Língua Portuguesa II: Morfologia I

Propaganda
Língua Portuguesa II:
Morfologia I
Autor
Denilson Matos
2009
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
M433 Matos, Denilson. / Língua Portuguesa II: Morfologia I /Denilson Matos. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
168 p.
ISBN: 978-85-7638-799-2
1. Língua Portuguesa – Morfologia 2. Língua Portuguesa – Formação de palavras 3. Língua Portuguesa – Gramática. I. Título.
CDD 469.5
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
Todos os direitos reservados
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Sumário
morfologia | 7
Conceito de morfologia | 8
Estudos lingüísticos | 9
Significação lexical e gramatical | 10
Formas livres, presas e dependentes | 11
Etimologia | 12
Dupla articulação da linguagem | 13
Morfema | 19
Conceito de morfema | 19
Análise mórfica | 22
Tipos de morfema | 25
Estrutura das palavras I | 33
Estrutura das palavras | 34
Estrutura das palavras II | 45
Conceituação | 45
Modo | 45
Pessoa | 47
Número | 47
Estruturas do verbo | 48
O acento tônico nos verbos | 55
Processo de formação de palavras I | 59
Afixos | 60
Derivação | 63
Processo de formação de palavras II | 71
Composição | 71
Outros tipos de processos | 73
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Criatividade lexical | 79
O que é? | 79
Neologismo | 81
Considerações finais | 88
Classes de palavras I | 93
Algumas informações essenciais | 93
Classes de palavras II | 107
Artigo | 107
O adjetivo | 110
Numeral | 114
Pronomes | 121
Pronome | 121
O pronome pode ser de seis espécies | 123
Colocação pronominal | 129
Locuções e interjeições | 133
Locuções | 133
Interjeição | 136
Narração | 141
Texto | 141
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Apresentação
Nesta etapa de nosso estudo, abordam-se as diversas partes que constituem
o léxico de nossa língua preferencialmente aquelas que determinam a formação e construção dos termos que a caracterizam e a identificam. Aqui,
conheceremos os mecanismos de formação previstos no sistema da Língua
Portuguesa, bem como aqueles que transcendem às expectativas do registro padrão.
Na mesma direção, iniciaremos o estudo das classes de palavras que representa, indubitavelmente, conteúdo capaz de determinar o sucesso do
estudante diante da constituição e análise da frase e da oração em Língua
Portuguesa, a saber: a sintaxe.
Desta feita, pretende-se apresentar, sob o amparo da gramática normativa,
a língua enquanto sua formação, estrutura e classe de palavras.
Mais especificamente, enquanto estudiosos da linguagem, devemos entender que todo indivíduo que pretenda estudar uma língua, seja ela qual
for, deve atentar para certas considerações que determinam e auxiliam o
reconhecimento dessa língua. Assim, o estudo da forma é uma das possibilidades de análise que traz à tona o entendimento de que as palavras se
organizam não apenas numa frase, mas, também, internamente. Se por um
lado, palavras quando combinadas podem constituir frases, textos, por outro, letras, morfemas, sílabas também podem formar palavras.
Portanto, é neste espírito que se busca entender os procedimentos lingüísticos que participam e atuam efetivamente na morfologia das palavras.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
Será possível um piloto de avião controlar o painel de instrumentos sem saber o que significam
aqueles símbolos que nos parecem tão complicados? Com as palavras não é diferente. Se não conhecermos e estudarmos sua estrutura não se pode ir à frente no processo de comprenssão das palavras.
Concordam?
Assim, temos que ficar atentos para o fato de que a palavra é estruturada por “pedaços”, que a
constituem. Para ilustrar, leia o fato a seguir:
Uma empresa que vendia produtos para emagrecer lançou uma campanha publicitária interessante
e que vai nos servir de ponto de partida para o estudo das estruturas das palavras. O produto era oferecido
em anúncios de televisão e revista com o objetivo de fazer com que as pessoas desistissem das intervenções cirúrgicas causadas pela lipoaspiração. Obviamente, na opinião da empresa era muito melhor tomar
o produto do que fazer tal cirurgia para se alcançar o desejo de se
emagrecer.
A imagem que aparecia era de uma taça semelhante à de
sorvete, o que lhe dava uma aparência apetitosa. Ela estava cheia
do produto, com dois canudos dentro e com a seguinte mensagem em letras garrafais, ao lado da taça:
Criativo, não é mesmo?
O produto deveria ser aspirado através daqueles canudos
que estavam dentro da taça.
De fato, graças à referência que as partes “lipo” e “aspiração”
fazem à palavra lipoaspiração, somos capazes de entender o bemhumorado propósito da campanha que é dizer que melhor que
fazer uma cirurgia é beber o produto.
Esse breve exemplo serve para demonstrar como as palavras se constituem por partes e que conforme a combinação que
se faça com essas partes pode-se ter resultados variados.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
34
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
Estrutura das palavras
As palavras podem ser, na maioria das vezes, decompostas em elementos mórficos, unidades
significativas menores, divisíveis ou indivisíveis, denominados morfemas:
Exemplo: gatos- gat-o-s(divisível) / sol (indivisível).
A palavra morfema vem do grego: morfhé = forma + a terminação ema = morfema.
Segundo os autores Infante e Nicola (1997, p. 70) há uma forma semântica que se refere ao mundo exterior: seres, ações, idéias, sensações, estados, qualidades e que indicam a significação da palavra
(ao conjunto de palavras de uma língua chama-se léxico).
A forma que tem significação apenas em relação ao sistema gramatical da língua, indica, no caso
da língua portuguesa, o gênero, o número, a pessoa, o modo, o tempo.
Observe a palavra a seguir:
Moço- masculino
Moça- feminino
Moços- plural
Moças as- plural
Assim, os morfemas são os “pedaços” que representam as estruturas das palavras. Os elementos estruturais das palavras são: radical, vogal temática, vogal e consoante de ligação, afixos e desinências.
Radical1
É também denominado base ou semantema. Elemento primário, irredutível e significativo da palavra, em torno do qual se agrupam os outros elementos de formação, geralmente monossilábica, propensa a sofrer modificações através de morfemas gramaticais, tais como desinências, afixos (prefixo ou
sufixo) ou vogal temática. Tomemos como exemplo pátria: pat (raiz); patri (-i vogal temática acrescida ao
radical pronto para receber um sufixo ou desinências) = patriota, compatriota; patriotismo; patriotada.
Além disso, o radical pode apresentar alterações fonéticas: cap (capilar) alterou-se em cab (cabeça) e em
cip (occipital). Para entender melhor o radical, vejamos um dos caminhos que auxiliam na identificação
do radical, através do conhecimento do conceito de palavras cognatas.
1 Radical ou raiz? Por vezes estes dois termos são utilizados indistintamente como se fossem sinônimos. De forma genérica, alguns autores o
fazem sem entrar no mérito das diferenças que de fato existem. Normalmente opta-se pelo termo radical por ser mais utilizado nas gramáticas
escolares e de ter maior aceitação no meio estudantil. Todavia, não podemos deixar de ter claro em nosso conhecimento sobre os estudos
morfológicos que o termo raiz tem uma relação muito mais próxima ao estudo histórico das palavras: a etimologia. Observe o que Pasqual e
& Ulisses dizem a respeito (1997, p. 70): “Optamos pelo uso do termo radical para designar o morfema que concentra a significação principal
da palavra e que pode ser depreendido por meio de simples comparações entre palavras de uma mesma família. Intencionalmente, não
empregamos o termo raiz, que está ligado à origem histórica das palavras. Para identificar a raiz de uma família de vocábulos é necessário um
conhecimento especifico de etimologia”
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
|
35
Palavras cognatas
Quando o radical de um grupo de palavras mantém uma origem etimológica de significação comum denominamos de palavras cognatas, independente dos acréscimos de afixos:
Exemplo: ferr
ferrar
ferreiro
ferraria
ferrugem-
Exemplo: medo
amedrontado
medrosos
medinho
Todavia, vale uma observação interessante, algumas cognatas podem apresentar dois radicais,
um de forma erudita, outro de forma popular.
Exemplo: digital e dedal;
parietal e parede;
capilar e cabelo;
auricular e orelha;
acutíssimo e agudíssimo;
paupérrimo e pobríssimo;
sacratíssimo e sagradíssimo etc.2
Portanto, essas palavras que são da mesma família e que têm um mesmo radical são chamadas de
cognatas.
Por outro lado, existem também aquelas palavras que parecem cognatas, mas não são. Por exemplo: “feracidade” parece ter relação com “feroz”, “bravo”, “temível”. Na verdade, “feracidade” significa extrema fertilidade e “feraz” é prolífico, fértil. Ferocidade é que se refere a feroz etc. O substantivo feracidade aparece numa das obras-primas de Manuel Bandeira, O cacto (Libertinagem, 1930)3:
“Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária!
Laocoonte constrangido pelas serpentes.
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, carnaubais, catingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.”
2
Um estudo interessante sobre esta obra pode ser visto em PASSONI, Célia A.N. Vida noves fora zero. Disponível em: www.
portrasdasletras.com.br, acesso em: 05 jul. 2007)
3 BECHARA, Evanildo. Gramática Escolar da Língua Portuguesa, 2003.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
36
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
No poema, “feracidades excepcionais” significa fertilidades excepcionais.
Por isso, devemos ter alguma cautela antes de analisarmos certos radicais, pois estes podem vir
de palavras pseudo-cognatas, também chamadas de falsas cognatas.
Desinências
Dividida em nominal e verbal, é o elemento final de uma palavra que indica flexão. É importante
não confundir desinência com sufixo, embora o próprio sufixo possa conter em si a desinência, assim
como em histórico= -ico (sufixo nominal) -o (desinência do masculino).
Trataremos mais pontualmente das desinências que se combinam ao radical para formarem nomes: as desinências nominais.
Desinências nominais
As desinências nominais4, servem para indicar o gênero (masculino e feminino), o grau (diminutivo
e aumentativo) e o número (singular5 e plural) dos substantivos, adjetivos e de certos pronomes.
Exemplo: Garotas
Garot-: radical
-a: desinência nominal de gênero
-s: desinência nominal de número
Garotinho
Garot: radical
-inho: desinência nominal de grau diminutivo (dentro do sufixo -inho vemos a presença
da desinência nominal de gênero masculino).
Observe os exemplos de desinências nominais a partir do trecho a seguir, de Manuel Bandeira ,
Poema de Finandos (Libertinagem, 1930):
“Amanhã é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas.
Considerando apenas os morfemas destacados, podemos afirmar que em “mortos” temos uma
desinência nominal de gênero, indicando masculino; em “sepulturas” uma desinência nominal de número, indicando plural e uma desinência nominal de gênero indicando feminino.
4 As desinências nominais também são conhecidas como DNN (desinência nominal de número) e DNG (desinência nominal de gênero).
5 De acordo com Cunha (p. 79) o singular de desinência ou morfema é zero, caracteriza-se pela falta de um sinal particularizante.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
|
37
Vejamos agora outra estrutura nominal.
Vogal temática
A vogal, além de funcionar como elo entre o radical e os afixos, tem a missão classificatória de
distinguir categorias nominais ou verbais. Aqui, trataremos de seu papel na estruturação dos nomes.
Nos nomes, as vogais temáticas são representadas pelos morfemas -a, -e e -o:
Exemplo: bala
sempre
livro
Vale observar que, conforme verificamos no item sobre as desinências, nas categorias nominais,
os morfemas -a e -o acumulam a função de gênero (masc./fem.); também a vogal temática -o e -e pode
representar uma semivogal de um ditongo: cão – cães.
Muitas vezes, ao receber afixos, a vogal temática sofre uma supressão:
Exemplo: mala – mal(a)inha
ovo – ov(o)inho
A junção/combinação do radical com a vogal temática forma o que chamamos de tema. Todavia,
os nomes terminados em vogal tônica ou por consoante perdem sua vogal temática no singular:
Exemplo: mar
paz
mal
Por isso, são chamados de atemáticos. Nos nomes terminados em consoante, a vogal temática
reaparece quando pluralizados:
Exemplo: flor – flor -e -s
giz – giz -e -s
mal – mal -e -s
livro – livr-eir-o (nesse caso a reaparição da vogal temática ocorre numa derivação).
Observe o quadro resumido das vocais temáticas nominais:
Nominais
Radical
VT
Mal
a
Livr
o
Pent
e
Os nomes oxítonos terminados
em vogal são atemáticos: café,
cipó, cajá. Em “doutor” e “xadrez”,
a vogal temática só aparece no
plural: doutor -e -s, xadrez -e -s 6
6 Ribeiro, M. P. Nova Gramática da Língua Portuguesa. 2003, 128.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
38
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
Afixos
São elementos significativos ou de reforço que se agregam à raiz ou radical. Os afixos, quando antepostos à raiz, são chamados de prefixos (sobreviver/ refazer), pospostos à raiz, sufixos (maldoso/cajueiro).
Os sufixos unem-se à parte final do radical formando uma nova palavra, transformando substancialmente o radical, sem, no entanto, alterar-lhe o sentido. Além de não ter curso independente na
língua (forma presa), empresta-lhe uma idéia acessória marcando a categoria dos substantivos, adjetivos, verbos, advérbios a que pertencem. Por exemplo: lembrar (verbo) / lembrança (substantivo); livre
(adjetivo) / livremente (advérbio).
uma nova significação, os prefixos emprestam ao radical se relacionam semanticamente com as
preposições, geralmente se agregam aos verbos (reter, deter, conter) ou a adjetivos (infeliz, desleal, subterrâneo) e são menos freqüentes nos substantivos.
Alguns autores falam da existência de um interfixo, que seriam elementos mórficos átonos, sem
função gramatical ou significativa, servindo somente como elementos de ligação entre a base e sufixo.
No entanto, Bechara (1994) diz que há autores que preferem não usar o termo interfixo, considerando
apenas como um alongamento sufixal. Veja os exemplos:
glor-ific-ar
fum-ar-ada
fog-ar-éu.
Por fim, vejamos os elementos que realmente funcionam apenas como estrutura de ligação.
Consoantes de ligação
De acordo com Bechara (1999), as vogais e as consoantes de ligação não têm função semântica
nem gramatical, contribuem apenas na formação de novas palavras, intercalando-se entre a base e o sufixo para facilitar a pronúncia ou evitar hiatos, principalmente quando o radical termina por vogal tônica:
Exemplo: chá-l-eira
pau-l-ada
café-t-eira
chapéu-z-inho
pedre-g-ulho
gás-ô-metro
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
|
39
Vogais de ligação
Em português, temos duas vogais de ligação. São elas o -i e o -o.
Para a vogal -i, podemos apresentar os seguintes exemplos:
lanígero
dentifrício
carnívoro
parisiense
Para a vogal -o, podemos apresentar os seguintes exemplos:
gasômetro
bibliófilo
A título de revisão do conteúdo aqui trabalhado, e objetivando demonstrar de forma mais esquemática, apresentamos a seguir um quadro geral com os morfemas: radical, desinência e afixo:
Morfemas
Exemplos
Radical
(É responsável pelo sentido básico da palavra)
- Consciência, ciência, onisciência são palavras
cognatas, que possuem o radical “ciência”
(sabedoria, conhecimento).
- Geologia, geografia, apogeu são palavras
cognatas, possuem o radical “geo” (terra)
Desinências
(São responsáveis pelas flexões das palavras)
- “- s”, em nomes, é o morfema que indica plural:
carros, casas, tabus.
- “ - m”, em verbos, é marca de 3.ª pessoa do
plural: mentem, falam, vendem.
- “- sse - “, em verbos, é desinência de
pretérito imperfeito do subjuntivo: cantasse,
vendesse, partisse.
Afixos
(São responsáveis pela
criação de palavras.)
Prefixos
(afixos que vêm
antes do radical.)
Sufixos
(afixos que vêm após
o radical.)
- “in – ” indica negação, ausência: infeliz, imoral.
- “semi-“ indica metade: semideusa, semicírculo.
- “ão-” indica grau aumentativo: carrão, gatão.
- “dade-” forma substantivos a partir de
adjetivos: felicidade, beldade.
Após essa abordagem sobre o que é um morfema e sua importância na construção dos significados morfológicos das palavras, vejam o estudo de Maria Alice Aguiar (2000) como pode, ainda, um
“pedaço” de palavra dizer ainda mais do que já diz, enquanto morfema da língua portuguesa.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
40
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
Texto complementar
A estilística dos afixos em A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz
(AGUIAR, 2000)
Pensando com Riffaterre, definimos o contexto estilístico como um pattern, rompido por um
elemento imprevisível. O estilo, nesta óptica, define-se como “o realce que impõe à atenção do
leitor certos elementos da seqüência verbal, de maneira que este não pode omiti-los sem mutilar o
texto e não pode decifrá-los sem achá-los significativos e característicos”7. Ter um estilo, portanto,
não significa possuir uma técnica de linguagem. É sim assimilar uma visão própria do mundo e
encontrar uma forma adequada para expressar essa ‘paisagem interior’. A luta pela expressão é o
fundamento da criação literária. Criar em literatura, portanto, é realizar o dizer de forma expressiva
e singular. É reesculpir cada palavra, reinventando cada estrutura para que a linguagem, gasta no
dia-a-dia, invista no desconhecido em busca do reconhecido.
Nosso estudo pretende, pela descrição do texto de A Cidade e as Serras, obter, de uma das inúmeras isotopias possíveis, a mensagem estética dessa obra de Eça, partindo do estudo dos afixos.
Assim, lido o romance, procuramos identificar na obra os morfemas, de acordo com as relações semânticas que os ligam entre si e aos diversos níveis do texto. Percebemos, de pronto, que o romance A Cidade e as Serras assenta-se sobre dois grandes pólos – civilização e genuinidade – sendo, este
último, dimensionado numa perspectiva de terra como elemento gerador de vida, volta às raízes da
nacionalidade portuguesa.
Desenha o escritor, nesses dois pólos, dois personagens: Jacinto e Zé Fernandes. E é sobre a
permanência e mudança na personalidade do personagem narrado – Jacinto – e sobre o conhecimento que vamos obtendo pela voz do personagem narrador – Zé Fernandes – que reside o nosso
estudo. O jogo do sim e do não, em relação à cidade e ao campo, montado por Eça na composição
desses personagens, foi o caminho que encontramos para demonstrar a temática dessa obra – a
genuidade como perfeita fruição de vida. Para tal, seguiremos, com exemplos significativos e comentários sobre eles, o caminhar de Jacinto no sentido de aceitação da cidade e do campo.
A civilização, do ponto de vista do personagem Jacinto, passa por três estágios bem delineados: fanatismo → cansaço → saturação. Logo ao primeiro instante em que Zé Fernandes nos coloca
diante de Jacinto, é-nos mostrado um homem “bem-aventurado”. Ouçamos o narrador:
“Rijo, rico, indiferente ao Estado e ao Governo dos homens, nunca lhe conhecemos outra ambição além de compreender bem as idéias gerais” (p. 14).
“O seu valor genuíno, de fino quilate, nunca foi desconhecido nem desapreciado” (p. 14).
“Este Príncipe concebera a idéia de que “o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado” ( p. 15).
7 RIFFATERRE, Michael. Estilística estrutural. Trad: Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo. Editora Cultrix, p. 32.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
|
A presença dos morfemas in e des mostram a negação de engajamento político-social de Jacinto e a
positividade de sua valorização como homem bem-aventurado que era, a ponto de dominar, inclusive, a
natureza, pois “nuvens pejadas e lentas, se avistavam Jacinto sem guarda-chuva, retinham com reverência as suas águas até que ele passasse”(p. 14). O morfema -mente, do último exemplo denota a idéia de
excessividade da importância de civilização para o personagem, idéia essa não só carregada pela própria
significação do radical superior como também pela soma, a ele, do sufixo -mente. Esse “bem-aventurado”
entrosa-se de tal forma à engrenagem da civilização/máquina, que nada que não possua a chancela de
civilizado tem, para ele, potencialidade para gerar prazer. São estas suas palavras: “... sou mais feliz que o
incivilizado, porque descubro realidades no Universo que ele não suspeita...”(p. 18).
Desse modo, a idéia de civilização não se separa da imagem de uma enorme cidade, com todos
os seus órgãos funcionando “poderosamente”. (p. 18). E jacinto clama: “Aí tens tu, o fonógrafo!... Só o
fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me
separa do bicho. Acredita, não há senão a cidade, Zé Fernandes, não há senão cidade!” (p. 19). E Eça de
Queiroz coloca na boca do personagem-narrador Zé Fernandes uma insistente demonstração do pavor
de Jacinto pelo campo e de seu amor à cidade, usando abusivamente os afixos de negação e advérbios:
“Mas para o meu Jacinto, desde que assim me arrancavam da cidade, eu era arbusto desarraigado
que não reviverá (...). E quando fechou sobre mim a portinhola, gravemente, supremamente como se
cerra a grade de uma sepultura, eu quase solucei − com saudades minhas”(p. 24).
Os morfemas in-, re-, des-, dos exemplos, emprestam ao contexto a significação positiva da
cidade para Jacinto. Os afixos, assim organizados, apontam para uma leitura semanticamente invertida. O efeito estilístico faz com que percebamos o fanatismo de Jacinto pela civilização através
de sua antítese − o campo. Dessa maneira, o que se denota negativo, conota-se positivo. Há que se
notar, ainda, a expressividade do uso do afixo -mente nos exemplos selecionados. Nesses casos, o
advérbio apresenta-se como reverso neológico do adjetivo. Sua função, parece-nos, é, primordialmente, evocar imagens. Procurando derivá-los de adjetivos, cuja natureza é puramente descritiva,
consegue, Eça, concretizar, para nós, a imagem exata do que quer descrever.
A exceção do primeiro advérbio, verdadeiramente, que indica no exemplo a reafirmação de
seu pensamento positivo em relação à cidade, todos os outros se apresentam com a significação
descrita do adjetivo. É fato que verdadeiramente também deriva de adjetivo, mas dilui-se no sentido
de descrição. Sentimo-lo mais abstrato que os demais. Nobremente, gravemente e supremamente
pintam de forma concreta, a figura do personagem.
Percebe-se, então, que o contato fecundo de Eça de Queiroz com a língua viva faz com que o
escritor compense a simplicidade de seus processos estilísticos com uma rica concentração expressiva
através da repetição de palavras e de morfemas de forma ousada e habilidosa. Ele procura, trabalha,
sublinha tais processos de forma a chamar a atenção do leitor, transformando tal repetição em vantagem estilística. Obtém o escritor, desse modo, fórmulas de grande musicalidade evocativa.
Após o primeiro estágio em que os afixos, tão especiosamente usados por Eça, possibilitaram-nos
demonstrar a importância da cidade para Jacinto, num desenvolver de entusiasmo para fanatismo,
o personagem, saltará, do excesso de sua bem-aventurança para um cansaço profundo e palpável. A
cidade já não o atrai. Só lhe causa enfado. Assim o descreve Zé Fernandes: “Considerei o meu Príncipe.
Estirado no divã, de olhos miserrimamente cerrados, bocejava, num bocejo imenso e mudo.”(p. 43).
Este momento racional, emerso após uma série de tantos outros, cujo perseverante uso dos
afixos vai demonstrando o desgosto do “Príncipe” pela vida da cidade, foi o que mais evidenciou a
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
41
42
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
fadiga que já tomava conta de todo Jacinto. Ao adjetivo mísero, que já traz uma carga semântica
negativa intensa, Eça acopla dois sufixos igualmente intensificativos: -érrima e -mente demarcando,
de forma clara, o clímax do cansaço de Jacinto.
Recomendamos a releitura atenta das páginas indicadas para uma melhor observação do que
outros a serem estudados está sendo comentado e pela riqueza de materiais lingüísticos.
O sufixo mente, tão usado por Eça como elemento de comicidade ao mostrar a artificialidade e o
exagero da civilização, ao caracterizar o arrastar de Jacinto pela vida, na sua fase de saturação, começa
a escassear-se aqui. Ainda o encontramos, é evidente, mas carregando novo colorido. Esta leveza,
sentimo-la, pelo cuidado que passa a ter nosso artista em sua tão bem elaborada expressão. Já não
mais quer mostrar não. Aqui, concretiza-se o sim da terra como elemento gerador de prazer.
Logo ao primeiro exemplo nos deparamos com o advérbio genuinamente, colocado entre dois
adjetivos de significação positiva – verdadeiros. O advérbio assim colocado intensifica a positividade
do adjetivo genuíno, atingindo a escritura o ponto que pretendemos demonstrar − a genuinidade
como fruição de vida/felicidade. Observe-se que a partir deste momento, os prefixos negativos des- e
in- são especiosamente colocados em vocábulos que, por seu significado no contexto, o positivam.
É a beleza inesgotável, é a busca insaciável dos recantos da serra, é a esperança de descobrir um
mundo inédito. Quando denotativamente negativos, referem-se à civilização: o pessimismo, desindividualiza, o sofrimento, atenua o desgracioso delito dos inertes. Na palavra desgraçazinhas, além
da negatividade dos des- , acresce o diminutivo pejorativo, irônico, usado por Jacinto para depreciar
o pessimismo, em oposição a regatinhos, cujo sufixo duplica a idéia de diminutivo, já contida na
palavra, vestindo-a de afeto. O prefixo sobre-, com significado de excessividade negativa, refere-se à
civilização, em oposição também ao sufixo -íssimo, que trazendo em si uma idéia intensa e reiterada
representa a própria positividade do excesso. É o antiquíssimo de onde brotava a sua raça; é o antiquíssimo humo que reflui, como se colocasse Jacinto e terra em plena integração. O re- ganha sentido
de renovação: refluisse o humo, revolvesse o torrão. E Jacinto, no torrão português, desvestido de
todo o falso ornato da civilização, comungando com a natureza a cada minuto da hora, a cada hora
do dia, a cada dia do tempo, nasce − rejuvenece − cria. Gera-se e gera. Brota-se e faz brotar.
Concluímos do exposto que Eça de Queiroz, em contato com a língua viva, compensou a linguagem do cotidiano que eiva seus processos de escrita numa concentração expressiva, em decorrência da qual a composição de palavras, a composição dos grupamentos verbais e a composição
da frase em sua totalidade passam a ter a qualidade essencial de uma palavra. Consegue ele, através
de uma ajustada engrenagem, reduzir o conjunto a uma unidade de curiosa ambivalência.
Se por um lado sua expressão é abrangível e compreensível numa simples imagem, na qual
se combinam hierarquicamente todos os elementos de significação ali implícitos, por outro lado,
por não expressar objetivamente mais que uma fração do todo que nos transmite, contém o que
podemos denominar de efeito retardado. Também apontando para a restrição, observamos não só
a repetição de palavras como também a insistente repetição de afixos. No entanto, a desvantagem
dessa repetição é fictícia, pois o escritor a emprega ousada e habilidosamente. Não foge dela. Ao
contrário, procura-a, invoca-a, trabalha-a, transformando-a num lucro estilístico.
Utilizando as palavras em expressões refletidas, instigando o lastro de sugestões psicológicas
e de evocações sensoriais de que elas vêm carregadas, revigorando o duplo gume − uma fruição
intelectiva e uma afetivo-sensorial −, pôde Eça de Queiroz usar um léxico familiar, se o conside-
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Estrutura das palavras I
|
43
rarmos isoladamente em seus elementos. No entanto, de tal léxico integrado à frase, emerge uma
multiplicidade de planos e ressonâncias que resultam na ilusão de uma grande riqueza de material
verbal. Contudo, deixamos de observar esse mecanismo no plano puramente semântico, haja vista
termos selecionado e analisado transcrições nas quais os afixos se faziam presentes. O resultado
desta dissecação no corpo lingüístico de A cidade e as serras, limitada aqui pelo objetivo do trabalho, permitiu-nos descobrir alguns indícios reveladores da inquestionável revolução a que o escritor
submeteu a ferramenta de expressão literária em suas próprias bases. O vocabulário, a sintaxe, a
palavra, a frase, o período obtiveram de suas mãos uma nova realidade estética. Ao mágico toque
de sua imaginativa sensibilidade idiomática, o material lingüístico adquiriu uma vida inédita, inesperada, imprevisível, adquirindo o vigor de redescobrimento.
Análise lingüística
1.
Leia e responda:
Camelôs
Manuel Bandeira
Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:
O que vende balõezinhos de cor
O macaquinho que trepa no coqueiro
O cachorrinho que bate com o rabo
Os homenzinhos que jogam box
A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado
E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma
Alegria das calçadas.
a) O título do poema de Manuel Bandeira tem como último morfema uma desinência ou uma
vogal temática? Explique.
b) Retire do poema três pares de palavras que possuam afixos idênticos.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
44
|
Língua Portuguesa II: Morfologia I
c) Levando-se em consideração o que foi dito sobre as estruturas da palavra, o que você poderia
dizer sobre a palavra “cor”?
d) Qual é a diferença básica entre desinências e vogais de ligação?
e) No quinto verso do poema temos algum exemplo de consoante de ligação? Explique.
f) Assinale a única palavra que tem vogal de ligação:
I. ( ) Mensalidade.
II. ( ) Universo.
III. ( ) Pancadaria.
IV. ( ) Segurança.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Gabarito
Estrutura das palavras
1.
a) O titulo Camelôs tem como último morfema a desinência nominal de número (DNN), pois esse
morfema -s, nessa palavra, indica a flexão de plural.
b) balõezinhos e homenzinhos, macaquinho e cachorrinho e abençoado e engraçado.
c) As respostas podem variar, todavia devem aparecer os seguintes pontos:
– a palavra “cor” tem como estrutura apenas o radical;
– palavra atemática;
– Ressaltar que no plural a vogal temática reaparece.
d) As primeiras significam morfologicamente algo, as segundas servem apenas para ligar a
base ao afixo.
e) sim. “homenzinho” pois a consoante –z apenas liga a base ao sufixo –inho.
f ) I.
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
Download