UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo DANIEL DO NASCIMENTO SOUSA NETO REALIDADE DE UNS E VONTADE DE OUTROS: O FUNK OSTENTAÇÃO COMO SÍMBOLO DA CLASSE C BRASILEIRA João Pessoa 2015 DANIEL DO NASCIMENTO SOUSA NETO REALIDADE DE UNS E VONTADE DE OUTROS: O FUNK OSTENTAÇÃO COMO SÍMBOLO DA CLASSE C BRASILEIRA Trabalho apresentado à Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo. Orientador: Prof. Me. Matheus Andrade João Pessoa 2015 DANIEL DO NASCIMENTO SOUSA NETO REALIDADE DE UNS E VONTADE DE OUTROS: O FUNK OSTENTAÇÃO COMO SÍMBOLO DA CLASSE C BRASILEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo. Banca examinadora: ___________________________________________________________________________ Prof. Me. Matheus José Pessoa de Andrade – Orientador Universidade Federal da Paraíba ___________________________________________________________________________ Prof. Me. Cândida Maria Nobre de Almeida Moraes Faculdade Estácio de Sá ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antonio Mousinho Magalhães Universidade Federal da Paraíba Média: ___________ Aprovado em ______ de _____________________ de 2015 A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê. Arthur Schopenhauer DEDICATÓRIA À música popular brasileira, que, com todos os seus estilos e ritmos, consegue trazer em sua harmonia a energia contagiante do povo brasileiro. Também aos guerreiros funkeiros deste país, que enfrentam preconceitos e dificuldades, mas não abrem mão de lutar com unhas e dentes a favor da cultura da favela, não importa se dentro ou fora dela. A vocês o meu carinho, respeito e admiração. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado graça e capacidade para que eu pudesse correr atrás dos meus objetivos e realizar os meus sonhos. Aos meus pais, Iranildo Soares e Patrícia Nascimento, por galgarem comigo muitas etapas da vida, e por investirem na minha carreira, dando o máximo de si para que me mantivessem em uma ótima formação escolar. Estendo também aos meus irmãos Ramon Nascimento e Manoel Neto, além da minha cunhada Aline Patrícia e do pequeno Davi, responsáveis por grandes momentos de inspiração, raivas e alegrias. Ao meu orientador Matheus Andrade, que, com sua juventude, experiência e mansidão, ensinou-me os mais válidos detalhes e não mediu esforços para que eu concluísse este trabalho acadêmico com êxito. Mais do que obrigado, sou eternamente grato não apenas por uma orientação, mas pela bem-sucedida parceria. A Cledson Neto, Gessy Araújo e Amanda Martins, por servirem de ouvido, ombro, braço e coração há tanto tempo para mim. O apoio e a amizade que vocês me oferecem, sem cobrar nada em troca, é um presente de valor inestimável. Aos também importantes Daniel Lustosa, Érica Rodrigues, Amanda Gabriel, Flávia Lucena e Manoela Raulino, que também caminham na árdua, porém gratificante, trilha da Comunicação, podendo ser de perto os que mais dividiram comigo os bons e maus momentos na academia e até fora dela. Levo a amizade de vocês comigo para onde eu for. A Carol Marques, que foi minha grande professora nestes anos todos de estudante universitário. Caminhar ao seu lado me fez aprender a não ser apenas um profissional melhor, mas uma pessoa melhor. Obrigado por me ensinar cada detalhe, cada vírgula, cada sorriso. Estendo também aos amigos da Rede Paraíba de Comunicação Vanessa Maciel, Alysson Bernardo, Juliana Miranda e Marcus Mendes, por todos os momentos em que um custoso trabalho se tornou leve, descontraído e bem-feito. Aos eternos monitores da Estação Cabo Branco Rayana Carvalho, Laís Cavalcanti, Luís Thales, Nielson Lourenço, Luciana Nobre, Bruna Caroline e Aryene Christina. Longe ou perto, obrigado por cada conselho, cada orientação, cada momento em que posso usufruir da sabedoria e da alegria insana de vocês. RESUMO O presente estudo traz à tona a relação entre o funk ostentação e a Classe C, conhecida como nova classe média brasileira. A partir de uma análise de três videoclipes de MC Guimê, observamos estruturas estéticas que comprovam a nova realidade econômica e simbólica vivida pelo Brasil nas últimas duas décadas, influenciadas pelas políticas de incentivo ao aquecimento do mercado, como o estímulo ao crédito, a diminuição do desemprego e o aumento progressivo do salário mínimo. Ao longo destas páginas, podemos conferir um acompanhamento dos grandes acontecimentos que marcaram a história do soul/funk carioca e a sua chegada em São Paulo, quando virou de ostentação. Em outro capítulo, também destacamos detalhes sociais e econômicos que explicam o por quê das músicas tratarem de um capitalismo selvagem e do consumo exacerbado, e como elas traduzem realidades das mais distintas zonas das cidades, passando pelas favelas, descendo os morros e chegando às grandes mansões do litoral brasileiro. Por fim, fazemos uma análise para esclarecer como essas questões estão simbolicamente apresentadas nas músicas e nos videoclipes de MC Guimê. Palavras-chave: Funk ostentação; Classe C; Nova classe média ABSTRACT This study brings out the relation between ostentation funk and the lower middle class, know as new Brazilian middle class. From an analysis of three videoclips of MC Guimê, you can see aesthetic structures that prove the new economic reality experienced by Brazil in the last two decades, influenced by policies to stimulate the market warming, such as the credit incentives, the reduction of unemployment and the progressive increase of minimum wage. Throughout these pages, the reader can check out a follow-up of major events that marked the history of soul/funk from Rio de Janeiro, and its arrival in Sao Paulo, when turned into ostentation. In another chapter, can be seen social and economic details that explain why the songs treates of a wild capitalism and excessive consumption, and how they reflect realities of the most distinctive parts of the city, past the slums down the hills and arriving at great mansions of the Brazilian coast. Finally, we make an analysis to clarify how these issues are symbolically presented the songs and MC Guimê videoclips. Keywords: Ostentation Funk; Lower middle class; New middle class. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..................................................................................................................... 9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13 CAPÍTULO I - SOLTA O BATIDÃO, DJ: A TRAJETÓRIA DO FUNK CARIOCA COMO MÚSICA POPULAR BRASILEIRA ....................................................................................... 16 1.1 A música negra americana .............................................................................................. 16 1.2 O funk carioca ................................................................................................................. 20 1.2.1 Ramificações do funk ............................................................................................... 22 CAPÍTULO II - PIRÂMIDE SOCIAL BRASILEIRA: A CLASSE MÉDIA COMO MOTOR DA ECONOMIA ...................................................................................................... 28 2.1 Classe C ou Nova Classe Média ..................................................................................... 28 2.2 Rolezinhos: entretenimento ou confusão? ...................................................................... 32 2.3 Cufa: a voz da periferia ................................................................................................... 36 CAPÍTULO III - O MUNDO DOURADO DO FUNK OSTENTAÇÃO .............................. 38 3.1 Dicionário da ostentação ................................................................................................. 43 3.2 Assassinato abala funk ostentação .................................................................................. 43 3.3 Os mestres de cerimônias da noite .................................................................................. 45 3.3.1 MC Guimê ................................................................................................................ 48 3.4 Estratégias midiáticas da ostentação ............................................................................... 50 CAPÍTULO IV - IMAGEM E SOM: ANALISANDO VIDEOCLIPES DE MC GUIMÊ SOB ÓTICAS SOCIAL E ECONÔMICA DO FUNK OSTENTAÇÃO ................................ 52 4.1 Plaquê de 100 .................................................................................................................. 53 4.2 Na pista eu arraso ............................................................................................................ 58 4.3 País do futebol ................................................................................................................ 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 68 9 APRESENTAÇÃO São Paulo, agosto de 2014. Em uma das casas noturnas mais ecléticas e renomadas da cidade, a Audio Club, jovens se juntam às suas turmas para mais uma noite de sexta-feira regada a música e bebidas. No local, logo mais, um artista de renome nacional seria uma das atrações da animada festa promovida por uma rádio paulistana. Na plateia, homens e mulheres, na sua maioria, de classe média. No palco: MC Guimê. Enquanto DJs anônimos tocavam para os jovens já bêbados que ousavam tomar a pista ainda vazia, fui conhecer personagens da noite de São Paulo. O objetivo de um solitário nordestino, em sua primeira viagem a maior cidade do país, era respirar os ares do funk paulista, que ganhou fama nos últimos anos por levar para a música popular brasileira o combustível que move uma metrópole da grandeza de São Paulo: o dinheiro. Vivendo em constante transformação, o funk brasileiro passou décadas sendo associado aos becos e vielas dos morros cariocas, exaltando temas que vão do sagrado ao profano, da violência do tráfico de drogas ao sexo casual. Em 2009, porém, o ritmo que tanto denunciava as mazelas da vida pobre se mudou para São Paulo, ascendeu economicamente e ganhou status de classe média, assim como os 40 milhões de brasileiros que saíram da base para o miolo da pirâmide social, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. Com a melhoria nas condições de vida, aliada à diminuição do desemprego e às políticas de inclusão social, hoje cada vez mais brasileiros podem frequentar lugares que antes eram exclusivos das classes mais altas. Um deles é a Audio Club, que, a essa altura da noite (23h), já está bem movimentada. Na parte superior da casa ficam os camarotes, que ainda permanecem vazios. A não ser pelas garçonetes, que estão desde cedo na entrada dos pequenos espaços vip esperando para atender os grupos que pagarem mais caro para curtir a festa do prestigiado local. Cada garçonete, todas arrumadas e bem maquiadas, já está a postos aguardando a chegada dos clientes. Abordo a que, para mim, parecia ser a mais animada com o trabalho. Usarei nome fictício para todos os personagens, pois, a maioria deles, ou preferiu não se identificar ou ficou desconfiada por ser incomodada por um estranho fazendo perguntas em um lugar nada comum. Vanessa era negra, aparentava ter entre 22 e 24 anos. Estava ali para “fazer um bico”, mas trabalhava durante o dia como modelo. Sua preferência por dar expediente à noite era porque gostava de festas, então decidiu “unir o útil ao agradável”. Mas não preferia ficar 10 como garçonete dos ricos: “a concorrência entre camarotes é desnecessária e chata”, disse. De acordo com ela, durante as festas, os usuários dos camarotes costumam competir com o vizinho para mostrar quem consegue juntar mais mulheres e bebidas no seu espaço. O fato é tão comum que muitas garotas, já conhecendo o sistema, passam boa parte da festa próximas à entrada dos espaços vip, esperando o convite de um algum rei do camarote. Pedi para olhar o cardápio da noite, que dava preferência a bebidas alcoólicas. Só a cerveja custava dez reais, enquanto a garrafa de uísque não saia por menos de 200 reais. Apesar de trabalhar no transporte dessas bebidas e de trocos gordos, há mais de um ano como garçonete de camarotes, Vanessa conta que nunca recebeu gorjetas. Depois de alguns minutos, uma segunda garçonete se aproxima e entra na conversa. Ela se chama Rita e reside no Grajaú, bairro pobre da Zona Sul paulistana. Onde mora, Rita contou que, principalmente nos fins de semana, os moradores que possuem carrões e motos fecham as ruas formando paredões com o som do funk ostentação nas alturas. Perguntada se há reclamações da vizinhança, ela disse que grande parte já está acostumada com o barulho dos motoristas mais abastados do bairro. “Quem tem alguma coisa quer mostrar pra todo mundo o que conquistou”, disse. Nossa conversa foi interrompida, pois o seu camarote tinha sido vendido e ela precisava voltar ao posto. Acompanhei-a a fim de conhecer os seus clientes. Era um grupo de seis a sete homens, todos aparentando ter entre 22 e 25 anos. Animados e bem vestidos, eles logo entraram em seu camarote. Por conta do barulho, chamei dois mais próximos para conversar, enquanto os outros olhavam de cima as meninas mais atraentes da pista. Caio e Lucas eram filhos de empresários, um ainda estudava e o outro trabalhava nos negócios do pai. Sobre os shows que aconteceriam naquela noite, os jovens falaram que não tinham preferência pelos estilos musicais que seriam apresentados, mas que aproveitavam mais o funk para curtir. Perguntados se ostentavam os bens que mantinham, eles disseram que nunca precisaram da exibição material na hora da conquista. Pouco tempo depois, chegou mais um amigo atrasado para completar o camarote. Seu nome era Pedro e tinha o mesmo estereótipo dos outros colegas, a não ser pela grande quantidade de tatuagens. De todos os que estavam no espaço vip, era o único que tinha o funk ostentação como o ritmo preferido, daquele de ouvir frequentemente. No início da conversa, ele falava palavras sem sentido, em uma clara demonstração de que havia consumido drogas. Aos poucos, ele foi se soltando. Seu estilo lembrava MC Guimê, que se apresentaria em poucos minutos. Durante a entrevista, Pedro revelou que tinha origens na Baixada Santista, lugar onde o funk se tornou de ostentação. De todos os entrevistados, foi 11 o que mais elogiou o movimento cultural. Falou que admirava o MC Guimê, pois o cantor, segundo o entrevistado, “passa uma mensagem positiva para a sociedade de que as pessoas podem conquistar os seus sonhos”. Vestido com roupas de marca, Pedro falou que atualmente faz supletivo para “terminar os estudos” e que trabalha como fiscal em uma loja popular. Respondendo a perguntas mais pessoais, ele contou que estava na balada sem dinheiro, apenas usando a sua persuasão e coleguismo para que os outros amigos ricos pagassem a conta. Luz no palco. O show vai começar. Em uma hora e meia, MC Guimê fez a sua apresentação acompanhado de um DJ e de duas dançarinas que passavam longe do estilo “popozuda” da velha guarda carioca. Seus passos mesclavam coreografias sensuais com técnicas de balé e dança contemporânea. Guimê, usando roupas e óculos escuros, cantou os sucessos da recente carreira e ainda arriscou clássicos do funk e do hip hop. Em um momento do show, o cantor usou o espaço para rimas, que falavam sobre fé, superação e respeito ao funk. Para encerrar a apresentação, que custou em média 30 mil reais ao organizador do evento, Guimê levou o público a cantar País do Futebol, considerado um dos hits da Copa do Mundo e abertura da novela das sete da TV Globo Geração Brasil. Acabado o show, sem muitas cerimônias, Guimê saiu em minutos cercado de seguranças. A pressa era maior porque, em pouco tempo, ele teria outra apresentação marcada, em uma área mais afastada da cidade, rotina que leva semanalmente. Agendas e carteiras lotadas. Essa é a vida dos cantores da ostentação, que nasceram nas grandes periferias e viram no funk uma oportunidade de ascender social e economicamente. Um mundo de mulheres bonitas, carros luxuosos, bebidas importadas e festas. Agora, o “Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci” deu espaço para o “De Land Rover Evoque/ Na Pista eu Arraso/ Pro Instagram um close/ Ela comenta eu caso”. Como qualquer manifestação cultural, por trás desse universo de vanglória, existe uma realidade que tem o funk ostentação como símbolo. É a classe C, a nova classe média brasileira, que ganhou poder de compra e o direito de ostentar, mesmo que seja em menor nível, um carro financiado, uma casa reformada e até viagens ao exterior. Em proporções diferentes, temos mais de 100 milhões de brasileiros com renda mensal entre R$ 1.734 e R$ 7.475 que viraram manchete de jornais e se tornaram a menina dos olhos da publicidade e da TV. 12 Com isso, convido você, leitor, a acompanhar neste trabalho acadêmico uma análise sobre o funk ostentação e a classe C e, assim, entender as transformações vividas pelo Brasil na última década. Boa leitura! 13 INTRODUÇÃO Historicamente, as manifestações culturais servem, entre outras funções, para expressar as mudanças ocorridas em uma sociedade. Seja como crítica ou elogio, expressões artísticas, como pintura, música e cinema, são porta-vozes e, ao mesmo tempo, sinais claros do processo evolutivo, tanto individual como coletivo. Em uma sociedade marcada pela desigualdade social, os pobres brasileiros, formados na sua maioria por negros, encontram nas melodias das comunidades gritos de revolta e até de celebração que traduzem o que queiram dizer para eles mesmos ou para outros que desconhecem sua realidade. O funk surgiu com esse propósito: cantar as mazelas da favela e servir como entretenimento para os blacks, que se amontoam há anos em clubes do subúrbio em busca de diversão e para “esquecer os atritos/ deixar as brigas pra lá”, como anuncia o “Rap do Silva”, um dos clássicos do ritmo. Desde os anos 1970, o funk vem deixando de lado o apego ao seu ancestral americano para cantar a dura e inspiradora realidade brasileira, exaltando sempre o pobre que, por muitas vezes, é vítima do sistema social de caráter excludente. Com a ascensão das políticas de incentivo à economia local notadas com maior força nos governos Lula e Dilma, do Partido dos Trabalhadores (PT), viu-se a ampliação do poder de compra das classes mais baixas, através da adoção de políticas de valorização do salário mínimo, de caráter compensatório (Bolsa Família) e de estímulo ao crédito, além do controle da inflação e da relativa redução dos juros, medidas que ficaram mais brandas com o arrocho econômico dos últimos dois anos. Com isso, cada vez mais trabalhadores figuraram os índices sociais como novos consumidores do mercado interno, podendo adquirir, mesmo que seja parceladamente, produtos e serviços que antes eram exclusivos das classes mais altas. Segundo o pesquisador Marcelo Neri (2008), da Fundação Getúlio Vargas, 20 milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social. Atualmente, levando-se em conta pesquisas divulgadas em 2011, a FGV acredita que esse número já subiu para quase 40 milhões1. Segundo a instituição, a classe C é composta pelas famílias brasileiras que possuem renda entre R$1.734 e R$7.4752. A elite A e B tem renda superior a R$9.745, enquanto a classe D (classificada como remediados) ganha entre R$1.085 e R$1.734. A classe E, por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$1.085. 1 Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/06/classe-c-ganha-395-milhoes-de-pessoas-dizfgv.html>. Acesso em: 12 de set. 2014. 2 Números ajustados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e atualizados a preços de julho de 2011. Disponível em: <http://cps.fgv.br/node/3999>. 14 Essa população ascendente economicamente, com seu desejo de continuar consumindo e seu foco no progresso individual, mostra claramente que o Brasil está melhorando seus índices. Em muitas nações que atingiram um elevado grau de desenvolvimento econômico e social, como exemplo Estados Unidos e Canadá, a maioria dos habitantes pertence à classe média. Essa melhoria na qualidade de vida da população mais carente pode ser vista e/ou ouvida nas letras do funk ostentação, as quais expressam desejos e satisfações das conquistas dos cidadãos das favelas. Apesar de ter a sua origem na periferia de São Paulo, o ritmo foi logo abraçado pela grande mídia e até por outras regiões brasileiras que não têm o funk tradicional como parte das suas culturas. Pela primeira vez, o funk deixa de se remeter apenas aos becos e vielas da favela e passa a cantar carros importados, bebidas caras e mansões. Para que possamos destrinchar o universo do funk ostentação e a sua simbologia perante a classe C, dividimos este trabalho em quatro capítulos. No capítulo 1 buscamos contextualizar a história do funk desde a sua influência norte-americana, provinda dos guetos dos Estados Unidos. No Brasil, essa música negra é disseminada nas comunidades cariocas, que passam a lotar os clubes em busca de diversão negra. Ainda no primeiro capítulo conhecemos algumas das muitas ramificações do funk, que pode ser ouvido no estilo erótico, gospel, proibidão, new funk, funk melody, entre outros. No capítulo 2 saímos do âmbito cultural para o social e econômico. Nele, mostramos quem é a classe C e o seu processo de evolução na última década, com a política de incentivo ao aquecimento do mercado. Também é possível entender a onda de rolezinhos que se alastrou pelo país em 2013 e entender por qual motivo os encontros de jovens assustaram a elite e a imprensa brasileira. O capítulo 3 é focado em trazer à tona o funk ostentação, as suas estrelas e as estratégias midiáticas para conquistar seguidores em todo o país. Nele trazemos quem são as peças importantes que fizeram do movimento um dos mais populares do Brasil nos últimos anos. Por fim, o capítulo 4 é uma análise de três videoclipes de MC Guimê, considerado a maior estrela do funk ostentação. Com o material videoclíptico, buscamos relacionar a produção do clipe; como cortes, figurino e roteiro; com a nova realidade vivida pelo artista e por milhões de brasileiros que ascenderam economicamente e ganharam poder de compra. Focado em trazer uma discussão social e econômica do funk ostentação, este trabalho não descobrir algo extraordinário. A sua intenção, em uma linguagem tão simples quanto o próprio funk, é trazer um panorama claro e objetivo sobre as mudanças vividas pela sociedade 15 brasileira e como elas podem ser percebidas através de músicas populares e videoclipes, como o caso das canções de MC Guimê. 16 CAPÍTULO I SOLTA O BATIDÃO, DJ: A TRAJETÓRIA DO FUNK CARIOCA COMO MÚSICA POPULAR BRASILEIRA 1.1 A música negra americana O funk carioca tem as suas origens bem enraizadas no subúrbio carioca. Mas o seu embrião está datado em meados de 1960, nos Estados Unidos, quando americanos negros misturaram o jazz, a soul music e o rhithm and blues, criando uma nova forma de música rítmica e dançante. O nome funk vem dos Estados Unidos e denomina um tipo muito específico de música, que descende dos lamentos negros e rurais do blues, do posterior rhithm´n´blues (quando o blues chega aos grandes centros e ganha marcação rítmica mais vagarosa) e da evolução do rhithm´n´blues que é soul (quando o estilo ganha apuro melódico, emprestado da música das igrejas batistas e esmero instrumental, virando um lucrativo negócio para gravadoras como a Motown e a Stax). [...] É isso, em suma, o que passou, a partir de meados da década de 60, a ser conhecido como funk – nome que, até então, era gíria dos negros para o mau cheiro (ESSINGER, 2005, p.10). Logo de início, a nova batida foi considerada indecente pelos mais conservadores, já que a expressão “funk” trazia certa conotação sexual na língua inglesa. Uma das grandes referências desse novo ritmo afro-americano é o cantor James Brown. Seus sucessos, tais como Sex machine, I feel good e Say it loud, trazem claramente a despreocupação do artista com letras mais aprofundadas – salvo exceções, como esta última, que aborda os direitos iguais para os negros –, transformando-o em uma das personalidades mais influentes do século XX. A dança frenética e suada do movimento que tem James Brown como principal referência chegou ao Rio de Janeiro nos bailes de música black, acompanhada de muita luz e som. Para se divertirem, quando não optavam por samba, rock ou, por que não, bossa nova, os casais – em sua maioria negros e mestiços – marcavam presença nos salões das periferias, como o Clube Renascença. O baile era uma organização comunitária fundada no Méier - que depois se mudou para o Andaraí - que de dia lutava contra a doença de Chagas e à noite instigava os jovens com a música negra americana. Logo, essa miscigenação cultural poderia ser notada como precursora de um movimento que daria cara ao Brasil. 17 Em todo o globo, o espírito incorporado às batidas da Black Music trouxe libertação e orgulho à comunidade negra. Segundo Gilroy (2001), foi “uma nova metafísica da negritude elaborada e instituída em outros lugares dentro de espaços clandestinos e alternativos, estruturados em torno de uma cultura expressiva dominada pela música”. A música negra que tanto fazia sucesso na América ganhara morada nos morros da capital fluminense. Não demorou muito para aparecerem DJs – como Big Boy e Mister Funky Santos – e equipes de som – Soul Grand Prix e Black Power (perceba-se os nomes “inglesados”) – que ficaram responsáveis por fazer as playlists, e trazer ao baile as músicas que já faziam sucesso fora do país. Como as letras eram em inglês, e desconhecidas de grande parte da população – já que a maioria não tinha a fluência de uma segunda língua –, muitos hits ganharam nomes abrasileirados, chamados de “melôs”. Um dos responsáveis pelo sucesso da música black no Brasil foi Mister Funky Santos, ou melhor, Oséas Moura dos Santos. Admirado com a onda negra no Rio de Janeiro, decidiu ele mesmo ser protagonista dessa história. Com um equipamento de som deficiente e fazendo mixagens na chave do próprio amplificador, Santos mostrara-se empolgado em animar a noite carioca. Sua atuação, no entanto, não ficava restrita ao vira-e-mexe de discos. Além de discotecar, Mister Funky Santos descia do palco para conversar com o baile todo. „Naquela época eu já era MC, grandmaster, já era tudo‟, gaba-se. O clima era black total – não só pela cor da pele da maior parte dos frequentadores, mas pela escuridão do baile, ainda bastante deficiente no quesito iluminação (ESSINGER, 2005, p.19). Se a potente voz de I feel good estourava no mundo todo, não demorou muito para que o Brasil também tivesse a sua própria versão de James Brown. Atendendo pelo nome de Gerson King Combo, Gerson Rodrigues Côrtes foi cantor e compositor de grandes sucessos de Roberto Carlos na Jovem Guarda (Negro Gato é um deles), além de um exímio dançarino. Em 1971, depois de uma temporada nos Estados Unidos, Gerson trouxe para o Brasil ainda mais influência do soul, como adereços e roupas para apresentações. Enquanto isso, por aqui, Tim Maia e Antônio Viana Gomes já faziam as honras da casa e também se destacavam na MPBlack. 18 Com seu estilo exótico e extravagante, Gerson foi uma das sensações do soul brasileiro. Suas músicas traziam em português claro e de fácil entendimento o orgulho de ser negro e da favela. A canção Mandamentos Black é uma das mais relembradas quando se estuda Gerson King Combo, seu estilo contagiante e sua bandeira em favor da igualdade entre os homens: Mandamentos Black3 Brother! Assuma sua mente, brother! E chegue a uma poderosa conclusão de que os blacks não querem ofender a ninguém, brother! O que nós queremos é dançar! Dançar, dançar e curtir muito som. Não sei se estou me fazendo entender. O certo é seguir os mandamentos blacks, que são, baby: Dançar como dança um black! Amar como ama um black! Andar como anda um black! Usar, sempre o cumprimento black! Falar como fala um black! E eu te amo, brother! Viver sempre na onda black! Ter orgulho de ser black! Curtir o amor de outro black! Saber, saber que a cor branca, brother, é a cor da bandeira da paz, da pureza e esses são os pontos de partida para toda a coisa boa, brother! Divina razão pela qual amo você também, brother! Eu te amo, brother! Outros nomes também foram de suma importância para a consolidação da música Black no Brasil, como Toni Tornado, Carlos Café e a banda Black Rio. Esta última tem a sua estreia no meio fonográfico em 1977, com o LP Maria Fumaça, considerada uma das maiores combinações harmoniosas entre samba e funk. O grupo foi uma invenção da gravadora WEA, representante dos selos Warner, Elektra e Atlantic, que buscava fincar raízes sólidas no mercado brasileiro. A Black Rio era formada por Barrosinho, Oberdan, Jamil Joanes, Lúcio 3 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/gerson-king-combo/mandamentos-black.html>. Disponível em: 10 de ago. 2014. 19 da Silva, Claudio Stevenson, Cristovão Barros e Luiz Carlos Santos. Com o sucesso da black do Rio de Janeiro, não demorou para aparecer movimentos como Black São Paulo, Black Uai! (Belo Horizonte), Black Porto (Porto Alegre) e Black Bahia. Na trajetória da música negra como novo ritmo brasileiro, o paraibano Genival Cassiano foi uma das peças-chave. Nascido em Campina Grande, sua música é considerada precursora do soul brasileiro, com influências que vão do R&B até o samba. A lua e eu, Coleção e Primavera¸ gravado por Tim Maia, foram alguns dos maiores sucessos. Acompanhando as tendências, a música americana disseminou no mundo inteiro um novo estilo musical, que logo também fez sucesso no Brasil. Derivada do funk, a discoteca não apenas conquistou os bailes black, como marcou a década de 1970. Com músicas que priorizaram o instrumental, as letras se preocupavam ainda menos com o contexto social – o estilo colorido e dançante logo conquistou o público, trazendo uma mensagem de inclusão social não só de negros, mas também de gays. Musicalmente, a disco pode ser considerada, de forma um tanto grosseira, uma “europeização” do funk. Mantém-se o groove, só que com uma batida mais reta, sem aquelas síncopes tão marcadamente negras. Cordas em profusão ocupam o lugar dos metais em brasa. E os vocais tornam-se mais suaves, menos soul, abrindo espaço para cantoras com uma característica sutilmente operística – tanto que acabaram apelidadas de divas disco (ESSINGER, 2005, p.42). Apesar de a discotèque dar notoriedade a grandes nomes, como Gloria Gaynor, Donna Summer e Barry White, foi sem cantar que um casal deu cara e corpo ao grande movimento dos Anos 70. Lançado em 1977, o filme Nos embalos de sábado à noite, de John Badham, transformou John Travolta (ou melhor, Tony Manero) e Karen Lynn (dando vida a Stephanie) em vitrine da disco. Suas coreografias na pista de dança da boate e os figurinos inspiraram os mais antenados e lançaram moda. No Brasil, a novela Dancing Days, exibida entre 1978 e 1979 na TV Globo e escrita por Gilberto Braga, também foi tendência. O folhetim, mais uma vez, usara a pista de dança como pano para as histórias de Cristina (Sônia Braga). Com o boom da disco, os adeptos do soul carioca acreditavam que o ritmo estava chegando ao seu fim, levando com ele as raízes negras de que tanto se orgulhavam. O golpe final veio ainda em 1977, com a morte de Big Boy, aos 33 anos, vítima de um ataque 20 fulminante. Se para muitos era o final de um movimento, o que se verá a seguir é a consolidação de um ritmo ainda mais negro, e ainda mais brasileiro. 1.2 O funk carioca Tão rápida quanto a sua ascensão, a disco logo começou a mostrar enfraquecimento. O público, cada vez mais exigente, já buscava novidades. Foi tentando se reinventar que, a partir daí, surge a disco-funk, movimento cultural que traz a causa black de volta ao centro dos bailes sem esquecer das batidas eletrônicas, que fica no topo das paradas até a metade dos anos 1980. Um tipo de música com linhas de baixo bem presentes, feitas por contrabaixos elétricos tocados segundo a técnica do slap (de puxar as cordas e soltá-las para bater com força na escada e, ao mesmo tempo, percuti-las com o polegar) ou mesmo teclados com som gordo, carregado nos graves (ESSINGER, 2005, p.52). O sucesso vitalício do hip-hop no subúrbio americano e, consequentemente, no mundo ocidental, também influenciou para que o funk carioca ganhasse corpo tal qual nós conhecemos. Outros movimentos também contribuíram para esse fenômeno, como os batuques africanos e as batidas eletrônicas, como o miami bass e freestyle. As músicas selecionadas, tocadas, mixadas e sampleadas por esses DJs cariocas eram fundamentalmente o hip-hop produzido na região da Flórida, nos Estados Unidos, chamado de Miami Base, por exemplo, os grupos 2 Live Crew, Gucci Crew e Gigolo Tony (LOPES, 2011, p. 31). Com um total de 700 bailes realizados por fim de semana e cerca de um milhão de jovens lotando as apresentações de funk carioca, ainda internacional, segundo contagens dos jornais da época, o movimento começa a chamar a atenção da sociedade do asfalto e a virar objeto de estudo acadêmico. Já no fim da década de 1980, um jovem estudioso da música sentiu o poder de crescimento que o funk, ainda recém-nascido e diferente do que conhecemos hoje, iria causar na cultura brasileira. Morador de Copacabana, no Rio de Janeiro, o paraibano Hermano Vianna, irmão de Herbert Vianna, do grupo Paralamas do Sucesso, mostrou-se interessado em levar ao “asfalto” a novidade das noites da favela. Em seu livro “O mundo funk carioca”, 21 publicado em 1988, o antropólogo, que foi um dos fundadores do programa Esquenta!, da TV Globo, detalhou o que via de diferente na maneira como o favelado buscava diversão. No trabalho de campo para a confecção da tese, Hermano se deparou com um mundo habitado por jovens em sua maioria pobres, que saíam em grupos pela noite, em busca de diversão nos bailes funk, que não cobravam os preços abusivos das boates. Para eles, o DJ era uma figura secundária, que tocava de costas para o público – as atrações eram as equipes de som, com suas luzes e seus alto-falantes, e os balanços que elas tocavam. Balanço dos quais os jovens nem sequer sabiam os nomes, ou mesmo os artistas que os compuseram e gravaram (ESSINGER, 2005, p.74). Nesse momento, entra em cena um dos personagens mais influentes e importantes do funk carioca que, junto com Hermano, apresentara o novo estilo para a mídia e a classe média brasileira. Na vanguarda do movimento aparece Fernando Luís Mattos da Matta, que marcou seu nome no hall da fama do funk como DJ Marlboro. Com uma bateria eletrônica, que logo seria substituída por um teclado e um sampler, Marlboro inovou e trouxe ao baile uma batida de tons futuristas, que agradou ao público e deu identidade ao funk carioca tal qual conhecemos hoje. Com seu estilo de se apresentar interagindo com o público e sempre antenado nas tendências mundiais, Marlboro se tornou autoridade no assunto e por suas mãos passaram grande leva de artistas que até hoje são conhecidos não só da população funk, mas de todo o Brasil. Passado o tempo, agora nos anos 1990, o funk começa a ganhar letras brasileiras, algumas denominadas de rap. O marco inicial é o disco Funk Brasil, uma coletânea em que Marlboro uniu diversos cantores profissionais e amadores, realizando o seu sonho de nacionalização do movimento. Entre os sucessos, estavam o Melô da Mulher Feia, paródia de Do Wah Diddy (2 Live Crew) e o Rap das Aranhas, brincadeira com o Rock das Aranhas, do cantor Raul Seixas. As versões brasileiras de músicas internacionais tinham se tornado rotina nas festas desde o tempo da música black. Sem o conhecimento da língua americana, ou por pura diversão, os funkeiros da época já brincavam com a batida, colocando músicas eróticas e/ou engraçadas sobre as originais. Era aquele momento em que todo mundo cantava junto. Com um álbum gravado e músicas autorais para tocar nas rádios e nas festas, os cantores começaram a se tornar estrelas do funk. Assim, com isso nascem os MCs, sigla para “mestre de cerimônia”. Os mais antigos começaram suas carreiras discotecando nas noites cariocas, trazendo para a periferia os grandes sucessos do momento, todos estrangeiros. Para 22 inspirar esses novos cantores, os mais variados assuntos: amor, sexo, festas, o próprio funk, acontecimentos do dia a dia e, claro, a dura realidade das favelas cariocas, muitas delas marcadas pela violência do tráfico de drogas e a ausência do Estado, dividindo o Rio de Janeiro em dois. A versão alternativa de “Rap das Armas”, composta em 1994 por Cidinho e Doca, já trazia essa dura e triste realidade: “pra subir aqui no morro até a Bope treme/ não tem mole pro Exército, Civil, nem pra PM/ eu dou o maior conselho para os amigos meus/ mas o Morro do Dende também é terra de Deus”. A canção, que é uma segunda versão do Rap das Armas, de 1992, escrita pela dupla de MCs Júnior e Leonardo, narra um episódio de invasão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) nas favelas do Rio do Janeiro. O sucesso nacional, porém, chegou treze anos depois, quando a música fez parte da trilha sonora do filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha. Por ser criado pela e para a favela, vira e mexe o funk é vítima de rótulos preconceituosos. Desde o seu início, os artistas seguem usando das letras das músicas para pedir respeito e espaço. Outro clássico do funk, por exemplo, o “Rap do Silva”, de Bob Rum, dedica-se a trabalhar essa temática: “Era só mais um Silva/ que a estrela não brilha/ ele era funkeiro/ mas era pai de família”. Embora aparentemente reforçasse o preconceito contra o funk, a música de Bob Rum trazia um verso que fazia a crítica desse mesmo preconceito: “o funk não é modismo / é uma necessidade / é pra calar os gemidos / que existem nessa cidade”. Descoberta pela Furação 2000, a música estourou e o transformou numa celebridade instantânea que, como muitos MCs, depois voltou à obscuridade (ESSINGER, 2005, p.108). A letra de Rum se tornou um dos grandes hinos do funk brasileiro. Até hoje, cantores da nova geração incluem a música nos seus repertórios, como um grito de respeito e consideração pelo funk como música popular feita para ricos e pobres. Mas não é só de favela que vive o funk. Para continuar em alta, o ritmo buscou se adaptar aos novos ouvidos e gostos. Foi daí que surgiram as ramificações, que vão do gospel ao erótico, do sagrado ao profano. 1.2.1 Ramificações do funk Com a massificação do funk, o movimento ganhou vertentes que até hoje servem para rotular os incontáveis estilos que se desenvolvem dentro dele. Alguns são mais conhecidos, 23 como melody, new funk, proibidão, comédia, gospel, e, o mais recente, ostentação – podendo existir outros menos conhecidos. Esse primeiro, o funk melody, o favorito da grande mídia, teve o seu apogeu em 1993, quando o cantor Latino estourou nas paradas de sucesso o hit Me Leva. Produzido por Marlboro, a música apresentou ao Brasil um showman, que fazia as mulheres delirarem com suas danças provocantes e seu visual de galã. “Moça, eu não sei mais o que pensar/ A razão que fez nos separar/ Será o destino quem quis assim?/ Só eu sei como é duro suportar/ A dor no peito por me deixar/ Seu coração falará por mim/ Oh, baby, me leva/ Me leva, que eu te quero, me leva/ Me leva, que o futuro nos espera/ Você é tudo que eu sempre quis”. Com o status de cantor pop, Latino aprendeu a misturar estilos para se manter nos holofotes, e hoje, apesar de enfrentar uma estagnação em sua carreira, continua gravando CDs e fazendo shows pelo país, mesmo que de maneira mais tímida quando comparado com os bons tempos de Festa no apê, maior hit da sua carreira que, em 2004, foi recorde de ringtones baixados em seis milhões de celulares, segundo a assessoria do artista. O fato lhe rendeu, na época, premiação no Vivo Awards, evento promovido pela operadora de celular Vivo. A década de 1990 também trouxe para o cenário musical a dupla Claudinho e Bochecha. Com sucessos como Conquista, Só Love e Quero Te Encontrar, os dois amigos da favela do Salgueiro, em São Gonçalo, encheram casas de shows e arremataram sucesso, fama e dinheiro. Desde a morte de Claudinho em um acidente de carro, em 2002, no auge da carreira, Bochecha tenta continuar solo, mas sem sucesso. O início dos anos 2000 foi preocupante para o melody, que logo tratou de mudar o jogo e lançar novos cantores, como MC Leozinho e Perlla. Dois dos grandes artistas que mais fazem sucesso na música atual são ou começaram no melody: Naldo Benny, com Amor de chocolate, e Anitta, Show das Poderosas. No início do século, artistas como Kelly Key, com Baba e Cachorrinho, e a dupla Pepê e Neném, Mania de você e Nada me faz esquecer, lideraram as paradas de sucesso com um funk mais pop, querendo ganhar várias tribos musicais, inclusive as crianças. Já o new funk chegou junto com o milênio para reinventar o movimento. Os artistas da vez foram os bondes, como eram chamados os grupos de DJs, MCs e/ou dançarinos. Uma das características desses novatos é que, enquanto o funk carioca tinha um compromisso maior com as letras, o new funk trazia ainda mais sensualidade e erotismo. Sucessos como os do Bonde do Tigrão (Cerol na mão e Tchutchuca, por exemplo) romperam os limites 24 fluminenses e fizeram com que as músicas de duplo sentido e de ritmo contagiante ganhassem espaço na mídia e em muitas festas pelo Brasil. Concomitante a isso, o sucesso do new funk trouxe críticas negativas de que o estilo era vulgar e sem criatividade, comentários oriundos até de dentro da própria comunidade do funk. Outros estilos do funk brasileiro ainda podem ser vistos, como o gospel, que usa o batidão para as mensagens religiosas. Nesse estilo, o grupo Tribo do Funk é considerado um dos maiores do gênero. Nas músicas, a banda tenta reverter algumas gírias para versões mais suaves, trazendo conceitos bíblicos. Um exemplo é a música Eu não sou cachorra, expressão frequentemente usada para as mulheres. “Ficou diferente depois que se converteu/ Já sabe a verdade sobre a palavra de Deus/ Eu vim para a igreja pra buscar a salvação/ Já recebi a benção, você é o meu varão/ Tem gente que pensa que igreja é uma loucura/ Sou louco por Jesus, eu sou uma nova criatura/ Sou livre do pecado e ao seu lado, meu amor/ Eu não sou cachorra, sou princesa do Senhor”. O mais recente movimento do funk vem de São Paulo e é chamado de ostentação, assunto que será amplamente abordado no próximo capítulo. Seja no argumento de que é erótico demais, retratação da violenta realidade das favelas ou onda de apologia ao crime, o proibidão é, sem dúvida, o mais polêmico. Criado na década de 1990 nas comunidades do Rio de Janeiro, a vertente foi disseminada boca a boca entre as periferias com músicas pornográficas ou de cunho violento, que, neste caso, citavam nomes de armas e de facções criminosas. O Rap das Armas, citado no fim do tópico anterior, foi um dos hits que chamaram a atenção da Polícia Militar. Se hoje o Beijinho no Ombro é cantado por adultos e crianças e ouvido constantemente na TV e no rádio, as primeiras músicas de Valesca Popozuda não poderiam passar antes da meia-noite. À frente da Gaiola das Popozudas, o repertório da cantora era mais picante, com danças que excitavam homens e mulheres. O grupo surgiu em 2000, mas só em 2007 conseguiu projeção nacional, com os sucessos Late que eu tô passando e Agora sou solteira (versão light de Agora sou piranha). 25 Agora eu sou piranha4 Eu vou pro baile procurar o meu negão Vou subir no palco ao som do tamborzão Sou cachorrona mesmo e late que eu vou passar Agora eu sou piranha e ninguém vai me segurar. No local do trepa-trepa eu esculacho tua mina, No completo ou no mirante outro no muro da esquina, Na primeira tu já cansa eu não vou falar de novo Ai que piroca boa, bota tudo até o ovo Eu queria andar na linha, tu não me deu valor Agora eu sento, soco, soco, topo até filme pornô Gaiola das Popozudas agora vai falar pra tu Se elas brincam com a xereca eu te do um chá de cu. O probidão de Valesca atraiu os olhares da mídia, mas também da academia. No fim do ano passado, a estudante Mariana Gomes foi aprovada em segundo lugar no mestrado em Cultura e Territorialidades, na Universidade Federal Fluminense (UFF), com o projeto intitulado My pussy é o poder. A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural5. No estudo, Mariana propõe analisar as relações de gênero do funk e a libertação sexual, principalmente das mulheres, presentes nas letras das cantoras de funk. My pussy é o poder é uma das músicas de Valesca: “Minha buceta é o poder/ Por ela o homem chora/ Por ela o homem gasta/ Por ela o homem mata/ Por ela o homem enlouquece/ Dá carro, apartamento, joias, roupas e mansão/ Coloca silicone/ E faz lipoaspiração/ Implante no cabelo com rostinho de atriz/ Aumenta a sua bunda pra você ficar feliz”. Já o proibidão do crime chamava atenção da sociedade do asfalto com a acusação de que os traficantes de drogas patrocinavam os bailes funk e usavam do ritmo para disseminar seu poderio. Com isso, muitos cantores, produtores e representantes de equipes de som foram presos. Outra acusação contra o proibidão foi a apologia à prostituição, fazendo com que o Governo intervisse com sérias restrições à realização dos bailes. Foi a gota d‟água para que os 4 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/gaiola-das-popozudas/agora-eu-sou-piranha.html>. Acesso em: 14 de nov. 2014. 5 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/04/aluna-passa-em-1-lugar-em-mestradocom-projeto-sobre-valesca-popozuda.html>. Acesso; 14 de nov. 2014. 26 mais conservadores tivessem justificativas para criminalizar o movimento e rotulá-lo com preconceitos, algo visto até os dias de hoje. Com as comunidades cada vez mais fortes, foi ainda nos anos 2000 que a mídia corporativa buscou entender a periferia como cara do Brasil, um lugar de problemas e soluções, alegrias e tristezas, com histórias para contar além do já batido tráfico de drogas. O filme Cidade de Deus (2002) e o seriado Cidade dos Homens (TV Globo, 2002-2005) foram importantes para a aceitação do universo das favelas. Amadas e odiadas, as duas obras dirigidas por Fernando Meirelles trouxeram o dia a dia dos morros cariocas para o protagonismo das produções. A rotina das comunidades, a noite do baile, as manhãs na escola, a relação entre os amigos e vizinhos e o domínio do tráfico foram amplamente retratados e discutidos. Poucas vezes na história do cinema, a casa grande dera lugar à senzala. No longa de Fernando Meirelles, o personagem Buscapé (Alexandre Rodrigues) conta a história de formação da Cidade de Deus, que se funde com a sua e também com o do fortalecimento do tráfico de drogas na região. Buscapé narra a vida de jovens que cresceram na comunidade e se tornaram poderosos traficantes. A música é um dos fortes de Cidade de Deus. Ambientado nos anos 1970, os bailes da comunidade são animados com os maiores hits da música black, além dos sucessos de Tim Maia, usados como fundo para coreografias dançantes e alegres. Já o episódio Sábado, de Cidade dos Homens, por exemplo, é uma clara demonstração da relação funk-favela. No capítulo, os protagonistas Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha) curtem a noite do fim de semana no baile funk da comunidade, que é a principal, e talvez única, forma de diversão dos vizinhos. No local, MCs e grupos de dança sobem ao palco para apresentações, enquanto a plateia vai ao delírio com coreografias sensuais e roupas provocantes. A estrela do local é o DJ (no episódio, interpretado por Marlboro), que, enquanto discoteca, é paquerado pelas solteiras do baile. Outro detalhe marcante é a segurança do local, feita pelos comparsas do traficante, que são firmes em manter a ordem no clube, evitando que qualquer briga ou desentendimento aconteça. Em suma, o episódio traz uma série de valores existentes na comunidade em questão, mas que pode ser facilmente relacionado a milhares de favelas brasileiras. Em 2008, o funk ganhou novamente o topo das paradas de sucesso. MC Créu e as mulheres fruta tornaram-se febre nacional. As cinco velocidades da coreografia deram fama ao grupo e muitas aparições em programas de TV. O sucesso foi tanto que MC Créu, apelido 27 para Sérgio Costa, foi convidado para dividir o palco com Roberto Carlos em um dos cruzeiros promovidos pelo cantor. Além do funkeiro, quem também ganhou os holofotes foi Andressa Soares, conhecida nacionalmente como Mulher Melancia, por causa do seu nada convencional derrière de 121 centímetros. Mais tarde, com a saída de Andressa do grupo para tentar carreira solo, apareceram outras dançarinas do MC Créu: Mulher Moranguinho (Ellen Cardoso), Mulher Jaca (Daiane Cristina) e Mulher Melão (Renata Frisson). Aproveitando a onda, fora do grupo ainda surgiram a Mulher Filé (Yani de Simone) e a Mulher Maçã (Grace Kelly). Aos poucos, o funk carioca passou de ritmo marginal para patrimônio cultural do Rio de Janeiro. O estilo, que hoje é amplamente visto nas músicas de cantores da elite como Roberto Carlos – ele gravou Furdúncio, que foi trilha sonora da personagem Lurdinha de Salve Jorge (TV Globo, 2012) -, já passou por grandes perrengues. Quando um cantor da MPB como Maria Gadú, por exemplo, canta Baba Baby, de Kelly Key, e é ovacionada, mal se pode imaginar que anos atrás, em 2001, Caetano Veloso incluiu Um tapinha não dói no fim da sua canção Dom de Iludir e foi vergonhosamente vaiado em pleno Ginásio Canecão, no Rio de Janeiro. Como resposta, Caetano criticou os preconceituosos e lembrou-se dos tempos de ditadura militar, quando foi igualmente vaiado enquanto cantava Alegria, Alegria em um festival. Censura do século XXI travestida de preconceito aos ritmos suburbanos. Atualmente, o funk já tem atingido um status de música brasileira, aquela que representa os morros não só cariocas, mas de todo o Brasil. Na mídia, alguns cantores que lideram as paradas e os programas de TV nascem no funk e nele fazem sucesso. Em inúmeras entrevistas, não é raro ver DJ Marlboro, aquele que deu ao funk as batidas que conhecemos, dizer que tudo aconteceu tão rápido que ele não esperava estar vivo para ver o ritmo sendo aplaudido do morro ao asfalto, em todas as camadas sociais brasileiras. 28 CAPÍTULO II PIRÂMIDE SOCIAL BRASILEIRA: A CLASSE MÉDIA COMO MOTOR DA ECONOMIA Neste capítulo, temos como ponto de partida as formulações de Neri (2008), coordenador da pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que é a principal referência quando se quer entender a nova organização da pirâmide social brasileira. Foi na pesquisa da FGV que, pela primeira vez, o termo “nova classe média” foi utilizado para designar a parcela da população que tem ascendido economicamente e ganhado relevância na cadeia de consumo. Segundo a FGV, a classe C é composta pelas famílias brasileiras que possuem renda entre R$1.734 e R$7.4756. A elite A e B tem renda superior a R$9.745, enquanto a classe D ganha entre R$1.085 e R$1.734. A classe E, por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$1.085. Com uma melhor distribuição de renda, estimulada por políticas sociais dos governos Lula e Dilma, a classe C também passou a incorporar a classe média, por isso o termo “nova classe média” adotado pela FGV. 2.1 Classe C ou Nova Classe Média O colunista internacional Thomas Friedman (2005), em seu best-seller O mundo é plano, define classe média como o esperar de uma posição melhor no futuro, mais do que pelo nível de vida e de renda presente. De acordo com o autor, podemos deduzir que a medição da classe média parte da combinação de elementos como renda, bens de consumo, capacidade de geração e manutenção da riqueza a prazo mais longo. Outros elementos também contribuem para a pesquisa, como o ingresso à universidade pública ou privada, o acesso a uma escola de qualidade e até um emprego estável que garanta renda permanente e, por consequência, poder de compra. Em Um país chamado favela, Renato Meirelles e Celso Athayde (2014) trazem uma abordagem detalhada sobre a realidade da nova classe média brasileira. A publicação é fruto de uma ampla pesquisa do Instituto Data Popular, especializado em mercados emergentes e referência no conhecimento das classes C, D e E. No livro, a dupla relata que 51% dos 6 Números ajustados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e atualizados a preços de julho de 2011. Disponível em: <http://cps.fgv.br/node/3999>. 29 favelados consideraram que o lugar onde moram havia melhorado de alguma maneira nos doze meses anteriores à consulta do Data Popular. Essa melhoria na qualidade de vida que tanto é citada em Um país chamado favela e nos outros livros que analisam o novo momento da economia brasileira se funde com a trajetória política do Brasil. O país daria sinal de que estava preparado para saltos expressivos ainda nos anos 1990, com a transição Cruzeiro-Real, liderada por Fernando Henrique Cardoso. A partir desse momento, o controle da inflação permitiu que as empresas e as pessoas planejassem ações a longo prazo. Vale lembrar que, de 1965 a 1994, o país acumulava uma inflação de 1.142.332.741.811.850% (IGP-DI), o equivalente a 1,1 quatrilhão por cento, multiplicado em seis diferentes moedas (MEIRELLES; ATHAYDE, 2014, p.51). Com a inflação e a inadimplência controladas, o bolso da classe média ficou mais folgado. Apesar das críticas contra os juros altos e a desvalorização do mercado interno, a economia encontrava-se estável quando o ex-metalúrgico pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito. Vindo de movimentos sociais, o então presidente foca a sua gestão na inclusão social e na distribuição de renda. Assim que assumiu, Luiz Inácio logo começou o seu trabalho de fazer com que a população mais pobre pudesse ter direito a bens que antes eram exclusivos da elite. Um dos primeiros trabalhos foi a consolidação do Bolsa Família, benefício concedido aos grupos de baixa renda. Somados os milhões de beneficiados, no entanto, constituiu uma massa relevante de recursos. Grosso modo, sua dinâmica econômica funcionou numa espiral ascendente. Se vale um exercício didático criativo, a família de José, segurada do plano governamental, comprou mais biscoitos na padaria de João. Já João elevou a quantidade de itens solicitados aos fornecedores, obrigados a aumentar a produção. Nesse processo, a demanda por novas máquinas ativou outros setores industriais, estimulados a contratar novos colaboradores (MEIRELLES; ATHAYDE, 2014, p.52). 30 Resumindo a espiral citada acima, todos saem ganhando. Com esse exemplo, os autores mostram claramente que a cadeia de consumo ganhou mais força, mesmo que de maneira tímida, já que o benefício básico distribuído chega a R$ 77,007 (setenta e sete reais). Com o Bolsa Família beneficiando quase 50 milhões de brasileiros, o grande trunfo do governo Lula (2002 - 2010), e posteriormente Dilma (2011 – 2018) foi a reduzida taxa de desemprego, que, quando escrito esse trabalho acadêmico, beirava a casa dos 4,9%8. A título de informação, e de comparação, nos Estados Unidos, lugar que sempre foi sinônimo de capital, trabalho e prosperidade, o índice chega a 5,9% 9. De 2003 a 2013, tempos áureos do governo do PT (Partido dos Trabalhadores, legenda a qual os dois gestores fazem parte), o Brasil gerou 20 milhões de empregos. A criação de novos empregos fez seu casamento perfeito com o aumento significativo do salário mínimo (de R$200 em 2002 para R$788 em 201510). Ganhando mais, a classe trabalhadora passou a gastar mais, já que as operadoras estavam preparadas para garantir o acesso livre ao crédito de quem tivesse uma renda relativamente boa. Com isso, uma funcionária de uma loja de roupas caras, por exemplo, passou a também poder comprar aquela tão sonhada peça que está na vitrine e que antes só era permitida às suas clientes mais seletas. Tudo isso, claro, dividido em suaves prestações. Criação de novos empregos, aumento do salário mínimo e estímulo ao crédito. Foi a revolução que a classe média precisava para mostrar o seu poderio que há tanto tempo sonhara. O espaço logo passou a sofrer modificações. Casas reformadas, carros novos nas ruas, TVs de última geração nas salas de estar, antenas de TV por assinatura nos telhados, roupas e sapatos de grife e shopping lotados. O mercado ficou aquecido e ganhou novas caras. Os aeroportos ficaram lotados e novos voos foram disponibilizados. Era que agora o negro da favela voava de avião pela primeira vez ao lado do branco rico. Muitas vezes os dois iam para o mesmo destino, hospedados, quem sabe, no mesmo hotel. 7 Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-05/valor-do-beneficio-minimo-do-bolsafamilia-sobre-para-r77>. Acesso em: 3 de out. 2014. 8 Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/10/desemprego-fica-em-49-em-setembro-dizibge.html>. Acesso em: 3 de out. 2014. 9 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/10/1526484-desemprego-nos-eua-recua-para-59menor-taxa-desde-julho-de-2008.shtml>. Acesso em: 3 de out. 2014. 10 Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/veja-o-valor-do-salario-minimo-em2015.html>. Acesso em: 3 de jan. 2015. 31 Quando o homem de Garanhuns [Lula] deixou a presidência, em 2010, a renda somada da classe C chegava a 500 bilhões de reais, alimentando 76% do consumo do país. Naquele ano, a classe D gastou 380 bilhões de reais, contra 260 bilhões de reais da classe A (MEIRELLES, 2014, p.53). O poder de consumo desse novo mercado logo foi percebido pelas empresas. A publicidade passou a retratar na sua propaganda a nova família que, muitas vezes, compra no crédito, não tem empregada em casa e se divide entre os filhos e o emprego. Com mais dinheiro para abastecer a dispensa, alinhando o estímulo ao crédito e juros mais baixos, os pobres conseguiram melhorar de vida e passaram a integrar o grupo da classe média, atraindo olhares de novos empresários que viram na favela um grande potencial de consumo. De acordo com Neri (2008), de 2004 a 2008, a classe AB alcançou um crescimento de 33,6%, enquanto a classe C subiu 22,8%. Mesmo que o crescimento seja menor que a faixa mais rica, a classe média representa 51,89% da população brasileira. A pesquisa da FGV fez um apanhado do que define a classe C que acabara de ganhar força em todo o Brasil. O que é ser de Classe C? Computador, celular, carro, casa financiada, crédito em geral e produtivo em particular, conta-própria e empregadores, contribuição previdenciária complementar, se sairmos daquelas iniciadas com C temos ainda diploma universitário, escola privada, plano de saúde, seguro de vida. Mas de todas, a volta da carteira de trabalho, talvez seja o elemento mais representativo de ressurgimento de uma nova classe média brasileira (NERI, 2008, p.41). Preocupada com a perda de audiência para a TV fechada, os canais abertos passaram por um processo de reformulação da sua linguagem. A expressão “classe C” tornou-se frequentemente ouvida nos bastidores das empresas, que buscavam entender esse fenômeno de transformação social brasileira. As novelas da TV Globo Avenida Brasil e Cheias de Charme (2012), por exemplo, foram duas grandes vitrines da nova classe média, que retribuiu bem com a audiência, considerada as melhores dos últimos tempos. O atual Esquenta!, que a apresentadora Regina Casé apresenta aos domingos da TV Globo, é uma clara representação de que a favela está na moda. Com uma linguagem popular, o programa dominical traz para a televisão o universo das comunidades, principalmente a carioca. Samba e funk são os ritmos mais tocados, que fazem os convidados dançarem. Na contramão dos programas de auditório que contratam 32 modelos para embelezar as plateias, de preferência com características europeias, o público do Esquenta! é formado por favelados, em sua maioria negros. Na concorrente TV Record, a favela ganhou protagonismo na novela Vidas Opostas (2006). O folhetim escrito por Marcílio Moraes retratou a história de jovens de diferentes classes sociais, corrupção e tráfico de drogas. Em uma emissora sem tradição para a dramaturgia, a novela foi recorde de audiência, mas também de críticas positivas e negativas. 2.2 Rolezinhos: entretenimento ou confusão? Os shoppings centers, verdadeiros templos do consumo e símbolo do capitalismo, também foram, mesmo que indiretamente, cenário desse novo capítulo da história social e econômica protagonizada por homens e mulheres da periferia. Em 2013, logo após a onda de manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público que se alastrou pelo país e desencadeou protestos violentos, outro movimento ganhara as páginas policiais, a atenção das autoridades e a preocupação da elite. Jovens e adolescentes passaram a marcar nas redes sociais, especialmente no Facebook, encontros simultâneos em lugares públicos e/ou públicos-privados para passear, paquerar e conhecer pessoas novas. Praças, shoppings e parques eram os locais preferidos para os rolezinhos, diminutivo da gíria “rolé”, que significa “dar uma volta” ou “dar um passeio”. Logo, esses momentos de lazer, que aconteciam principalmente nas praças de alimentação dos shoppings das periferias, foram ganhando cada vez mais adeptos, chegando a milhares de pessoas. Andando em bando, cantando e falando em voz alta, os jovens do rolezinho começaram a assustar os lojistas e frequentadores desses lugares. Com tanta gente ingressando no movimento e com fuga de clientes, as administrações dos shoppings reagiram com a repressão de seguranças particulares e da própria Polícia Militar. O resultado é que não demorou muito para que os pontos comerciais virassem palco de guerra, com apreensões e prisões. Em São Paulo, por exemplo, no dia 11 de janeiro de 2014, a PM utilizou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os três mil participantes no rolezinho do Shopping Metrô Itaquera11. Mas se, por um lado, os rolezinhos são apenas nova encarnação de uma configuração bem conhecida, e embora articulem elementos que tenham 11 Disponível em: < http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/conheca-historia-dos-rolezinhos-em-saopaulo.html>. 33 sempre feito parte da experiência das cidades modernas – circulação, consumo, tensões de classe e de raça, disputas pelo controle do espaço público –, por outro, são de fato uma nova articulação desses elementos. E uma articulação que pede para ser destrinchada, pois revela mudanças significativas na cidade e sua esfera pública, nas suas dinâmicas de classe, de raça e de gênero (CALDEIRA, 2014). Se no imaginário social e na grande mídia o rolezinho virou sinônimo de “arrastão em shoppings centers”, o que esses jovens buscavam realmente era lazer. Com uma estrutura social que discrimina os mais pobres, essa parcela da população deixou nos rolés um recado de que eles também têm o direito de frequentar espaços de consumo e até de fazer compras. Mais do que uma tarde de entretenimento e paquera, um protesto contra a desigualdade, o preconceito e a ociosidade. Os participantes dos rolezinhos seguiram à risca o movimento do funk ostentação. Alavancados ao nível de classe média, os adolescentes e jovens da periferia viram nos encontros em shoppings a coroação do poder de consumo que foi entregue aos seus pais. Além de cantar grifes e marcas de roupas nas músicas do funk ostentação, que enchem a playlist dos seus smartphones, os jovens funkeiros estavam vivendo o que a nova condição social das suas famílias permitiam: passeios em shoppings para compras e novas opções de lazer, uma clara mudança de comportamento gerada pela mudança econômica. O que não se imaginava é que, em tão pouco tempo, os encontros ganhassem tantos adeptos. Como em qualquer aglomerado de pessoas, logo a ordem foi perdida e os organizadores não conseguiam controlar as milhares de pessoas, entre elas baderneiros que se aproveitavam da situação para amedrontar clientes, lojistas e os próprios colegas do rolezinho. Com uma polícia despreparada para lidar com esse tipo de situação, os episódios quase sempre acabavam em violência. Assim como a sua ascensão, os rolezinhos logo voltaram ao esquecimento da grande mídia sem deixar de mostrar à sociedade a existência de jovens e adolescentes com vontades, desejos e reivindicações. Se olharmos na história do funk, encontraremos um caso parecido que também espalhara medo na sociedade do asfalto: Rio de Janeiro, 1992. A briga de gangues dentro dos bailes funk das favelas preocupara a polícia e amedrontara os moradores. O pânico tomava conta das ruas depois que os frequentadores saíam do baile em bando, praticando arrastões por onde passavam. Mas, o episódio mais marcante dessa triste história do funk carioca se deu em 18 de outubro, conforme noticiou o Jornal Nacional, TV Globo, e, tempos depois, foi transcrito por Micael Herschmann: 34 Rapidamente as gangues tomam conta da areia... Uma parede humana avança sobre os banhistas... pavor e insegurança... Sem que se saiba de onde... começa uma grande confusão... O pânico toma conta da praia... As pessoas correm em todas as direções... São mulheres, crianças pessoas desesperadas à procura de um lugar seguro... A violência aumenta quando gangues rivais se encontram... Este grupo cerca um rapaz que cai na areia e é espancado... A poucos metros dali outro bando avança sobre a quadra de vôlei... Os jogadores se afastam da quadra e correm para proteger as barracas, mulheres e crianças... Dois policiais... apenas dois... chegam até a areia... Eles estão armados mas parecem não saber o que fazer com tanta correria... Perto dali, rapazes ignoram a presença da polícia e aproveitam para roubar... (HERSCHMANN, 2000, p. 15). Cinco anos depois, o jornalista Silvio Essinger faz um importante balanço do episódio. O tal arrastão de Ipanema (que ocorreu, ao mesmo tempo, no Arpoador, Posto 8 e Posto 4, este já em Copacabana) pôs em curso um processo que Micael Herschmann, em seu livro editado em 2000, identificou como a “demonização do funk”. [...] Por outro lado, a própria polícia reconhecia que os arrastões não tiveram o propósito de roubar os banhistas. Mas, mesmo assim, como contou o pesquisador [Micael Herschmann], “os „Cadernos Cidade‟ dos principais jornais do Rio e do país (...) passaram a dedicar espaços expressivos [...] à tematização do funk, surgindo em profusão, na época, matérias com títulos bastante sugestivos, como „Arrastões aterrorizam a Zona Sul‟, „Hordas na praia‟, „Galeras do funk criaram pânico nas praias‟, „Pânico no paraíso‟, „Movimento funk leva à desesperança‟, que incrementavam o clima de terror”. [...] Os reflexos dessa cobertura do arrastão se fariam sentir claramente na tentativa de impedir a circulação de ônibus que ligam os bairros da Zona Norte às praias da Zona Sul nos fins de semana e na formação de pequenas milícias antifunkeiros formadas por militares reformados cm suas armas de fogo e lutadores de jiu-jitsu com seus cães ferozes (ESSINGER, 2005, p.125). Com uma péssima imagem diante da opinião pública, logo apareceram organizações e autoridades políticas que entenderam que era a hora de sentar e pensar o movimento funk e seus adeptos. Entender quem são e o que querem, quais seus anseios e suas reivindicações. Foi no fim de 1992 que aconteceu o seminário Barrados no Baile – Entre o Funk e o Preconceito, considerado o primeiro congresso sobre o tema e realizado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). No mesmo capítulo em que relata os problemas provenientes da má fama ganhada pelo funk carioca, o pesquisador Silvio Essinger (2005) reproduziria uma fala de uma especialista em marketing que tratou de mostrar a grandiosidade do movimento. 35 „Quantitativamente, não há no mundo um movimento formado por milhão e meio de jovens, a maioria deles negros, como o movimento funk do Rio‟, dizia Maria Teresa Monteiro, da Retrato Consultoria e Marketing. „São rapazes e moças entre 14 e 20 anos que, sem perspectivas de ascensão social, dirigem suas energias para os bailes funk – e só para eles. [...] que se sentem discriminados quando o funk é visto como coisa de suburbano ou associado aos arrastões‟ (ESSINGER, 2005, p.127). Comparando com a nossa realidade, a fala da especialista em Marketing descrita na obra de Essinger nos traz duas observações. A primeira é de que, assim como nos arrastões do Rio de Janeiro na década de 1990, os rolezinhos trouxeram os olhos da população aos jovens da periferia e apresentaram o funk ostentação à sociedade. Com os episódios, a mídia passou a focar suas pautas para entrevistar os organizadores, cantores de funk e adeptos do movimento. Não demorou muito para que as estrelas da ostentação, muitas delas adeptas dos rolezinhos, tornassem-se presença confirmada nos programas de auditório dos principais canais de TV. Outra análise pertinente é sobre a ascensão social que tanto faltava aos jovens da década de 1990. Hoje, com o estímulo ao trabalho e a capacitações, muitos desses funkeiros estão empregados ou na vida escolar, muitos com expectativas de uma vida mais farta economicamente. Voltando aos rolezinhos, contrariando o que pensara grande parte da mídia corporativa, os encontros de jovens e adolescentes das periferias em shoppings tinha organizadores: na maioria das vezes, jovens influentes nas redes sociais, que reuniam um grande número de fãs nas redes sociais e marcavam os eventos para diversão e paquera. Com o medo generalizado de lojistas e clientes, o rolezinho acabou por apresentar às autoridades a Associação do Rolezinho A Voz do Brasil, uma entidade que buscava unificar o movimento, conversar com representantes do poder público e lutar contra o preconceito da elite com a nova classe média. A associação foi criada no início de 2014 pelo MC Chaveirinho, seu produtor Ricardo Sucesso e mais um grupo de amigos. Recém-fundada, A Voz do Brasil foi tratar de conversar com o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para buscar alternativas que agradassem gregos e troianos12. Acompanhados durante um bom tempo pela equipe do Profissão Repórter (TV Globo), os líderes do rolezinho mostraram em rede nacional, em um 12 Disponível em: < http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/temos-dialogo-permanente-com-jovens-dizhaddad-sobre-rolezinhos.html>. Acesso em: 12 de jan. 2014. 36 programa que foi exibido em maio de 2014, os desafios e o trabalho para levar entretenimento e alegria aos amigos da periferia13. Em conversa com o prefeito de São Paulo, a associação foi convencida de concentrar a realização dos rolezinhos em parques públicos e nas próprias periferias. Com os acordos e apoio da prefeitura paulistana, os rolezinhos ganharam estrutura de caminhões elétricos para apresentações, algo parecido com shows ao ar livre. 2.3 Cufa: a voz da periferia A Central Única das Favelas é considerado um dos principais movimentos brasileiros criados pela e para a favela. A organização surgiu a partir da união de jovens negros da periferia carioca que buscavam juntar forças para pensar em projetos que pudessem melhorar a vida na comunidade e que envolvesse as partes artísticas, culturais e sociais. Nomes como MV Bill, Nega Gizza e Celso Athayde são normalmente veiculados à criação da Cufa, por apostarem em uma organização que movimentasse o dia a dia das favelas. Hoje, a equipe nacional que leva os projetos à frente é comandada por Preto Zezé, cearense que assumiu a Central em 2011. Sua nomeação, depois de doze anos da gestão de MV Bill, demonstra o interesse da instituição em trabalhar as favelas fora do eixo Rio-São Paulo. E tem conseguido: a Cufa atende hoje mais de 96 mil jovens em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal, desenvolvendo projetos de inclusão social no esporte, na cultura e na cidadania14. Para dar conta da grande quantidade de favelas pelo país, a Cufa é dividida em bases estaduais e municipais. O trabalho das unidades é composto, em sua grande parte, por jovens formados nas oficinas de capacitação e profissionalização das bases da instituição e oriundos das camadas menos favorecidas da sociedade. Campeonatos de esportes e oficinas culturais são as principais marcas da Cufa, que ainda tem um apelo para o lado social, disseminando oportunidades de emprego para os mais carentes. Atuando mais de 300 favelas, a Cufa alcançou status e respeito não apenas no morro, mas também no asfalto. A organização é frequentemente convidada para discutir temas de interesse social, sempre visando o bem-estar dos moradores das favelas brasileiras. 13 Disponível em: < http://globotv.globo.com/rede-globo/profissao-reporter/v/profissao-reporter-desvenda-osmisterios-do-rolezinho-parte-1/3298619/>. Acesso em: 15 de jan. 2015. 14 Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-01/central-unica-de-favelas-faz-17-anose-ganha-espaco-cultural-no-rio>. Acesso em: 15 de jan. 2015. 37 A Cufa é bem quista entre as autoridades políticas, que sabem do peso da organização dentro das favelas. Não é à toa que, enquanto tentava a reeleição, a então candidata Dilma Rousseff (PT) visitou a sede da Central em Madureira, no Rio de Janeiro, para participar do lançamento do livro Um país chamado favela, citado neste trabalho acadêmico. Na ocasião, enquanto conversava com a imprensa, a presidente falou sobre o trabalho do seu governo na inclusão social e reconheceu o esforço da Cufa na qualificação e inserção do favelado no meio social15. O trabalho da Cufa vai além da procura de emprego. Em 2012, a organização promoveu o concurso de beleza Top Cufa Brasil, considerada a primeira competição nacional disputada exclusivamente por moradoras das favelas do país. A top model brasileira Gisele Bündchen veio ao Brasil participar do lançamento do projeto. O evento teve o patrocínio da Pantene, marca que tem Gisele como garota-propaganda. Outros eventos também fazem sucesso, como Taça das Favelas, torneio de futebol disputado por times formados nas comunidades. 15 Disponível em: < http://www.secretariageral.gov.br/noticias/2014/setembro/15-09-2014-presidenta-dilmavisita-instalacoes-da-cufa-no-rio-de-janeiro>. Acesso em: 17 de jan. 2015. 38 CAPÍTULO III O MUNDO DOURADO DO FUNK OSTENTAÇÃO Segundo o dicionário Michaelis, “ostentar” vem do latim ostentare e significa mostrarse com alarde e vanglória; exibir; mostrar com legítimo orgulho. É com esse conceito que o funk ganhou novas raízes e espaços. Em entrevista ao apresentador Danilo Gentili16 (2013, no Programa Agora é Tarde, TV Bandeirantes), o MC Guimê, uma das revelações da ostentação, explicou que o novo estilo busca cantar a “realidade de alguns e a vontade de outros”. É com o funk ostentação que, pela primeira vez, São Paulo abraça definitivamente o estilo musical que tanto se cantou no estado vizinho e que, até então, era visto com certa indiferença, já que, historicamente, enquanto o subúrbio carioca tinha o funk como marca, a periferia paulista priorizava o hip hop, como os Racionais MC‟s, sucesso na década de 1990. Mas, para que o funk encontrasse o seu apogeu na ostentação paulista, o ritmo percorreu uma longa jornada, que nem sempre foi luxuosa e que completou 20 anos em 2015. Com o sucesso do funk carioca rompendo os limites dos morros do Rio de Janeiro e ganhando a mídia, o ritmo passou a ser consumido nas periferias de todo o país. Ao lado, em São Paulo, o funk fixou-se melhor na Baixada Santista. Por volta de 1995, o produtor musical Lourival Fagundes tomou para si a responsabilidade de transformar o funk carioca também em paulista. A partir desse ano, ele investiu na gravadora Foorloose e na abertura de discotecas que ficavam lotadas nos fins de semana. A primeira música gravada por funkeiros paulistanos foi Fubanga Macumbeira, dos MCs Jorginho e Daniel. Já a primeira dupla a ter um sucesso tocando nas rádios da Baixada foi Fredinho e Andrezinho. Similares aos cariocas, as músicas cantadas em São Paulo não se diferenciavam nas batidas nem nas letras. A realidade violenta das favelas, o preconceito e a erotização também estavam presentes. Outros nomes surgiram e fizeram sucesso, como MC Dinho da Neném, Renatinho e Alemão, e MC Duda do Marapé. O ritmo caminhava a passos tímidos, sempre na carona do homônimo carioca. Com o estímulo do governo na década de 2000 para políticas de inclusão social e aumento do poder de consumo dos mais pobres, as comunidades periféricas, incluindo a Baixada Santista, passaram por profundas reformulações no seu cenário. Grande parte dos 16 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UB-COtm3fpw>. Acesso em: 23 de out. 2014. 39 moradores foi empregada, aumentando a concentração de renda nas favelas. Silenciosamente, a terra já era preparada para a semente da ostentação. A germinação começou em 2008, quando Cléber Passos, mais conhecido como MC Bio G3, saiu da capital paulista, lugar de onde tinha herdado a cultura do hip hop, e teve contato com o funk da Baixada. Junto com o seu parceiro Backdi, ele gravou o hit Bonde da Juju, considerada a primeira música do funk ostentação. Bonde da Juju17 Quem não é, não se mete Porra Nóis só porta Oakley É o bonde da Juliet Tá de Juliet, Romeo 2 e Double Shox 18 K no pescoço, de Ecko e Nike Shox Tá de Juliet, Romeo 2 e Double Shox Vale mais de um barão, esse é o bonde da Oakley É o bonde da juju É o bonde da juju Porque água de bandido É whisky e Red Bull É o bonde da juju Ó os mano só de juju Porque água de bandido É whisky e Red Bull Eles gostam de desfilar por aí com um tênis que custa mais de 500 reais óculos que custam mais de 1500 reais E correntes de ouro no pescoço. Essa pouca que nós vimos agora. É um tapa na cara da sociedade. No documentário Funk Ostentação – O sonho (Sidney Mariano, 2013), Bio G3 conta que a ideia de cantar ostentação não foi premeditada. Segundo ele, a inspiração veio quando estava com amigos em uma festa de aniversário. “A gente está lá nesse churrasco curtindo e bebendo uísque, o Amaral (amigo) me chamou no palco quando chegou o poder público para atrapalhar a festa. A gente fazendo barulho, chegaram para acabar com a festa. Eu peguei no microfone, fui ousado e falei assim: Tá tranquilo, pô. Se os caras quiser dinheiro, a gente tira os óculos e só óculos dá mais de 200 mil reais. Na hora que eu falei isso todo mundo deu 17 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/backdi-e-bio-g3/bonde-da-juliet.html>. Acesso em: 3 de jan. 2015. 40 risada na festa. Aí eu falei: Sabe por quê? Por que nós é o Bonde da Juju. Eu com o copo na mão, olhei para o copo e falei: porque água dos amigos é uísque e Red Bull”. Os óculos caros que Bio G3 fala – e homenageia na música – é o Juliet, da marca Oakley. O produto, que custa em média mil e quinhentos reais, é moda entre os jovens da periferia, que costumam comprar as versões espelhadas com lentes nas cores azul ou laranja. Na fala do cantor, podemos analisar e comprovar que a ostentação é anterior ao funk ostentação. Antes de cantar o sonho, esses artistas das comunidades já louvavam a melhoria da realidade social, já que antigamente comprar um simples óculos de mil e quinhentos reais estaria fora de cogitação. Antes de cantar ostentação, Bio G3 já tinha um vida mais abastada. O músico, que é natural da comunidade Cidade Tiradentes, em São Paulo, era cantor de rap. Agora, em vez das mazelas da favela e a indiferença econômica da sociedade (realidade cantada por funkeiros cariocas), o subgênero musical discursa sobre as conquistas sociais e financeiras, ou, pelo menos, sonha com novos bens que podem ser adquiridos com o acúmulo de capital. A ideia de ostentar cantando ganhou adeptos quando Bio G3 formou uma parceria, em 2008, com o subprefeito da Cidade Tiradentes, Renato Barreiros, para a criação do Festival de Funk do Estado de São Paulo. O evento teve três edições (2008, 2009 e 2010) e revelou grandes nomes que hoje fazem sucesso dentro e fora da ostentação, entre eles, o MC Guimê, que será estudado em um próximo tópico deste trabalho. Os seguidores dessa corrente musical são, na sua maioria, moradores das mais diversas periferias brasileiras, pessoas que melhoraram de vida, mas que não necessariamente podem ostentar carros luxuosos e joias caras. É o louvor de uma realidade melhorada, se comparada com o Brasil da década passada, e o sonho de uma vida ainda melhor, com maior desconcentração de renda e aumento do consumo. E essa exaltação do consumo é vista com bons olhos. Afinal, segundo pesquisa do Data Popular em 2014, o funk representa, para a maioria dos funkeiros, superação e, em seguida, música para ouvir. 41 Imagem 1 – Arte gráfica mostra resultado de pesquisa sobre representação do funk. Fonte: Reprodução/ G1/ Especial O Mundo Funk Paulista Bio G3 soube aproveitar a onda de riqueza que banharia o funk. A sua atuação passa a ser vista hoje no movimento da mesma forma que o DJ Marlboro foi – e é – importante para os cariocas. Atualmente, G3 também é empresário, com cerca de trinta MCs sob a sua gerência. Em uma edição do programa A Liga (2014, TV Bandeirantes)18, o cantor e empresário abriu as portas da sua casa para o apresentador Cazé. Como um bom funkeiro de ostentação, Bio mostrou a sua fila de carros importados, sua casa em condomínio fechado e grande estoque de bonés, joias, relógios e cordões. Em uma parte da reportagem, o cantor foi até a Rua Oscar Freire, em São Paulo, para falar e mostrar na prática que, mesmo com tamanha renda, o preconceito contra o fato de ser um “ex-pobre”, ou exagerar na ostentação, ainda existe. Segundo ele, o funkeiro ainda não é classe A por discriminação, mesmo que no fim de semana, por exemplo, ele passe a tarde em um iate ao lado de outro com um grupo de empresários da elite branca. Para a estudiosa Adriana Carvalho Lopes (2011), o preconceito existe a partir de uma tradição cultural, que tem origem na comunidade negra. Por ter sido historicamente 18 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DyQP8NOb6s8>. Acesso em: 8 de set. 2014. 42 abandonada, essa parcela da população também constitui a maioria pobre. Com isso, tudo que é ligado ao movimento negro-pobre é visto com indiferença. Além disso, a crítica ao funk escancara a maneira pela qual a sociedade brasileira renova seu racismo e preconceito de classe pela retórica ocidental do “bom gosto estético” (LOPES, 2011, p.18). Aliás, não só o funk, mas qualquer pessoa ou prática ligada às favelas sempre serão vistas com desconfiança, uma vez que a favela é construída no discurso hegemônico (o mesmo que constitui os textos da mídia corporativa) como o lugar do mal, do perigo e da barbárie (LOPES, 2011, p.63). Com a ascensão de um movimento vindo da periferia, é comum ver comentários preconceituosos da elite branca-rica-heterossexual, principalmente na internet. O curioso é que, do outro lado do hemisfério, cantores de hip hop, ou de outros estilos, fazem trabalho semelhante e são aqui endeusados pelos críticos ferrenhos do funk ostentação. O fato de vir dos Estados Unidos, de um mercado abastado economicamente e em inglês, faz toda a diferença. Os cantores do funk paulista sentem na pele essa discriminação. Não é à toa que, entre uma rima e outra, eles estão no palco pedindo respeito ou falando sobre inveja. Na música Plaquê de 100, de MC Guimê, podemos ver referências a esses indivíduos que criticam o movimento: Nóis mantém a humildade/ Mas nóis sempre para tudo/ E os Zé Povinho que olha, de longe diz que absurdo./ Os invejoso se pergunta, tão maluco o que que é isso/ Mas se perguntar pra nóis, nóis vai responder churisso/ Só comentam e critica, fala mal da picadilha/ Não sabe que somos sonho de consumo da tua filha/ Então não se assuste não, quando a notícia vier a tona,/ Ou se trombar ela na sua casa,/ Em cima do meu colo, na sua poltrona. No trecho acima de Plaquê de 100, encontramos a essência da cultura da periferia, como as gírias, a humildade de quem era pobre e agora melhorou de vida e a relação, para o contragosto desse pai, do novo rico-pobre, símbolo na nova classe média brasileira, se relacionando com a filha dele, figura representativa das classes A e B. Esse conflito representativo de classes sociais é bastante comum nas narrativas da literatura, novelas e até do cinema. Nos roteiros, histórias de casais com realidades diferentes, um rico e outro pobre, ou famílias que não se suportam, são sempre frentes para grandes histórias que prendem o leitor ou espectador. William Shakespeare fez isso muito bem quando escreveu o lendário romance Romeu e Julieta, uma das obras mais levadas aos palcos do mundo todo. 43 3.1 Dicionário da ostentação Como qualquer tribo que se preze, o funk ostentação também possui suas gírias específicas, palavras que são facilmente usadas pelos funkeiros paulistas para conceituar outras. Não existe uma origem oficial para os bordões, eles começam sendo usados por um grupo de amigos e, quando se vê, toda a comunidade funkeira já adotou a nova palavra ou conceito. Tentamos esclarecer aqui algumas delas: Quadro 1 – Lista de gírias adotadas pelo funk paulista Gíria Significado Flow Na levada; segurança no que faz Zé Povinho Pessoa curiosa; fofoqueira Rasante Ir além; ir alto Nave Carro de luxo Fluxo Movimento de pessoas; baile funk Plaquê Conjunto de notas de dinheiro Kit Vestuário e acessório para ostentar Bonde Grupo de amigos Picadilha Estilo do indivíduo Bolso aquário Bolso cheio de notas de cem reais Pica “O cara”; pessoa de valor, moral Fonte: Próprio autor. 3.2 Assassinato abala funk ostentação Se no Rio de Janeiro foram os arrastões que preocuparam e apresentaram o funk carioca à sociedade do asfalto, no funk ostentação o crime foi ainda mais chocante. No dia 6 de julho de 2013, Daniel Pedreira Sena Pellegrine, mais conhecido como MC Daleste, foi a atração surpresa do encerramento de um festival de música em Campinas, em São Paulo. Pouco tempo depois do início da apresentação, o cantor foi vítima de um tiro que pegou de raspão seu ombro. Ainda de pé, o MC, um pouco assustado, não quis parar o show e continuou fazendo sua apresentação de funk. Enquanto cantava versos da música Gosto mais que lasanha, em 44 que ele faz apologia ao uso de maconha, Daleste foi de novo alvejado, desta vez no abdômen, caindo imediatamente. Levado ao hospital ainda com vida, o MC não resistiu e morreu19. Com o trágico crime, a imprensa logo tratou de querer entender quem era MC Daleste e o que ele cantava. O jovem, de apenas 20 anos, era uma das estrelas do funk ostentação. Seu trabalho na música teve início em 2009, compondo músicas do proibidão, fazendo apologia ao crime. Por incentivo do pai, o menino decidiu pegar carona no novo estilo que invadia a periferia paulistana. A morte trágica e covarde de MC Daleste chocou o país. A notícia do crime estampou capas de jornais e revistas internacionais, como a Billboard e Daily News. O seu nome liderou a lista de celebridades com maior crescimento de buscas no Google Brasil em 201320. A música de Daleste que mais ostentava chama-se Angra dos Reis, uma clara alusão à praia fluminense que reúne famosos em suas mansões e iates usados nos fins de semana para aqueles que querem fugir da correria do dia a dia das metrópoles. Algo como um paraíso para a classe A. Angra dos Reis21 Eu sou Daleste, cheguei mais tô saindo fora, Vim chamar as top, vem mais só se for agora, Angra dos Reis 40 grau, eu quero baile funk, De 1100 rolê vai adiante. (2x) Não vem me dizendo oow, que dinheiro é problema, Faz por merecer, que eu faço valer a pena. Moleque bom a véra, que faz investimento, Financia ousadia, lucra com festa no apartamento. Sem caôzadinha, eu quero paz e money, Se eles tiram onda, eu tiro tsunami. Som no último volume, zé povinho fica brabo. Nasci pra ser patrão, nunca vou virar funcionário! No peão ali em Angra fiz mais de 10 mil em compra, De onde o cifrão vem não é da sua conta, Dodge Journey, ou vestindo Christian Audigier Deixa os parça de escanteio, sobra espaço pra mais seis mulher. São as melhores bandidas, são selecionadas, 19 Disponível em: < http://noticias.r7.com/sao-paulo/funkeiro-e-baleado-e-morto-durante-show-em-campinas07072013>. Acesso em: 7 de dez. 2014. 20 Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/internet/mc-daleste-e-o-famoso-com-maior-alta-de-buscas-nogoogle-em-2013,1d3e2dbbd5df2410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html>. Acesso em: 6 de dez. 2014. 21 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/mc-daleste/angra-dos-reis.html>. Acesso em: 7 de dez. 2014. 45 Seu fosse sheik com cada uma eu casava. Tô sem juízo pois é de Rolex europeu. Depois que eu gastei 10 mil perguntaram quem sou eu Um clipe é o ápice da ostentação para um funkeiro. No clipe da música Angra dos Reis não foi diferente. Helicóptero, carros importados, mansões com suítes luxuosas, bebidas caras, cordões e anéis de ouro, além de belas mulheres com roupas de banho. Afinal, toda a exibição dessa riqueza tem um único objetivo: conquistar as mais belas mulheres. 3.3 Os mestres de cerimônias da noite Os MCs, sigla para “mestre de cerimônias”, são as grandes estrelas do mundo do funk. O nome é mais uma influência americana, além do jeito de se vestir, que foi inspirado nos cantores de rap dos Estados Unidos. Na terra do samba e do Carnaval, esses artistas garantiram o seu espaço e os trabalhos hoje são reconhecidos dentro e fora das comunidades. São os cantores de funk, que entoam versos e até improvisam, diferente dos DJs, responsáveis pelo som, o principal elemento da noite. Enquanto os MCs são exclusividades dos ritmos mais suburbanos, como hip hop e funk, os DJs já são mais abrangentes, podendo vê-los em quase todos os estilos: forró do Nordeste, reggae no Maranhão, tecnobrega no Pará e, principalmente, na música eletrônica mundial - David Guetta é o nome mais conhecido, sua discotecagem lhe rendeu nos últimos dois anos algo em torno de 30 milhões de dólares, segundo a Forbes22. Com a massificação do movimento funk, são os MCs os maiores beneficiados economicamente, apesar de muitos não quererem largar a periferia para morar em outras regiões mais caras longe de sua inspiradora realidade. Com o funk ostentação, a estética dos MCs ganhou ainda mais semelhança com rappers americanos, que também já têm, há anos, a ostentação como característica principal em suas músicas – um dos maiores exemplos é o astro americano 50cent (ele tem discos como “Power of the dólar” (O poder do dólar) e “Get rich or die tryin” (Fique rico ou morra tentando). 22 Disponível em: < http://mixme.com.br/novidades/wow-calvin-harris-e-o-dj-mais-bem-pago-do-mundo/>. Acesso em: 4 de dez. 2014. 46 Os acessórios e adornos essenciais para ostentar também são cantados nas músicas de funk e chamados por eles de “kit”, expressão que define os acessórios do vestuário, de preferência de grifes famosas, ou, pelo menos, imitações: tênis, bermuda, camisa, anéis e colares, óculos escuros e boné. Roupas da Oakley e tênis da Nike ou Adidas estão entre os mais citados nas letras. O “kit” em si já é inspiração para músicas, como canta o MC Nego Blue: Os moleques do kit23 Uns vem de Oakley, Polo Play, Lacoste e Brooksfield Reserva e Big Blue é artigo de grife Vários cordão de ouro, Nextel Ferrari, meu 24k moleque para o baile De rolé na favela tô de 1100, De Hornet, Captiva não tem pra ninguém Vários cartão no bolso em nota de 100 Novinha tá pulando chama que ela vem Sabe por que, sabe por que? É os moleque do kit, é os moleque do kit Wiskhy, camarote, área VIP É os moleque do kit, é os moleque do kit Que as novinha não resiste Uma música é considerada de ostentação quando consegue trazer no seu discurso o louvor aos bens e a mensagem de transformação da qualidade de vida. Um fato curioso é a forte ausência das concordâncias nominais e verbais, uma clara alusão ao jovem da favela que conseguiu um aumento na sua renda, mas que ainda é vítima do deficiente sistema educacional brasileiro. 23 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/mc-nego-blue/os-moleques-do-kit.html>. Acesso em: 7 de dez. 2014. 47 Imagem 2 – Quadro com as marcas para citadas nas letras de funk. Fonte: Reprodução/ G1/ Especial O Mundo Funk Paulista. Com a ostentação na boca do povo e da mídia, partindo da funcionalidade enquanto produto rentável, são muitos os cantores de funk e até de outros ritmos que partiram para a veia do funk ostentação, podendo citar alguns, como MC Gui, MC Boy dos Charmes, MC Lon, MC Nego do Borel, Menor da Chapa, sendo MC Guimê o maior nome do movimento, cantor que será estudado no tópico a seguir. Essa mudança no estilo musical para pegar carona no ritmo do momento é comum na música. A banda Aviões do Forró, por exemplo, conseguiu influenciar, depois de fazer sucesso, outras bandas a cantarem um forró mais eletrônico. No sertanejo, o estilo da moda é o universitário, que trocou as canções do sertão, que falavam em rodeios e gados, pelas baladas e mulheres. Assim, eles cantam uma realidade mais urbana, sem esquecer das batidas do ritmo de raiz. Os artistas do funk ostentação não têm a preocupação de serem bonitos o tempo todo. Aliás, os grandes óculos, as brilhosas correntes e as tatuagens, como no caso de MC Guimê, não permitem um olhar completo à primeira vista, os detalhes chamam atenção primeiro: “Com o brilho das jóias do corpo/ De longe elas pira”. Com isso, os reis do camarote não querem conquistar a fêmea com braços musculosos e peitos torneados. O objetivo é que elas sejam atraídas pelo brilho que carregam no corpo. 48 3.3.1 MC Guimê O menino esguio que hoje atende por MC Guimê nasceu no ano de 1992 na periferia de Osasco, Região Metropolitana de São Paulo. Batizado como Guilherme Aparecido Dantas, começou a trabalhar aos 12 anos de idade em uma quitanda. Como o pai não tinha muitas condições financeiras, Guilherme deixou os estudos na metade do fundamental e passou a fazer bicos para ter o seu próprio dinheiro. Já foi eletricista, vendedor de frutas, carregador de flores e até limpador de carros. O pouco que recebia, usava em roupas e acessórios de, no máximo, 200 reais. Frequentador de bailes funk, Guilherme impressionava os amigos com sua capacidade para as rimas. Apaixonado pela música, logo quis entrar no meio, oferecendo para se apresentar de graça. Seu destino mudou quando foi trabalhar distribuindo panfletos de shows que aconteceriam na região onde morava. Tempo depois, o chefe que o contratou para anunciar as apresentações se tornaria o seu empresário. Ingressante na carreira artística, Guilherme logo viraria Guimê e ganharia milhares de fãs em todo o Brasil. Hoje, é o preferido da mídia para cantar ostentação nos programas de auditório. Amigo de jogadores de futebol, Guimê não se apresenta por menos de 25 mil reais e possui um faturamento mensal de 600 mil. Cantando ostentação, já conseguiu comprar um apartamento, carros e motos, mas o que mais prefere exibir é o corpo completamente tatuado. Além de estampar capas de revistas e jornais, MC Guimê mantém seu principal foco na internet. Seus vídeos no YouTube somam quase 200 milhões de visualizações (números de fevereiro de 2015). O mais assistido, cerca de 55 milhões de vezes, é Plaquê de 100, clipe em que distribui cédulas de cem reais, com a imagem do cantor estampando as notas, dentro um automóvel Citroen. Para completar o set, motos potentes, carros, amigos, dinheiro voando e mulheres com roupas minúsculas. As apresentações em lugares humildes agora deram espaço a boates chiques das grandes cidades. O apogeu do seu sucesso, porém, chegou quando sua música País do Futebol, em que homenageia o amigo Neymar, foi escolhida para ser a canção de abertura da novela Geração Brasil (2014, TV Globo). A música fala sobre o esporte mais popular do Brasil sem esquecer das dificuldades para chegar ao sucesso dentro do meio futebolístico. “No flow, por onde a gente passa é show/ Fechou, e olha onde a gente chegou/ Eu sou... País do Futebol, Negô/ Até gringo sambou, tocou Neymar é gol”. O clipe mostra bem isto: locações em favelas com crianças jogando nas várzeas. 49 Lotando casas de shows em todo o país, Guimê se apresenta com duas bailarinas que coreografam suas músicas com passos elegantes do balé, trazendo pouca influência do sobe-edesce erótico das danças do funk carioca. As roupas das dançarinas também ostentam, com muito brilho e valorização do corpo. Os figurinos são maiôs em tons claros, que mais parecem transparência, além dos brilhos em todo o corpo. Já Guimê repete o estilo de se vestir dos rappers americanos, com bonés grandes, óculos escuros, cordões de ouro pesados, camisas longas e bermudas grandes. Por possuir tatuagens em quase todo o corpo, ele costuma usar camisetas ou se apresentar sem camisa, mais uma forma de ostentação dos desenhos e frases que carrega na pele. Fazendo em média cinco apresentações por noite, Guimê traz ao palco toda a sua trajetória de vida. No seu show, ele canta músicas autorais, sucesso do funk carioca e do hip hop paulista, além de fazer rimas que deixam o público impressionado. Entre uma música e outra, o MC fala sobre respeito ao movimento e ainda deixa recado para os invejosos, a quem ele chama de “Zé Povinho”. Com a vida abastada, MC Guimê agora pode cantar a sua realidade, não mais o sonho. Apesar de não consumir drogas lícitas (álcool e cigarro), Guimê é uma das personalidades brasileiras que mais falam abertamente sobre o uso recreativo da maconha. Em uma reportagem da Folha de São Paulo em junho de 2014, o cantor assemelhou sua maconha com o café, dizendo que não tem nada de errado nisso24. MC Guimê é considerado a principal estrela do funk ostentação dentro e fora da internet. Além de ser o queridinho dos programas de auditório e até ter música na trilha sonora de novelas da TV Globo, é no YouTube que o seu favoritismo ganha dimensões espetaculares. Seus quatro maiores vídeos são Plaquê de 100, com mais de 55 milhões de visualizações; Na Pista Eu Arraso, com mais de 49 milhões; País do Futebol, mais de 47 milhões; e Tá Patrão, 24 milhões. O seu mais novo vídeo, Eu vim para ficar, alcançou em uma semana a marca de um milhão de views. Esse novo hit, ainda mais pop e com uma produção sofisticada, será a trilha sonora do filme A noite da virada (Paris Filmes, 2015). Eu vim para ficar teve o patrocínio da marca de chicletes Trident e, uma vez por outra, Guimê aparece em tomadas segurando um pacote do produto. 24 Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2014/06/1476758-amigo-de-neymar-mc-guime-falade-maconha-ostentacao-e-seu-hino-da-copa.shtml>. Acesso em: 20 de dez. 2014. 50 Guimê é o nome da música popular que conseguiu transformar a ostentação em realidade, não apenas sonho. Seu trabalho reforça a elitização do funk, aplaudida por alguns e criticada por outros. Os que defendem esses novos tempos da música da favela acreditam que assim o funk ganhará respeito e passará a sofrer menos preconceitos. Já o outro lado da discussão alerta para a perda das raízes, um perigo que pode fazer do funk algo cada vez mais elitista, esquecendo-se do berço periférico. 3.4 Estratégias midiáticas da ostentação O funk ostentação começou a expandir o seu produto através de produções independentes feitas na própria comunidade. A principal plataforma de divulgação para o movimento foi – e ainda é – a internet, através da plataforma de vídeos do YouTube. Os videoclipes são o ponto alto da ostentação, o momento em que o funkeiro encarna o bilionário e exibe com vanglória suas aquisições: carros importados, joias pelo corpo, bebidas e baladas caras, além de mulheres malhadas sob roupas provocantes. Se a música canta sonho de consumo, o vídeo é o momento em que ele ganha forma, embalado por chuvas de dinheiro, banhos de ouro e passeios de helicópteros. Apesar de tanta exibição, os bens de consumo exibidos no vídeo, em sua maioria, são emprestados de amigos ou até alugados. Afinal, o funkeiro está no início da carreira, cantando ostentação como “sonho de alguns”, inclusive o dele. Se tudo der certo, o vídeo fará sucesso com sua música e, em breve, ele poderá adquirir muitos daqueles itens sem precisar tomar emprestado. A força do funk ostentação é tanta que a TV passa a ser mera coadjuvante. Os funkeiros que adentram ao hall de cantores que são convidados pelos programas já são conhecidos no meio digital e já reúnem milhares de fãs nos seus shows. Mais uma vez, é a internet, ou, melhor, os seus usuários, ditando quem vira ou não estrela da música. Agora, os cantores não se preocupam com a quantidade de CDs ou DVDs que venderão, o que importa é por quantas vezes o vídeo foi visualizado na internet. Se alcançar milhões, o sucesso é garantido. Uma prova disso é Guimê, que não tem sequer um CD ou DVD gravado para usar como trabalho fonográfico. A internet assumiu esse papel. Os clipes são feitos por produtores especializados em funk ostentação. O principal deles é Kondzilla. Apelido para Konrad Dantas, Kondzilla foi pioneiro em enxergar o potencial de crescimento desse novo movimento através da imagem. O sucesso de Kondzilla é 51 tanto que outros estilos musicais também já o procuram para a produção de clipes. Ele hoje está envolvido com os trabalhos de MC Guimê, MC Bola, MCs Pikeno e Menor, MC Nego Blue e até já trabalhou para o Charlie Brown Jr. 52 CAPÍTULO IV IMAGEM E SOM: A OSTENTAÇÃO MATERIALIZADA NOS VIDEOCLIPES DE MC GUIMÊ Depois de fazer um panorama descritivo-analítico sobre a trajetória do funk brasileiro desde os tempos da música negra americana, nos anos 1960 até a onda da ostentação, passando por um ensaio sobre classes sociais, este presente trabalho acadêmico traz neste capítulo uma averiguação das formas de construção visual e musical do ideal da ostentação, unindo o funk paulista à realidade dos pobres brasileiros, que foram elevados ao título de emergentes e ganharam a denominação de classe C, ou nova classe média brasileira. Nosso objetivo é fazer uma identificação da construção discursiva nos clipes que referenciam e traduzem a ostentação e, por tabela, a mudança de valores da classe referida. Para isso, usamos como objeto de estudo três videoclipes de MC Guimê, considerada a maior personalidade do movimento paulista. A escolha por analisar o material videoclíptico do cantor, e não apenas as suas músicas, deu-se por perceber a intensa importância dos clipes na carreira de Guimê e de grande parte dos artistas não só da ostentação, mas da música mundial. Em tempos em que a MTV (Music Television) deixou de ser vitrine para os novos singles, a internet, mais precisamente o YouTube, tomou para si a responsabilidade de servir como carro-chefe para as produções audiovisuais, que ganham na plataforma repercussão massiva e imediata. Para efeito de comparação entre os dois veículos, a MTV americana bateu seu recorde de audiência em 2011, quando 12,4 milhões de espectadores assistiram à apresentação da cantora Lady Gaga no Video Music Awards25. Os números foram medidos pela Nielsen e divulgados pelo Chicago Sun-Times. No YouTube, o vídeo mais visto até hoje é o clipe da música Gangnam Style, do cantor sul-coreano Psy. Postado em julho de 2012, o megahit já acumula na internet quase 2,2 bilhões de visualizações26. O número é tão alto que o Google informou no início de dezembro que foi obrigado a ampliar a forma de exibição do número de reproduções. Para a empresa dona do YouTube, o sistema atual só calculava até 2,1 bilhões de views, número já alcançado pelo artista oriental. 25 Disponível em: < http://extra.globo.com/famosos/eventos-e-tapete-vermelho/lady-gaga-quebra-recorde-deaudiencia-na-mtv-americana-2550316.html>. Acesso em: 2 de nov. 2014. 26 Disponível em: < http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/12/video-de-gangnan-style-quebra-contagemde-visualizacao-do-youtube.html>. Acesso em: 7 de fev. 2015. 53 Voltando ao funk ostentação como produto midiático, analisaremos os videoclipes das músicas Plaquê de 100, Na pista eu arraso e País do futebol, todas de MC Guimê. Juntas, elas somam no YouTube uma audiência de mais de 150 milhões de visualizações, um número maior que a soma de toda a população da Rússia, segundo informações do Banco Mundial27. Para isso, usamos como base as reformulações de Thiago Soares, escritas no seu livro Videoclipe: o elogio da desarmonia (2012). Na obra, Soares reúne os seus estudos sobre o material videoclíptico e o apresenta como importante esfera audiovisual para compreensão cultural da pós-modernidade. Soares (2012) sugere a divisão da atividade analítica da imagem em dois campos, como proposto por Roland Barthes (1998) com a imagem publicitária: signos icônicos e signos plásticos. Os icônicos dizem respeito aos ambientes construídos a partir de um significante real, como o local onde acontecem as encenações. Já os signos plásticos tratam de aspectos ligados à pós-produção, como as interferências gráficas e digitais. Nesses termos, identificamos detalhes do material videoclíptico; como posições de câmeras, roteiro, figurino, locações, e cortes; que reforçam a ostentação como símbolo de riqueza e de identificação com a classe C, além de fazer uma leitura sobre os clipes, mostrando essa construção simbólica do conceito de ostentação sugerido pelas músicas. 4.1 Plaquê de 100 O videoclipe Plaquê de 100 foi o divisor de águas na carreira de MC Guimê. Inspirado nos clipes dos rappers americanos, o cantor trouxe para a sua videografia todos os bens de consumo que cantara na música, a primeira do seu repertório a fazer sucesso em todo o Brasil. No vocabulário informal, “plaquê” é o nome dado ao conjunto de notas que, neste caso, são cédulas de cem reais. De todos os clipes de MC Guimê, Plaquê de 100 é o mais visto (mais de 55 milhões de vezes), porém um dos de menor orçamento, fato visível pela pouca quantidade de cenário, iluminação inferior aos de outros trabalhos dele e poucas opções de cortes de câmera. 27 Disponível em: < http://data.worldbank.org/indicator/SP.POP.TOTL>. Acesso em: 7 de fev. 2015. 54 Imagem 3 – Notas de cem reais com o rosto de MC Guimê são espalhadas pelo cenário. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê. Dirigido por Kondzilla, o principal nome da videoclipagem da ostentação, o clipe de Plaquê de 100 é uma narrativa fiel ao que é dito pela música, desde letras a efeitos sonoros, que se fundem aos visuais. Como dito na música: “Contando os plaquê de 100 dentro de um Citröen/ Aí nós convida porque sabe que elas vêm”, o clipe começa com imagens de Guimê contando cédulas de cem reais dentro do automóvel. É visível que o dinheiro é falso, já que foi impresso com o rosto de Guimê, mais um símbolo que reforça a ostentação massiva. Os efeitos sonoros, como o de motos acelerando, são usados pelo diretor para cortes mais rápidos e descontraídos. Imagem 4 – MC Guimê canta em frente ao modelo Citröen. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê. 55 Imagem 5 – Enquanto cita modelos de motos importadas, clipe mostra o cantor rodeado por elas. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê Na sequência, marcas de motos importadas são citadas livremente na música, enquanto duas filas delas são mostradas ao espectador. Os modelos da Honda Hornet, 1100 e RR, além das marcas Kawasaky e Bandit, da Suzuki, aparecem na tela como reforço do poderio econômico do autor para conquistar as mulheres, que dançam seminuas entre um corte e outro. Na vida real, o acervo de motos não é todo de Guimê, mas, na ficção videoclíptica, é a ideia de domínio que se quer passar. Para as locações, dependendo da verba da produção, as equipes dos cantores de ostentação alugam os modelos ou pegam emprestados de amigos. A série de signos que é mostrada em Plaquê de 100, incluindo os que detalhamos neste tópico, coloca o artista no topo da cadeia do status social, como um sujeito de poder, detentor de valores materiais capitalistas que o permite conquistar facilmente os indivíduos à sua volta, principalmente os do sexo oposto. Afinal, todos os bens adquiridos pela ostentação servem para dois fins: viver melhor e transar mais. Usando o que foi conceituado por signos icônicos, temos em Plaquê de 100 uma fiel reprodução ao texto cantado. Em outras palavras, temos cenários e ambientações feitos para materializar os versos que retratam o baile funk, a mansão e os veículos citados. Afinal, a letra da música analisada já é, por si só, um roteiro detalhado das situações do dia a dia de um expobre. 56 O clipe tem basicamente três cenários como fundo para o enredo musical: um estúdio monocromático, um recurso estético que faz com que toda a atenção do espectador se volte para o artista; um camarote de uma boate, lotado de mulheres bonitas e amigos do artista; e uma casa em um condomínio de luxo. Para Plaquê de 100, o figurino de Guimê não foge do convencional. Nas filmagens, o cantor aparece usando roupas que geralmente usa em aparições na TV e nos shows: casaco, camiseta e tênis, além dos acessórios da ostentação: óculos, boné, cordão, relógio e anéis de ouro. O cenário deixa de ser estático quando a letra passa a falar sobre o baile funk, local em que o artista é extremamente assediado pelas mulheres e até pela imprensa. Enquanto Guimê aproveita o camarote, os artistas que se apresentam no palco são os amigos Adriel e Tomim, da banda Pollo, grupo de rap paulista que estourou nas paradas de sucesso em 2014 com a música Vagalumes. Se durante toda a música o artista se apresenta como um milionário querido por todos, na última estrofe Guimê fala sobre os invejosos, chamados por ele de “Zé Povinho”. “Só comentam e critica, fala mal da picadilha/ Não sabe que somos sonho de consumo da tua filha/ Então não se assuste não, quando a notícia vier à tona/ Ou se trombar ela na sua casa/ Em cima do meu colo, na sua poltrona”. Imagem 6 – Artista e vizinho “Zé Povinho” fazem gestos obscenos um para o outro. Percebe-se também a presença da empregada doméstica do vizinho, que apenas observa a discussão gestual entre eles. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê 57 Nesta parte, a canção deixa clara a dualidade das relações sociais. Como mostrado no videoclipe, mesmo morando no mesmo condomínio e possuindo padrões de vida agora parecidos, a figura do pai que não gosta do novo vizinho representa o preconceito da sociedade, que não aceita que um pobre eleve o seu nível econômico e passe a usufruir de bens e serviços que antes ele não tinha direito. Fatos como esse são vistos na vida real, como o caso da professora da USP Rosa Marina Meyer, que postou em sua página no Facebook a foto de um homem de bermuda no aeroporto Santos Dumont (RJ) e ainda usou um questionamento como legenda: “Aeroporto ou Rodoviária?”, passando a mensagem de que o homem não estava com vestimentas adequadas para frequentar o local28. ”O pior é que o Mr. Rodoviária está no meu voo. Ao menos, não do meu lado”, acrescentou ela em um comentário. O episódio rendeu uma série de discussões sobre o preconceito da elite branca-rica-heterossexual com as conquistas da Classe C, angariadas através das políticas públicas de distribuição de renda e de inclusão social dos governos Lula-Dilma, os dois do Partido dos Trabalhadores. Como punição, a professora foi afastada temporariamente do Comando Central de Cooperação Internacional (CCCI) da USP29. O clipe de Plaquê de 100 encerra com closes no corpo do artista, exibindo uma frase em seu boné, “Nem maior nem melhor”, e as tatuagens que Guimê leva no rosto: a palavra music no supercílio e um diamante na bochecha. Depois disso, ele joga notas de cem reais olhando na direção do espectador, em um claro sinal de deboche. A frase escrita no boné é constantemente usada pelo cantor nas redes sociais e título de uma websérie do YouTube sobre a sua vida. Em uma entrevista ao portal Click RBS, Guimê explica os dizeres, que abreviados formam as inicias NMNM 30. “A ideia não é ser melhor do que ninguém, eu quero representar que, se você quiser a parada, você pode ter da forma que você quiser. Eu quis provar que eu também era da quebrada, mas estava podendo, quis passar essa visão de que dá para comprar um carro, uma casa legal e dar estrutura para sua família”, disse o cantor. 28 Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/advogado-ironizado-por-professora-norio-pensou-que-fosse-gozacao.html>. Acesso em: 10 de jan. 2015. 29 Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1413606-professora-que-ironizoupassageiro-de-bermuda-e-afastada-na-puc-rj.shtml>. Acesso em: 6 de jan. 2015. 30 Disponível em: < http://kzuka.clicrbs.com.br/sound-kzuka/noticia/2014/06/a-ostentacao-de-mc-guimeconquista-o-mainstream-4536765.html>. Acesso em: 15 de fev. 2015. 58 Em suma e em proporções menores, temos o sujeito da Classe C mostrando, para não dizer ostentando, à sociedade as conquistas que o seu novo salário pode oferecer. Em outras palavras, temos o “plaquê de 100” real, que hoje serve para pagar o financiamento do carro, as parcelas do Minha Casa Minha Vida, o colégio dos filhos e ainda sobra para as roupas de marca divididas no cartão de crédito, além do reservado para a cerveja do fim de semana. 4.2 Na pista eu arraso Quase um ano depois de lançar Plaquê de 100, clipe que se tornou sucesso em todo o Brasil e levou o funk ostentação ao topo do mainstream, Guimê volta às câmeras para gravar Na pista eu arraso, sua nova música de trabalho no momento em que toda a mídia tinha o movimento paulista como uma das principais pautas para programas de auditório, telejornais e documentários. Dois meses depois, com a morte de MC Daleste, o interesse dos jornalistas ficou ainda maior para entender quem era o cantor e qual vertente do funk era essa que lotava bailes e arrastava multidões de jovens da periferia paulista, além de ser ouvido pelos filhos da elite. Na pista eu arraso, hoje com mais de 49 milhões de visualizações no YouTube, é o clipe de MC Guimê que mais leva a sério o tema da ostentação, pois traz muitos signos ou formas de representação desse histórico. Com o sucesso do artista, o diretor Fred Ouro Preto, responsável pela produção, não poupou esforços para fazer um material audiovisual que mostrasse ao público do morro e do asfalto a força de Guimê e da sua obra. Desta vez, o cenário está focado em uma balada ainda mais sofisticada. No lugar, os personagens que já conhecemos: o artista, mulheres bonitas dançando sensualmente para o protagonista e os seus amigos, que dividem com ele a glória do baile. O clipe e a própria letra da música têm certas semelhanças com Plaquê de 100, o que mais difere são a estética usada pelo diretor e a sofisticação do novo produto, que agora tem mais carros, mais amigos, mais mulheres e mais bebidas. Neste clipe, Guimê aparece na maior parte do tempo sem camisa, exibindo o seu corpo tatuado. Em poucos takes, o cantor aparece vestindo casaco ou camiseta sem manga. O foco é nas tatuagens, que dividem a atenção do espectador com o brilho das jóias pesadas. 59 Na pista eu arraso31 De Range Rover Evoque Na pista eu arraso Pro Instagram um close Ela comenta "eu caso" E aqui são vários casos Pra gente desenrolar Camarote fechado e Champanhe pra estourar Para criar um clima de festa, Na pista eu arraso dispensa a iluminação padrão, ao mesmo tempo em que abusa das luzes especiais, como holofotes, máquinas e canhões. O efeito deixa o ambiente escuro, mas o suficiente para a gravação de um videoclipe que tenha uma balada como principal cenário. Imagem 7 – Guimê se apresenta sem camisa, apenas ostentando joias de ouro. A iluminação criou um ambiente festivo, com luzes refletindo no fundo do cenário nos óculos do artista. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê Outro detalhe importante é a posição das câmeras, que por um momento ficam fixas no meio da pista, enquanto o artista, mulheres bonitas e amigos fazem suas performances diretamente para o espectador. No clipe, também é visto o uso do contra plongée, que permite que o objeto fique em posição de superioridade em relação à câmera, reforçando a grandeza que tanto dialoga com o poder de quem ostenta. 31 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/mc-guime/na-pista-eu-arraso.html>. Acesso em: 23 de dez. 2014. 60 O figurino dos personagens femininos está mais sofisticado, com roupas, em sua maioria, menos decotadas. Um dos pontos fortes da ostentação no clipe Na pista eu arraso ficou para a dupla de mulheres que dançam pintadas de dourado, em uma alusão às estátuas vivas. A ideia de colori-las mostra a união dos dois bens de consumo mais desejados nas letras do funk ostentação: ouro e mulheres. Além da mensagem do poder do dinheiro, a performance deixa clara a figura feminina como objeto a ser conquistado. Imagem 8 – Mulheres pintadas de dourado dançam ao lado de Guimê. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê No vídeo, Guimê já apresenta um processo de elitização do seu trabalho, buscando atingir também os consumidores das classes mais altas da sociedade. As dançarinas agora fazem performances que se distanciam do que é comumente visto no funk carioca. Na onda do funk de luxo, os passos ganham inspiração do balé, dança contemporânea e de salão. Entre um take e outro, o artista se apresenta sem camisa, mostrando um Guimê cada vez mais tatuado (o corpo marcado também faz parte da ostentação). Para simular o seu amor pela arte corporal, em uma das cenas, um figurante é colocado como tatuador de Guimê, fingindo que está fazendo um desenho no peito e braço do artista, enquanto ele aproveita a festa. 61 Imagem 9 – Tatuador simula desenho no braço de Guimê, que aguarda encostado em um automóvel de luxo. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê Por serem objetos de desejo e um signo de riqueza material, os carros importados não podem faltar em um clipe de ostentação. Como o vídeo se passa em uma balada, um segundo cenário foi montado ao ar livre, onde mulheres e automóveis dividem o espaço. A locação deixa uma ideia de estacionamento da boate, ou pré-festa, ou esquenta. Também participaram deste videoclipe os amigos da banda Pollo, além da apresentadora Mariana Weickert, que estava no local gravando os bastidores do clipe para o programa A Liga, da TV Bandeirantes, que destinou uma edição inteira para abordar o funk ostentação. Imagem 10 – Arte dos cifrões é colocada nos olhos de dançarina. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê 62 Pela primeira vez, a produção conta uma inserção gráfica, prova do que falou Soares (2012) sobre os signos plásticos. Quando a letra fala “Uns vê que o cifrão de desenho animado/ Sonha em ser o R pra poder estar do lado”, o videoclipe apresenta uma dançarina com cifrões no lugar dos olhos, enquanto a sonoridade traz o clássico efeito de uma caixa registradora. A brincadeira lembra personagens de antigos desenhos animados, que fazem o olho saltar quando vêem muito dinheiro. A música e o clipe de Na Pista Eu Arraso podem ser considerados, se é que isso é possível, uma versão ostentação de Plaquê de 100. No áudio e na imagem, achamos os mesmos personagens da obra anterior: um automóvel de luxo escolhido para ser carro-chefe do refrão – neste caso um Range Rover Evoque -, mulheres que se encantam com o dono da festa, amigos que dividem com o artista a alegria de ser abastado economicamente e um novo “Zé Povinho”, chamado na música de “bico sujo”: “E o pior é ter que ouvir de alguns "bico sujo" que a gente não presta/ Porque de segunda a segunda/ Ah, é nóis nas festas/ Isso é o que nos resta/ Pra mim e pra minha gangue/ Ainda mais depois que eu lancei meu novo Mustang”. Em Na Pista Eu Arraso, a estética de Guimê reforça o que foi dito sobre a aparência dos artistas do movimento. No vídeo, o cantor aparece, em grande parte, sem camisa, mas revestido de tatuagens que cobrem todo o corpo. Mesmo tendo um porte esguio, Guimê não se importa de estar, no clipe e em muitas capas de revista, sem camisa. Em uma sociedade movida pelo padrão de beleza que louva grandes músculos, barrigas negativas e abdomens trincados, o cantor perpassa a mensagem de que o que importa é o que ele tem, e não o que é. Um detalhe é que Guimê cita na música os outros moradores do seu convívio, que, pela denominação, não fazem necessariamente parte da sua “gangue”: “Mó orgulho, mó felicidade/ Ver os moleque tudo da vila de nave/ Diferentes modelos pra poder acelerar”. Nesse trecho, o artista reforça a realidade que tanto discutimos neste trabalho acadêmico e que é vivida nas vilas, como diz a música, mas que podemos estender para as comunidades, periferias e até favelas. Novos tempos vividos por outros Guimês pelo Brasil afora. 4.3 País do futebol O hit País do futebol levou Guimê para além das fronteiras do funk ostentação. A música escrita pelo cantor em homenagem ao amigo Neymar foi um dos grandes sucessos de 2014, sendo considerado um dos singles da Copa do Mundo e a música de abertura da novela das sete Geração Brasil (2014, TV Globo). 63 Pela primeira vez, Guimê deixa de lado as letras que exaltam carros, casas, dinheiro e mulheres, sem sair de temas que são a essência da ostentação: superação, garra, batalha, conquistas e fé em um futuro melhor. “Entre house de boy, beco e viela/ Jogando bola dentro da favela/Pro menor não tem coisa melhor/ E a menina que sonha em ser uma atriz de novela/ A rua é nossa e eu sempre fui dela/ Desde descalço gastando canela/ Hoje no asfalto de toda São Paulo/ De nave do ano tô na passarela”. Dirigido por Fred Ouro Preto, o mesmo de Na Pista Eu Arraso, o clipe de País do futebol já acumula mais de 47 milhões de visualizações no YouTube e foi feito em parceira com o filme Pelada, futebol na favela (2013, Alex Miranda). No vídeo, participações do rapper Emicida, do jogador Neymar e de crianças da favela apaixonadas pelo futebol, que sonham com toda a glória de um bem-sucedido craque do Barcelona. No clipe, música, documentário e publicidade (merchandising da marca Red Bull) se fundem. Logo de início, o espectador é apresentado à comunidade Jardim Fontális, na Zona Norte de São Paulo. No local, Emicida, mostrando seu amor pela favela com os dizeres “I love quebrada” no casaco, dá o seu depoimento sobre os percalços de alcançar os objetivos quando a realidade que o cerca é a favela. Sobre a sua fala, imagens que provam o lugar poluído esteticamente, além de um gato cego e cachorros de rua, comprovando o abandono do local por parte das autoridades políticas. País do futebol une os dois personagens de maior respeito na favela: o funkeiro e o jogador de futebol. As duas profissões são símbolos da ascensão econômica relativamente rápida, que não precise necessariamente de uma qualificação acadêmica e anos de estudo. É o talento e a sorte que contam. Imagem 11 – Imagens da favela abrem o clipe. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê 64 Agora com imagens da Vila Izabel, Zona Oeste de São Paulo, é a vez de Guimê também contar a sua história de vida, falando sobre os jogadores que começam nos becos e vielas das favelas, e ainda trazendo um discurso metalinguístico, contando a importância da música País do futebol para a sua carreira: “Essa música, eu vou ser sincero para você, eu acho que é uma música que a galera vai mais se identificar, é da minha história até hoje aí. Outras músicas já contam minha realidade, mas essa eu acho que ela resume a total realidade. São parecidas e os moleques da quebrada vai se identificar muito”, fala Guimê, sob takes de crianças jogando nas várzeas periféricas. Percebe-se que o depoimento do cantor foi gravado enquanto ele cortava o cabelo em um cabeleireiro da própria comunidade, imagem que tenta mostrar o convívio de Guimê com o local, mantendo-se por lá mesmo depois de rico. Depois de um grito de guerra de crianças do time Santa Cruz, a música País do futebol tem o seu início. Nas imagens, Guimê, vestindo uma camiseta estampada com uma imagem da estátua da liberdade com as mãos ao alto, trocou o cenário de boates, comumente visto em seus clipes, pela vista irregular dos casebres da favela. A volta ao passado foi para mostrar as suas origens e o quanto batalhou para hoje ostentar carros importados e bebidas caras. Outro detalhe no figurino é a bandana amarrada ao pescoço, um acessório que segue a tendência da moda atual e não tem nenhuma relação com o estilo rapper da ostentação. Mais uma prova da tentativa de transformar Guimê em um artista que busca agradar gregos e troianos, que canta em boates caras e bailes funk da periferia. Imagem 12 – Guimê canta usando favela como fundo. Percebe-se no cenário dois edifícios. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê 65 Em contrapartida, o roteiro do clipe, e não da música, mostra o encontro surpresa de meninos da comunidade com o craque Neymar em uma casa de luxo no Guarujá, litoral de São Paulo e um dos lugares mais frequentados pela alta classe paulista. As imagens mostram as crianças sendo conduzidas em uma van, que logo desembarca em uma mansão nãoidentificada. Dos clipes analisados por este trabalho acadêmico, País do Futebol é o único que foge do roteiro musical e passa uma outra história, mas que, no fim das contas, casa com a proposta da música. Imagem 13 – Crianças brincam com o jogador Neymar. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê Voltando ao texto do clipe, enquanto jogavam à beira da piscina, os meninos são surpreendidos pelo jogador Neymar, que logo interage com eles jogando futebol. Cortes de várias comunidades brasileiras, como a Rocinha, no Rio de Janeiro, e Vila Madalena, em São Paulo, também são mostrados, reforçando a cultura do futebol no Brasil e intercalando com as imagens “limpas” da mansão onde Neymar se encontra. Aos três minutos de vídeo, a música volta a ser pano de fundo, agora para o depoimento de Neymar e de outras crianças que, assim como o famoso jogador, tiveram seu primeiro contato com o futebol nos campinhos de areia da vizinhança pobre. A rima do rapper Emicida aparece logo em seguida para reforçar a mensagem da obra como um todo. “Eu vim pelas taças, pois raça/ Foi quase dois palito/ Ontem foi choro hoje tesouro/ E o coro grita ''tá bonito'/ Eu sou Zona Norte, Fundão/ Swing de vagabundo /Dos que venceu a desnutrição/ E hoje vai dominar o mundo”. 66 Imagem 14 – MC Guimê e Emicida se apresentam nos becos da favela. Fonte: Reprodução/YouTube/MC Guimê O clipe País de futebol ganhou ares mais cinematográficos, com cortes mais sutis e câmeras mais livres, recurso estético usado nas narrativas documentárias para trazer realidade às filmagens. Por fim, a obra traz uma clara mensagem de incentivo a quem, assim como Guimê, Emicida e Neymar, sonha em conquistar os seus objetivos: “Um salve a todas as quebradas. Acreditem nos seus sonhos”. Em suma, a obra traz Guimê ao passado, mas também leva uma mensagem de que os outros também podem melhorar de vida e, assim como ele, ascender economicamente. 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste trabalho acadêmico, vimos que o funk ostentação, com toda a sua estética de luxo, está mais atrelado à periferia do que se pode imaginar. Afinal, suas canções louvam o exagero do consumo, mas que podem ser traduzidas, e/ou ouvidas, como um grito de protesto para que as elites sociais percebam que a maioria pobre deixou de ser pobre e virou Classe C. Com as políticas de incentivo e a diminuição do desemprego, mais pessoas conquistaram o poder de “ter”, buscando assim “ser”. Nestas páginas, fizemos uma viagem pela história do funk carioca, que, como já sabemos, agora é brasileiro. Considerando o movimento como uma manifestação social simbólica da expressão da periferia brasileira, percebemos as suas transformações dentro das favelas do Rio de Janeiro e a sua chegada em São Paulo, onde depois passou a ser de ostentação. Dia após dia, o funk ostentação continua arrastando os seus discípulos pelas boates caras e bailes funk Brasil afora. Poucas vezes na história social, um movimento conseguiu agradar aos dois polos, podendo até ser um meio de ligação entre eles. Agora que atingiu o olhar da mídia corporativa, e em tempos de crise econômica, percebe-se que a ostentação está voltando à realidade. As novas canções não deixam de lado as suas rimas com carros e bebidas de luxo, mas as obras em si têm se tornado mais clean. Atualmente, em São Paulo, outros funkeiros começaram a aparecer nas paradas de sucesso, mas sem necessariamente ter a ostentação como tema das músicas. O Passinho do Romano é um exemplo de um novo hit que deixa o luxo de fora e aposta no sexo com humor. Já são mais 30 milhões de visualizações no YouTube. Quanto a MC Guimê, artista estudado e analisado neste trabalho, sua condição de preferido dos famosos e da grande mídia o deixa em uma posição mais confortável no mainstream. As suas aparições nos programas de TV continuam frequentes, elevando o cantor ao nível de artista pop da nova geração, junto com Anitta e Valesca Popozuda. Se depender dele, suas mãos tatuadas ainda vão contar muitos plaquês de 100. “Me sinto tão maior/ Que qualquer problema/ Eu amo esse lugar/ Eu vim pra ficar/ Daqui eu sou”, canta Guimê em sua mais nova música de trabalho. 68 REFERÊNCIAS ANÍSIO, Ricardo. MPB de A a Z: Crônicas, críticas e entrevistas. 2. ed. Campina Grande: Latus, 2011. ANTUNES. Laura. 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