bem trabalhada, lapidada, por isso que ele é conhecido por muitos como “o ourives da palavra”. No período colonial, descobrimento (1500) e com a chegada dos Portugueses, da família real (1808) ao Brasil houve um multilinguismo, pois os índios que habitavam no Brasil falavam na sua maioria a língua Tupi, posteriormente surgiu á necessidade, por parte dos colonizadores portugueses, de se reforçar a mão de obra para facilitar os 151 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA processos de exploração das riquezas brasileiras, sendo assim foram trazidos para o Brasil africanos para serem escravizados, estes falavam “dialetos crioulos” que se baseavam na língua portuguesa, mas distante das regras do Português falado em Portugal. Nesse sentido a Língua Portuguesa em junção com as duas línguas faladas na colônia, tornou-se Nheengatu (Língua Geral), que tornou-se em pequena instância a língua mais falada durante um breve momento desse período. Na metade do século XVIII houve a proibição por parte de Portugal através de um decreto que proibia o uso da Língua Geral (1758), não se falaria mais Nheengatu apenas o Português de Portugal, falado pelos colonizadores. Os “colonos” de origem potuguesa falam o português europeu, mas evidentemente com traços específicos que se acentuam no decorrer do tempo. As populações de origem indígena, africana ou mestiça aprendem o português, mas manejam-no de uma forma imperfeita. Ao lado do português existe a língua geral, que é o Tupi, principal língua indígena das regiões costeiras, mas um tupi simplificado, gramaticalizado pelos jesuítas (Teyssier, 1997, p. 175). O poeta enfatiza no poema a beleza que pode chegar a ter a Língua e a expressividade de seu amor pelo novo idioma, “Amo-te assim, desconhecida e obscura / Tuba de alto clangor, lira singela”. Demonstra também a maneira pela qual a Língua chegou ao Brasil, através dos colonos nas caravelas, e faz uma comparação do idioma novo com as florestas brasileiras intactas, ainda não exploradas, [...] “o teu aroma/ de virgens selvas e oceano largo”. Alusão a Língua que morria como o latin que 152 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA pouco passou a ser usado e o surgimento do Português, pode ser percebida em “És a um tempo, esplendor e sepultura”. Com o processo de aculturação, a Língua Portuguesa foi imposta, a cultura dos Índios e dos Africanos foi desfeita, a língua que eles falavam foi nesse período desvalorizada. O idioma na visão de Bilac precisava ser moldado, enquadrado nas normas estéticas que ele acreditava, no verso “[...] ó rude e doloroso idioma”, ele fala de como é difícil o processo de aculturação. No último terceto quando o autor diz: “Em que da voz materna ouvi: 'meu filho'!/ E em que Camões chorou, no exílio amargo/ O gênio sem ventura e o amor sem brilho”, refere-se a Camões que consolidou a Língua Portuguesa em “Os Lusíadas”, epopéia que conta grandes ações dos Portugueses no período das grandes navegações e que escreveu quando estava exilado. 3. Relação com a linguística moderna O posicionamento intolerante e a concepção de Bilac de arte, cultura dentro das normas gramaticais e dos conceitos estéticos característicos do Parnasianismo, possibilitam uma análise contra positiva com alguns aspectos das diversas perspectivas linguísticas da atualidade, ao traçar um paralelo das características estruturais, do período literário e da temática abordada com as linhas modernas de estudo da Linguística, o Formalismo, gerativismo, que propõe vertentes semelhantes, e a sociolinguística que difere em alguns aspectos. Segundo Pêcheux, 153 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA [...] o sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sóciohistórico em que as palavras, expressões, proposições são produzidas (isto é, reproduzidas) (1975, p. 144). No tocante a concepção Formalista representada de forma legítima o Estruturalismo no qual a língua se configura como sistema estrutural de códigos isolados e independentes, cujos estudos científicos são voltados apenas para a forma, desconsiderando que as relações sociais e culturais influenciam o modo de falar dos indivíduos. Já a corrente Gerativa ou também conhecida como Gramática Gerativa segue os mesmos parâmetros do Formalismo, considerando a gramática tradicional e rígida um conjunto de regras abstratas e formais não alteráveis pelas variações ligadas ao uso concreto da linguagem. Para Marcuschi, “ao que tudo indica, uma das tristes heranças do século XX foi a insuficiência explicativa e o reducionismo do projeto formalista” (2008, p. 31). Na abordagem sociolinguística, também comumente conhecida como teoria da variação, a estrutura linguística está absolutamente ligada ao meio social, ao uso concreto da língua, atentando para a importância das alterações ou variações referentes ao contexto geográfico, social e situacional dos falantes. A sociolinguística é uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais de sua produção linguística. Para essa corrente, a língua é uma instituição 154 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA social e, portanto, não pde ser estudada como estrutura autônoma, independente do contexto situacional da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação (Martelotta, 2010, p.141). Conhecer tais teorias, formas de pensar diferentes possibilitam um despertar mais consciente para a importância da língua em seu uso real, para que partindo de distintos pontos de vista, se tenha uma postura menos preconceituosa em relação às várias possibilidades de realização da língua, não podendo se restringir apenas a sua percepção particular como um sistema de signos linguísticos jamais afetados por seu externo desempenho funcional Considerações Finais A visão de superioridade acerca da língua tida po Olavo Bilac, numa postura excludente em relação ás demais língua faladas na colônia e a concepção de que só se produzia arte, cultura dentro das normas gramaticais e dos conceitos estéticos característicos do Parnasianismo, possibilitam uma análise contrapositiva com alguns aspectos da perspectiva linguística da atualidade, traçando um paralelo do poema e seu contexto com a linha teórica Formalista e gerativista, correntes da Linguística Moderna, que propõe vertentes teóricas semelhantes, no tocante a concepção Formalista a língua se configura como sistema isolado, independente, sistema estrutural de códigos, cuja forma é mais importante que a função, desconsiderava que as relações sociais e culturais influenciavam o modo de falar dos indivíduos, já a corrente Gerativa ou também conhecida como Gramática Normativa, baseada na gramática como conjunto de regras abstratas e formais. 155 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA Outro enfoque que pode bem ser elucidado é a visão Modernista que foi um movimento literário que iniciou-se no século XX, cuja finalidade baseava-se em romper esses padrões estéticos. Os escritores modernistas pregavam a liberdade da palavra, buscavam sempre a liberdade de criação. Um dos mais importantes escritores do 1º fase do modernismo brasileiro chamava-se Oswald de Andrade, líder do movimento revolucionário literário que procurava superar as influências portuguesas, defendia assiduamente o nacionalismo, a busca das origens, com um olhar crítico, baseava-se na aceitação e valorização de contrastes da realidade e da cultura brasileira. Para ele o modo de falar de cada indivíduo carregava uma bagagem histórica do meio e do momento em que vivia. A língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação (Martellota, 2010, P. 141). Oswald lutava contra os padrões da língua literária culta, erudita, rebuscada que impediam o poeta de se expressar livremente, valorizava-se o falar do cotidiano, o modo como falamos segundo as variedades linguísticas, buscando a língua brasileira determinada pelo contexto social, econômico e cultural. Já no aspecto formal dos textos, poesia a inovação se deu com a publicação de poemas pequenos, sem pontuação, metrificação, emprego de rimas e ausência de pontuação. É de suma importância a alusão de tais teorias, formas de pensar diferentes, para que a partir destas se possa ter uma visão menos pragmática em relação a um posicionamento linguístico, uma vez que a língua não pode ser tida como algo excludente, 156 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA como patamar que julga com mais e menos prestigio o falar das pessoas. Não cabe sob o enfoque sociolínguísta, a norma culta ser imposta descartando sem nenhuma importância ou consideração o contexto geográfico, social e situacional dos falantes. É preciso que se tenha consciência da norma culta, da ortografia padrão, mas o que é inadmissível é que se queira impor a todo custo essa postura, excluindo e discriminando o falar individual das pessoas. O correto é que se conheçam as normas da gramática tradicional se admitindo que em muitos casos ela deva ser usada como requisito obrigatório e que se melhor encaixa determinadas situações, o que não elimina o uso da língua falada de forma coloquial, carregada de variações, características referentes ao contexto e as peculiaridades de quem fala. A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua – afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas um quinto do seu valor total. Mas é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito linguístico (Bagno, 2007, p. 9-10). Não existe maneira certa ou errada de falar, o modo de falar não representa em hipótese alguma, patamares de poder, posição econômica e social. O falar culto não deve ser encarado como meio de ascensão social. O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe [...] uma única 157 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013 Análise crítica-reflexiva da linguagem... SILVA língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicadas nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerado sob a ótica do preconceito linguístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não raro a gente ouvir que “isso não é português” (Bagno, 2007, p. 40). Não se pode considerar como “modo de falar correto” apenas o falar fidedignamente baseado na norma culta da escrita gramatical. Referências BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico – o que é, como se faz. 49ª Ed. São Paulo: Loyola, 2007. BILAC, Olavo. Poesias. 23ª edição. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1964 MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MARTELLOTA, Eduardo Mário. Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2010. SILVA, Luiz Antônio da. A língua que falamos: português: história, variação e discurso. São Paulo: Globo, 2005. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orland et al. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1988 (Título original: Les vérites de la Palice, 1975). TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 158 Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro, 2013