Programa de Pós-Graduação em Sociologia e - IFCH

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Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA
Disciplina : Etnografia e antropologia reflexiva
Professor: Rodrigo Peixoto
1º. Semestre 2014 – segundas feiras de 14 às 18 horas
Laboratório de Antropologia
A disciplina optativa somará 60 horas em 15 sessões, iniciando-se em 31 de março e
concluindo-se em 09 de junho, com uma sessão de discussão dos trabalhos dos
estudantes, estimulados sempre a relacionar seus temas de dissertação e tese com as
teorias discutidas em aula. A ementa e as sessões estão organizadas como se segue:
Ementa
Estão em curso debates epistemológicos, teóricos e metodológicos no seio da
antropologia contemporânea. As experiências e emoções vividas pelo pesquisador em
campo não tem necessariamente como objeto de estudo o outro distante e portador de
alteridades absolutas. Ocorreu uma multiplicação dos objetos investigados e, além da
lógica racional, ganhou importância a construção do conhecimento pautada por relações
subjetivas do pesquisador. Elementos pessoais e subjetivos envolvidos na pesquisa
ganharam relevância Estão cada vez mais presentes na disciplina etnografias em meio a
populações cada vez mais próximas do pesquisador e envolvidas por novos dilemas
éticos e metodológicos. A antropologia passa de uma disciplina que reivindica estatuto
de ciência para permitir se pensar como algo muito próximo da arte ou da literatura.
Nessa perspectiva reflexiva, um eixo do debate está em como nesse mundo novo
se alcançar algum conhecimento sobre o outro pesquisado e, ao mesmo tempo, sobre o
próprio etnólogo que realiza a pesquisa a partir de sua posição e pressupostos.
Geertz, na introdução de O saber local, afirma que o estudo interpretativo da
cultura representa um esforço para aceitar a diversidade entre as várias maneiras que
seres humanos tem de construir suas vidas no processo de vivê-las. Ver-nos, entre
outros, como apenas mais um exemplo da forma que a vida humana adotou em um
determinado lugar, um caso entre casos. Esse ponto de vista é um bom começo para
trabalhar o tema da etnografia, dentro do debate da antropologia reflexiva. Debate o
qual questiona modos menos contemporâneos de se fazer etnografia. Geertz afirma que
“tradução” significa a reformulação de categorias nossas e alheias para que estas
possam ultrapassar os limites dos contextos originais onde surgiram e onde adquiriram
seu significado, com o objetivo de estabelecer afinidades e demarcar diferenças.
Roberto Cardoso de Oliveira, por sua vez, tematiza o problema da tradução e estabelece
um diálogo com Geertz. Roberto Cardoso, em O trabalho do antropólogo, coloca como
no fazer etnográfico o objeto é apreendido pelo esquema conceitual da disciplina. Como
o olhar sensibilizado pela teoria disponível alcança o significado das relações sociais. A
própria distinção entre sentido e significação é parte desse instrumental teórico. Ou seja,
o sentido tem a ver com o horizonte semântico do “nativo”; significação designa o
horizonte do antropólogo, constituído por sua disciplina. Nesse caso, o modelo nativo é
a matéria prima para o entendimento antropológico. Essa assimetria é justamente um
dos pontos da polêmica.
É verdade que o autor chama a atenção para a necessidade de observar
diferenças entre “idiomas culturais”, entre o mundo do pesquisador e do nativo, e
observar a natureza da relação, para ela ser, em vez de um confronto, um encontro
etnográfico, uma fusão de horizontes, tal interação envolvendo o que se chama
observação participante. Aliás, um processo intersubjetivo que conquistou muita
legitimidade como traço definidor da etnografia do século XX. Assim como conquistou
prestígio o ato de se olhar a cultura como um conjunto de textos a serem interpretados.
Para Geertz, a textualização é um pré-requisito para a interpretação, um processo
através do qual o comportamento, a fala, as crenças, a tradição oral e os rituais não
escritos constituem o corpus, um conjunto potencialmente significativo, separados de
uma situação discursiva ou performativa imediata. Na textualização, este corpus
significativo se relaciona com um contexto, resultado daí uma descrição etnográfica
densa.
Em que pese a autoridade de um autor referencial para o caso brasileiro, como é
Roberto Cardoso, uma atualização mais específica sobre o tema da reflexividade pode
ser encontrada em James Clifford, que, em A experiência etnográfica, debate como os
paradigmas de experiência e interpretação estão dando lugar a paradigmas discursivos
de diálogo e polifonia. Antropologia polifônica que, aliás, Roberto Cardoso não deixa
de considerar, ao afirmar que a modalidade oferece espaço para as vozes de todos os
atores do cenário etnográfico, mas sem retirar a responsabilidade específica do
antropólogo, cuja voz não pode ficar obscurecida. Na antropologia reflexiva o que está
em jogo é a intersubjetividade, de caráter epistêmico.
O debate sobre reflexividade, para muito além da descrição objetivista,
caminharia, segundo Otavio Vellho, no sentido da detecção de um desejo de
semelhança. Em vez de apenas se confrontar com a diferença, importa também nesse
momento pós-moderno buscar caminhos para a convivência humana. Essa abertura para
a semelhança contrasta nitidamente com o tradicional interesse e domínio da
antropologia, que é a reflexão sobre as diferenças, as maneiras diferentes do Outro ser e
agir.
Igualmente o conceito de cultura, que na antropologia ocupa uma posição
central, enfrenta reformulações, posto que ela passa a ser considerada como um diálogo
em aberto, de muitas subculturas, diversas facções, representações de todos nãohomogêneos. A prática da representação intercultural está em cheque, fato que se liga à
desintegração do poder colonial nas décadas posteriores a 1950 e à decorrente crítica
dos modos de representação colonial. Com a expansão da comunicação e da influência
intercultural, as pessoas cada vez mais interpretam os outros e a si mesmas. Num
mundo ambíguo, multivocal, torna-se difícil conceber a diversidade humana como
culturas independentes, delimitadas e inscritas, afirma James Clifford.
A polifonia parece ser o paradigma do momento. A partir das críticas a
representações coloniais, que, desde 1950, tem rejeitado discursos que retratem as
realidades culturais de outros povos sem colocar sua própria realidade em questão, temse firmado a ideia de que nem a experiência nem a atividade interpretativa do
pesquisador científico podem ser consideradas inocentes. É preciso conceber a
etnografia não como a experiência de uma outra realidade circunscrita, mas sim como
uma negociação construtiva envolvendo pelos menos dois, e muitas vezes mais, sujeitos
conscientes e politicamente significativos. Assim, paradigmas de experiência e
interpretação estão dando lugar a paradigmas discursivos de diálogo e polifonia. Isso
traz para o centro da cena a intersubjetividade de toda fala.
Autores há que colocam a etnografia num processo de diálogo em que os
interlocutores negociam ativamente uma visão compartilhada da realidade. Essa
posição rompe com uma convenção literário-hermenêutica bem representada na
etnografia de Os argonautas, que não elabora uma versão da realidade em colaboração
com seus informantes, mas sim interpreta o “ponto de vista trobriandês”. Segundo
James Clifford, Malinowski é um complexo caso de transição. Embora afirmando com
seu trabalho uma posição de autoridade do pesquisador como responsável pela fusão da
teoria e da descrição, por outro lado ele incluiu no seu texto material que não sustentava
diretamente suas perspectivas de interpretação. Ou seja, ele deixou abertos a múltiplas
interpretações mitos a ele ditados, que ele assumidamente não compreendeu.
Quem é na verdade o autor das anotações feitas no campo? A escrita etnográfica
atual está procurando novos meios de representar adequadamente a autoridade dos
informantes. Como essas presenças autorais devem ser manifestas? Uma maneira de
realizar a produção colaborativa do conhecimento etnográfico é citar os informantes
extensa e regularmente. Uma polifonia mais radical representaria os nativos e o
etnógrafo com vozes diferentes. Há ainda a preocupação de as etnografias não se
dirigiram a um único tipo de leitor, sendo abertas a leituras não intencionais. Enfim, há
uma busca de se romper com a autoridade monológica. Uma questão também relevante
é a das reverberações das interpretações do antropólogo, ou seja, os efeitos que seus
pontos de vista causam no campo de pesquisa. Os textos viajam da academia para o
campo e influenciam percepções locais. Tudo isso compõe um contexto de atualizações
epistemológicas.
Nesse contexto, cabe concordar tanto com Geertz quanto com Roberto Cardoso,
que o estar lá e o estar aqui são momentos bem diferentes. O ato de escrever é mesmo
complexo e delicado, do ponto de vista ético, político e epistemológico, uma vez que
coloca vidas e atuações alheias no texto. Como formular críticas sem ultrapassar
fronteiras éticas? Sem interferir indevidamente em processos políticos? Essa questão
nos remete diretamente ao problema da autoridade etnográfica. O desenvolvimento da
ciência etnográfica passa por um debate político-pistemológico sobre a escrita e a
representação da alteridade. Há dúvidas radicais sobre os procedimentos pelos quais
grupos e ações humanos podem ser representados. Frente a isso, a escrita etnográfica
pode evitar conscientemente representar “outros” como abstratos e a-históricos.
Uma postura ponderada e evoluída nesse atual momento do campo, quando
vários modos de autoridade encontram-se disponíveis, é dado por James Clifford, que
sugere uma atenção renovada à interação sutil entre componentes pessoais e
disciplinares na pesquisa etnográfica, afirmando que, dos vários modos de autoridade
considerados, nenhum é obsoleto, nenhum é puro, há lugar para invenção em cada um
desses paradigmas. A coerência do processo textual tratando-se agora de escolha
estratégica. A etnografia está do começo ao fim imersa na escrita, a qual inclui uma
tradução da experiência na forma textual, processo sobre o qual interferem múltiplas
subjetividades e constrangimentos políticos.
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