hemato Horizontes terapêuticos da leucemia linfocítica crônica A LEUCEMIA LINFOCÍTICA CRÔNICA (LLC), LEU- ABHH/divulgação CEMIA MAIS FREQUENTE NOS PAÍSES OCIDENTAIS, Carlos Sérgio Chiattone * Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH); professor titular de Hematologia na Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; membro do Board da Associazione Ítalo-Brasiliana di Hematologia. Contato: [email protected] 18 janeiro/fevereiro 2014 Onco& É UM TIPO DE CÂNCER HEMATOLÓGICO PERTENcente à área das doenças linfoproliferativas, na qual é notória a evolução oncológica nos últimos anos. A abordagem da LLC tem atravessado profundas mudanças. Novos agentes terapêuticos foram aprovados para o tratamento da doença. Hoje, ao lado dos anticorpos monoclonais (rituximabe, alemtuzumabe, ofatumumabe e obinutuzumabe (GA101)), também as drogas citostáticas têm sido empregadas como padrão, em quimioterapia com agentes alquilantes, incluindo a fludarabina. Recentemente, a bendamustina foi comparada à terapia com clorambucil (CLB), por muitas décadas tida como o padrão ouro. A taxa de resposta global (ORR) e a mediana de sobrevida livre de progressão (PFS) demonstraram vantagens para a bendamustina, com 67% e 22 meses, versus OOR de 30% e PFS de 8 meses para a monoterapia com CLB (p < 0.0001)1. O Brasil tem acompanhado essa dinâmica internacional, embora a passos lentos, tanto em termos de acesso a novas drogas, ainda não registradas no país, quanto a procedimentos tecnológicos mais atualizados para diagnósticos precisos, como exames como PET-CT, ainda não acessíveis como opção em diversas neoplasias, seja no âmbito público, seja na assistência privada. Assim, o Brasil prossegue na contramão do caminho percorrido por países da Europa e da América do Norte, nos quais são adotadas como “padrão ouro” terapêuticas que já mostraram claramente evidência científica. Neste cenário, é exemplo a ausência no mercado nacional da bendamustina, um fármaco desenvolvido na Alemanha Oriental, na década de 60, testado como opção terapêutica para pacientes com leucemia linfocítica crônica e outros linfomas. Pelo perfil de baixa toxicidade, esta droga é particularmente útil em pacientes idosos ou fragilizados por outras doenças concomitantes, como diabetes, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Descrição e epidemiologia Diferentemente de outros tipos de leucemia, a LLC frequentemente apresenta progressão lenta, com sintomas clínicos tardiamente manifestos em seus pacientes, o que dificulta o diagnóstico precoce. A LLC é observada em maior número nos homens. Fatores como histórico familiar da doença podem aumentar o risco de desenvolver a neoplasia. A LLC afeta principalmente idosos, na sexta e sétima décadas de vida, com raros casos abaixo de 40 anos. Estima-se que no ano de 2013 nos Estados Unidos haja mais de 48 mil novos casos de leucemia e aproximadamente 23 mil mortes. Desse universo, 15.680 novos casos são de leucemia linfocítica crônica (LLC), com 4.850 mortes ocasionadas pela doença. A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) estima o surgimento de cerca de 15 casos de LLC por 100 mil habitantes ano no mundo. A mediana de idade é de 65 anos. Ao longo do tempo, a progressão da doença ocasiona manifestações clínicas particularmente decorrentes do acometimento da medula óssea. Qualquer das células formadoras do sangue na medula óssea pode se transformar em uma célula de leucemia. Uma vez que essa mudança ocorre, as células não conseguem passar por seu processo nor- mal de amadurecimento. A maioria das células de leucemia pode se reproduzir rapidamente, mas muitas vezes ocorre também o retardo da morte natural (apoptose) das células neoplásicas. Nesse caso, elas sobrevivem e, com o tempo, se espalham na corrente sanguínea e são levadas a órgãos e tecidos, impactando o funcionamento de outras células do corpo. Recentemente, a maior compreensão da doença do ponto de vista biológico levou a uma nova classificação, de acordo com sua origem no desenvolvimento do linfócito B. Diversas alterações genéticas também estratificam a LLC em diferentes fatores prognósticos e predizem a sensibilidade aos diferentes agentes terapêuticos. Vanguarda terapêutica em doenças linfoproliferativas Droga pertencente à família dos agentes alquilantes, a bendamustina é um medicamento extremamente efetivo e com menos efeitos adversos do que a associação de quimioterapia. O fármaco, que teve seu registro recentemente indeferido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é uma das únicas opções para pacientes que, em decorrência de suas condições clínicas (idade avançada ou comorbidades), não são candidatos ao tratamento convencional, que inclui a fludarabina. O professor Peter Hillmen, da Universidade de Leeds (Inglaterra), e o pesquisador Clevens Wendtner, da Universidade de Colônia (Alemanha), ambos autores de estudos de referência no campo da LLC, demonstraram evidências sobre o uso da bendamustina, indicando que o agente tem papel essencial para garantir a qualidade de vida e a sobrevida de pacientes com LLC. Os dados dos estudos foram mundialmente conhecidos e apresentados também no Brasil, no recente Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia celular (HEMO 2013), realizado em Brasília. Na Europa, o fármaco é usado desde 2009 e, nos Estados Unidos, desde 2010. Hillmen, que é autor principal do “Guidelines on the Diagnosis investigation and management of CLL”, publicado no pe- riódico Leukemia (dezembro 2012), relata que a diretriz mundial adotada como conduta terapêutica nos casos de pacientes “non-fit”, ou seja, aqueles com mais doenças associadas, como diabetes e cardiopatias, é a administração da bendamustina. Em outros tratamentos, a bendamustina é usada sozinha, como monoterapia, mas o caminho do tratamento de doenças linfoproliferativas, como a LLC, é sem dúvida a associação de drogas, particularmente em combinação com anticorpos monoclonais. Há fármacos que agem no meio ambiente das células neoplásicas e abrem, portanto, a perspectiva futura de estabelecer a associação de medicamentos que têm diferentes mecanismos de ação para aumentar a eficácia e o sucesso no resultado dos tratamentos. Com uso consolidado em diversas doenças linfoproliferativas, mas, particularmente, na LLC, a droga ocupa espaço fundamental em um contexto de opções terapêuticas reduzidas, como é o caso de pacientes idosos e aqueles com comorbidades associadas. A droga demonstrou-se altamente efetiva por apresentar eventos adversos menos relevantes que a associação de quimioterapia e recebeu aprovação dos órgãos internacionais Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e European Medicines Agency (EMEA), na Europa. A luta pelo registro da bendamustina se estende também para os linfomas, em especial a modalidade não-Hodgkin, que também são cânceres que começam nos linfócitos, sendo a principal diferença o fato de na leucemia a célula cancerosa se originar na medula óssea e no linfoma ela estar presente em nódulos linfáticos e outros tecidos. A LLC e o linfoma não-Hodgkin (LNH) concentram uma área das doenças linfoproliferativas em que é notória a evolução da oncologia nos últimos anos. O Brasil tem acompanhado essa dinâmica internacional, embora a passos lentos. A ABHH busca esclarecimentos em relação ao indeferimento do registro no Brasil e tem a expectativa de sensibilizar os olhos de esferas decisórias para a incorporação e o registro de terapêuticas promissoras, essenciais à sobrevida e à qualidade de vida dos pacientes brasileiros, como demonstrado neste artigo. “A ABHH estima o surgimento de cerca de 15 casos de LLC por 100 mil habitantes/ano no mundo. A mediana de idade é de 65 anos e a progressão da doença ocasiona manifestações clínicas particularmente decorrentes do acometimento da medula óssea” Onco& janeiro/fevereiro 2014 19 Referências bibliográficas: 1. Knauf WU, Lissichkov T, Aldaoud A et al, phase III randomized study of 5.The American Cancer Society's.What are the key statistics for chronic lym- bendamustine compared with chlorambucil in previously untreated patients with chronic lymphocytic leuchemia. J. 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