Elementos sobre ética e atuação do assistente social nos marcos da

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APONTAMENTOS SOBRE ÉTICA E ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS
MARCOS DA ATUAL REALIDADE BRASILEIRA
Alberth Alves Rodrigues 1
“A ética não pode existir sem uma
realização prática, sem se realizar
na prática de algum modo”.
Agnes Heller
Resumo
Intenta-se com o referido trabalho apresentar indicações a respeito da potencialidade
representada pela dimensão ética - quando levada a cabo pelos profissionais da assistência
social - para o enfrentamento das expressões da questão social, observando aspectos da
especificidade brasileira.
Palavras-chave: realidade brasileira; ética; assistente social.
1. Introdução - Características Sociais e Econômicas do País: a persistência das
desigualdades
O Brasil ainda hoje se vê, no que diz respeito à sua excludente estrutura social, política
e econômica, extremamente influenciado pela função exportadora que assumiu a partir da sua
“invasão” por Portugal ainda em 1500. Tornou-se, logo depois, colônia de exploração daquele
país e em seqüência, refém da estratégia lusa que articulou latifúndio e persistência do
trabalho escravo, que de modo sistemático foi utilizada pelas elites nacionais pela
persistência do seu poder (lembremo-nos que a extinção da escravidão se deu apenas em
1888).
Mesmo após a sua independência política, em 1822, a não consideração da reforma
agrária e/ou a elaboração de uma legislação clara no que diz respeito à apropriação das terras
devolutas aliada (s) à ausência de qualquer mecanismo legal que permitisse aos escravos
recém-libertos sua efetiva inserção na sociedade nacional, deu à sua estrutura social contornos
1
O autor é bolsista CAPES. Por isto, agradece ao povo brasileiro por ter condições de estar cursando o mestrado
em Serviço Social pelo Programa de Pós Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). É vinculado à linha de pesquisa “Questão Social, Trabalho e Emancipação Humana” e
integrante do Núcleo de Estudos em Trabalho e Gênero - NETEG.
E-mail: [email protected]
2
até hoje dramáticos no que diz respeito: à concentração de renda nas mãos de pouquíssimos, à
exclusão social e étnica e à pobreza extrema. O modelo historicamente aqui adotado de
privilégio à economia agroexportadora, desse modo, deve ser pensado enquanto irradiador de
desigualdades não só no campo, mas também ao meio urbano. Por exemplo, o intenso êxodo
rural, resultante do processo acima apontado, lançou às cidades enormes contingentes de
pessoas; mas aquelas cidades não contavam ainda com mínimas condições de saneamento
básico nem emprego para todos. Urbanização caótica aqui se estabeleceu.
Os elevados índices de violência, pobreza e precariedade com que o assistente social
lida cotidianamente tem, na maioria das vezes, relação com todo este processo de
desconsideração à população por parte da burguesia que aqui se constituiu e com o Estado por
elas completamente instrumentalizado, típico do capitalismo dependente segundo o mestre
Florestan Fernandes.
Vejamos, a seguir, alguns dados estatísticos atuais que nos remetem ao que foi dito.
No que se refere ao setor fundiário, o grau de concentração de terras segundo o índice
de Gini, no Brasil é de 0,859; nos países europeus este mesmo varia entre 0,3 e 0,5. Em
termos mais claros: “56% das terras brasileiras estão sob os pés de 3,5% dos proprietários
rurais” (Safatle e Weber, 2004, p. 22). Diante de realidade tão perversa, os conflitos são
inevitáveis. Dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra – CPT - dão conta do
assassinato de 1493 trabalhadores rurais no período compreendido entre 1985 e 2007. A este
número se somaram 26 e 34 assassinatos, referentes respectivamente aos anos de 2009 e
2010.
O país é a 6ª potência econômica mundial, no entanto, esta riqueza é muito mal
dividida. O seu nível de concentração também o insere no grupo dos mais desiguais do
mundo.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ao tocar em aspectos fundamentais
como rendimentos, educação e expectativa de vida, reflete relativamente bem a configuração
social e econômica do país. A conjugação das variáveis: rendimentos, acesso à educação
(quase 16% da população entre 15 e 17 anos, que deveria estar cursando o ensino médio, está
fora da escola) e expectativa de vida ao nascer deu ao país, o Índice de Desenvolvimento
Humano, IDH de 0.699, ocupando, assim, apenas a 73ª posição num ranking de 169 países
avaliados; segundo dados do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
referindo-se ao ano de 2010.
Ademais, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, o país
possui 16,27 milhões de brasileiros na situação de extrema pobreza em 2010.
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Diante de tais dados expostos, decorrentes de uma estrutura que privilegia uma
minoria em detrimento da miséria de quase todos, podemos nos indagar: qual é o potencial do
assistente social diante de problemas tão complexos, problemas que remetem ao processo de
formação social e econômico do país e que a este profissional se apresentam no dia-a-dia
enquanto diversificadas expressões da questão social?
2. Há Possibilidades de Escolhas Diante das Limitações Objetivas?
Sob os marcos do modo de produção capitalista, o profissional, de qualquer que seja a
área de trabalho, encontra uma série de dificuldades com as quais tem que lidar. No caso do
assistente social podemos citar o caráter da focalização inerente às políticas públicas, tidas
como amenizadoras das expressões da questão social com que se defronta. Os parcos recursos
disponibilizados à concretização das mesmas tencionam para que os profissionais se
dediquem a critérios cada vez mais restritivos em termos de abrangência. Esta é uma situação
recorrente e que se constitui enquanto momento tenso da atuação dos profissionais.
Outra expressão freqüente das dificuldades da atuação diz respeito ao campo em que
historicamente se encontra situado o profissional da assistência. Quer seja o setor público,
quer seja a iniciativa privada, estes são espaços em que, na maioria das vezes, deverá
demonstrará sua operatividade, viabilizando políticas que normalmente, apesar de
importantíssimas para a viabilização de alguns benefícios aos mais vulneráveis socialmente,
em última instância favorecem preponderantemente a classe burguesa. Nesses termos,
conseguimos entender o quanto a proposição de soluções mais amplas – e que tendam a ir à
raiz do problema - sejam freqüentemente rechaçadas pelo burocratismo das instâncias do
poder estatal, em qualquer das suas esferas (municipal, estadual ou federal).
Mas, desta mesma atuação “difícil”, “limitada” etc, deriva uma outra situação
interessante: por ter contato tão próximo com populações com elevado grau de
vulnerabilidade social pode e deve, caso opte pela luta em favor da classe trabalhadora, criar
estratégias que vão além da mera execução de suas tarefas; estratégias estas que efetivamente
favoreçam ou potencializem aquela e seus segmentos organizados.
Os três aspectos citados, referentes a atuação profissional, implicitamente nos colocam
diante de uma situação. No seu dia-a-dia chocam-se a todo o momento para os assistentes
sociais tanto valores seus (aquilo que historicamente acumulou e que diz respeito às suas
condições materiais, sua posição de classe etc, mesmo que não se dêem conta disto) quanto
valores da sociedade em que atua. E, mais ainda, depara-se com situações e sujeitos
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extremamente alienados pela lógica perversa dos valores do ter em detrimento dos valores do
ser, característica preponderante do modo de produção vigente. Esta situação a que nos
referimos evidencia a possibilidade e a necessidade de escolhas a todo o momento: escolha
por se guiar por uma concepção de mundo que propicie e/ou potencialize a manutenção da
ordem social vigente ou por uma que aponte para uma direção para além desta; escolha entre
ações que permitem ou facilitem o exercício despótico do poder pelas elites dominantes ou
por ações que potencializem a luta da classe despossuída dos meios de produção e
sobrevivência; em síntese, escolha a todo momento entre a classe burguesa e a classe
trabalhadora.
Mas, o processo desta escolha entre possibilidades não é algo tão simples. Para
começar vale destacar algumas características básicas do modo de produção capitalista.
Primeiro, ele se assenta na exploração da maioria por uma minoria, possibilitava pela
propriedade privada dos meios de produção por esta segunda, que possui a hegemonia
econômica e social da sociedade, constituída pelos capitalistas. Outro aspecto que aqui
merece destaque é que, para além desta condição material, objetiva, o mecanismo ideológico
também joga papel fundamental. Nas palavras de Marx: “Os próprios homens que
estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade material produzem
também, os princípios, as idéias, as categorias, de acordo com as suas relações sociais” (Marx,
1985, p.106).
Ou seja, os pensamentos, neste sentido, constituem-se enquanto expressão de relações
dominantes. Apontamos esses dois elementos com o intuito de apresentar um elemento
crucial ao estudo que aqui nos propomos: a alienação. De modo meramente indicativo
dizemos aqui que ela se manifesta: a) ao tentar inibir o processo teleológico inerente ao
trabalho durante a sua concepção (estímulo a tarefas maquinais, “automatismos” ao invés da
reflexão do processo do mesmo), esta, poderíamos dizer, alienação do processo de trabalho;
separação entre os produtores e o que produzem, que é a alienação dos frutos do seu trabalho
e; c) a barreira do individualismo, que dificulta aos homens perceberem-se como necessários
reciprocamente, que só conseguem viver socialmente; diríamos alienação do ser humano do
seu próprio gênero humano.
Nada mais indicativo da não consideração do gênero humano pela relação social
“capital” nos nossos dias que o termo comum nas empresas: “recursos humanos”. Seres
humanos são apenas recursos para a acumulação, instrumentos para se enriquecer, meras
mercadorias, como quase tudo. Vejamos:
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Neste modo de produção: a) todo produto social toma a forma mercante2; b)
a própria força de trabalho é uma mercadoria (o trabalho é móvel) e c) o
capital, que é uma relação social, cristaliza-se em equipamentos que são
também mercadoria (o capital é móvel). (Amim e Vergopoulos, 1977, p.11)
Em outras palavras, os homens e mulheres são tratados e concebidos como objetos,
coisas. Chauí (1997), de forma muito acertada expõe que “violência” é tudo aquilo que
transforma os seres ou as relações sociais em “coisas”. Então, estamos imersas em uma
sociabilidade em que a violência é uma marca lamentavelmente presente. Os dados a respeito
da realidade brasileira, anteriormente apontados, indicam-nos como esta violência de várias
formas aqui se manifesta.
Após esta breve exposição da complexidade com que se deparam os profissionais,
retomemos ao debate sobre essas escolhas, que sabemos que existem e as afirmamos, pois a
não consideração das mesmas pode acarretar decisões em que apenas o “fatalismo” e o
desânimo imperam, em nada alterando a situação excludente vigente. Como diz Barroco
(2010) se nos pautamos por uma postura crítica à (des)sociabilidade burguesa, devemos
sempre conceber a história enquanto,
campo de possibilidades abertas – não apenas à barbárie, à desumanização, à
reificação do presente – mas, sobretudo aos projetos coletivos que apostam
na criação de uma nova sociedade, onde a liberdade possa ser vivida, em
todas as suas potencialidades (Barroco, 2010, p. 16).
Bem, a possibilidade de escolhas, por mais restritas que estas sejam, necessariamente
remetem aos valores, que como já dissemos tanto o profissional já carrega consigo quanto
existem na sociedade; por conseqüência, tais escolhas também remetem ao campo da ética. A
dimensão da ética pede passagem: ou se pauta pelo conservadorismo da ordem e se leva a
cabo a intervenção apenas paliativa e acrítica ou se opta por uma atuação que se utilize das
capacidades teleológicas, elaborando constructos que favoreçam a classe trabalhadora.
3. A Ética como Resposta
Para começar, a ética se coloca enquanto negação à violência que transforma os
humanos em coisas, coloca-se enquanto modo de garantia à humanidade dos humanos.
Somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se
oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos,
proibindo moralmente o que nos transformem em coisa usada e manipulada
por outros. (Chauí, 1997, p.337).
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Grifo nosso.
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Tem dessa forma um conteúdo normativo. Evitar que os nossos próximos sejam vistos
e concebidos como objetos. Este é um elemento que se demonstra de forma muito brutal na
nossa sociedade . Nós, brasileiros, somos produto da mistura violenta: do europeu que invadiu
este hoje país continental, com o índio nativo e com os escravos africanos. Ora, o que
representava o escravo no nascente modo de produção capitalista ao qual fomos
incorporados? Nada mais que um objeto, negociado com o intuito de manter a estrutura
agrária do latifúndio e representando, monetariamente, um dos mais valiosos recursos daquele
período. Eram já concebidos como “coisas” na costa da África, donde os grupos dominantes
lá existentes os negociavam com os europeus. Depois de vendidos, as condições com que
chegavam ao país nos terríveis navios negreiros nos dão uma dimensão clara e chocante desta
forma de violência. E os índios, o que aos portugueses representavam? Meios exclusivos de
trocas para si altamente vantajosas, como selvagens a serem combatidos em nome dos valores
da civilização e do progresso ou mesmo indolentes, no momento em que se percebeu que não
se acostumavam ao trabalho disciplinado e pesado que aos escravos era reservado.
Citamos o caráter dessa nossa formação social com o intuito de demonstrar de que
muito do que se ouve em pleno século XXI travestido na forma de piadas em relação aos
negros e índios principalmente daí derivam. E o que é pior, muito do que se pratica, de forma
explícita ou velada, contra esses grupos étnicos e seus descendentes, origina-se destes tempos
antigos. Lembremos que os que mais sofrem com a exclusão social no país em inúmeras
pesquisas apresenta uma etnia e um gênero bem definidos: negros e principalmente mulheres.
Fica assim evidente que “[...] a simples existência da moral não significa a presença explícita
de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e
interprete o significado dos valores morais (Chauí, 1997, p.339).
Daí podemos notar dois elementos fundamentais: a) a determinação histórica e social
da moral e de forma derivada b) a necessidade de constantemente refletirmos sobre a mesma,
observar se não se presta ao papel da naturalização das relações sociais alienadas, típicas da
sociabilidade burguesa. Este é certamente um movimento importantíssimo, refletir a todo o
momento se os valores que se apresentam: reforçam o gênero humano, a coletividade e seu
caráter social ou promovem a atomização do indivíduo, que passa a ser culpado por tudo e o
segrega dos seus pares (segregação tão bem sintetizada na afirmação: “o meu direito vai até
onde começa o seu”).
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4. A Importância da Práxis
Historicamente no Brasil, as políticas de assistência são consideradas pelo Estado e
pela classe burguesa como benesses aos inválidos e não raras vezes se afirma que as mesmas
deixam os beneficiários preguiçosos. Diante disto, a atuação em favor da classe trabalhadora e
pautada por uma ética que promova o humano deve obrigatoriamente se embrenhar na
dimensão política das relações sociais.
Esta dimensão política abarca, de forma imediata, o exercício da práxis. A práxis do
assistente social, se consideramos a sua atuação, interventiva nas refrações da questão social,
dá-se, no momento em que apreende aspectos da realidade, concebe-os articulados a uma
totalidade e a partir disto propõe alternativas ao seu enfrentamento. Por falar em totalidade,
categoria marxiana fundamental (mas também herdada, com uma conotação diferente de
Hegel) podemos nos perguntar: “Qual a importância dessa categoria teórica para o meu
exercício profissional imediato?” Na verdade, as categorias são formas de apreensão da
realidade apresentada, formas de existência desta. Muito nos auxiliam já que se constituem
enquanto reflexo no cérebro humano das relações sociais que nos rodeiam.
Considerar a “totalidade” social implica reconhecer o complexo de variantes que
envolvem uma específica manifestação da questão social no momento da atuação profissional.
Por exemplo, se percebe o profissional que numa determinada comunidade rural há elevado
percentual de moradores com doenças ligadas ao consumo de água não tratada, cabe que este
procure ou elabore projetos que forneçam àquela comunidade filtros, por exemplo. Mas,
fornecer água sem que esses mesmos moradores não percebam a importância do seu consumo
talvez não baste. É necessário que se pense em meios que propiciem a estes moradores a
importância do seu consumo. Mesmo assim, outra ação que talvez seja necessária seria se
pensar o que ocasiona que a água daquele ribeirão esteja tão poluída, talvez o lançamento em
excesso de lixo, o que deveria ser debatido com os moradores. Durante este processo poderse-á entender também que naquela localidade o problema da comunicação entre os moradores
seja complicado (caso tão comum nas comunidades rurais devido à distância de suas
residências e mesmo o caráter “familiar” da produção, que não os obriga a se aglomeraram,
tal como nas indústrias) e que conversar com os mesmos sobre a possibilidade de uma
organização política, tal como uma associação de moradores que se reúna com certa
freqüência, seja uma estratégia a eles interessante.
Apenas num exemplo: de forma rápida, citamos o quanto uma intervenção que poderia
ser apenas pontual, simplesmente encaminhar o morador ao médico, pode se transformar em
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uma ação que também abarque saneamento básico, educação, organização política etc. Pensar
o problema sob diversos prismas é um imperativo para quem pretenda atuar de forma não
apenas paliativa e observando a totalidade.
Voltando à discussão sobre as categorias teóricas, estas se constituem, ao reproduzir
no ideal as condições sociais existentes, mecanismo fundamental para a práxis que tenha
como fundamento a ética.
5. A Liberdade como Fundamento da Ética
Por mais que as condições objetivas sejam restritivas, há sempre alternativas que
possibilitam aos sujeitos fazer algo de diferente e que se contraponha a lógica excludente. Há
sempre a liberdade de se criar. A liberdade é um dos fundamentos da ética. Estruturalmente
esta pressupõe relações intersubjetivas - mais evidente ainda é na atuação do profissional da
assistência social - e fundamental este aspecto, nestas relações, a liberdade deve ser concebida
de forma recíproca. A partir de Marx e também Lukács, Barroco assim apreende a ética:
[...] capacidade humana posta pela atividade vital do ser social; a capacidade
de agir conscientemente com base em escolhas de valor, projetar finalidades
de valor e objetivá-las concretamente na vida social, isto é, ser livre.
(Barroco, 2010, p.19)
De início afirma a capacidade humana. Sim, o ser humano a partir da capacidade
teleológica, pré-idealiza objetos e finalidades. Isto o torna único entre todos os animais e
também deveria ser um fator que lhe fizesse entender que todos os seus pares são dotados de
capacidades, de inteligência. Sobre “a capacidade de agir conscientemente com base em
escolhas de valor” significa que cada um, a partir de sua inteligência não deve ser forçado a
fazer aquilo que no seu julgamento seja incorreto e que também pode exercer a sua ação na
vida social; por fim, conclui, deve “ser livre”. Nos termos colocados pela autora e se
observamos apenas a lógica em que estamos inseridos tudo o que foi exposto soa como uma
ilusão. Ora, as determinações objetivas nos impedem que lutemos por aquilo que defendemos,
é o que muito comumente se ouve. No entanto, sempre observando a dimensão social desse
sujeito que aqui afirmamos, é justamente contra essa tendência ao fatalismo é que a
concepção ética se coloca. A moral instituída, se não refletida pelos sujeitos coletivos, acaba
por tornar tudo natural e nada possível de se confrontar; e o que é pior, torna-se meramente
um “dever-ser”.
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Resgatar a dimensão da liberdade e da possibilidade de escolhas é um dos maiores
atributos da concepção ética. Amplia o conceito do “o que eu devo” para além disto; torna-o
“o que eu posso fazer”. Nas palavras de Chauí “não é tanto o poder para escolher entre vários
possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta”
(Chauí, 1997, p.338).
Nestes termos, o entendimento de “liberdade [...] exige a sua própria redefinição,
apontando para uma nova direção social, que tenha o indivíduo como fonte de valor, mas
dentro da perspectiva de que a ela se vinculam – autonomia, emancipação e plena expansão
dos indivíduos sociais (Sales e Paiva, 1996, p. 182). Chauí assim sintetiza tudo o que até aqui
foi exposto. A respeito do sujeito ético, este,
[...] só pode existir se preencher as seguintes condições:
. ser consciente de si e dos outros 3, isto é, ser capaz de reflexão e de
reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
. ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar
desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em
conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir
entre várias alternativas possíveis;
. ser responsável, isto é, reconhecer como autor da ação, avaliar os efeitos e
conseqüências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas
conseqüências, respondendo por elas;
. ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus
sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos
que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa
(Chauí, 1997, p.337-338).
6. A Ética diante da Realidade Brasileira
A violência na sociedade, apontada nos tristes índices que inicialmente apontamos,
expressa-se, assim, na mais brutal acepção do termo. O padrão cultural e moral que lhe
favorecem foram pelas elites forjado com uma tal violência que mesmo em momentos
cruciais de nossa história, tais como no da independência política de Portugal ou no da
abolição da escravatura, conseguiram mediante acomodações e reacomodações entre extratos
dominantes e do uso da repressão aos “de baixo” manter a sua base de poder mediante a
instrumentalização do Estado a seu favor. Poderíamos dizer: “Isto é evidente. Marx e Engels
já diziam que o Estado é o comitê executivo da burguesia”. Fernandes em seus diversos
escritos nos explicou que aqui a situação foi diferente, para pior. As burguesias clássicas –
3
Grifos (em negrito) nossos.
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para se legitimarem – não só de repressão violenta o fizeram. Valeram-se, muitas vezes, de
alguns valores democráticos para tal. Observemos:
Mesmo para ganhar maior liberdade histórica ou maior espaço político,
como e enquanto burguesia, as classes e os estratos de classe burgueses tem
de procurar fora de suas fronteiras pontos de apoio materiais e políticos, que
transferem para as classes operárias e excluídas, em última instância, os
dinamismos mais profundos da ordem social competitiva. Esse não é,
apenas, o fundamento da “demagogia populista”. Nele se acham a essência
do regime republicano, com seu presidencialismo autoritário, e o fulcro do
“equilíbrio da ordem” durante toda a evolução da sociedade de classes.
(Fernandes, 2006, p.385)
Nota-se que o autor reconhece a estreiteza da democracia burguesa, mas aponta
situações em que esta transfere “mínimos” democráticos à classe trabalhadora. Na realidade
brasileira, nem isto aconteceu. Aqui o que se perpetua é a intolerância completa em relação à
classe trabalhadora, donde o golpe de 1º de abril de 1964 foi a maior expressão. A ditadura
nesse momento instalada golpeou quaisquer possibilidades de desenvolvimento interno que se
apresentassem sem a devida aquiescência das potências hegemônicas, tal como se expressava
nas propostas de João Goulart e aprofundou enormemente as desigualdades sociais com uma
“aceleração da história” que só a alguns beneficiou. Esse triste momento vem hoje à tona
pelos 48 anos completados e pela anistia encabeçada pelos atuais dirigentes do Estado, hoje
republicano, a muitos dos ainda vivos torturadores. Certamente o padrão de democracia
forjado no país muito pouco serve para se pensar os princípios éticos!
Como já também apontamos, a moral por estar vinculada diretamente à cultura, muitas
vezes cristaliza situações de preconceito, como no caso do local atualmente reservado na
nossa sociedade a negros, índios e mulheres; expressão derivada do processo de “invasão aqui
instalado” que promoveu o homem branco, europeu e ocidental como o modelo ideal de
civilidade. No momento atual, o neoliberalismo aparece como mais um elemento dificultador
para aqueles que se proponham a exercer a atividade ética, pois a promoção da “ liquidação de
direitos sociais e o sucateamento dos serviços públicos” (Netto, 1999, p. 18-19) são evocados
enquanto alternativas para a melhor gestão dos recursos, na realidade provenientes da classe
que mais deles precisa.
Entretanto, intentamos com este trabalho apontar justamente as potencialidades que
representa a dimensão ética, diante do quadro apresentado. E a ética pressupõe
necessariamente um sujeito ativo, que apreenda desse invólucro das limitações materiais,
possibilidades concretas para uma atuação profissional que considere a sua liberdade e a
liberdade e potencialidade dos sujeitos com que se defronta e, mais que isso, atuem mediante
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a práxis, na direção de possibilitar essa apreensão pelos mesmos, rechaçando assim práticas
de tutela e subalternização que diminuem o papel do sujeito. Pelo contrário, tendo em vista o
caráter restritivo das políticas sociais com que o profissional opera, o envolvimento de
usuários e não-usuários desses serviços em debates sérios que tragam à tona a gama de
questões que a temática engendra, é mais uma ação que propicia que esses envolvidos
comecem a pensar em termos abrangentes e éticos.
A realidade é histórica e dialética e nela mesma é que estão inscritas as possibilidades
de sua alteração. Dessa forma é que os profissionais são chamados a perceber e construir
alternativas que propiciem o enfrentamento da dramática situação a que estão acometidos
dezenas de milhões de brasileiros. Importante insistir na dimensão do “construir” porque um
dos atributos fundamentais da ética é exatamente a sua dimensão criadora, capaz de ir além do
juridicamente imposto e do senso moral. Ela não é o campo das restrições e limitações, é o
campo da criação coletiva.
Mas um fundamental detalhe merece ser destacado. Não cabe e não é possível a
nenhuma profissão, dentro dos seus respectivos limites de atuação, promover alterações
significativas na sociedade, que é expressão de complexas relações sociais. Isto nos coloca o
imperativo de buscarmos a todo o momento também o diálogo e aprendizado com
profissionais de outras áreas e com os movimentos sociais. Também a complexidade que é a
realidade social exige que avancemos para além dos conteúdos apreendidos durante a nossa
formação. Exemplificando: a esfera da economia não se encontra desligada da história ou da
cultura de um povo. Daí, deduz-se que análises que tentem compreender a sociedade sob o
ponto de vista estritamente econômico são, por serem insuficientes, potenciais mistificadoras
da realidade. A já aludida dimensão da totalidade é fundamental para que consigamos tanto
elaborar uma teoria de compreensão dos fenômenos, como, por conseqüência imediata, para
uma atuação prática adequada e que vá à raiz dos mesmos.
A articulação também com os sujeitos sociais progressistas tais como sindicatos,
associações e partidos é um momento crucial para essa atuação. Saúde, educação, previdência
social, moradia, trabalho, reforma agrária são todos campos que congregam movimentos que
contestam o modo restritivo com que tais políticas são levadas a cabo pelo Estado e que
assim, constituem-se como esferas interessantes para a aproximação e atuação dos assistentes
sociais.
Vale muito a pena lembrar que a história do serviço social brasileiro tem apresentado
uma característica interessante que é reconhecer a importância dos movimentos sociais
organizados, de possuir um projeto ético-político que aponta para a possibilidade de uma
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sociedade não assentada na exploração da classe trabalhadora e de internamente se debater na
busca por uma teoria social que dê conta da realidade que o rodeia. A que defendemos e que
se apresenta no corpo deste trabalho é a teoria social de Karl Marx, sob o prisma de Lukács,
autor que nos possibilita apreender uma visão rica a respeito da ética a partir do arcabouço
teórico marxista. E a ética que aqui evocamos se configura como um mecanismo poderoso
para a crítica à pobreza e às desigualdades tão presentes em nosso país. Segundo Sales e Paiva
, a respeito da construção do projeto ético-político do serviço social “[...] Colocamo-nos como
meta, para o exercício profissional cotidiano, a tradução – sob o prisma da ética – do nosso
posicionamento crítico acerca da barbárie, da desumanização, exploração e aviltamento da
vida, impostas à maioria da população brasileira (Sales e Paiva, 1996, p.202)”.
7. Conclusão
Apreende-se, a partir do exposto, que o entendimento e a prática embasados na ética
possuem um potencial enorme uma vez que: a) possibilitam que não caiamos nos perigos do
“tudo posso fazer” ou “nada posso fazer”; b) que entendamos que ela necessariamente está
inscrita e só se realiza nas relações intersubjetivas; c) que reconheçamos o sujeito próximo
também como sujeito ético e dotado de autonomia e liberdade, assim não permitindo e
exercendo a violência sobre o mesmo e d) que valorizemos a liberdade em seu sentido pleno.
Em outros termos, a práxis que o sujeito ético engendra deva se orientar no sentido de
preservar a idéia de humanidade dos humanos, que “reside no fato de estes serem racionais,
dotados de vontade livre, de capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de
capacidade para interagir com a Natureza” (Chauí, 1997, p.337).
Considerar a ética enquanto esfera abrangente da realidade social bem como sua
dimensão eminentemente criadora muito podem nos auxiliar na atuação frente às inúmeras
mazelas presentes na sociedade brasileira.
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