XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho 18: Reforma Agrária e Movimentos Sociais Rurais O MST À LUZ DE TEORIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Heribert Schmitz1 "Como numa galáxia espacial, são estrelas que se acendem, enquanto outras estão se apagando, depois de brilhar por muito tempo" (Gohn, 1997:20, sobre movimentos sociais). INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é discutir as características do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) à luz de diferentes teorias dos movimentos sociais. Para isso, analisará a bibliografia nacional e internacional sobre os movimentos sociais e o MST. Busca-se responder: O MST é um movimento social ou uma organização? Uma entidade sozinha pode ser um movimento? O grau de institucionalização é um critério para caracterizar um movimento como tal? Como o MST mobiliza e alinha os seus participantes? Quais as oportunidades políticas que o MST aproveitou e quais os impactos da sua atuação identificáveis? Qual a importância desse elemento para explicar os resultados da sua ação? Não pretendo apresentar a história dessas teorias, nem do MST, senão destacar os elementos atualmente considerados importantes para a análise dos movimentos sociais através do exemplo do MST e explicar o engajamento dos participantes nas suas ações. ESTADO DA ARTE Os movimentos sociais são objeto de estudo desde o século XIX. Quatro grandes abordagens resultam dessa preocupação: 1) As teorias clássicas sobre os movimentos sociais; 2) A teoria da mobilização de recursos (MR); 3) A teoria dos novos movimentos sociais (NMS); e 4) A teoria da mobilização política.2 1 Doutor em Ciências Agrárias, Professor de Sociologia, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-PA; Bolsista de Produtividade do CNPq; [email protected] 2 Nos anos 80, teóricos do paradigma predominante norte-americano, a MR, desenvolveram um intenso debate com a correntes européia dos NMS, o que levou a alterações e uma tendência de síntese das duas abordagens. Não há uma denominação amplamente aceita para o conjunto de idéias que emergiu a partir da crítica às abordagens de Mobilização de Recursos (MR) e dos Novos Movimentos Sociais (NMS), motivo pelo qual usamos o termo proposto por Gohn (1997): a Mobilização Política (MP), mesmo que Gohn tenha se antecipado em atribuir essa denominação à nova abordagem. Entretanto, esta nova abordagem apresenta já várias vertentes, mas pode ser considerada ainda mais homogênea que, por exemplo, a abordagem dos NMS, o que justifica atribuir uma denominação comum. 2 Além da influência das preferências teóricas de cada época, as abordagens acerca dos movimentos sociais foram cunhadas sempre pela natureza dos movimentos em análise que apresentam uma extrema diversidade empírica. As teorias clássicas No início dos estudos sobre o tema, os fenômenos mais marcantes eram os movimentos em favor da revolução, a exemplo da Revolução Francesa, em 1789, da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris. Um dos teóricos dessa fase foi o alemão Lorenz von Stein (1842, 1850/1946, citado por Chazel, 1995:293) que analisou "o movimento social" sob uma perspectiva histórica. Stein e os estudiosos influenciados por ele foram inspirados pelo movimento operário. No fim do século XIX, surgiu uma vertente oposta, denominada de comportamento coletivo, que foi influenciada pela obra do francês Gustave Le Bon sobre a psicologia das multidões, interpretando os movimentos como "uma patologia grave do corpo social" e o poder das multidões como "unicamente destrutivo" (Le Bon, 1895, citado por Chazel, 1996:296). A visão da irracionalidade das multidões foi acolhida, principalmente, por estudiosos norte-americanos para analisar os movimentos sociais. A abordagem do comportamento coletivo teve sua auge no período de 1940 até o final dos anos 1960 entre estudiosos norte-americanos, sendo a principal referência a Escola de Chicago, com Robert E. Park e Herbert Blumer. Blumer identificou três categorias de movimentos: genéricos, específicos e expressivos. O primeiro tipo é indicador de direção, por exemplo, a emancipação da mulher, sendo os seus líderes mais portadores de novas vozes e pioneiros, muitas vezes até sem seguidores ou objetivos muito claros. O segundo tipo caracteriza-se por ter metas e objetivos bem definidos, organização e estrutura desenvolvidas, constituindo-se uma sociedade, com um corpo de tradições, valores, filosofias e regras, assim como, lideranças bem reconhecidas excercendo controle sobre os membros que têm consciência do "nós". Os terceiro tipo inclui os movimentos religiosos e da moda, sem objetivo de mudança (Gohn, 1997:31). Blumer, segundo Chazel (1995:299), "teve o mérito de ser o primeiro a dar uma verdadeira consistência a esse vasto programa", através de trabalhos empíricos e conceituais e suas observações microssociais são reconhecidas pelos estudiosos. Outros autores que se basearam na abordagem do comportamento coletivo são: Ralph H. Turner e Lewis M. Kilian que trabalharam, entre outros, sobre movimentos separatistas e desenvolveram idéias sobre o papel dos líderes, as regras e os valores que estão na base da formação de uma identidade grupal; Neil Smelser, um discípulo de 3 Talcott Parsons, que se baseia num enfoque sistêmico, e William Kornhauser, que trabalhou sobre a sociedade de massas. O último foi marcado pela ascensão do nazismo e do fascismo na Europa e mostrou-se preocupado com o totalitarismo e a alienação das massas. Em todas estas correntes é comum a subestimação do papel da racionalidade. Mobilização de Recursos (MR) As vertentes ligadas à abordagem do comportamento coletivo perderam aceitação entre os estudiosos frente a críticas referente (Chazel, 1995:310-311): 1) aos níveis da análise, predominantemente, microssociológica; 2) a suposta história natural dos movimentos; 3) a suposta irracionalidade; 4) a emergência como manifestações de crise e 5) a quase ausência do elemento político. Uma parte dos críticos norte-americanos, como Doug McAdam, John D. McCarthy, Mayer N. Zald elaboram a base de uma nova abordagem, a MR, termo proposto por McCarthy & Zald (1973, citado por Chazel, 1995:311), da Escola de Michigan. Por outro lado, a crítica européia, por exemplo de Alain Touraine, levou à abordagem dos Novos Movimentos Sociais (NMS), que será descrito posteriormente neste artigo. A abordagem da MR baseia-se na teoria da escolha racional que usa categorias econômicas para analisar problemas sociais. Entre os principais teóricos encontra-se Mancur Olson que estudou grupos de pressão, visão que estendeu também aos movimentos sociais. Assim, os movimentos são considerados como organizações. Olson (1965) questionou a idéia de que membros de um grupo com interesses comuns atuassem voluntariamente, a fim de tentar promover estes interesses, mesmo se eles pudessem viver numa situação melhor quando esses objetivos fossem alcançados. A argumentação de Olson se baseia na premissa de que alguém que não pode ser excluído dos benefícios de um bem coletivo, uma vez que o bem está produzido, tem pouca motivação para contribuir voluntariamente no fornecimento desse bem. Somente a partir desse questionamento, a ação coletiva e, especialmente, a mobilização deixaram de ser consideradas como naturais e facilmente alcançadas e tornaram-se um objeto central de estudo. Anthony Oberschall pode ser considerado um dos mais importantes estudiosos da MR. Distingue entre movimentos sociais e comportamentos coletivos. Ele entende os movimentos como esforços coletivos que alteram a vida das pessoas, enquanto os comportamentos coletivos são ações episódicos e espontâneas de uma multidão (Gohn, 1997:62-63). O autor dá importância não somente à organização moderna, do tipo associativo, mas também ao modo comunitário, mais tradicional (Chazel, 1995:317). 4 Outro teórico da abordagem da MR, Charles Tilly desenvolve uma corrente que coloca o conflito político no centro das análises, confrontando as partes com acesso institucionalizado ao poder e os contestadores, excluídos dessa vantagem. Entretanto, nessa abordagem, os movimentos sociais são parte do "funcionamento normal" de uma sociedade e a existência de conflitos é aceita (Chazel, 1995:312). Tilly converte "a organização na base primordial de mobilização" (Chazel, 1995:320), reforçando a tendência dos autores da MR que procuram explicar "a capacidade de agir coletivamente" dos movimentos a partir dos recursos próprios, colocando a questão da organização entre as principais explicações. McAdam (1982, citado por Chazel, 1997:323) mostrou que a luta pelos direitos civis começou por mobilizar a comunidade negra do Sul dos Estados Unidos, sob o impulso de organizações que lhe era própria, como as igrejas, sendo característica dos principais movimentos desse período a forte mobilização no seio da coletividade. Os movimentos analisados nos anos 1960 nos Estados Unidos (movimento negro, direitos cívis, contra a guerra de Vietnam, feminismo) contavam com a participação decisíva da classe média, compartilhando os "valores liberais americanos" com a sociedade em geral. Esse fato contribuiu para a predominância do aspecto organizacional na análise desprezando questões como ideologia, valores e identidade. A MR rejeita "a ênfase dada pela teoria clássica aos sentimentos, descontentamentos e quebras de normas, todos de origem pessoal" (Gohn, 1997:50). Uma visão utilitarista, de interesses de indivíduos racionais, predomina. Os autores do paradigma da MR conseguiram desenvolver, "em seu conjunto, uma concepção sólida" (Chazel, 1995:324) que predominou nos Estados Unidos durante duas décadas. No entanto, teve uma percepção restrita dos movimentos sociais devido a sua base teórica, a escolha racional, alvo das principais críticas dirigidas à abordagem. A identificação dos movimentos como grupos de interesses, também, não corresponde aos principais movimentos sociais da época. Novos Movimentos Sociais (NMS) Trata-se de uma abordagem genuína da Europa, sendo seus principais autores Alain Touraine, Jürgen Habermas, Claus Offe, Alessandro Pizzorno e Alberto Melucci. Nesta abordagem é retomada a dimensão cultural e o interesse dirige-se novamente aos valores compartilhados pelos participantes do movimento e à questão das suas identidades. Para Touraine (1994:254) "um movimento social é ao mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural. (...) ele visa sempre a realização de valores culturais, ao mesmo tempo que a vitória sobre um adversário social." Entende um movimento social 5 "como a combinação de um princípio de identidade (lutamos em nome de quem?) de um princípio de oposição (contra quem?) e de um princípio de totalidade (que designa a dinâmica societária)" (Touraine, 1978, citado por Chazel, 1995:329). A abordagem confere atenção à macrossociologia para a melhor compreensão do lugar dos movimentos sociais na sociedade global no capitalismo avançado (Chazel, 1995:328). A abordagem dos NMS emergiu a partir da análise dos movimentos que emergiram na Europa a partir dos anos 1960 e designa um conjunto de correntes bastante heterogêneas. A base comum é o reconhecimento que o movimento operário perdeu seu lugar eminente como modelo dos movimentos sociais. Mesmo assim, a despedida dessa visão parece não ter sido fácil como mostra o exemplo de Alain Touraine (1994:254): "Uma luta reivindicadora não é por si mesma um movimento social; (...) é preciso que fale em nome dos valores da sociedade industrial e se faça sua defensora contra seus próprios adversários." Assim, como assume seu discípulo François Dubet (1996:220), "nenhuma das novas lutas que nós estudámos podia ser considerada um 'verdadeiro' movimento social", nem a luta estudantil dos anos 1960, nem a luta antinuclear dos anos 1970.3 Por causa da sua heterogeneidade e da percepção da sua característica como normativa demais e pouco "operacional" (Cefaï & Trom, 2001:11), a maioria dos estudiosos abandona esta "abordagem" que não consegue formar uma escola de pensamento. Roth & Rucht (2008:662) enfatizam que "a dominância dos NMS vale apenas para uma fase curta e próspera da história da pós-guerra" da Alemanha. "Há muito, temas de 'pão e manteiga'", quer dizer, questões materiais, "entraram mais fortemente na agenda e a ressurreição de idéias e mundos simbólicos da extrema direita coloca-se, particularmente, na Alemanha como um desafio especial". Mobilização Política (MP) A partir de um diálogo crítico entre estudiosos da MR e dos NMS, emergiu uma nova abordagem que herdou elementos das teorias anteriores.4 As suas principais características para a análise e a explicação das ações de movimentos sociais são: os conceitos de ciclos de protesto e de oportunidades políticas, ambos fundamentados por Sydney Tarrow, o conceito dos marcos referenciais (frames), resultado da releitura de Erving Goffman, principalmente por David Snow, e a atenção dada à idéia da constituição 3 Segundo Chazel (1995:285), Touraine tem "uma concepção extremamente exigente dos movimentos sociais". Klanderman & Tarrow, 1988, citado por Chazel, 1995:327) manifestam o desejo de integrar abordagens norteamericanos e européias. Posteriormente houve um debate entre estudiosos americanos e franceses acerca do tema "analyse des cadres" ( frames;marcos referenciais), documentado no livro organizado por Cefaï & Trom (2001). 4 6 dos movimentos sociais em estrutura de redes. Enquanto durante a sua integração na MR, explicações acerca dos recursos próprios do grupo predominaram, como a organização, as lideranças e outros (poder ou dinheiro) (Gohn, 1997:100), Tarrow procura agora explicações externas aos movimentos para sua própria existência. Assim, foi criado uma nova abordagem com a ênfase na dimensão cultural e nos processos políticos da mobilização. A aceitação atual acerca da teoria de movimentos sociais pode ser resumida da seguinte forma. Os estudiosos reconhecem várias contribuições da Escola de Chicago, especialmente de Blumer. As correntes da MP, articuladas entre si5, têm em comum as seguintes dimensões, apenas diferenciadas pela ênfase dada: oportunidades políticas, redes, marcos referenciais, cultura e identidade (Gohn, 1997:98; Cefaï 2007:704). Mesmo com o perigo de injustiçar estudiosos envolvidos no tema, podem ser considerados como representantes do mainstream atual da análise dos movimentos sociais6 os seguintes autores: Doug McAdam, Sidney Tarrow, Dieter Roth, Roland Rucht, Daniel Snow, Charles Tilly, John D. McCarthy, Hanspeter Kriesi, Bert Klanderman e Alberto Melucci. Daniel Cefaï (2007) apresenta uma boa visão na sua obra mais nova em relação a este tema. Embora seja cedo para fazer um balanço dessa abordagem, podem ser vistas algumas divergências no seu seio, por exemplo, sobre a importância das oportunidades políticas e dos marcos referenciais. No entanto, parecem mais como diferenças na ênfase dada a estes elementos e não como contestações em relação a sua relevância para o estudo dos movimentos sociais. MOVIMENTO SOCIAL OU ORGANIZAÇÃO Para definir o que é um movimento social apresento duas propostas. Turner & Killian (1957:308; citado por Gohn, 1997:43) "definem um movimento como uma ação de uma coletividade com alguma continuidade para promover a mudança ou resistir a ela na sociedade ou no grupo do qual faz parte". Chazel (1995:291) considera, a partir de Blumer, "movimento social um empreendimento coletivo de protesto e contestação que visa impor mudanças ... na estrutura social e/ou política ... .” Frequentemente, mas não necessariamente, recorre a meios não institucionalizados, o que se refere, por um lado, ao uso de violência, por outro, a novas formas criativas como Teach-In, etc. Isso, porque, frequentemente, os movimentos sociais são excluídos do acesso institucionalizado ao 5 Os trabalhos em conjunto desses autores mostram o debate entre eles e a superação de atitudes de "desconhecimento mútuo" entre sociólogos famosos, a exemplo do livro publicado por McAdam, McCarthy e Zald que trata alguns dos temas mais avançados: political opportunities, mobilizing structures, and cultural framing. 6 Ou dynamics of contention, segundo um termo usado atualmente. 7 poder e necessitam fornecer "matéria prima" espectacular para o cotidiano das mídias através de ações não convencionais. Movimentos sociais, segundo Roth & Rucht (2008:13), não são episódios de protesto, modas ou constelações eventuais. É unanimidade entre os autores analisados que o movimento social é ligada à noção de mudança que, no entanto, não necessariamente é voltada para a inovação, ao contrário, pode ter por fim o restabelecimento de uma ordem anterior. Para Oberschall (1989, citado por Chazel, 1995:291), um movimento social tem que ter "a capacidade de agir coletivamente". Isso provavelmente exclui dois dos três tipos de movimento, analisado por Blumer, os movimentos genéricos e os movimentos expressivos. Nesse sentido, classes sociais7 ou o movimento operário teriam também dificuldade para ser considerado como movimento, o que Marx já reconheceu quando distinguia entre "classe em si" e "classe por si". Roth & Rucht (2008:656) incluem ainda a capacidade de definir a agenda política (agenda setting) e a problematização de temas anteriormente considerados um tabu (non issues). Com certeza, esta capacidade de agir coletivamente e definir a agenda podem ser associados ao MST. Perante uma multiplicidade de ações coletivas, pergunta-se, o que pode ser considerado um movimento social? O que não é movimento social talvez possa ser respondido mais facilmente. Aplicando este conjunto de características, não pode-se identificar formas de ação coletiva mais espontâneas e com curta duração como movimentos sociais, a exemplo de quebra-quebra, revolta, motim ou linchamento, prováveis temas de uma abordagem de comportamento coletivo de multidões. O movimento pode ser considerado algo temporário, no entanto, com uma certa duração, uma ação coletiva organizada. Para Blumer (1951, citado por Gohn, 1997:30), no início o movimento social é amorfo e organizado pobremente. Apenas com o tempo se desenvolve e adquire "... as características de uma sociedade: organização, forma, corpo de costumes e tradições, lideranças, divisão de trabalho duradoura, valores e regras sociais – em resumo, cultura, organização e um novo esquema de vida". Mesmo com estas características de uma organização, o movimento social "... não pode ser igualado com iniciativa cívica, grupos de mutirão,8 ONGs ou partido político. Estes quatro formas de ação coletiva podem ser parte de um movimento social, mas podem também existir independente do mesmo" (Roth & Rucht, 2008:17-18). Por 7 Ritzer (1996:527) observa que Touraine focaliza as classes sociais como atores. Não traduzi diretamente a palavra "auto-ajuda" do alemão, pois significa: "Método de aprimoramento pessoal em que o indivíduo pretende buscar, sem ajuda de outrem, soluções para problemas emocionais, superação de dificuldades, etc." (Ferreira, 2004:231). 8 8 exemplo, para ser reconhecido como ONG, não é necessário que protesto ou a pretensão de mudanças duradouras da sociedade façam parte dos objetivos da entidade. No entanto, Roth & Rucht (2008:26) deixam ainda claro, que "sem protesto visível, não há movimento social". Os autores excluem categoricamente entidades com práticas terroristas do domínio dos movimentos sociais.9 De forma resumida, pode-se considerar um movimento social como uma forma de ação organizada temporária, no entanto, com uma certa duração, caracterizada pela capacidade de mobilização, por ser portador de um protesto, pela existência de um adversário e pela apresentação de um projeto. Estas características distinguem o movimento social, por um lado, de organizações que administram uma rotina e, por outro, de ações espontâneas e únicas. Enquanto Gohn (1997:105) compreende os movimentos como "parte da luta mais geral pelo controle do poder na sociedade civil e política", a questão da "tomada do poder" não está mais no cerne das pretensões de muitos movimentos, a exemplo dos Zapatistas no Mexico e do MST. Enquanto para Rucht (1988, citado por Sztompka, 1998:501), "os movimentos sociais não formam entidades sociais estáveis e claramente definidas", outros autores destacam o caráter de uma organização. A MR destaca a importância das organizações no surgimento e desenvolvimento dos movimentos sociais, superando a ideia antes divulgada do desencadeamento espontâneo. Só uma organização forte permite uma mobilização rápida, consistindo muitas vezes no "recrutamento de blocos de indivíduos já organizados, ainda que com outros objetivos" (Chazel, 1995: 318). Todas estas contribuições para uma teoria dos movimentos sociais apresentados até agora, partem da idéia de um movimento como uma coletividade, um empreendimento ou uma unidade organizacional dirigida por seus próprios líderes. Uma outra visão significa a compreensão de um movimento como um conjunto de organizações ou uma rede. Um ponto central parece ser o conceito das "organizações do movimento social" (OMS), inicialmente proposto por McCarthy & Zald (1987, citado por Cefaï, 2007:332) para explicar a influencia de uma "elite de empreendedores", a exemplo da organização do defensor dos direitos dos consumidores nos Estados Unidos, Ralph Nader, que atuou sem uma base de militantes. Foi pensado, pelos estudiosos da MR, a partir do modelo de uma empresa. Segundo Cefaï & Trom (2001:10), as OMS se tornaram os atores cruciais nesse processo de mobilizar recursos para excercer pressão às instâncias da decisão 9 Roth & Rucht (2008:20) caracterizam terrorismo, seguindo Neidhardt (2006), como a violência utilizada contro a população civil para extorquir estados ou intimidar a população. 9 política. A idéia das OMS é posteriormente retomada pela NMS e a MP, assumindo mais a característica de uma unidade dentro de uma rede que, por sua vez, na sua totalidade é considerada um movimento social. Snow (2001:27) compreende as organizações do movimento social como "o conjunto dos integrantes organizacionais engajados num movimento social". Roth & Rucht (2008:12) tentam explicar a importância das redes usando o exemplo do conjunto das manifestações mundiais contra a guerra do Iraque antes do início das violências que reuniu mais de 16 milhões de pessoas no mundo inteiro, segundo Tarrow (2005, citado pelos autores), "... provavelmente, o maior evento de protesto transnacional da história". Esta manifestação por si mesmo pode ser caracterizado como um evento de protesto. Perguntam: "Quando podemos dizer de que são expressão de um movimento social?" Em seguida, fornecem a resposta: "Podemos falar de movimento apenas, quando uma rede de grupos e organizações, baseado numa identidade coletiva, garanta uma certa continuidade dos acontecimentos de protesto sendo ligado a uma pretensão de conceber a mudança social, ou seja, mais do que uma mera negação" (dizer que não). (Roth & Rucht, 2008:13) Podemos identificar, então, duas maneiras de compreender um movimento social: 1.) Como o conjunto de organizações ou ações coletivas des segmentos organizacionais de um movimento social, ou seja, uma rede de grupos e organizações (OMS); 2.) Como uma organização ou uma ação organizada. Neste momento, não se trata necessariamente da distinção, proposta por Friedberg (1992), entre organização e ação organizada segundo quatro dimensões dentro de um contínuo, porque cada uma das duas maneiras de ver os movimentos pode incluir todo o espectro de ações descrito por esses critérios. No entanto, a distinção entre movimento-entidade e movimento-rede tem consequências para a compreensão do que é um movimento social, como se mostrou em discussões e seminários entre estudiosos brasileiros e franceses, impossibilitando chegar a um acordo se, por exemplo, o MST é um movimento ou não. O conceito de movimento aceito no Brasil é diferente do utilizado pelos estudiosos franceses. A principal diferença da visão da corrente defendida pelos estudiosos franceses está na idéia de que um movimento não luta pelas reivindicações de uma categoria só, seja ela composta por homosexuais, sem-terra ou estudantes. A noção de movimento social está ligada à ação de um conjunto de atores diferentes que se engajam por razões diferentes. Apenas quando vários interesses se juntam, há uma legitimação social 10 (Blattrix, 2006).10 Como considerar, no caso do MST, não reconhecido pela corrente como movimento social, a razão (principal) da sua ação: defesa da categoria (trabalhadores sem-terra e assentados), promoção de uma reforma agrária ampla e, recentemente, da agroecologia ou transformação da sociedade brasileira rumo ao socialismo? Na raíz dessa divergência parece estar a distinção entre diferentes formas de ação coletiva, especialmente a diferença entre movimentos sociais, por um lado, e ação cívica e sindicato, por outro. Especialmente, a ação cívica, às vezes, defende apenas a causa de um pequeno grupo, até em detrimento de outras partes da população, quando quer por exemplo, garantir uma rua sem trânsito de ônibus só para essa minoria. Além disso, a divergência entre as duas visões poderia ser alimentada pela distinção entre OMS e movimentos sociais e, talvez, as exigências de Touraine (2005:115-116). Compreendo o movimento social, tanto "à maneira brasileira", sem recorrer ao conceito de OMS (por exemplo, o MAB ou o Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica - MPST, com quem trabalhei nos anos 1990), quanto como uma rede de organizações considerado conjuntamente um movimento (por exemplo, o movimento social amazônico11 em Porto de Moz - PA, analisado por Moreira, 2008). Aliás o MPST enquadra-se também na noção defendida por Blattrix, pois representava não só uma categoria, mas lutou por um conjunto de reivindicações da população da Transamazônica que se sentia abandonado pelo estado depois da primeira fase da colonização. Não compartilho as exigências da concepção apresentada por Blattrix. Como não tem critérios inequívocos sobre o enquadramento das diferentes formas de ação coletiva, recomenda-se fazer um balanço entre a estrutura da ação organizada, o conteúdo da reivindicação (o que está em jogo), a forma de ação e a relação dos membros com o empreendimento para decidir sobre a natureza do mesmo. Em relação a questão das OMS, pode-se afirmar que o MST não se enquadra nesse conceito. Como salientado anteriormente, pela aceitação brasileira trata-se de um movimento social. No entanto, a noção de OMS aplica-se ao conjunto dos empreendimentos, entidades ou ações organizadas que compõem a rede que luta pela causa dos sem terra e que, em determinado momento, alcançou um número elevado de até mais de 30 movimentos de sem-terra, a exemplo do Movimento pela Libertação dos Sem-Terra (MLST). 10 Conferência apresentada por Cécile Blattrix (CERAL, UFR LSHS, Université 13, Paris) no Seminário do Projeto Capes-Cofecub 461/04, Belém, UFPA, no 20.04.2006. 11 Segundo Moreira (2008:133) composto, pelo menos, pelas "... três organizações profissionais do meio rural: o STR [Sindicato dos Trabalhadores Rurais], a Associação de Produtores Rurais de Porto de Moz (APRUPM) e a Associação dos Pescadores Artesanais (ASPAR); além delas, o Partido dos Trabalhadores (PT). 11 Independentemente, para muitos estudiosos e participantes de movimentos sociais, parece importante saber o grau de formalização do empreendimento, questão que será discutido junto ao tema a institucionalização no próximo capítulo. INSTITUCIONALIZAÇÃO Frequentemente, o processo que leva os movimentos a desenvolver e adquirir "... as características de uma sociedade", descrito por Blumer e, em geral, compreendido por "institucionalização", é visto como o fim do movimento e sua transformação em uma forma de ação coletiva mais duradoura que assume tarefas rotineiras como, em geral, realizado por associações, cooperativas, ONGs e empresas. Esta transformação é relacionada, também, à perda de capacidade de mobilização e à substituição da ação através do protesto por outros meios, por exemplo, a negociação. A idéia da institucionalização é defendida, muitas vezes, no âmbito político, mas encontra-se, também, nas publicações de teóricos, como José de Sousa Martins (1997:62), que afirma que o MST não é mais um movimento social. "É uma organização. Ele tem uma estrutura, um corpo de funcionários. A tendência dos movimentos sociais é de desaparecerem, uma vez atingidos ou esgotados seus objetivos ou sua capacidade de pressionar, ou de se transformarem em organizações, partidárias ou de outro tipo. Isso é próprio da dinâmica dos movimentos sociais. Os movimentos sociais existem enquanto existe uma causa não resolvida. Se o problema se resolve, acaba o movimento." No entanto, de forma surpreendente desenvolve uma visão evolucionista dos movimentos que contraria as palavras anteriores: "Se ela não se resolve, a tendência é a de que o movimento se institucionalize, se transforma numa organização, como é o caso do MST" (Martins, 1997:62). Como fica a capacidade de mobilizar e pressionar? Parece um estágio de resignação tentando apenas "... garantir a sua sobrevivência como conjuntos organizados" (Friedberg, 1995:376) para tirar proveito dos benefícios que a organização conseguiu canalizar, a exemplo de organizações de refugiados que conseguem se manter por várias gerações. No entanto, em geral, uma outra saída, que Roth & Rucht (2008:28) chamam de "fracasso feliz", deve ser mais provável, o que significa que conquistou muitos benefícios, mas não a solução da raíz do problema, levando os líderes e participantes do antigo movimento a, no máximo, administrar infra-estruturas, etc. Talvez, o caso da luta pela criação de uma Reserva Extrativista (Resex "Verde para Sempre") em Porto de Moz - PA (Moreira, 2008) possa ser caracterizado como "fracasso feliz". Uma vez que a Resex se tornou realidade, as atividades do movimento mudaram da reivindicação para a administração da unidade de preservação. Agora, a cogestão 12 junto ao Ibama e a resolução de problemas de dia-a-dia substituiram o protesto.12 No entanto, as políticas públicas têm pouco a oferecer para o extrativismo e as comunidades inseridas na reserva ficam sob a ameaça de exploração dos recursos naturais. Este processo de institucionalização acontece independente da forma de organização, formal ou não, como mostra o exemplo do Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica (MPST) no Pará. Transformado em Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX) abandonou o protesto e as reivindicações como principal forma de ação, tornando-se uma organização de desenvolvimento com um quadro técnico contratado elaborando propostas para a região. O movimento foi suficientemente ouvido e considerado pelas políticas públicas, especialmente, quando conseguiu ter representação a nível estadual e federal (deputados, prefeitos, etc.). No entanto, tanto o MPST, como o MDTX eram apenas nomes de fantasia, enquanto a razão social desde a criação do movimento no final dos anos 1980 é a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP). Além disso, nem todo movimento passa por esta transformação. Hoje, muitos teóricos questionam a idéia da evolução natural dos movimentos. Melucci, por exemplo, se distanciou dos modelos cíclicos e de estágios que descreveriam o "desenvolvimento típico dos movimentos" rumo à institucionalização, mais ou menos eficaz (Roth & Rucht, 2008:22). Segundo Chazel (1995:288-289), "o curso de um movimento social não é predeterminado, mas depende das interações que estabelece com seu contexto, em especial com o contexto político". Para muitos estudiosos e participantes de movimentos sociais, a formalização do empreendimento, entendido como termo genérico para as quatro dimensões utilizadas por Friedberg, é o indicador principal para o grau de institucionalização do movimento. Neste sentido, autores como Martins (1997:62), Navarro (2002:204)13 e o membro da coordenação nacional do MST, Stédile (Stédile & Fernandes, 1999:88) caracterizam o MST como uma organização, em vez de um movimento. Não pretendo discutir os detalhes da estrutura do MST, as regras internas para determinar as suas lideranças e a relação dos mesmos com os militantes e a base dos participantes, os assentados. Vale lembrar ainda que formalmente o MST não existe, não tem estatuto ou legalização. 12 "... agora, alcançados seus objetivos, o movimento se metamorfoseia, nos termos da teoria por mim adotada, numa organização ou, melhor falando, num conjunto de organizações encarregadas, daqui em diante, de administrar suas conquistas. Um novo desafio!" (Moreira, 2008:231). 13 "Neste ponto residiriam amplas possibilidades de uma interminável controvérsia, não apenas acerca do conceito de 'movimento social' mas, igualmente, das diferenças entre um coletivo social que se organiza como movimento e um outro que estrutura-se como uma organização inspirada nos manuais leninistas. Não sendo o caso, neste artigo, de dissecar diferenças teóricas e conceituais, apenas enfatiza-se que o autor deste artigo, em relação ao primeiro aspecto, adere a uma noção de movimento social que não prescinde de um alto grau de participação de seus membros e uma estrutura decisória flexível e democrática. Se assim não for, a referência já será a uma organização, tal como o MST optou por aderir, a partir de 1986, e os riscos maiores, entre tantos outros, são exatamente aqueles de todas as organizações formais não democráticas ..." (Navarro, 2002:204). 13 Também, não pode ser responsabilizado jurídicamente por seus atos, que deve ser um dos principais motivos para evitar uma estrutura formal. Por outro, não pode proibir o uso do seu nome por outros movimentos, como a corrente liderada por José Rainha no Oeste do Estado de São Paulo que continua, mesmo depois a racha com o MST nacional, utilizando o nome MST. Independentemente disso, o MST é dirigido por uma diretoria nacional, tem sua sede nacional em São Paulo e sedes regionais, domina organizações formais como a Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB) e muitas cooperativos de serviço e de produção, que são formalmente reconhecidas e recebem verbas do governo, e ainda é membro de Via Campesina, uma organização mundial de camponeses. Analisando o conjunto de características para identificar um movimento e distinguir de outras formas de ação coletiva, percebe-se que a questão da forma de organização não é um critério relevante. Não pode-se relacionar o movimento social a uma determinada forma de organização. Assim, a análise deve se basear nas principais indicadores, ou seja, a capacidade de mobilização, a existência de um adversário, a atuação através do meio de protesto e a existência de uma causa para a luta. Importante é, se o movimento continua nessa luta ou se acomodou administrando problemas cotidianos para manter a sua existência (importante para líderes e funcionários) e defender suas conquistas. Como resultado dessa análise concluo que o MST continua ser um movimento, tese também apoiado por outros autores, a exemplo de Lazzaretti (2007:124-126) que afirma: "Discordamos da posição de Zander Navarro ... entendemos que o MST configurase como movimento nos termos das quatro categorias sociológicas explicados no conceito de Scherer-Warren (1984)".14 Discordo, também, de autores como Martins (1997:62), Navarro (2002:204) e Stédile (Stédile & Fernandes, 1999:88), que não consideram (mais) o MST como um movimento. MECANISMOS DE ALINHAMENTO Uma das principais críticas à abordagem de MR, apresentadas por David Snow (Cefaï & Trom, 2001:11), salienta a incapacidade desse modelo para explicar "as razões 14 Lazzaretti (2007:122-123) cita a definição de Scherer-Warren (1984:20) de movimento social como “uma ação grupal transformadora (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção)”. 14 para militar e resistir, os motivos para criticar e de contestar, assim como, o conjunto das atividades que essa produção de razões e motivos requer". No entanto, anteriormente, Blumer (195115, citado por Gohn, 1997:33) já "... identifica cinco mecanismos no processo de desenvolvimento de um movimento: a agitação; o desenvolvimento de um esprit de corps; o desenvolvimento de uma moral; a formação de uma ideologia e, finalmente; o desenvolvimento de operações táticas." Blumer (1951, citado por Gohn, 1997:33) deixa claro a importância do alinhamento: "O desenvolvimento do esprit de corps é importante para criar uma atmosfera de cooperação entre os indivíduos de um movimento social e para reforçar as novas concepções de autoleitura de si-próprios, concepções geradas pelo processo de aprendizagem adquirido por meio da participação dos movimentos. Trata-se do sentimento da pertença, de identificação com o outro e consigo próprio, criando uma idéia do coletivo ... Blumer destaca, já nos anos 30, a importância para os movimentos do desenvolvimento de símbolos, como canções, slogans, poemas, hinos, gestos, indumentárias, etc." ... assim como, "reuniões, manifestações, ceremoniais comemorativos, desfiles", mais tarde integrados na mística do MST (Stédile & Fernandes, 1999:129-137; Almeida, 2005). Turner & Kilian (1957, citado por Chazel, 1995:304) distinguem entre "estratégias de controle, adotados de preferência pelos movimentos 'orientados para o poder', e as estratégias de transformação pessoal, que os movimentos 'orientados para os valores' tenderiam a privilegiar. Também Roth & Rucht (2008:21) destacam a identidade cultural e o sentimento de pertença como pressupostos centrais para a capacidade de mobilização de um movimento. Um processo, na pesquisa sobre movimentos sociais denominado "framing", ajuda a desafiar as visões habituais, 'normais' ou convencionais de temáticas conhecidas e contribui para a criação de objetivos comuns, convicções e interpretações da situação predominante na sociedade possibilitando, assim, a ação coletiva. Esses "quadros de interpretação" referem-se a símbolos, valores, identidade e ideologia e podem ser considerados "a orientação mental que organiza a percepção e a interpretação da realidade social" (Gohn, 1997:87).16 Snow (2001:27) explica: "O verbo enquadrar [no sentido de alinhar] é utilizado aqui para conceituar este trabalho de significação que é um trabalho de atividades que os aderentes e os dirigentes dos movimentos sociais fazem de maneira contínua". Os participantes do movimento "... atribuem sentido, interpretam os 15 Blumer, Herbert. Social Movements. In: Lee, Alfred. Principles of sociology. New York: Barnes & Noble, 1951. Esses "frames" podem ser traduzidos, também, como "marcos refereciais" (Gohn, 1997:87) ou "quadros da ação coletiva". Eles "são o conjunto das crenças e significados orientados à ação e que inspiram e legitimam as atividades e campanhas" (Snow, 2001:27). 16 15 eventos e as condições pertinentes, de maneira a mobilizar os aderentes e potenciais participantes para obter o apoio de auditório e favorecer a desmobilização dos adversários" (Snow & Benford, 1988:198, citado por Snow, 2001:27).17 Laville & Sainsaulieu (1997, p.288) destacam a importância da identidade18 junto com a mobilização necessária, tanto nos movimentos sociais, quanto em organizações associativas com atribuições mais rotineiras: "Um dos maiores recursos do poder na verdade não se apóia na capacidade (expertise), na comunicação, na alocação de recursos ou na redefinição das regras, mas nos problemas de reconhecimento social dos indivíduos que, em troca de um engajamento autônomo, polivalente, até amplamente voluntário, demandam na realidade uma atenção associativa a seus esforços". Este processo de alinhamento está na base da formação dos participantes do MST. Pode-se mencionar as músicas, a bandeira, os bonés, as marchas, os acampamentos, a educação rural, a formação superior, a constituição de núcleos, setores e outras estruturas nos assentamentos garantindo o alinhamento dos sem-terra. O acampamento é um lugar privilegiado de alinhamento, pois os sem terra passam por um processo de desencaixe e, posteriormente, de reencaixe no assentamento (ver Giddens, 1991). Stédile frisa a importância da "... mística para obter unidade entre nós. Nem a esquerda - porque tinha vergonha - nem a direita desenvolviam isso". Fernandes afirma que "é uma prática que o movimento desenvolve ... é seu alimento ideológico, de esperança, de solidariedade ... para o MST, é um ritual" (Stédile & Fernandes, 1999:129-130). A marcha tem, entre outros, o objetivo de conscientização política, de diálogo com a população em geral. "A identidade social dos trabalhadores rurais sem terra é sempre realimentada "... pela prática dos valores e da mística vivenciados pelo MST em todos os seus atos. ... Sete valores são enfatizados: a solidariedade, a beleza, a valorização da vida, o gosto pelos símbolos, o gosto de ser povo, a defesa do trabalho e do estudo e a capacidade indignar-se" (Carvalho, 2002:253). OPORTUNIDADES POLÍTICAS Sidney Tarrow (1998) contribuiu significativamente para superar a Abordagem da Mobilização de Recursos (MR) e criar uma nova corrente teórica, a Mobilização Política 17 Este processo de reorganização do campo de percepção é necessário, também, em outros contextos, por exemplo, no aconselhamento ao agricultor no âmbito da extensão rural. 18 Segundo Castells (2002, p.22), identidade de atores sociais pode ser entendido como "o processo de construção de significado com base em atributo cultural". Erikson, quem, segundo Outhwaite & Bottomore (1996, p.369), mais desenvolveu a idéia da identidade, se refere a James que tem descrito o sentimento de identidade "da melhor maneira possível" (James, 1920, citado por Erikson, 1972, p.17-18): "O caráter de um homem é discernível na atitude mental ou moral em que, quando chegou o momento de revelar-se-lhe, ele se sentiu mais profunda e intensamente ativo e vivo. Em tais momentos, existe uma voz íntima que nos fala e diz: 'Isto é o que realmente eu sou!'" 16 (MP). Um dos eixos dessa teoria é a noção de oportunidades políticas descrita por Tarrow (1996:54) da seguinte maneira: "Meu conceito de oportunidades políticas enfatiza não somente estruturas formais como instituições estatais, mas estruturas de conflito e de aliança que provêm recursos e opõem constrangimentos externos aos grupos ... Os mais evidentes sinais são quatro: a abertura de acesso ao poder, mudanças de alinhamentos, viabilidade de aliados influentes e clivagens dentro e entre elites." Assim, o resultado da ação dos movimentos depende menos "... do nível de mobilização e mais da vulnerabilidade política dos opositores, ou da receptividade das demandas no sistema político e econômico como um todo", segundo Gohn (1997:99), que considera os movimentos como produto dessas oportunidades políticas e "reféns do ambiente externo" afirmando que "...nunca podem ser ator principal de uma mudança social" (Gohn, 1997:105). José de Souza Martins (1997:47) afirma indiretamente esta teoria: "A escravidão negra não terminou em 1888 porque os negros escravizados tenham feito uma grande revolução social que pusesse fim à sua servidão. Ela terminou porque entrara na agenda política do Estado desde 1850", pressionado por alguns setores de elites e, sobretudo, as grandes potências da época (Inglaterra, etc.) que queriam expandir os mercados. No entanto, outros autores adotam uma posição diferente atribuindo possíveis mudanças sociais resultantes da ação de movimentos sociais tanto à força dos mesmos, quanto às aberturas nas "janelas de oportunidades". Por isso, Roth & Rucht (2008:35) evitam "conscientemente o conceito de oportunidades políticas, porque, primeiro, estreita a mais ampla faixa de fatores de influência a estruturas e constelações políticas e, segundo, considera apenas uma lista de três a quatro dimensões estruturais", não compreendendo os movimentos como reflexo da situação predominante numa perspectiva histórica estrutural. Nesse sentido, pergunta-se: O MST é produto das oportunidades políticas e depende do impulso de outros? Ou, ao contrário, é dotado de força própria e ator principal da mudança social em questão? Quais os fatores que podem apoiar uma destas hipóteses? O MST é produto da abertura no final da ditadura militar e "... foi constituído em uma conjuntura política em que eram toleradas as ações populares de massa ..." (Carvalho, 2002:241). Os adversários nesta fase inicial eram os latifundiários, proprietários de estabelecimentos agrícolas com baixa produtividade (produção extensiva). O movimento visava a ocupação dos "latifúndios improdutivos" que não cumprem a função social da propriedade, o que, em princípio, era plenamente coberta 17 pela legislação brasileira. Não fazia parte da sua estratégia a ocupação de áreas estatais ou terras devolutas, mesmo se fosse mais fácil e mais proveitoso para os aderentes. Assim, podiam contar com o apoio de uma parte das elites e com a tolerância de partes dos empresários rurais e até dos militares, porque a "sociedade" e governo tinham uma "dívida" com a questão da reforma agrária e a reforma agrária estava na agenda do Estado (Martins, 1997; Medeiros, 1989) , aproveitando essa clivagem nas elites (Tarrow, 1998:79). Vale lembrar que até o governo militar pretendia realizar uma reforma agrária, apenas não concordou com a atuação dos movimentos sociais do campo, a exemplo das Ligas Camponesas (Azevedo, 1982). A fase de redemocratização via também o fortalecimento dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e, em geral, as organizações dos agricultores familiares,19 como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que, a partir dos anos 1990, conquistaram um maior espaço político. É difícil responder a pergunta, se os resultados criados pelo MST devem ser atribuídos a própria força do movimento ou são produto de condições externas ao MST. Não pretendo nesse artigo analisar os efeitos da atuação do movimento, no entanto, existem indices que permitem algumas conclusões. Sem dúvida nenhuma, o MST utilizou muito bem uma situação de oportunidades políticas ("janela de oportunidades"). Mas mais que as outras organizações, conseguiu cunhar a agenda, sempre reconsiderando o contexto político em que agiu. Mesmo Zander Navarro (2002:195)20, hoje um árduo crítico do MST e da idéia da reforma agrária no Brasil do século XXI, reconhece que "... nos últimos vinte anos, o MST tem conseguido manter-se suficientemente ativo para influenciar a agenda pública sobre o mundo rural e empreender ações coletivas de grande repercussão, tornando-se um ator de referência obrigatória em todos os assuntos ligados à questão agrária brasileira. Extremamente ágil, o Movimento igualmente desenvolveu processos de organização e dinâmicas internas de estruturação que são justificadores de sua força política ..." Atribui ao MST uma extrema habilidade política, especialmente, depois que “conquistou” o Estado de São Paulo. "Por atuar com tal desenvoltura no estado mais influente, com forte repercussão nos meios de comunicação, o Movimento passou a ter presença ainda mais marcante nos assuntos relativos à reforma agrária e tornou-se interlocutor obrigatório para este tema e os assentamentos". 19 20 Sobre o uso do conceito, veja Schmitz, 2008. Zander Navarro foi inicialmente um defensor do MST. 18 Para sua força contribuiu certamente a sua base constituída pelo "lumpesinato",21 termo usado pelas lideranças do MST que se refere a palavra usada por Marx para caracterizar a camada mais pauperizada da população, da qual não se esperava nenhum apoio para a luta da classe trabalhadora. Ao contrário da "elite" dos operários envolvida nas lutas sindicais e pelas transformações da sociedade capitalista, estes sem-terra não têm nada a perder com exceção literalmente das suas "correntes". Este fato explica talvez a coragem com que os sem-terra enfrentam a polícia militar (a exemplo dos acontecimentos em El Dourado do Carajás - PA, em Abril 1996) e passam pelas experiências dos acampamentos. Outro fato que relativiza a tese das oportunidades políticas é o fato de ter surgido um forte adversário na figura da UDR (União Democrática Ruralista), uma organização de proprietários de grandes extensões de terra que optava por métodos confrontacionais e violentos. Desde sua criação recebeu o apoio dos seus aliados (Tarrow, 1998:79), entre eles, parte da igreja católica, dos intelectuais e consegue organizar cursos universitários (a exemplo do Curso de Agronomia oferecido pela UFPA) e técnicos (Curso Técnico em Administração de Cooperativas, em Veranópolis - RS). Mesmo perdendo uma parte desse apoio devido a divergências sobre a sua organização interna (a exemplo do título do artigo de Navarro "mobilização sem emancipação") e sua atuação (ocupação de prédios públicos, recrutamento de desempregados urbanos, etc.) não enfrentou nenhuma derrota relevante. Conseguiu se emancipar de uma parte dos seus aliados, principalmente, da Igreja Católica. Apesar da sua ligação histórica com o Partido dos Trabalhadores (PT), sempre manteve uma certa distância, maior hoje com a mudança de partido do coordenador nacional, João Pedro Stédile, e o PT se viu motivado a criar uma expressão própria no campo, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF)22. REFLEXÕES FINAIS Estas idéias constituem um primeiro ensaio de uma reflexão mais ampla que continuo a fazer para contribuir com o debate. As próximas reflexões versarão sobre: o papel das lideranças e sua releção com os participantes do movimento, os assentados; o grau da necessidade de ter objetivos comuns; a influência de organizações na emergência de movimentos sociais; a rede de apoio ao movimento; o que está em jogo; e os efeitos da atuação do movimento e as propostas de critérios e indicadores para sua 21 Do alemão "Lumpen", ou seja, pano de chão. Mesmo que seja apenas o braço de uma corrente do PT, a Democracia Socialista, presente no Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e no Governo do Pará (no momento da elaboração do artigo, em junho de 2009). 22 19 avaliação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Antônio Alves de. A mística na luta pela terra. Revista Nera, ano 8, n.7, p.2234, jul./dez. 2005. AZEVEDO, Fernando Antonio. As Ligas camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 145p. CARVALHO, Horácio Martins. 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