Página 2 EDITORIAL Há 85 anos, no dia 24 de maio de 1979, em uma assembleia no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, os produtores rurais gaúchos criavam a Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul. A data que marca o nascimento da Farsul é um marco para toda a agropecuária nacional. A entidade riograndense foi inspiração para a criação de outras federações de agricultores no país. Foi uma crise que levou à organização dos produtores nos princípios do século XX. À época, o contrabando de gado e carne do Uruguai, entre outras mazelas, atingiam o setor. Desde então, foram inúmeras as crises circunstanciais e sistêmicas pelas quais passaram a agropecuária, e a superação das mesmas sempre teve a contribuição da federação de agricultura gaúcha. As crises não deixam de ser naturais em uma atividade que se constitui em verdadeira indústria a céu aberto. É assim em qualquer parte do mundo. O que muda de país para país é a compreensão dessa realidade, e a preparação para enfrentá-la com políticas públicas adequadas, que reequilibrem o sistema sempre que somente a eficiência empresarial no campo não for suficiente para tanto. Como em 1924, o Estado está às voltas com mais uma crise no campo, causada por mais um ciclo de implacável estiagem. Mas é injusto rememorar a história da Farsul e da agropecuária gaúcha lembrando-se apenas dos momentos de dificuldades. Se é verdade que as crises seguem ameaçando a produção, também é nosso dever ver os avanços do setor primeiro gaúcho e brasileiro nas últimas décadas. O agronegócio tem sustentado a economia do país, garantido saldos na balança comercial que são o lastro para a estabilidade nacional. Com eficiência na produção de alimentos, o produtor tem dado as respostas que a sociedade precisa. O campo hoje tem voz, e o agricultor brasileiro é respeitado. A participação da Farsul e da CNA nas discussões de elaboração do novo Código Florestal são provas disso. Os vetos da presidente Dilma Rousseff ao projeto resgataram algumas injustiças eliminadas anteriormente na Cânmara dos Deputados. Novamente, o tema será discutido e poderá passar por alterações no Congresso. E, de novo, a federação gaúcha estará presente, por meio de seus dirigentes e assessoria técnica, em Brasília. Desse diálogo aberto com parlamentares, já se conseguiu assegurar uma legislação que não inviabilizasse a produção. A Farsul está preparada para enfrentar tantas crises no campo quanto forem necessárias. Até que o Brasil seja realmente um país que garanta tranquilidade e segurança jurídica aos seus produtores, comprometendo-se com o apoio institucional a uma atividade que garante abastecimento alimentar, não só ao país, mas ao mundo. Nossa meta é poder trabalhar cada vez mais com soluções pró-ativas permanentes, e menos na defesa de paliativos para cada nova crise. EXPEDIENTE Capitalismo e espiritualidade Senadora Kátia Abreu* peia, também marcada por transgressões a fundamentos A perda do paradigma espi- básicos da economia. A crise ritual tornou o homem ociden- europeia decorre da fragilidade tal alheio aos mais elementares fiscal de países como Grécia, padrões éticos. A crise financei- Portugal e Itália, cujos goverra de 2008, cujos efeitos ainda nos gastam mais do que arreabalam os mercados - e se des- cadam. Os investidores já predobram na presente crise euro- veem um “default” de seus títupeia-, não foi, como muitos sus- los de dívida. Na base de toda tentam, um sinal de esgotamen- essa confusão não está uma to do capitalismo. Ou, na sínte- demonstração de inviabilidade se reducionista, “o muro de Ber- do capitalismo. Ele foi conspurlim da direita”. O que fracassou não foi o capitalismo, mas o uso Ética sem espiritualidade, inadequado de suas regras mais sem a noção de um porvir em elementares. A causa direta da que todos serão julgados pelos crise foi a concessão, delibera- seus feitos, não passa de uma da e irresponsável, de emprésti- fachada. Nesse ambiente, a mos hipotecários a credores sem política, que a Grécia antiga meios de pagá-los, sobretudo considerava uma virtude, foi a com a alta dos juros. primeira a se desmoralizar. A Como se não bastasse, os economia veio em seguida. O agentes financeiros, para con- que mais falta? Será que o Bratornar o desastre, recorreram a sil não está seguindo essa agennovos artifícios desonestos, que da laica e antirreligiosa, pauapelidaram de “inovações finan- tando suas políticas pelos mesceiras”, com o objetivo de ala- mos paradigmas que alimentam vancar suas operações sem ter a presente crise? de reservar os coeficientes de capital requeridos pelo Acordo cado, violado em seus princípida Basileia, cujo propósito era os. E a saída tem sido probleexatamente evitar o que se deu. mática devido a outro fator báEsse princípio se baseia na ideia sico, que extrapola a ciência de que a busca da riqueza não econômica, mas que sobre ela é problema e, sim, a ganância e toda atividade humana exerpara conquistá-la a qualquer ce influência vital: a quebra de preço. Os bancos norte-ameri- confiança. Sem ela, nenhum siscanos chegaram ao limite. E, tema se sustenta. para piorar o que já não era bom, Credibilidade e confiança decidiram securitizar os títulos são valores que decorrem do podres, contra toda a ortodoxia culto às virtudes, algo que se econômica, servindo-se da cum- perdeu numa sociedade que plicidade das agências de risco, confunde Estado laico com Esinteressadas em agradar a seus tado ateu - ou, pior ainda, anclientes. Trapaça pura. tirreligioso. De há muito, a perA crise financeira norte-ame- da do paradigma espiritual torricana espalhou-se como metás- nou o homem ocidental alheio tase pelo mundo. Um de seus aos mais elementares padrões efeitos mais claros foi expor a éticos. A relativização dos vafragilidade da economia euro- lores levou-o a uma visão ma- FARSUL Presidente: Carlos Rivaci Sperotto Vice-presidente: Gedeão Silveira Pereira Diretor Administrativo: Francisco Lineu Schardong Diretor Financeiro: Jorge Rodrigues SENAR-RS Presidente: Carlos Rivaci Sperotto Superintendente: Gilmar Tietböhl Divisão Técnica: João Augusto Telles Div. Planejamento e Projetos: Saulo Gomes Div. Administração e Finanças: Carlos Alberto Schütz terialista e hedonista da existência, estabelecendo comportamentos viciados, condutas desleais e irresponsáveis, quando não simplesmente criminosas. Dostoiévski tem a síntese perfeita, quando, por meio de Ivan Karamazov, diz: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. É o que se tem visto: Deus foi retirado da história. Europa e Estados Unidos são civilizações erguidas sob os valores do cristianismo, que moldou suas legislações e tradições. Hoje, esses valores são renegados, sob o argumento do laicismo do Estado, que de modo algum é incompatível com os valores espirituais. A ausência de qualquer referência às raízes cristãs da Europa no preâmbulo da Constituição da União Europeia confirma a perda da referência espiritual de uma civilização cujos momentos de esplendor se vislumbram, ainda hoje, nas majestosas igrejas e catedrais góticas que fascinam turistas de todo o mundo. Ética sem espiritualidade, sem a noção de um porvir em que todos serão julgados pelos seus feitos, não passa de uma fachada. Nesse ambiente, a política, que a Grécia antiga considerava uma virtude, foi a primeira a se desmoralizar. A economia veio em seguida. O que mais falta? Será que o Brasil não está seguindo essa agenda laica e antirreligiosa, pautando suas políticas pelos mesmos paradigmas que alimentam a presente crise? Desatento a isso, não chegará assim a lugar melhor. *Presidente da CNA, publicado no jornal Folha de São Paulo JORNAL SUL RURAL Diretor: Décio Rosa Marimon Jornalista responsável: Sebastião Ribeiro (MTb/RS 11.009) Fotos: Tiago Francisco, Emerson Foguinho e Arquivo Colaboração: Alessandra Bergmann e Tiago Francisco Circulação Mensal Tiragem: 35.000 exemplares Administração, redação e comercial: Praça Saint Pastous, 125 - Fone: (51) 3214.4400 Fax: (51) 3221.9113 e-mail: [email protected] - Porto Alegre/RS - Cep 90050-390