Perda de Biodiversidade e Funcionamento dos Ecossistemas

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Ecossistemas.doc
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Perda de Biodiversidade e Funcionamento dos Ecossistemas
Micael Jonsson
Department of Ecology and Environmental Science
Umeå Universit y
Sweden
Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que
resultados de novas pesquisas científicas tornam -se disponíveis. Portanto,
apresenta as últimas informações sob re os tópicos abordados.
Será que deveríamos nos preocupar com a extinção das espécies? Até pouco
tempo atrás, a diversidade da vida vem aumentando aos níveis mais elevados de
que se tem conhecimento na história da Terra (Chapin et al., 2000). Contudo, a
exploração da natureza pelo homem tem tido, e ainda tem, conseqüências
prejudiciais para a biodiversidade do planeta. Segundo estimativas, cerca de 150
tipos únicos de organismos são extintos diariamente (Lamont, 1955). É bem
verdade que muitas espécies de plantas e animais estão desaparecendo e
continuarão a desaparecer em decorrência de atividades humanas no passado e no
presente (Chapin et al., 1996), mas será que essa perda afeta o funcionamento dos
ecossistemas e influenciam o bem -estar da humanidade?
A ciência conhece quase dois milhões de espécies, mas acredita -se que
existam pelo menos 10 milhões (e talvez até 30 milhões) de espécies (May, 1990).
Com esse grande número de espécies, e a vasta diversidade que representam, seria
realmente tão importante se perdêssemos algumas, ou muitas que sejam? Afinal,
a extinção é um processo natural – mais de 99% de todas as espécies que já
existiram estão hoje extintas (Leakey, 1996). Além disso, muitas espécies são
consideradas redundantes (Walker, 1992), o que si gnifica que desempenham as
mesmas funções dentro de um ecossistema. Sendo assim, a perda de todas as
espécies que desempenham uma certa função, com exceção de uma, não deveria
importar. Ou deveria?
Em primeiro lugar, qualquer possível efeito negativo no fu ncionamento do
ecossistema deve -se não apenas à perda de espécies propriamente ditas, mas à
velocidade com que estão desaparecendo. Hoje em dia, as espécies estão
desaparecendo de 100 a 1.000 vezes mais rapidamente do que em épocas anteriores
à existência do homem na terra, e a extinção adicional das espécies ameaçadas
pode acelerar substancialmente essa perda (Chapin et al., 1998). Além disso, para
cada 10.000 espécies que se extinguem, somente uma nova espécie chega a evoluir
(Chapin et al., 1998). Portan to, a velocidade de perda de biodiversidade atual
supera largamente a velocidade com que a natureza consegue efetuar uma
compensação e se adaptar.
Em segundo lugar, as espécies redundantes conseguem se proteger contra
as mudanças de função do ecossistema, no caso de perda de espécies, somente até
certo ponto. Contudo, os organismos classificados por nós como idênticos em
função muitas vezes demonstraram diferir o suficiente para adquirir uma
importância significativa no funcionamento do ecossistema. Mesmo que algumas
espécies sejam redundantes em termos da função que desempenham, elas
geralmente têm diferentes condições ambientais favoráveis ao seu crescimento e
reprodução, o que é uma proteção contra as mudanças no ecossistema se as
condições ambientais se alterarem (Chapin et al., 1995). Conseqüentemente, a
perda de espécies pode não só causar efeitos diretos num ecossistema, mas
também afetar sua capacidade de proteção contra futuras mudanças ambientais.
Portanto,
verificamos
que
as
espécies
estão
desapar ecendo
mais
rapidamente do que nunca, que a natureza não consegue acompanhar essa grande
rapidez de extinção e que as espécies ecológicas equivalentes (se é que existem )
são importantes como proteção contra futuras mudanças no ambiente. Portanto,
existem motivos de preocupação. Mas será que existe alguma prova de que a perda
de biodiversidade cause efeitos negativos no funcionamento dos ecossistemas?
Existem pelo menos algumas indicações e, no texto abaixo, vou discorrer
brevemente sobre alguns resultados d e estudos que investigaram os efeitos da
perda de biodiversidade.
Investigações dos efeitos da perda de biodiversidade
Embora diversos estudos, particularmente na ciência agrícola, tenham
investigado empiricamente a importância do agrupamento de várias espécies em
épocas remotas, foi só no início da década de 90 que os primeiros estudos testando
especificamente
os
efeitos da
perda
de
biodiversidade
nos processos
e
funcionamento do ecossistema foram publicados. Desde então, a pesquisa no
campo da ecologia chamada Biodiversidade e Funcionamento do Ecossistema
(BD-EF) aumentaram consideravelmente (vide Loreau et al., 2001, 2002, para
estudos). A despeito de alguns problemas com projetos experimentais, estatísticas
e extrapolação de resultados para os sistema s naturais, houve progresso. A seguir,
vou expor e analisar o que considero ser as mais importantes realizações desses
estudos.
Importância da Biodiversidade
As primeiras contribuições empíricas no campo da BD -EF foram publicadas
em meados dos anos 90 (Tilman e Downing, 1994, Naeem et al., 1994, 1995).
Esses dois estudos concluíram que a biodiversidade era importante para o
funcionamento do ecossistema. O estud o de Naeem et al. (1994, 1995) foi
realizado no Ecotron, na Inglaterra, em ecossistemas artificiais constituídos de
vários níveis tróficos (i.e. produtores primários, consumidores e predadores)
contendo biodiversidade baixa, média ou alta. Descobriu -se que a biodiversidade
afeta substancialmente diversos processos diferentes do ecossistema e que alguns
processos aumentaram com a biodiversidade, enquanto outros diminuíram. Tilman
e Downing (1994) realizaram seus estudos nos ecossistemas de pastagens em
Cedar Creek, estado de Minnesota, EUA. Utilizaram tratamentos experimentais
contendo de uma a 24 espécies, e verificaram que a produtividade e a retenção
dos nutrientes do solo aumentaram com a diversidade vegetal. Esses estudos
receberam
muita
atenção
quando
p ublicados;
portanto,
tiveram
grande
importância no impulso da pesquisa em BD -EF, aumentando a conscientização das
conseqüências da perda de biodiversidade, tanto na comunidade científica como
entre os tomadores de decisão. Propiciou também um bom alicerce para futuras
pesquisas.
Importância do projeto experimental
Após esses primeiros estudos empíricos sobre os efeitos da perda de
espécies, houve alguma polêmica sobre a causa desses resultados (Aarsen, 1997,
Huston, 1997). Uma das sugestões era que, em vez da biodiversidade propriamente
dita, algumas poucas espécies com forte impacto nos processos do ecossistema e
a crescente probabilidade de essas espécies terem sido incluídas nos agrupamentos
de alta diversidade poderiam ser responsáveis pelas correlações
entre a
biodiversidade e o funcionamento do ecossistema. Em outras palavras, os
resultados poderiam ser fabricados pelo projeto experimental (i.e. “efeito de
amostragem”). Contudo, outros ecologistas argumentaram que a importância de
determinadas espécies e sua maior taxa de ocorrência em agrupamentos com maior
número de espécies poderia ser também uma característica importante dos
sistemas naturais (Tilman et al., 1997). Essa questão foi solucionada de certa
forma quando foram apresentadas técnicas estatís ticas para separar os efeitos da
biodiversidade e determinadas espécies (Jonsson e Malmqvist, 2000, Loreau e
Hector,
2001).
Além
disso,
a
importância
de
determinadas
espécies
e
determinadas composições de espécies deveria também ser objeto de interesse em
estudos sobre fatores que afetam o funcionamento do ecossistema. De qualquer
modo, esse debate foi importante pois conduziu a projetos experimentais mais
sólidos sobre os efeitos da biodiversidade.
Redundância das espécies
Alguns estudiosos argumentaram que não é a biodiversidade per se, mas sim
a diversidade funcional do grupo que é importante para o funcionamento do
ecossistema. Esse argumento fundamenta -se na crença de que as espécies
pertencentes ao mesmo grupo funcional são redundantes. De acordo com essa
linha de raciocínio, as espécies podem se extinguir sem causar nenhum efeito no
funcionamento
do
ecossistema,
contanto
que
cada
grupo
funcional
seja
representado por pelo menos uma espécie.
No entanto, embora as espécies possam parecer redundantes q uanto à função
que desempenham, elas podem se distinguir de inúmeras outras maneiras, i.e.
atividade no tempo e no espaço, preferências ambientais (climáticas), escolha
específica da presa, vulnerabilidade a predadores, e assim por diante. Sustentando
a noção de que espécies aparentemente redundantes diferem o suficiente para que
cada uma seja importante no funcionamento dos ecossistemas, existem estudos
que investigaram os efeitos da perda de biodiversidade dentro de grupos
funcionais (ex.: Jonsson e Malmq vist, 2000, Jonsson et al., 2001, Cardinale et al.,
2002, Dangles et al., 2002, Huryn et al., 2002 Jonsson et al., 2002, Jonsson e
Malmqvist, 2003a,b). Esses estudos constataram fortes efeitos de mudança na
biodiversidade, embora as espécies utilizadas des empenhassem funções idênticas.
Conseqüentemente, além dos efeitos definidos no funcionamento do ecossistema
quando as últimas espécies de um grupo funcional desaparecem, a perda de
espécies dentro de grupos funcionais também tem grande importância. Embora
alguns desses estudos tenham comprovado o aumento do funcionamento do
ecossistema com declínio da biodiversidade, eles ainda demonstram que a
redundância de espécies, nesse sentido, é um conceito disfuncional.
Além do mais, as espécies redundantes podem, a té certo ponto, atuar como
um seguro biológico, minimizando o efeito das mudanças no funcionamento do
ecossistema quando as condições ambientais mudam . Por exemplo, imaginemos
que duas espécies aparentemente redundantes (A e B) desempenhem uma mesma
função e que a espécie A predomine sobre a espécie B em abundância, já que as
condições ambientais existentes favorecem a espécie A. Então, quando o ambiente
se altera de modo que as novas condições passam a favorecer a espécie B,
causando declínio do desempenh o da espécie A, a espécie B aumenta em
abundância e desempenho de modo que o funcionamento do sistema permanece
inalterado. Se a espécie A fosse a única espécie do sistema no momento da
mudança ambiental, ocorreria uma perda no funcionamento do ecossistema .
Portanto, nesse sentido, a redundância das espécies é um traço importante dos
sistemas naturais.
Explicações mecanicistas para os efeitos da biodiversidade
Explorar os mecanismos por trás dos efeitos da perda de biodiversidade é
fundamentalmente import ante se quisermos compreender as conseqüências da
rápida perda de biodiversidade atual. A complementaridade de nicho é
freqüentemente utilizada como a explicação mais provável para os efeitos de
biodiversidade modificada, principalmente se tanto a “diferen ciação de nicho”
como a “facilitação” estiverem incluídas na definição (ex.: Loreau e Hector,
2001). As características de uma espécie determinam como, quando e onde ela
utiliza os recursos (o nicho). Embora todos os indivíduos de uma mesma espécie
compartilhem essas características, eles geralmente se diferenciam entre espécies
(diferenciação de nicho). Portanto, a diferenciação de nicho permite que as
espécies coexistam, evitem uma forte concorrência e, conseqüentemente,
desempenhem um processo com eficiê ncia (ex.: Volterra, 1926, Lotka, 1932,
Jonsson e Malmqvist, 2003a). A perda de espécies pode, portanto, reduzir o
número de nichos utilizados, aumentar a concorrência e baixar a velocidade do
processo, afetando negativamente o funcionamento do ecossistema . As interações
positivas entre espécies, como a facilitação, por exemplo, são potencialmente
muito importantes no funcionamento do ecossistema. Embora vários estudos
tenham comprovado a facilitação entre alguns pares de espécies (ex., Soluk e
Collins, 1988, Kotler et al., 1992, Soluk, 1993, Soluk e Richardson, 1997,
Cardinale et al. 2002, Jonsson e Malmqvist, 2003a), não se sabe bem até que ponto
tais interações são comuns ou importantes nos ecossistemas naturais. Contudo,
tanto a diferenciação de nicho co mo a facilitação provavelmente são importantes
para manter a velocidade do processo e o funcionamento do ecossistema. Assim,
no caso de perda de espécie, o funcionamento do ecossistema poderia ser afetado
negativamente seja pelo aumento da competição, pela lacuna de nicho ou pela
perda de interações facilitadoras.
Investigação da perda de biodiversidade natural ou aleatória
Para testar realmente os efeitos da biodiversidade, um estudo deve utilizar
espécies escolhidas aleatoriamente em um amplo grupo de e spécies. A maioria
dos estudos, contudo, utilizou determinadas espécies, ou composições de espécies
aleatórias, colhidas em grupos menores e, portanto, não conseguiu tirar
conclusões sobre os efeitos da biodiversidade propriamente dita. Em vez disso, os
resultados podem ser relevantes somente para as espécies utilizadas no estudo.
Embora possa ser interessante investigar se existe algum efeito geral da perda de
biodiversidade
no
funcionamento
do
ecossistema
utilizando -se
espécies
escolhidas aleatoriamente, a extinção de espécies muitas vezes segue padrões
previsíveis, dependendo da espécie do sistema e do tipo de perturbação. Portanto,
a melhor maneira de estudar os efeitos da perda de biodiversidade seria sujeitar
uma comunidade natural a uma perturbação (P etchey et al., 1999), ou utilizar uma
ordem de extinção previsível (Jonsson et al., 2002). Isso, é claro, limita a
aplicabilidade geral dos resultados, mas, ao mesmo tempo, fornece resultados
mais realistas e um conhecimento específico dos efeitos da perda de espécies no
sistema estudado.
Extrapolação dos resultados experimentais para sistemas naturais
A persistência dos efeitos da biodiversidade observados em experiências
controladas e de curta duração foi questionada (e.g. S ymstad et al., 2003). Como,
até o momento, a maioria dos estudos foi realizada durante períodos relativamente
curtos, não se sabe ao certo se os efeitos (iniciais) são transitórios ou persistentes
e, portanto, se são relevantes quanto aos efeitos da biodiversidade nos sistemas
naturais. Entretanto, constatou -se num longo estudo de pastagens que o efeito
inicial da biodiversidade persistiu ao longo do tempo, embora os mecanismos
subjacentes tenham mudado (Tilman et al., 2001). Outro problema com a maioria
dos estudos até agora é que, embo ra os sistemas naturais sejam em geral altamente
complexos, as montagens experimentais têm utilizado relativamente poucas
espécies e níveis tróficos. Os estudos que utilizaram baixa complexidade muitas
vezes obtiveram resultados bastante diretos, mas os re sultados de sistemas
experimentais mais complexos têm sido difíceis de interpretar. Portanto, há uma
troca entre a complexidade e a interpretabilidade dos resultados e ainda não há
boas soluções para esse problema, apesar das tentativas para realizar estud os úteis
sobre os sistemas complexos (vide Finke e Denno, 2004, como um exemplo).
O Futuro
Até hoje, os estudos têm demonstrado que a biodiversidade é importante
para a velocidade dos processos do ecossistema e para o funcionamento do
ecossistema – pelo menos em escalas espaciais relativamente pequenas e por
curtos períodos de tempo. Além do mais, foram encontradas evidências de
mecanismos por trás dos efeitos da biodiversidade. Assim, o desafio para os
estudos no futuro será expandir em espaço, tempo e c omplexidade, de forma que
os resultados obtidos sejam mais relevantes para os sistemas naturais. A pergunta
se e como a biodiversidade é importante para o funcionamento dos ecossistemas
é uma das questões mais importantes da ecologia hoje. Uma vez que a at ual perda
de biodiversidade ameaça seriamente os serviços que um bom funcionamento dos
ecossistemas presta à humanidade (Luck et al., 2003), preservar a biodiversidade
também pode nos ajudar a preservar a humanidade.
Nota do Editor: O ECOLOGY.INFO publicou um poema em inglês sobre a
perda
de
biodiversidade.
Para
ler
o
poema,
clique
no
link
abaixo:
Daffodils No More (Narcisos Nunca Mais).
Referências
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Informações sobre esse Artigo
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inglês
Autor: Dr. Micael Jonsson (PhD em Ecologia Animal)
Fotografia: A foto no alto da página mostra uma savana de carvalhos na
Califórnia e foi tirada por Yvonne Stepanow (EUA).
A citação adequada é:
Jonsson
M
-
Perda
de
Biodiversidade
e
Funcionamento
dos
Ecossistemas. ECOLOGIA.INFO 30.
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