Artigo 35

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Patentes, Genes e Bioética
Juliana Frozel de Camargo Alcoforado
Mestre em Direito - UNIMEP
Professora da Faculdade Comunitária de Campinas - Unidade 1
e-mail: [email protected]
Resumo
Produto do intelecto humano, a biotecnologia, principalmente através da engenharia genética, possibilitou diversos
progressos científicos, trazendo à tona os organismos geneticamente modificados, a clonagem e toda uma especulação sobre
patentes sobre seres vivos e material genético. A necessidade de interação e proteção mundial nesta área se faz necessário tendo
em vista a repercussão e as conseqüências desses avanços na vida de toda a humanidade. Será que estamos realmente sendo
beneficiados? O presente estudo é uma pesquisa bibliográfica que, por meio da lei e da doutrina, tem por objetivos levantar o
debate sobre a propriedade intelectual, seu amparo legal e as conseqüências ético-jurídicas da manipulação genética em geral.
Verifica-se que o avanço da biotecnologia precisa ser revisto sob o ponto de vista ético. A Bioética, atualmente, é considerada
como sendo a Ética Aplicada às questões da saúde e da pesquisa em seres humanos, ou seja, é ética da vida. A Bioética aborda
estes novos problemas de forma original, secular, interdisciplinar, contemporânea, global e sistemática. Desta forma, estimula
novos patamares de discussão que podem possibilitar soluções adequadas. É a busca da ciência com consciência.
Palavras-chave: propriedade intelectual, biotecnologia, patentes, genes, bioética.
Introdução
Com as inovações, a biotecnologia, resultado da
produção intelectual do homem, tornou-se essencial para
a modernização das mais variadas técnicas, sendo
necessária, a seu tempo, uma legislação que amparasse
as novas descobertas e processos desenvolvidos.
Os efeitos da globalização, das rápidas mudanças
urbanas, das transformações nas comunicações impostas
pelos avanços biotecnológicos têm influenciado de modo
decisivo nas relações patrimoniais, no papel da boa-fé,
nas relações contratuais, familiares, no direito sucessório
e, principalmente, no significado do sujeito como objeto
dos Direitos Humanos Fundamentais.
Verifica-se que essas transformações são produtos
da Modernidade, que considera a natureza imperfeita,
inacabável, hostil, e que foi dado ao homem o poder de
torná-la perfeita, amável através do progresso científico.
Com essa nova visão de mundo, a ciência, mais do que
nunca, é reverenciada e vista com absoluta confiança, a
única força capaz de dominar a natureza e colocá-la a
serviço do homem. Será?
A partir das técnicas biotecnológicas, muitos
avanços foram conquistados principalmente na seara da
engenharia genética, o que exigiu uma maior preocupação
em matéria de proteção da propriedade intelectual e, ao
mesmo tempo, com os questionamentos éticos sobre a
possibilidade de se patentear o patrimônio genético de
plantas, animais e até mesmo de seres humanos. A vida
pode ser patenteada?
O presente artigo está organizado da seguinte
maneira: a seção 2 trata da propriedade intelectual e as
principais leis que disciplinam a matéria. A conceituação
e idéias centrais sobre engenharia genética e biotecnologia
estão inseridas na seção 3, sendo que, o Projeto Genoma
Humano propriamente dito, localiza-se na seção 4. A
preocupação e o debate da possibilidade de
patenteamento sobre seres vivos e material genético estão
indicados na seção 5. Já a seção 6 trata das
conseqüências éticas decorrentes dos avanços
biotecnológicos. Por fim, as conclusões estão orientadas
na seção 7.
Propriedade intelectual
O sentimento de propriedade, no sentido de
demarcar os espaços de sobrevivência e reprodução da
espécie sempre esteve presente nas sociedades humanas,
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desde os tempos mais primitivos desenvolvendo-se na
medida em que as comunidades foram avançando para
as formações sociais mais complexas, ou seja, com o
próprio processo civilizatório.
Em sua concepção filosófica, a propriedade é
plena, ilimitada, porém, para o seu efetivo exercício, sofre
limitações, já que prescinde de formas de regulamentação
por parte do Estado.1
A capacidade criadora do homem faz parte de
sua própria existência. Assim, a propriedade intelectual
compreende: a propriedade industrial e a artística ou
literária. A primeira, cuja criação está no mundo da
indústria, objetiva produzir efeitos no mundo material,
visando a obtenção de um resultado utilitário, que o torne
mais rápido, mais forte e mais perfeito, enquanto que a
segunda visa a objetivo semelhante, mas no mundo
interior do homem, no mundo da percepção. A invenção
industrial atua no mundo físico, enquanto que a obra
artística no mundo da comunicação ou da expressão.
Em ambos os casos não é a idéia que é protegida, mas
sim, a sua realização numa forma definida.2
Sobre esta matéria foram assinadas duas grandes
convenções: a Convenção de Paris (1883), que tratou
da proteção à propriedade industrial, e a Convenção de
Berna (1886), que tratou da propriedade intelectual de
obras literárias e artísticas.
A própria Constituição Federal, em seu art. 5º,
inciso XXII, garante o direito de propriedade e,
imediatamente no inciso XXIII, condiciona esse direito
à sua função social.
Designa-se como propriedade intelectual não só
a quem a tem sobre a obra literária, científica, filosófica
ou artística, mas toda concepção produzida pelo cérebro
humano, da qual possa resultar uma exploração
comercial ou uma vantagem econômica, como as
invenções.
A “propriedade intelectual” abrange tanto os
direitos autorais quanto a concessão de privilégios de
patentes aos seus inventores. Assim, o regime jurídico
da propriedade intelectual envolve tanto os direitos
referentes ao autor e sua obra (direitos autorais) quanto
os direitos e as obrigações referentes ao inventor e à sua
criação (concessão de privilégios por intermédio de
patentes às invenções) e, recentemente, a propriedade
intelectual referente a cultivares.3
O Projeto Lei n. 824/91 que tratou desse assunto,
só conseguiu ser aprovado em 15 de abril de 1996, e a
lei de propriedade industrial (Lei n. 9.279) somente foi
sancionada em 14 de maio de 1996.
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Engenharia genética e biotecnologia
As técnicas e os processos que possibilitaram a
manipulação do código genético, constituem um
importante ramo da biotecnologia chamada engenharia
genética. Uma outra expressão sinônima que também
passou a ser utilizada a partir da década de 90 é
“bioengenharia”.4
A engenharia genética consiste no emprego de
técnicas científicas dirigidas à modificação da constituição
genética de células e organismos, mediante manipulação
de genes.
Constitui um ramo da ciência genética que utiliza
procedimentos técnicos idôneos para a
transferência de certas informações genéticas
para as células de um organismo. Tais
informações advêm de fonte diversa da carga
genética da célula onde introduzidas e são
responsáveis pelas novas características nesta
ou no indivíduo receptor. Esse conjunto de
informações contidas nos cromossomos de uma
célula denomina-se genoma (...).5
Assim, através do mapeamento do genoma, que
permite o fornecimento de informações sobre o
funcionamento do corpo humano, a engenharia genética
possibilita uma interferência precoce tanto na terapia de
alterações patológicas detectadas tecnicamente, quanto
em caracteres da personalidade e no comportamento
do ser humano.
Na engenharia estão incluídas as noções de
manipulação genética, reprodução assistida, diagnose
genética, terapia gênica e clonagem, pois tende à
modificação do patrimônio hereditário do ser humano.
A biotecnologia é a ciência da engenharia genética
que visa o uso de sistemas e organismos biológicos para
aplicações medicinais, científicas, industriais, agrícolas e
ambientais. Através dela os organismos vivos passaram
a ser manipulados geneticamente, possibilitando-se a
criação de organismos transgênicos ou geneticamente
modificados (Lei n. 8.974/95, art. 3º, IV e V).
Apesar desses avanços e perspectivas para o
futuro, muitas questões são levantadas: Haveria nessas
técnicas verdadeira melhoria na qualidade de vida no
momento presente? Com o emprego dessas técnicas,
não estar-se-ia assumindo um risco à saúde humana,
animal e vegetal? Estar-se-ia respeitando a dignidade
humana ao fazer experimentações com material genético
humano? Não violariam elas o direito de todo homem
de ser único e irrepetível se a clonagem de seres humanos
tornar-se uma realidade? Tais avanços biotecnológicos
não levariam a um perigoso e arriscado caminho sem
retorno?
Talvez, mais do que nunca, seja necessário tomar
algumas medidas e precauções, inclusive legislativas, para
que cientistas e população sejam orientados no âmbito
da biotecnologia. Já é preocupação de muitos
salvaguardar a sobrevivência da espécie humana e o
respeito da dignidade do ser humano, evitando sua
coisificação.
A temática é tão séria que a Constituição Federal,
no art. 225, parágrafo 1º, incumbiu o Poder Público de
preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e de fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e à manipulação de material genético. As
implicações éticas dos avanços biotecnológicos de certa
forma se contrapõem à idéia de dignidade humana
contida no art. 1º, III, da Carta Magna.
Pensando justamente em controlar as atividades
voltadas à engenharia genética, existem os Comitês de
Bioética que estão sempre em busca da criação de
instituições que supervisionem o emprego de tais técnicas
e de normas que protejam juridicamente gametas,
embriões humanos, enfim, que protejam o material
genético e a dignidade das pessoas.
Projeto Genoma Humano
Espetacular projeto do século XX, o Projeto
Genoma Humano (PGH), teve início em 1990 e no dia
26 de junho de 2000 foi consagrado com o mapeamento
ou seqüenciamento do código genético humano.
Referido Projeto foi um passo importantíssimo para
a ciência, constitui um dos mais fascinantes estudos da
biotecnologia por ser uma revolucionária tecnologia de
seqüenciamento genético baseada em marcadores de
ADN (Ácido Desoxirribonucléico), que permitem a
localização fácil e rápida dos genes. Com isso, o genoma
humano, que é propriedade inalienável da pessoa e
patrimônio comum da humanidade (art. 1º da Declaração
Universal sobre o Genoma e Direito Humanos), passará
a ser a base de toda pesquisa genética humana dos
próximos anos. Esse projeto, ao descobrir e catalogar o
código genético da espécie humana, possibilitará grandes
avanços em termos de cura e diagnósticos.6
Com o Projeto Genoma Humano, entra-se na era
da medicina preditiva, ou seja, tem-se a possibilidade
de prever para prevenir doenças, ampliar propostas de
tratamentos, garantir a dignidade humana etc.
Por sua própria natureza, o PGH cerca-se de
algumas incertezas éticas, legais e sociais (ELSI).
Reconhecendo isso, o projeto dedicou 10% de
seu orçamento total à discussão desses temas.
(...) Três itens se destacam na agenda ELSI: 1)
privacidade da informação genética; 2)
segurança e eficácia da medicina genética e 3)
justiça no uso da informação genética.7
Seguindo este mesmo raciocínio, DINIZ8 também
acredita que o Projeto Genoma Humano, em razão de
ser a herança da humanidade, envolve muitas questões
ético-jurídicas, como: o respeito aos direitos e à
dignidade humana; a preservação da privacidade da
informação genética, já que os resultados de exames
genéticos não poderão ser expostos sem a autorização
dos pacientes; trata-se, pois, do sigilo das informações
genéticas da pessoa, estabelecido no art. 7º da
Declaração Universal do Genoma e dos Direitos
Humanos; a questão da justiça e igualdade no uso da
informação genética para garantir e proteger os direitos
de todos; a garantia do princípio da qualidade; a idéia
de que a informação adquirida sobre o genoma humano
é de propriedade comum, não podendo ser usada com
fins comerciais (art. 4º Declaração Universal do Genoma
Humano e dos Direitos Humanos) e como faz parte do
corpo humano, está fora da propriedade intelectual ou
industrial não podendo haver o seu patenteamento (art.
10, I e IX, da Lei n. 9.279/96) etc.
Patentes sobre seres vivos e material genético
O grande avanço da biotecnologia trouxe a
questão da concessão de patentes, com o escopo de
incentivar as investigações e suas aplicações à indústria.
A patente é um título outorgado pelo Poder
Público a um inventor para que este tenha exclusividade
na exploração de sua invenção (art. 8º da Lei 9.279/
96), impedindo que outrem a explore sem sua anuência.
Três são os requisitos essenciais para a patenteabilidade:
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Ressalte-se que há a possibilidade de um único
patenteamento sobre o mesmo produto.
Com o perigo da patente por outrem, a idéia é
primeiro patentear e só depois fazer qualquer tipo de
publicação ou divulgação do invento.
Assim, nos últimos anos, tornou-se freqüente ouvir
as seguintes expressões: “o caminho da pesquisa é a
patente”; “patentear primeiro e publicar depois deveria
ser a lógica vigente entre os pesquisadores brasileiros”.
Isso mostra o quanto o Brasil mudou sua
mentalidade na maneira de lidar com suas inovações e
tecnologias. Essa preocupação pode ser atribuída, em
261
grande parte, ao reconhecimento, cada vez maior, de
que as patentes e suas conseqüências fazem parte do
nosso dia a dia, seja no controle de preços, seja na
redução de postos de trabalho pela não produção local
ou ainda, pela dificuldade de acesso a tecnologias
monopolizadas. Tudo isso é resultado de vários acordos
internacionais que favorecem alguns países em detrimento
de outros, cabendo a estes últimos submeterem-se às
regras impostas pela necessidade de manter relações
comerciais. O Brasil vem se adequando à realidade das
patentes, que é recente para nós, sobretudo em algumas
áreas, como a biotecnologia, porém já há muito
estabelecida em outros países.9
É importante lembrar que, a justificativa que se
tem para proteger uma invenção biotecnológica é a
mesma usada para proteger qualquer outro tipo de
inovação: a patente ainda é a melhor forma de incentivar
a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e
processos e também de garantir a disponibilização das
inovações no mercado, principalmente quando se leva
em consideração os custos e riscos envolvidos em áreas
como a biotecnologia.
Estamos justamente no século da biotecnologia,
especialmente do ramo da manipulação genética, em que
tanto se especula sobre a possibilidade de patenteamento
sobre o material genético, ou seja, sobre o gene, que é a
unidade hereditária ou genética, situada no cromossomo,
e que determina as características de um ser.
A demarcação e a privatização do domínio
genético do planeta iniciaram-se em 1971, quando um
microbiologista, Ananda Chakrabarty, solicitou a
concessão de patente para um microorganismo
geneticamente construído (bactéria do gênero
Pseudomonas), projetado para devorar derramamentos
de óleos nos oceanos. Houve muita discussão até que
nos anos 80 a Suprema Corte dos Estados Unidos, após
recusas anteriores, considerou o pedido relevante
argumentando que uma simples bactéria está mais perto
de ser um composto orgânico inanimado do que um ser
vivo propriamente dito.10
A partir deste caso, surgiram diversas discussões
sobre patente de seres vivos e de outros materiais
genéticos.
Os países desenvolvidos vêm investindo na nova
era tecnológica e o patrimônio genético do planeta
tornou-se uma grande fonte de valor monetário.
Empresas multinacionais e governos exploram continentes
em busca do chamado “ouro verde”, ou seja, à procura
de plantas, animais, micróbios e mesmo seres humanos
com traços genéticos desejados... criando bibliotecas
gênicas.
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Como exemplo da busca do “ouro verde” em
seres humanos, é que já passaram pelos escritórios de
patentes tentativas de se patentear traços geneticamente
particulares como o caso dos índios Guaymi, portadores
de um vírus exclusivo que estimula a produção de
anticorpos para o tratamento da leucemia e AIDS.
O dinheiro passa a ser o árbitro do futuro
desenvolvimento científico e a magnitude de seu poder é
incontestável!
No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº
9279/96), proíbe (Art. 18, alínea III) a concessão de
patentes para “o todo ou parte de seres vivos, exceto os
microrganismos transgênicos que atendam aos requisitos
de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam
mera descoberta”. Esse dispositivo deve ser analisado
em articulação com os termos do art. 10, inciso IX, que
não considera invenção “...o todo ou parte de seres vivos
naturais e materiais biológicos encontrados na natureza,
ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou
germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais”.
Essa proibição se baseia na possibilidade aberta
no artigo 27 do acordo TRIPS (Agreement on TradeRelated Aspects of Intelectual Property Rigths), da OMC
(Organização Mundial do Comércio), do qual o Brasil é
Membro, que versa sobre matéria patenteável e
estabelece que podem ser excluídos de patenteabilidade
“plantas e animais, exceto microorganismos...”.
Portanto, segundo a fórmula adotada pela
legislação projetada, só podem ser patenteados os
microorganismos “engenheirados”, ou seja, aqueles que
são geneticamente modificados pelo homem.
Possuir o controle e o monopólio de certo
organismo vivo e de toda a sua descendência
seria inaceitável (...) A engenharia genética, ao
permitir a interferência nos processos biológicos
e a alteração da composição genética dos seres
vivos, não converte o geneticista em inventor,
mas num simples descobridor e manipulador da
natureza. (...) Patentear genes humanos seria o
mesmo que patentear a vida humana. O gene é
um instrumento para a obtenção de medicamento
e não um fim comercial em si mesmo. O
incentivo à invenção biotecnológica reclama um
categórico “não” às patentes sobre matéria
viva.11
Desta forma, o simples seqüenciamento de genes
não pode ser protegido por patente, pois representa uma
descoberta de algo que já existe. Patenteáveis são,
portanto, os processos criados pela biotecnologia
utilizando genes desde que sejam essenciais à sadia
qualidade de vida.
Os seres vivos não se encaixam nos rígidos
esquemas das patentes, criadas fundamentalmente para
produtos industriais inanimados. Por esta razão, não só
no Brasil, mas em diversos países, está proibido o
patenteamento de variedades vegetais e animais, assim
como os processos biológicos.12
O material genético é patrimônio da coletividade!
Ressalte-se que a referida Lei de Propriedade
Industrial estabelece no seu art. 40 que a patente de
invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de
modelo de utilidade pelo prazo de 15 (quinze) anos
contados da data de depósito. O parágrafo único
completa que, ressalvada a hipótese de o INPI estar
impedido de proceder ao exame de mérito do pedido,
por pendência judicial comprovada ou por motivo de
força maior, o prazo de vigência não será inferior a 10
(dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos
para a patente de modelo de utilidade, a contar da data
de concessão.
No Brasil, as primeiras patentes de biotecnologia
registradas pelo Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual começaram a ser solicitadas a partir de 1996
e crescem bastante, mas nada que chegue perto das
patentes ocorridas nos Estados Unidos.13
Há um completo desequilíbrio entre os países
desenvolvidos, que detém os recursos financeiros e
tecnológicos, e os países em desenvolvimento, que
possuem a maior parte dos recursos genéticos.
Nessa linha, seria interessante lançar mão de
licença cruzada de patentes biotecnológicas, ou seja,
intercambiar esses recursos já que para os países
detentores da patente em determinada tecnologia seria
interessante fazer essas manipulações em variedades
brasileiras, e, por outro lado, o Brasil teria chance de
acesso à essa biotecnologia patenteada, bem como ao
recurso financeiro. Mas não apenas intercambiar
recursos, senão verticalizar a pesquisa de tal modo que
no intercâmbio haja transferência de tecnologia,
assistência técnica, preparação de quadros de
pesquisadores, políticas de sistematização e classificação
da biodiversidade brasileira etc.
Convém salientar que mesmo o Brasil não sendo
no momento um país com número expressivo de patentes
internacionais na área de biotecnologia, ele foi pioneiro
em legalizar a biodiversidade e vem se destacando na
área genômica, gozando hoje de reconhecida
contribuição na análise de genoma ou seqüenciamento
de gêneros importantes como arroz, cana de açúcar,
eucalipto entre outros, podendo tirar bom proveito do
sistema patentário desde que se capacite no entendimento
das regras que regem a propriedade intelectual, capacite
seus recursos humanos e utilize os direitos previstos por
lei, para tirar proveito dos seus recursos genéticos e da
tecnologia gerada no país.
Avanços biotecnológicos e a Bioética
Nunca se falou tanto sobre ética no
comportamento humano com o objetivo de buscar um
modelo de vida inspirado no respeito ao homem, como
nos últimos anos. Essa preocupação saiu do âmbito
filosófico-acadêmico e está fazendo com que as pessoas
comuns reflitam: O que é certo ou errado? Como pensar
e agir? Até onde a ciência pode avançar? Patentes de
genes? Dignidade humana?
A chave para responder a estas perguntas está na
utilização do conhecimento para a melhoria da qualidade
de vida humana, já que o saber e a ciência devem ser
vistos como patrimônio da humanidade.
O avanço da biotecnologia e as patentes nesta
área têm trazido muitas conquistas à humanidade mas
também, muitos riscos, assim, a aplicabilidade dos
procedimentos na investigação científica precisa ser
revista e repensada, pois embora possa ser científico
nem sempre é ético. Afinal de contas, até que ponto a
Ciência e o Direito “agem” em benefício da humanidade?
Daí a necessidade de se compreender a bioética.
Bioética: “bíos” (vida) “éthos” (costume,
comportamento, ética) - de vida e ética – é um neologismo
que, significa ética da vida, adequação da realidade da
vida com a da ética.14
Por tratar de vida, percebe-se a enorme
abrangência da matéria e, embora tenha-se tentado
delimitar seu conteúdo, a bioética não tem fronteiras,
não se definindo como as demais disciplinas.
O termo “bioética” foi criado em 1971 pelo
oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter,
em seu livro “Bioética: Ponte para o Futuro”,
estabelecendo uma ligação entre os valores éticos e os
fatos biológicos.15
Assim, a bioética impôs-se como uma reação à
realidade que a pesquisa científica no campo da vida
apresentou, desde a barbárie nazista até os recentes
experimentos em manipulação genética. Ela surgiu da
indignação com relação aos novos acontecimentos, ou
seja, quando foi possível imaginar conseqüências
desastrosas advindas dos avanços da biotecnologia.16
Portanto, surgindo a partir da ética nas ciências
biológicas, a bioética é hoje, também, uma disciplina
263
voltada para o biodireito e para a legislação com a
finalidade de garantir mais humanismo nas ações e
relações médico-científicas. A bioética apresenta-se, ao
mesmo tempo, como reflexão e ação. Reflexão porque
tem o diferencial de realmente parar para refletir sobre
as conseqüências psicossociais, econômicas, políticas e
éticas advindas dos avanços da ciência e Ação, porque,
após a reflexão, é capaz de posicionar-se de forma a
assegurar o sucesso desse tipo de relação, impondo
limites e ditando regras que estabeleçam um novo
contrato social entre povo, médicos, governos etc.17
O desenvolvimento da biotecnologia é, sem
dúvida, um fenômeno cultural que representa não só um
grande acúmulo de conhecimento pelo homem, mas
também e, principalmente, um novo entendimento sobre
a situação do ser humano no mundo. A bioética é uma
ciência da qual o homem é sujeito e não somente objeto.
Baseia-se a bioética em três princípios: o da
beneficência, o da autonomia e o da justiça - é a chamada
“trindade bioética”, cujos protagonistas são: médico,
paciente e sociedade.18
Assim, através destes princípios, será possível nas
relações internacionais, especialmente nas relações nortesul, o desenvolvimento de uma teoria da justiça de tal
modo que possa ser entendida como igualdade
proporcional, geométrica, analógica no sentido de ser
um dos problemas centrais da justiça e do direito
permitindo um intercâmbio justo de recursos, resultado
da pesquisa e da nova riqueza procedente da propriedade
intelectual entre países altamente desenvolvidos e os em
desenvolvimento. 19
A relação da bioética com o Direito (Biodireito)
surge da necessidade do jurista obter instrumentos
eficientes para propor soluções para os problemas que
a sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio
de desenvolvimento, no qual a biotecnologia desponta
como a atividade empresarial que vem atraindo mais
investimentos, inclusive no campo patentário.
Conclusões
As invenções na área da biotecnologia fizeram
com que a propriedade intelectual nesta matéria se
tornasse a nova riqueza das nações.
Mas, nesta mesma época moderna, em que tanto
se fala de avanços, progressos científicos, patentes
biotecnológicas, verifica-se índices absurdos de mortes,
torturas, fome, exclusão social. Através da realidade,
chega-se à conclusão de que o progresso científico e
tecnológico favoreceu, mais uma vez, uma pequena
minoria. A grande preocupação, portanto, é com o futuro!
264
O homem precisa amadurecer e saber utilizar todas
estas potencialidades da ciência em benefício de toda
humanidade e, para essa nova visão a bioética pode ser
uma grande fonte de ensinamentos.
A globalização tem contribuído para consolidar o
poder dos Estados fortes de capitanear a
institucionalização do cenário internacional, situação
reforçada pela desigualdade tecnológica e, mais do que
nunca, biotecnológica.
Internacionalmente, portanto, o que se observa é
o profundo abismo biotecnológico entre os que
acumularam ainda mais riquezas e os excluídos.
Vislumbra-se, claramente, limites normativos para
o emprego do instituto da patente com relação ao
patrimônio genético e à vida propriamente dita. O direito,
então, deve ser convocado a intervir, com o objetivo de
oferecer uma legislação mais rígida nesta área, para a
proteção dos seres humanos, dos outros animais e de
todo o meio ambiente.
Chegaremos a um ponto em que tudo poderá ser
patenteado, e com isso, o conhecimento morrerá nas
mãos de quem o desenvolveu. E o conhecimento sim, é
que deve ser a grande riqueza do mundo.
Surge um “tempo novo” e nova mentalidade deve
acompanhá-lo. Deve-se buscar a função social da ciência
e das patentes biotecnológicas. O desafio é a construção
de uma ética nova, baseada na solidariedade para a
socialização do conhecimento, em que o pensamento
do “eu” passe a ser o pensamento do “nós”!
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11
DINIZ, Maria Helena, op. cit., p.444 e 445.
12
BARCHIFONTAINE, C. P.; PESSINI, L. (Orgs.), op.
cit., p. 221.
13
BIOTECNOLOGIA é novo filão de jovens advogados.
O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 ago. 2001. p. 7.
14
BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.). Fundamentos
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15
SANTOS, Maria Celeste C. Leite. O Equilíbrio do
Pêndulo a Bioética e a Lei: implicações médico-legais.
São Paulo: Ícone, 1998. p. 38.
16
GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética.
Disponível em: <http://www.hcpa.ufrgs.br/bioeticaf.htm>.
Acesso em: 24 mar. 2001. p. 3
17
OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania.
São Paulo: Moderna, 1997. p. .47-48.
18
SANTOS, Maria Celeste C. Leite, op. cit. p. 42-45.
19
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. El
Pensamiento Jurídico Contemporáneo. Madrid:
Debate, 1992, p. 57s.
Recebido em 08 de maio de 2007 e aprovado em
31 de outubro de 2007.
Notas
1
DEL NERO, Patrícia Áurea. Propriedade intelectual:
a tutela jurídica da biotecnologia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p. 32.
2
BARBOSA, Denis Borges. Biotecnologia e
propriedade intelectual. Disponível em: <http://
www.nbb.com.br/pucblic/vol2.dot> Acesso em: 02 out.
2001.
3
DEL NERO, Patrícia Áurea, op. cit., p. 43.
4
BARCHIFONTAINE, C. P.; PESSINI, L. (Orgs.).
Problemas atuais de Bioética. 5. ed. São Paulo: Loyola,
2000. p. 220.
5
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito.
São Paulo: Saraiva, 2001. p. 362.
6
DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 368-369.
7
BARCHIFONTAINE, C. P.; PESSINI, L. (Orgs.), op.
cit., p. 217.
8
DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 370-378.
9
PENTEADO, Maria Isabel de Oliveira. Patentes em
biotecnologia no Brasil. Disponível em:
<www.comciencia.br>. Acesso em: 25 maio 2002.
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