Física Quântica ... também para os esotéricos, místicos etc. Introdução Esse texto é dirigido a todos que têm sede de saber; eu mesmo seria um felizardo se o pudesse ter lido a umas dezenas de anos atrás. Durante algum tempo, na fase préuniversitária, prendi-me à Física de Newton, a qual absorvia com requintado sabor. Era o conhecimento exigido nos vestibulares e, os demais novos tópicos da Física, eram apenas leituras não obrigatórias. Einstein era pouco mais que um estranho e da simplória leitura de que dispunha, deixava a mente esvoaçar pelo imaginário e desconhecido. Incrível! Quantas falsas analogias eu não criei nesse miúdo cérebro em formação! Hoje, lendo e ouvindo, vejo que a ‘coisa’ não mudou muito! Esotéricos, místicos e mesmo muitos jovens estudantes, 'vira e mexe' ainda tentam argumentar suas enevoadas idéias, citando trechos esparsos da teoria da relatividade, personalidades do mundo da ciência (e Einstein não escapa com seu famoso: “Deus não joga dados”) e, principalmente, ‘coisas’ da mecânica quântica. Era assim mesmo que eu o fazia quando estava apenas apoiandome em simplórias leituras. Realmente, insisto, a ‘coisa’ não mudou muito, mas hoje consigo ver de onde surgiram tais falhos argumentos postos para reforçar suas 'emanações e influências do amarelo', energias cósmicas e coisas do gênero. São, ainda, as simplórias leituras que pululam pelas prateleiras de livrarias e bancas de jornais, as causas de tais devaneios. Até os Espíritas, Maçons e Rosacruzes começaram a se referir á 'quântica' em suas profundas incursões, no intuito de associar suas ilusões humanas sobre seres transcendentais com o assentado 'status' da Ciência e da Tecnologia. Se bem recordo, essa nova 'onda', ou coqueluche, começou com o lançamento do livro "O Tao da Física", de Fritjof Capra, cuja visão mística da Física, acrescida de seus argumentos forçados, deturparam sobremaneira a conceituação científica dos fatos. Ainda hoje, ao afirmarmos que Física Quântica nada tem a ver com misticismo, sempre aparecerá um deles a dizer: "Ah, mas Capra é físico e diz que tem sim". Ser Físico é algo mais do que falar sobre física, e com certeza absoluta, quem diz isso, não leu nada desse autor em algum periódico científico de respeito, uma vez que suas teorias não são científicas (experimentais, falseáveis, empíricas etc.). Isso me lembra alguém querendo defender a "Teoria da Terra Oca". Não é porque que alguém é geólogo e defende a “Teoria da Terra Oca” que isso signifique que a Terra seja realmente oca ou o que tal pessoa diga sobre geologia deva ser verdadeiro. O inverso é também verdadeiro, não é porque alguém publica um trabalho sério no meio científico que tudo aquilo que ele diz ou pensa, dali para frente, passa a ser verdade. Todos são livres de ter as idéias que quiserem, mas só terão validade quando forem cientificamente testadas. E até hoje, nenhuma das idéias posta por algum místico foi cientificamente comprovada e, muito menos, usada em qualquer aplicação prática para a sociedade. Então, não é porque Capra é físico que tudo que ele diz sobre Física é respaldado na verdade científica. Na Ciência não cabe a ‘palavra da autoridade’. Se fosse assim, médicos nunca errariam, prédios jamais cairiam porque os engenheiros deveriam fazer tudo perfeito etc. Decididamente as idéias postas por CAPRA constituem o eixo dessa atual visão mística. Depois de "O TAO DA FÍSICA" ele ainda escreveu "PONTO DE MUTAÇÃO", um outro livro onde a Física Quântica (FQ) é a "explicação para os eventos sobrenaturais" etc. São livros baseados em crendices e sem aprovação alguma daqueles que seriamente se dedicam à Física. Apreciaria lançar um desafio para que tais místicos lessem um livro inteiro sobre o que vem a ser uma abordagem científica posta academicamente (e referenciada pela comunidade científica) para que pudessem constatar por si mesmos que nada é baseado em crendices, lá nada há de 'místico'. Pensando bem, faço esse desafio: --- Que tal ler integralmente o livro de Física Quântica (Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas) de Eisberg e Resnick, Editora Campus ? Eu também não sou nenhum especialista em física quântica, mas muito me agradaria colocar um texto acessível a todos aqueles que querem usar da física quântica para tentar lastrear suas 'falas'. Quem sabe, lendo-o, os argumentos esotéricos melhorem, ou desapareçam por completo, ao notarem as falácias postas como analogias. Mas o texto, como já salientei, não é apenas para místicos, é também para quem quer saber um pouco mais sobre física quântica e, com isso, poder dialogar com maior riqueza de argumentos com as pessoas que acreditam em tudo que lêem em livros, tais como os de Capra. Em fim, proponho que este texto seja uma ‘dilatação de idéias’, uma leitura inicial nos acordes de uma divulgação científica, com o propósito de expor alguns esclarecimentos que ajudem a "desmistificar a Física Quântica", e a incentivar seu estudo mais profundo para aqueles que viam nela algo estranho o suficiente para parecer místico. Não é nada simples dividir essa divulgação em partes significativas, quer histórica ou factual. No geral é um confronto de modelos, que nada mais é, que “o modo como a ciência avança”. Os modelos que aqui se defrontam carregam, cada um, sua postura básica, um - o clássico - assenta-se em “partículas”, ou outro - o quântico - em “ondas” e, não por isso, se digladiam; essas diferenças de bases estruturais não é o cerne do confronto. Cada modelo, no seu campo de aplicação, tem coerência; em particular, cada um trata da ‘energia’ a seu próprio modo --- e é ai que se desentendem! No modelo clássico a energia é contínua, qualquer valor é possível, na quântica não. Chegar ao consenso, se possível, é o que justificará o modo como dividimos os tópicos aqui apresentados. Essa divulgação será posta em três partes: Parte 1 - Os estados quânticos do átomo Parte 2 - Natureza ondulatória das partículas atômicas (feixes de partículas e de luz) Parte 3 - O caráter corpuscular da luz e a complementaridade. Iniciando ... Para quem já iniciou seus estudos da Teoria Atômica, chamamos a atenção para as sérias questões que se apresentam quando estudamos a estrutura do átomo. Por um lado, o modelo do átomo que temos é o de um ‘pequeno sistema planetário’ com elétrons circulando em torno do núcleo; por outro lado encontramos uma série de propriedades características que um sistema planetário não apresenta, a saber: 1. Estabilidade - os átomos conservam suas propriedades características apesar das violentas colisões e de outras perturbações às quais estão sujeitos. 2. Identidade - todos os átomos do mesmo tipo (mesmo Z = número de elétrons) apresentam propriedades idênticas; emitem e absorvem as mesmas freqüências, têm exatamente o mesmo tamanho, a mesma forma e os mesmos movimentos internos. Veremos, adiante, mais detalhes desse comportamento. 3. Regeneração - se os átomos são deformados e suas órbitas eletrônicas forçadas a se modificar por uma pressão elevada ou por grande aproximação dos átomos, eles voltam exatamente às suas formas e órbitas iniciais quando a causa da deformação é removida. Entretanto, experiências indicam que o átomo é um sistema planetário constituído por elétrons que circulam em volta do núcleo --- mas, um sistema planetário que não deveria apresentar essas três propriedades. Portanto, esse modelo do átomo não pode explicar de maneira alguma a especificidade das qualidades da matéria. O modelo do átomo planetário é de Rutherford; Bohr, posteriormente, alterou ligeiramente essa idéia. Nota: Tanto quanto se sabe, o sistema planetário real não é quantificado. E sendo assim, é de se esperar, que tenha outras propriedades características distintas daquela do átomo planetário. Urge encontrar um traço novo e essencial na estrutura do átomo, que não esteja contido no modelo clássico de sistema planetário. Essa nova visão da natureza do átomo foi fornecida pelo desenvolvimento da teoria quântica --- é essa história que vamos contar. Quando tentamos penetrar na estrutura interna do átomo, observamos coisas que parecem contraditórias porque são muito diferentes de nossas experiências com a matéria comum em larga escala. Elas também não estão de acordo com nossos modelos habituais sobre partículas e seu comportamento. Estamos conscientes de que alguma coisa nova deve ser descoberta se desejarmos explicar os fatos da natureza observados ao nosso redor. Vamos começar por dar uma descrição mais detalhada de outras observações não usuais a respeito dos átomos e das partículas atômicas, e esperamos, com isso, abrir caminho até os novos fenômenos que governam o interior dos átomos. Não apresentaremos relato histórico. Infelizmente, no estágio atual de desenvolvimento da ciência, é raro que uma descoberta seja feita no momento em que poderia ser mais útil para nossa compreensão dos fatos; em geral ela só é realizada depois que o desenvolvimento tecnológico já criou os meios de se efetuar as medidas necessárias. Nessa primeira Leitura, destacaremos apenas um conjunto de observações sobre as novas descobertas, dos três que revelam características incomuns do mundo atômico. Esse primeiro conjunto engloba as descobertas dos estados quânticos do átomo (o segundo - nossa parte 2 - diz respeito à natureza quântica da luz, e o terceiro - nossa parte 3 -, às propriedades ondulatórias das partículas materiais). Estados quânticos do átomo Em 1913, James Franck e Gustav Hertz realizaram uma série de experiências nas quais tentaram modificar as órbitas planetárias dos elétrons no átomo. Eles raciocinaram da seguinte maneira: o átomo parece resistir a qualquer modificação das órbitas eletrônicas; tentemos modificar "à força" essas órbitas para vermos de que maneira e até que ponto o átomo pode resistir. Uma hipótese aceitável, no modelo do sistema planetário, leva a crer que as órbitas dos planetas sejam modificadas se uma estrela passasse perto de nosso sistema solar. Franck e Hertz planejaram uma experiência que corresponderia, no mundo atômico, a um cataclismo solar daquele tipo. Em termos simples, a experiência foi a seguinte: temos um recipiente cheio com um gás de átomos - por exemplo, átomos de sódio ou hidrogênio. Vamos fazer passar através do gás um feixe estreito de elétrons. Como os elétrons exercem intensa ação elétrica uns sobre os outros, esperamos que um feixe de elétrons que passe perto de um átomo exerça uma influência sobre os elétrons orbitais do átomo e modifique suas órbitas, da mesma maneira que a estrela modificaria a órbita da terra. Esta ilustração dá uma idéia geral de uma experiência para medir as variações de energia sofridas por elétrons quando colidem com átomos de um gás. Os elétrons saem de um emissor de elétrons, são acelerados por uma diferença de potencial e penetram na câmara central, com energia conhecida. Nessa câmara, atravessam uma amostra de gás (vapor de mercúrio, por exemplo). A energia que lhes resta depois das colisões é medida na câmara da direita. Não podemos olhar diretamente as órbitas eletrônicas para verificar se foram modificadas, mas podemos descobrir indiretamente o que aconteceu. Fazemos com que todos os elétrons do feixe tenham exatamente a mesma velocidade quando penetram no gás. Qualquer modificação que os elétrons produzam nos átomos estará associada com uma modificação na sua própria velocidade. Essa previsão é conseqüência da lei da conservação da energia. É necessário energia para alterar a órbita de um elétron num átomo; portanto, se a órbita for modificada por um elétron que passa por perto, esse elétron deverá perder alguma energia. A energia cinética depende diretamente da velocidade da partícula; a velocidade do elétron será reduzida e essa redução pode ser observada quando o feixe sai do outro lado do recipiente que contém o gás. O mesmo aconteceria se uma estrela passasse pelo nosso sistema solar. Sua passagem daria um empurrão na Terra, aumentando a energia da Terra e diminuindo a energia da estrela. O que deveríamos esperar, baseado no modelo planetário? Haveria todos os tipos de modificações de órbitas, pequenos e grandes, dependendo de quão próximo do átomo houvesse passado o elétron. Deveríamos esperar todos os valores de perdas de energia (ou, às vezes, ganho) a partir de zero; a perda média deveria ser menor quando o feixe atravessasse um gás mais rarefeito, pois, nesse caso haveria menor número de passagens próximas a átomos. Entretanto, os fatos observados foram completamente diferentes. Quando a energia dos elétrons era menor do que um certo mínimo, não se observava variação alguma na velocidade. Essa energia mínima era bastante alta --- mais de cem vezes maior do que a energia térmica de elétrons em temperaturas habituais. Quando a energia era maior do que esse mínimo, os elétrons perdiam certas quantidades especificas de energia ou nenhuma energia. Essas quantidades específicas e também a energia mínima são características do tipo de átomo do gás; não dependem da densidade do gás nem de nenhuma outra circunstância externa. O que pode significar esse resultado inesperado? Ele nos diz que não podemos modificar as órbitas dos elétrons no átomo de maneira arbitrária. Ou elas não mudam, ou sofrem alterações especificas e bastante grandes de energia. Nesse ponto, entra o conceito de "quantum" de energia. A energia pode ser fornecida a um átomo apenas em pacotes de tamanhos característicos - nem mais, nem menos. Tudo se passa como se o átomo aceitasse energia apenas em pacotes de tamanhos predeterminados. Não aceita uma pequena porção, mas apenas o pacote completo. Cada átomo só pode aceitar pacotes de energia característicos. Se oferecermos menos, o átomo absolutamente não reage . Reage (muda o seu estado) apenas se lhe oferecemos a quantidade certa. Essa situação é, certamente, distinta da nossa imagem de um sistema planetário. Uma estrela que passe pode fornecer qualquer quantidade de energia à Terra. Quanto maior for a distância de passagem, menor será a quantidade de energia transferida. Mas o resultado dessa experiência não é tão surpreendente em vista do que já sabemos acerca do átomo. Ele mostra que o estado do átomo tem uma estabilidade intrínseca. Impactos fracos não podem modificá-lo; para consegui-lo é preciso uma grande quantidade de energia. Deve haver alguma coisa que conserva o átomo em seu estado normal característico, e essa alguma coisa só pode ser vencida por grandes energias. Esse fato não poderia estar relacionado com o fenômeno que dá origem à especificidade dos átomos? E, que obriga sempre os elétrons a uma configuração característica de cada tipo especial de átomo? Nesse ponto, precisamos ser mais quantitativos. Qual é a energia mínima necessária para modificar o estado de um átomo'? Façamos, agora, uma pequena pausa na discussão, para saber como são expressas as energias nos problemas atômicos. Medimos a energia de partículas atômicas com uma unidade chamada "elétron-volt", símbolo "eV". O elétron-volt é a quantidade de energia que um elétron recebe/cede ao passar de um ponto a outro, cuja diferença de potencial elétrico é de 1 volt (U = 1V). Essa unidade substitui o "joule" (J) nas interações atômicas. Vamos dar mais um pincelada nisso, em forma de perguntas (P) e respostas (R). Mas, para não quebrar a continuidade do tema colocamos essas perguntas e resposta no final dessa página. Clique aqui. Retornemos agora às experiências de Franck e Hertz, nas quais energia é transmitida a átomos por meio de um feixe de elétrons. Verificou-se que a energia limiar de um átomo de sódio --- isto é, a energia mínima que ele é capaz de receber e adicionar ao seu conteúdo de energia --- é de 2,1 elétron-volts; no átomo de hidrogênio, essa energia mínima chega a 10 elétron-volts. São energias muito mais altas do que as energias do movimento térmico à temperatura ambiente. Imediatamente ligamos esse fato àquele outro de que os átomos de um gás á temperatura ambiente conservam sua identidade e não são modificados apesar das muitas colisões sofridas. A energia dessas colisões está bem abaixo da energia limiar, isto é, abaixo do menor quantum de energia que o átomo pode aceitar. Portanto, as experiências de Franck-Hertz mostraram, a surpreendente estabilidade dos átomos, dando a ela um aspecto quantitativo. O átomo permanece inalterado e estável enquanto os impactos recebidos transportam menos energia do que uma energia mínima necessária para alterar o átomo. Essa energia mínima, chamada de energia limiar, tem um valor característico para cada elemento. Sem dúvida, Franck e Hertz medira a estabilidade atômica. Os resultados das experiências de Franck.Hertz. vão ainda além. Elas nos informam não apenas da quantidade mínima de energia que os átomos aceitam, mas nos dão a série completa de valores específicos da energia que o átomo é capaz de aceitar. Apenas esses valores podem ser fornecidos ao átomo; ele ignora qualquer valor entre esses valores característicos. Por exemplo, o átomo de hidrogênio aceita apenas as seguintes quantidades: 10 eV, 12 eV, 12,5 eV e 12,9 eV, e valores mais elevados e mais próximos uns dos outros. O átomo de sódio, por sua vez, aceita somente 2,1 eV, 3,18 eV, 3,6 eV, 3,75 eV, etc. A ilustração ao lado é uma representação gráfica dessas energias, para o hidrogênio e para o sódio. Cada energia corresponde a um certo estado de movimento do elétron no átomo. Portanto, cada linha representa um estado particular que o átomo pode assumir. Ao que parece, todos os outros estados situados entre esses são proibidos. Os estados permitidos, que caracterizam uma quantificação, são chamados estados quânticos. O estado de mais baixa energia é o estado fundamental; é nesse estado que o átomo está geralmente; os outros são chamados estados excitados. O íon, por exemplo, caracteriza um estado excitado do átomo. A energia limiar é a diferença entre a energia do primeiro estado excitado e o estado fundamental. Um 'Banco' quântico e os espectros das contas correntes Estes fatos ressaltados pelo experimento acima estão em contraste com o que esperamos a partir do comportamento do modelo planetário. Por que a energia dos elétrons dentro do átomo seria quantizada? O que nos impede de acrescentar uma quantidade arbitrariamente pequena de energia a um átomo? Se compararmos a energia de um átomo a uma conta bancária, tudo se passa como se o banco só permitisse a retirada e o depósito de determinadas quantias, de maneira a manter a conta em certos valores predeterminados. Consideremos agora mais detalhadamente os diferentes estados quânticos. Em geral designamos a série de valores permitidos para a energia como o "espectro" do átomo. O espectros da ilustração acima (para o hidrogênio), assim como outros (não ilustrados), revelam uma propriedade geral muito importante dos estados quânticos : quanto mais alto é o valor da energia acima do estado fundamental, menor é o intervalo entre os estados quânticos (repare bem isso, na ilustração acima). Essa é uma propriedade observada em todos os sistemas atômicos; para grandes energias de excitação, os estados quânticos tornam-se tão próximos uns dos outros que praticamente se confundem. Para energias elevadas, os efeitos quânticos desaparecem -- ou melhor dizendo, tornamse negligenciáveis; não deixam de existir, mas outros efeitos tornam-se mais marcantes e prevalecem sobre aqueles. O átomo pode ser, quando num estado excitado de grande energia, afetado por qualquer quantidade de energia, como um sistema planetário comum o seria. Tudo se passa como se as regras a respeito da conta bancária fossem abandonadas para contas muito altas, pois os depósitos e retiradas permitidos tornam-se cada vez menores para grandes contas. Verificou-se que esse fato é de importância muito mais fundamental do que parece. O plasma Atualmente sabemos que, se introduzimos grandes quantidades de energia nos átomos, eles se comportam como sistemas planetários. Essas condições podem ser realizadas em temperaturas extremamente altas, que podem ser produzidas por meio de fortes descargas elétricas em gases. Nessas condições, o gás atinge o estado de "plasma" -que é um outro estado da matéria* -- , e os átomos perdem suas propriedades características. Um plasma de neônio gasoso, no qual cada átomo tem 10 elétrons, tem as mesmas propriedades que um plasma de sódio gasoso, no qual cada átomo tem 11 elétrons. Não há mais órbitas eletrônicas selecionadas; não há mais radiação característica. Entretanto, no espaço cósmico, esse estado é encontrado nos gases expelidos pelo Sol e por outras estrelas quentes. *Esse mesmo estado de plasma pode ser encontrado na natureza, no espaço cósmico, nas estrelas. Os “gases” expelidos pelo Sol, por exemplo, são na realidade porções de plasma. No plasma, desaparecem todas as características de ordem pelas quais distinguimos um átomo de outro. À ordem e a diferenciação ocorrem apenas quando os átomos estão em seus estados de baixa energia, os quais estão afastados uns dos outros na escala de energia. Nesses estados (baixa energia), encontramos a estabilidade que conduz a formas, órbitas e estados de energia especificos e, conseqüentemente, a propriedades químicas e físicas especificas. Para energias elevadas, todas essas características desaparecem. Tenhamos presentes, entretanto, que foram as propriedades características de 'baixas' energias que definiram nossas concepções. O comportamento desordenado dos átomos em energias elevadas é exatamente o que esperaríamos de um modelo planetário, isto é, de sistemas planetários colidindo uns com os outros em altas velocidades. NOTA: O nome "plasma" não tem nada a ver com o plasma sanguíneo, ou com a matéria viva da célula. A expressão deriva do fato de que as primeiras realizações de um plasma atômico em um tubo de descarga assemelhavam-se ao plasma biológico. P: De onde vem a energia elétrica? R: A energia elétrica decorre da separação de cargas elétricas num sistema. Visualize um sistema formado por dois lápis de cor, um vermelho eletrizado positivamente e um azul eletrizado negativamente. Devido à natural atração das cargas positivas e negativas, esse sistema de dois lápis eletrizados terá energia elétrica mínima quando estiverem juntos (estado natural --- energia potencial elétrica nula). Para separar esses lápis, deve-se aplicar forças que contrariem essa atração elétrica. O trabalho realizado por essas forças externas ao sistema será a medida da quantidade de energia potencial elétrica que eles lápis apresentarão quando separados. Então, lápis eletrizados juntos = sistema isento de energia potencial elétrica; lápis eletrizados separados = sistema dotado de energia potencial elétrica. Esses dois lápis separados têm agora algo que não apresentavam quando eletrizados e juntos. Cada lápis apresentará uma energia potencial elétrica em relação ao outro. Se referenciarmos um deles como 'energia zero' ou outro armazenará, graças à sua carga elétrica, um certo 'tanto' de energia potencial elétrica. Esse 'tanto' de energia elétrica, por unidade de carga, caracterizará a tensão elétrica ou diferença de potencial entre eles. P: Como medir essa tensão elétrica? R: Vamos exemplificar usando, de início, de uma bateria de automóvel. Uma bateria armazena energia potencial química, ou seja, os componentes da solução estão 'fora de seu estado natural'. Dizer que entre os terminais dessa bateria existe uma tensão elétrica de 12V é o mesmo que dizer que, cada 'coulomb' (1C) de carga elétrica, para passar de um terminal a outro, deve receber/ceder 12 joules de energia elétrica. Se ele passar 'por dentro' da bateria, ele recebe esses 12 J (e a energia química da bateria diminui de 12J) e se ele passar via circuito externo, cede 12J (para os elementos que participam do circuito externo). Na tomada de sua casa a tensão elétrica entre os dois 'furos' (terminais) é de 110V (nominal). Esses terminais, no fundo, traduzem os terminais do gerador eletromecânico que abastece sua casa com energia elétrica. Se você liga um aquecedor elétrico nessa tomada, cargas começarão a 'circular' pelo circuito todo, de modo que, cada coulomb de carga que passa pelo gerador, recebe 110J de energia elétrica e cada coulomb de carga que passa pelo aquecedor cede 110J de energia (o aquecedor transformará esses 110J de energia elétrica em térmica). Se, em lugar de 1 coulomb de carga tomarmos, por unidade, o valor absoluto da carga do elétron, a energia trocada com a bateria passaria a ser de 12eV e a trocada com a tomada de 110eV. Nesse último caso, os elétrons sairiam do terminal positivo do gerador, passariam por dentro dele, e sairiam do terminal negativo com a energia de 110eV; em continuação, sairiam desse terminal negativo da tomada, passariam pelo aquecedor, entregando a ele os 110eV e retornando ao terminal positivo. A tensão elétrica ou d.d.p. indica, portanto, quanto de energia elétrica a unidade de carga recebe ou cede ao passar de um ponto a outro. O elétron-volt (1eV) é a unidade de energia potencial elétrica quando se toma como unidade de carga o valor absoluto da carga do elétron (|e|) e como unidade de tensão, 1 volt (1V), como sendo a diferença de potencial entre os dois pontos considerados. [ 1eV = 1|e|.1V ]. Como exercício, relacione as unidades joule e eV. Os elétrons não saltam de um terminal da tomada para o outro devido ao meio (ar) ser um mau condutor de corrente elétrica mas, se aproximarmos suficientemente um terminal do outro, os elétrons vencerão essa dificuldade, saltando. Observamos esse fenômeno sob a forma de uma faísca. O elétron-volt é uma unidade de energia conveniente para nossos problemas. Por exemplo, no ar, á temperatura ambiente, as moléculas voam em todas as direções com energia cinética média de 1/30 de elétron-volt. Essa é a energia média por átomo de qualquer tipo para o movimento térmico á temperatura ambiente; é, por exemplo, a energia das oscilações térmicas irregulares que os átomos efetuam num pedaço de metal, aquelas que causam a fusão a temperaturas mais elevadas, quando as forças que mantêm os átomos no lugar são sobrepujadas. A natureza ondulatória das partículas atômicas Feixe de Partículas e de Luz Chegamos agora ao conjunto de observações mais chocante e mais revelador, relacionadas com a natureza das partículas atômicas. Consideremos a forma mais simples em que as partículas atômicas, como os elétrons, podem ser encontradas. Isto se dá quando elas são retiradas dos átomos e movem-se livremente no espaço vazio. Um conjunto de elétrons que se movem na mesma direção e sentido, e com a mesma velocidade, constitui o que chamamos “feixe de elétrons”. Feixes desse tipo são produzidos em válvulas de rádio e, particularmente, nos tubos de televisão. Atingem o vídeo da televisão pela parte de dentro e formam a imagem. Os feixes de elétrons devem ser produzidos no vácuo, pois, no ar, os elétrons chocar-se-iam com as moléculas e rapidamente sairiam do alinhamento. Provavelmente você imagina que esses feixes de elétrons têm propriedades muito simples. O 'visual' é que eles são constituídos por um grupo de partículas que se movem ao longo de trajetórias paralelas, todas com a mesma velocidade. No espaço livre elas devem mover-se em linha reta, se encontrarem um obstáculo devem espalhar-se em todas as direções. Entretanto, ao contrário de tudo isso, encontramos fenômenos estranhos e inesperados. Antes de descrever esses efeitos, consideremos outro tipo de feixe, o feixe de luz — por exemplo, o feixe bem focalizado de um farol. Admitamos que a luz tenha uma única cor. Comparemos esses dois feixes. Podemos esperar que eles sejam fundamentalmente diferentes: o feixe de luz é constituído por ondas eletromagnéticas propagando-se no espaço em determinada direção; não há matéria se movendo, apenas o estado do campo eletromagnético está variando no espaço. Ao contrário, um feixe de partículas consiste de matéria real, em pequenas unidades, movendo-se em linha reta. É de se esperar que os dois feixes sejam tão diferentes quanto o movimento de ondas num lago e o movimento de um cardume de peixes nadando todos na mesma direção. Relembremos as experiências pelas quais foi verificada a natureza ondulatória da luz, particularmente aquela em que um obstáculo é colocado no caminho do feixe, como ilustramos abaixo (para a luz) e a ilustração seguinte (para um feixe de elétrons). Essas montagens parecem ideais para mostrar a diferença entre um feixe de ondas e um de partículas. Se o obstáculo for colocado no caminho de um feixe de partículas, as que o atingirem não atingirão o anteparo; as que não o atingirem alcançarão o anteparo; as que passarem raspando pela borda do obstáculo poderão ser espalhadas e desviadas de sua trajetória. Fig. 24 Aparelho para difração do feixe de elétrons, semelhante ao aparelho para difração da luz da Fig. 14. Por questão de clareza, as linhas produzidas pela interferência foram desenhadas muito mais largas do que o são na realidade. Portanto, se usarmos um anteparo do mesmo material de que são feitos os vídeos de televisão, deveremos observar uma região de sombra e uma região de luz, com uma transição não muito nítida por causa do espalhamento na borda. Não esperamos observar faixas quando não há um fenômeno ondulatório. Entretanto, qual não foi a surpresa dos físicos quando realizaram esta experiência e outras semelhantes e verificaram que os feixes de elétrons apresentam propriedades ondulatórias semelhantes às dos feixes de luz! A ilustração abaixo mostra, a esquerda, a figura formada sobre um anteparo, por um feixe de luz (como na experiência acima, para o feixe de luz). É uma configuração idêntica à da ilustração a direita, produzida por um feixe de elétrons. Esse resultado espantoso é apenas um dentre os muitos que mostraram, fora de qualquer dúvida, que os feixes de elétrons devem possuir algum tipo de natureza ondulatória; a propagação de um feixe de partículas parece ter as características de uma configuração ondulatória. Deve haver uma onda relacionada com o movimento dos elétrons. Um estudo quantitativo dessas figuras de interferência permite medir o comprimento de onda dessa misteriosa “onda de elétrons”. O comprimento de onda depende da velocidade do elétron — quanto maior a velocidade, menor o comprimento de onda; para elétrons cuja energia é de alguns elétron-volts, o comprimento de onda é do tamanho dos átomos. É realmente um comprimento de onda muito pequeno e é por esse motivo que não é fácil observar a natureza ondulatória dos feixes de elétrons. Na maior parte das aplicações práticas dos feixes de elétrons, como os tubos de televisão, a natureza ondulatória não desempenha papel algum. Afinal, o elétron é uma onda ou uma partícula? A observação desse fenômeno constituiu uma descoberta fundamental — a natureza ondulatória das partículas. O resultado é desnorteante e altamente inesperado. Os físicos tiveram de realizar muitas experiências até se convencerem de que os efeitos ondulatórios não eram produzidos por algum outro fenômeno. Entretanto, todas essas experiências tornaram cada vez mais claro que as ondas desempenham um papel no movimento dos elétrons e também das outras partículas atômicas, como os prótons. Uma questão óbvia coloca-se por si mesma: Como pode um elétron ser uma partícula e uma onda ao mesmo tempo? Uma onda é alguma coisa que se espalha no espaço de maneira contínua, enquanto uma partícula é algo nitidamente localizado; num dado momento, a partícula está aqui, não lá, enquanto que uma onda é “um estado de tensão” do espaço, o qual tem que se espalhar numa extensão de alguns comprimentos de onda pelo menos, para constituir alguma coisa que possa ser chamada onda. Será possível realizar alguma experiência crucial de maneira a decidir a questão sem ambigüidade? Afinal o elétron é uma partícula ou uma onda? Esta é, talvez, a pergunta mais interessante da Física moderna. Mas, antes de discutir esse problema, precisamos estar conscientes do fato mais interessante relacionado com as ondas dos elétrons: o fato de que a dualidade de natureza dos elétrons, como partículas e como ondas, contém a chave do enigma da estrutura atômica! As propriedades inesperadas dos elétrons que circulam em torno dos núcleos atômicos estão diretamente relacionadas com a natureza ondulatória. Propriedades das ondas confinadas em espaços limitados Para compreender a relação entre as ondas associadas aos elétrons e as propriedades dos átomos, devemos, antes de mais nada, estudar. o comportamento peculiar das ondas quando estão confinadas a uma região limitada. Consideremos o exemplo mais simples: ondas ao longo de uma corda estendida. Se esta for muito longa, poderemos produzir uma onda dando à extremidade da corda uma pequena sacudidela perpendicular à corda, como qualquer criança que brinca com uma corda de pular sabe fazer. Se a outra extremidade da corda estiver presa a um objeto fixo e se a corda estiver sob tensão, o impulso percorrerá a corda e, em certos casos, voltará, refletido no ponto em que a corda está presa. Com alguma habilidade, podemos produzir na corda 'qualquer forma de onda', com comprimento de onda longo ou curto, como quisermos. Para grandes comprimentos de onda, as oscilações serão lentas; para os pequenos comprimentos de onda a corda vibrará depressa. Confinemos agora a corda entre dois pontos próximos. Nesse caso, é melhor pensar num fio metálico sob tensão, ou corda de instrumento sonoro, em vez de corda comum. A vibração de uma corda desse tipo é conhecida como onda estacionária. Não temos mais escolha de comprimento de onda e freqüência. Na realidade só podem ser estabelecidas as vibrações cujos meios-comprimentos de onda ('gomos') cabem uma, ou duas, ou qualquer número inteiro de vezes no espaço entre os dois pontos fixos, como indica a ilustração. Fig. 25 Ondas estacionárias. Vibrações de uma corda, confinadas entre os pontos em que a corda está presa. Só são produzidas as vibrações para as quais 1, 2, 3, 4, etc, meios comprimentos de onda caibam exatamente na distância entre os pontos fixos. A linha branca reta indica a posição da corda em repouso. Não apenas as formas das vibrações, mas também as freqüências (número de subidas e descidas por segundo) ficam determinadas, desde que a tensão mecânica na corda seja mantida fixa. Cada uma das vibrações que podem ser estabelecidas tem sua freqüência característica, de maneira que a corda só pode vibrar com um conjunto de freqüências determinadas. A mais baixa dessas freqüências, a mais fácil de estabelecer, é aquela cujo meio comprimento de onda é exatamente igual à distância entre os dois pontos fixos. É a freqüência fundamental. Essa é a freqüência tocada pelo violinista quando põe a corda em movimento com seu arco. Mas ele pode também tocar freqüências mais elevadas, os chamados tons harmônicos, nos quais dois ou mais meios-comprimentos de onda cabem na corda. Mesmo quando ele toca um tom normal, o movimento da corda não é constituído exclusivamente pela vibração mais baixa. O movimento real é uma combinação de várias formas permitidas de movimento. Na realidade, o tom musical comum de um violino contém, até certo ponto, os modos mais elevados, que são os harmônicos, cuja presença é importante para a beleza do som caracterizando o seu 'timbre'. A diferença entre o tom de um 'virtuose' violinista e o de um violinista comum, está na combinação de harmônicos. Mas, qualquer que seja a combinação, ela só pode conter as freqüências do conjunto permitido à corda que está sendo tocada. A lição aprendida com a corda vibrante é verdadeira para todos os tipos de ondas. Sempre que há ondas confinadas em um espaço finito, observamos formas especiais de ondas e um conjunto de freqüências determinadas, características do sistema. A maior parte dos instrumentos musicais é construída com base nesse princípio. Os instrumentos de corda usam a série descontínua de freqüências características da corda. Os instrumentos de sopro são baseados nas freqüências permitidas para ondas do ar preso dentro do tubo, quer se trate de uma trombeta, quer de um tubo de órgão. Outro exemplo interessante desse fenômeno pode ser observado em ondas confinadas na superfície da água, num copo, por exemplo. Pode-se observar um exemplo marcante desse tipo de onda estacionária quando se viaja em um avião a hélice. Ás vezes, quando a freqüência das vibrações do motor é igual a uma das freqüências possíveis das ondas confirmadas no copo, torna-se visível uma configuração especial de vibrações na superfície da água. Quando a freqüência do motor muda, ou quando a quantidade de água é modificada, outras configurações entram em ressonância com a freqüência do motor. Observamos freqüências características relacionadas com configurações ondulatórias características. Seria perfeitamente possível calcular a forma dessas ondas e predizer em que freqüência de vibração cada uma delas deve aparecer. Tudo o que se precisa saber é a forma do copo e as propriedades das ondas na superfície da água. Ondas associadas aos elétrons e estados quânticos Voltemos agora às ondas associadas aos elétrons. Como poderemos confinar ondas de elétrons e observar fenômenos do tipo que acabamos de descrever? Em qualquer situação na qual os elétrons estejam confinados, as ondas associadas aos elétrons estarão também confinadas. Tal situação existe quando um elétron está próximo a um núcleo atômico. A carga positiva do núcleo atrai o elétron e o impede de se afastar da vizinhança imediata do núcleo; o elétron fica confinado ao espaço próximo ao núcleo. Que efeito terá esse confinamento sobre a onda associada ao elétron? Esta pergunta foi formulada e respondida por Erwin Schroedinger, em 1926. Ele foi capaz de calcular a forma e as freqüências das formas que se desenvolvem quando as ondas associadas aos elétrons estão confinadas por um núcleo. Trata-se de um problema 'simples' de dinâmica de ondas confinadas, pois conhecemos a relação entre o comprimento de onda e a velocidade do elétron. O resultado é uma série de vibrações distintas, cada uma delas com forma e freqüência características. A natureza ondulatória do elétron “explica” imediatamente o fato de que ele só pode assumir certos estados bem definidos de movimento dentro do átomo. Este resultado é de importância fundamental. Encontrou-se uma relação entre a natureza do elétron e a existência de estados discretos no átomo. Nesse ponto estamos tocando o próprio cerne da natureza. Quando um elétron está confinado numa região limitada em torno do núcleo, suas propriedades ondulatórias permitem apenas certos estados especiais e predeterminados de movimento. Portanto, o átomo não pode modificar seu estado de maneira contínua; tem que mudar abruptamente de um estado permitido para outro. Permanecerá no estado de energia mínima até obter energia suficiente para ser elevado ao estado seguinte, como foi observado na experiência de Franck-Hertz. O sucesso do modelo de ondas associadas aos elétrons no átomo é ainda mais notável por causa de sua concordância com os fatos em todos os detalhes quantitativos. Schroedinger começou por calcular o problema mais simples — o do átomo de hidrogênio, no qual apenas um elétron é confinado pelo núcleo. Encontrou uma série de estados de vibração que correspondem em todos os aspectos aos estados quânticos observados para o átomo de hidrogênio. Em particular as freqüências das vibrações da onda associada ao elétron correspondem exatamente às energias dos estados quânticos observados, calculadas usando-se a famosa fórmula de Planck, que relaciona freqüências e energias: "a energia correspondente é sempre igual à freqüência multiplicada pelo número fixo chamado h, isto é, E = h ". O número h é a chamada constante de Planck. Essa relação é quase incrível: Schroedinger calculou as vibrações de uma onda confinada pela atração do centro. Multiplicou as freqüências pela constante de Planck e obteve exatamente, até a última casa decimal, as energias dos estados quânticos do hidrogênio, os valores permitidos da conta bancária de energia do átomo de hidrogênio. Ou, nas palavras de Enrico Fermi: "Não há nada que tanto venha a calhar!". Nota: h é um número muito pequeno; se medirmos as energias em elétron-volts e as freqüências em subidas e descidas por segundo (hertz), h será igual a 4.10-15 . Isto significa que uma vibração de 1015 vezes por segundo corresponde a 4 elétron-volts de energia. Obviamente, a natureza ondulatória do elétron deve ser um fator decisivo para a compreensão das propriedades atômicas. O confinamento das ondas associadas aos elétrons admite uma série de estados possíveis e fornece um conjunto de freqüências permitidas. Se tivermos sempre em mente a lei fundamental que relaciona freqüência e energia, obteremos uma série de estados com energias preestabelecidas. O de freqüência mais baixa é o mais importante, pois é o estado quântico de energia mais baixa, o estado normal do átomo. É também aquele que apresenta a natureza ondulatória de maneira mais marcante. As ondas associadas aos elétrons confinados nos átomos não podem ser observadas diretamente. Podemos medir sua extensão, suas freqüências (para sermos mais exatos, as diferenças entre freqüências, que são observadas como diferenças de energia) e outras propriedades indiretas. Mas é construtivo e impressionante observar representações dessas configurações ondulatórias. Não se trata de fotografias — isso seria impossível.. São modelos construídos a partir de resultados de cálculos. A ilustração a seguir apresenta as configurações das ondas associadas a elétrons, na ordem crescente da freqüência (ou da energia), para os sucessivos estados quânticos de um elétron confinado por um núcleo. O estado mais baixo, o fundamental, é o mais simples; quanto mais alta a freqüência, mais complicada a configuração. O estado fundamental tem simetria esférica. Os seguintes têm a forma de um oito. Os mais elevados são, em geral, mais complicados, embora encontremos também algumas configurações simples entre eles. Essas configurações são da maior importância na fisionomia da natureza. Elas constituem as formas fundamentais sobre as quais a matéria é construída. São as formas, e as únicas formas, que os “movimentos” dos elétrons podem assumir nas condições que prevalecem nos átomos — isto é, sob a influência de uma força central (a atração do núcleo) que mantém os elétrons confinados. Portanto, essas formas são os símbolos da maneira como a natureza combina e forma tudo o que vemos em torno de nós. As configurações da ilustração acima e suas simetrias inerentes determinam o comportamento dos átomos; constituem a base do arranjo ordenado nas moléculas e também do arranjo simétrico dos átomos ou moléculas nos cristais. A beleza simples de um cristal reflete, em escala maior, as formas fundamentais das configurações atômicas. Em última análise, as regularidades de forma e estrutura que vemos na natureza, desde a forma hexagonal de um floco de neve até as intrincadas simetrias das formas vivas nas flores e nos animais, são baseados nas simetrias das configurações atômicas. Olhando para as últimas formas daquela ilustração, vemos que, quanto mais alta a freqüência (ou energia), mais fina é a configuração, isto é, menor é a distância entre as elevações e depressões. O comprimento de onda torna-se menor. Se chegarmos a freqüências (energias) muito altas, a configuração será tão variada e fina que parecerá quase contínua. Em conseqüência, o movimento descrito será aproximadamente o de uma partícula comum sem propriedades ondulatórias. Vemos aqui, de novo, que o modelo ondulatório reproduz exatamente o que encontramos nos átomos. Quando a energia é alta, os fenômenos quânticos deixam de ser importantes e o átomo comporta-se como se fosse um sistema planetário comum. A transição para a condição de “plasma” em alta energia também está contida na natureza ondulatória do elétron. O átomo de hidrogênio no estado fundamental vibra de acordo com a configuração mais simples possível — a primeira forma da ilustração acima. Outros átomos, entretanto, apresentam padrões mais complicados no estado fundamental. Isto é explicado por um princípio muito importante, descoberto por Wolfgang Pauli em 1925. Esse princípio afirma que, "quando há mais de um elétron confinado em um átomo, cada elétron tem que assumir uma configuração diferente". Assim, um elétron acrescentado terá que assumir a configuração seguinte na escala ascendente. O estado fundamental de um átomo complexo é um estado excitado de um átomo mais simples. Ao ser apresentado o clássico 'modelo planetário', ou seja, a constatação de que existe uma estrutura no átomo, de pronto havia surgido a questão: de que maneira podem essas diferenças quantitativas serem a causa das diferenças qualitativas observadas nas propriedades dos elementos? Como é possível, por exemplo, que o bromo com 35 elétrons, seja um líquido marrom que forma muitos compostos químicos característicos, enquanto que o criptônio, com 36 elétrons seja um gás que não forma composto algum, e o rubídio, com 37 elétrons, seja um metal? Por que um elétron a mais ou a menos faz tanta diferença nas propriedades dos átomos? Encontramos, agora, no mundo do elétron confinado, uma explicação para o fato de um elétron acrescentado ou removido fazer tanta diferença no mundo atômico. A configuração do último elétron acrescentado determina a configuração do átomo. Esta, por sua vez, determina a maneira pela qual os átomos unem-se uns aos outros formando um cristal, um líquido ou um gás. Essa configuração pode mudar apreciavelmente quando se passa de certo número de elétrons para o seguinte, como podemos observar nos exemplos da ilustração acima. No mundo atômico, a quantidade se torna qualidade; um elétron a mais pode conduzir a uma completa modificação das propriedades. A descoberta de Schroedinger a respeito do significado fundamental, para a estrutura do átomo, da onda associada ao elétron, e o desenvolvimento dessa teoria por Heisenberg, Max Born e Pauli marcam uma guinada na compreensão da natureza pelo homem, comparável à descoberta, por Newton, da gravitação universal, à teoria eletromagnética de Maxwell sobre a luz e à teoria da relatividade de Einstein. As propriedades dos átomos, que pareciam tão estranhas e incompreensíveis na base do modelo planetário, adquirem sentido quando consideradas à luz do fenômeno de ondas confinadas. Uma onda confinada assume certas formas e freqüências bem definidas semelhantes às vibrações do ar num tubo de órgão, da corda de um violino, ou da superfície da água num copo em vibração. Em todos esses casos, temos uma série de formas vibrantes, começando com a mais simples, que vibra com a freqüência mais baixa, e indo até as mais complicadas, de freqüências mais elevadas. O mesmo acontece com as vibrações das ondas associadas aos elétrons no átomo. A Estabilidade, a Identidade e a Regeneração Com essa nova maneira de encarar a natureza, podemos agora entender as três propriedades notáveis do átomo enumeradas ao iniciarmos essas explanações. A estabilidade vem do fato de que é preciso acrescentar muita energia para transformar o estado fundamental no seguinte --- de acordo com a fórmula de Planck, essa energia é igual à diferença entre as freqüências multiplicada pela constante de Planck. Enquanto as ações sobre o átomo corresponderem à energias menores do que essa, o átomo continua na configuração fundamental, apresentando, portanto, uma estabilidade típica. A Identidade dos átomos vem do fato de que as configurações ondulatórias são sempre as mesmas e são determinadas pela maneira como as ondas são confinadas. Um átomo de sódio é idêntico a outro porque a onda associada ao elétron é confinada em todos os átomos de sódio pelas mesmas condições, ou seja, a atração do núcleo e os efeitos elétricos dos outros elétrons do átomo. A identidade de dois átomos de ouro vem do fato de que há o mesmo número de elétrons confinados pela mesma carga elétrica no centro, produzindo, portanto, as mesmas vibrações ondulatórias. Finalmente, a capacidade de regenerar sua forma primitiva, depois de uma distorção, é exatamente o que se espera de um fenômeno de vibração ondulatória, pelos mesmos motivos que explicam a identidade. Quando as condições iniciais são restabelecidas, a vibração tem que assumir de novo a mesma configuração que antes, pois as configurações são unicamente determinadas pelas condições nas quais o elétron se move e são completamente independentes do que aconteceu antes. As configurações não dependem absolutamente da história anterior do átomo; podemos destruir um átomo removendo alguns elétrons, ou distorcê-lo comprimindo o material de maneira a formar um sólido, mas, sempre que trazemos o átomo de volta às condições iniciais, as ondas associadas aos elétrons assumem os mesmos estados quânticos anteriores. Existe uma única configuração ondulatória de freqüência ou energia mais baixa. É notável o fato de encontrarmos realmente no mundo dos átomos aquilo que Pitágoras e Kepler procuraram em vão no movimento dos planetas. Eles acreditavam que a Terra e outros planetas moviam-se em órbitas especiais, cada uma delas sendo única para o respectivo planeta e determinada por algum princípio independente do destino particular e da história passada de nosso sistema planetário. Não há esse princípio no movimento dos planetas, nossos velhos sábios se enganaram, mas há no movimento dos elétrons nos átomos — o princípio ondulatório. Isso nos faz lembrar a harmonia pitagórica do mundo: os estados quânticos atômicos têm formas e freqüências especiais unicamente determinadas. Todos os átomos de hidrogênio possuem a mesma seqüência de vibrações, determinada pelo seu conjunto de freqüências características. Encontramos, assim, “a harmonia das esferas” reaparecendo no mundo atômico, mas, desta vez, claramente entendida como um fenômeno de vibração de ondas confinadas associadas a elétrons. O quantum de luz O caráter corpuscular da luz Vimos que os elétrons e outras partículas atômicas têm propriedades ondulatórias. Feixes de partículas às vezes comportam-se como se fossem ondas. Vimos que essa propriedade é a base do comportamento quântico dos átomos. No desenvolvimento da pesquisa, verificou-se que essa dualidade não é restrita às partículas. As ondas de luz também se comportam às vezes como se fossem partículas. Todas as observações a respeito da propagação da luz indicam que a luz é uma onda contínua de campos eletromagnéticos oscilantes. Mas, quando foram estudados os efeitos da luz sobre a matéria, observaram-se alguns fenômenos inesperados que, aparentemente, contradiziam a idéia de um fluxo contínuo de luz. O que acontece quando a luz incide sobre a matéria? Se o objeto é transparente, como um vidro de janela, a luz é parcialmente refletida e parcialmente transmitida. Se o objeto é opaco, como um pedaço de carvão, ou parcialmente transparente, como um vidro colorido, uma parte da luz não é refletida nem transmitida. Ela desaparece dentro do objeto. Como a luz é uma forma de energia, ela só pode desaparecer se, de alguma maneira, entregar sua energia à matéria. Esse desaparecimento é chamado absorção da luz. A energia da luz absorvida tem que aparecer de alguma outra maneira. Sentimos calor quando a luz do Sol é absorvida por nossa pele. Quando a luz é absorvida por alguns metais, sua energia é muitas vezes transferida aos elétrons que, então, adquirem tanta energia que saltam do metal. Esse salto é chamado efeito fotoelétrico, e tem utilidade prática quando desejamos transformar pulsos luminosos em pulsos elétricos. Todos sabemos que esse efeito é o que conferiu o Nobel a Albert Einstein. E possível medir com grande precisão a energia transferida à matéria quando a luz é absorvida. Essas medidas tiveram o mais inesperado dos resultados: a energia luminosa só pode ser absorvida em unidades definidas de determinado tamanho; nunca pode ser absorvida uma fração dessas unidades. Se compararmos energia com dinheiro, poderemos dizer que um feixe de luz transmite sua energia à matéria somente em 'reais', nunca em trocados. As unidades são chamadas “quanta” de luz, ou “fótons”. No que diz respeito ao efeito da luz sobre a matéria, podemos comparar um feixe de luz com uma rajada de projéteis. Cada projétil está cheio da mesma quantidade de explosivo. Toda vez que um projétil atinge um objeto, ele causa um efeito cuja energia é determinada pela quantidade de explosivo. Luz mais forte significa maior número de explosões da mesma grandeza, e não explosões mais fortes. No efeito fotoelétrico, cada quantum de luz que atinge o metal força um elétron a saltar do metal. A energia do elétron que salta é uma medida do tamanho do quantum de luz (mede a quantidade de explosivo de cada projétil). O número de elétrons que saltam mede a intensidade do feixe de luz. A quantidade de energia de um quantum de luz depende do tipo de luz em questão. É diferente para luz de diferentes comprimentos de onda: as ondas mais longas têm unidades menores; as ondas mais curtas têm maiores unidades. O quantum de energia da luz visível é pequeno. Contém uma energia de apenas alguns elétron-volts: cerca de 10-12 (um milionésimo de milionésimo) da energia necessária para um toque no seu dedo de maneira que você mal consiga percebê-la. Certamente nossas retinas são muito mais sensíveis à luz do que as pontas de nossos dedos ao toque. Apesar disso, seríamos incapazes de ver quanta de luz individuais porque são fracos demais. Se os víssemos, uma fonte de luz bem fraca pareceria uma fonte intermitente, pois veríamos luz apenas quando um quantum chegasse à retina. Embora a luz seja uma onda eletromagnética, seu efeito sobre a matéria, sobre nossos olhos, sobre uma célula fotoelétrica é quantificado. Ela age como se o feixe de luz consistisse de pequenos grãos, todos do mesmo tamanho. Esse fenômeno dá ênfase à dualidade onda-partícula na natureza: os elétrons são partículas que têm propriedades ondulatórias; a luz é uma onda com propriedades de partículas. Sejamos um pouco mais quantitativos. O tamanho do quantum de energia da luz está relacionado com a freqüência da luz pela mesma fórmula de Planck. A energia E de um quantum é dada por E = h, onde é a freqüência da luz e h é a constante de Planck. Um quantum de luz amarela ( = 5.1014 vibrações por segundo) tem cerca de 2 elétron-volts de energia. Apesar de muito pequenos, esses quanta não são quantidades pequenas de energia em comparação com as energias dos átomos. São da mesma ordem de grandeza das energias dos estados quânticos dos átomos. Por exemplo, o quantum de luz amarela (2 elétron-volts) é exatamente igual à energia necessária para elevar o átomo de sódio do estado fundamental ao primeiro estado excitado. Os Átomos e os Quanta de Luz Por mais estranha que seja a idéia do quantum de luz, ela abre uma nova perspectiva à questão de como o átomo emite e absorve a luz, de como a luz é produzida pelos átomos e de como os átomos são influenciados pela luz. Combinemos o conceito do quantum de luz com o conceito dos estados quânticos do átomo. Vimos que um átomo só pode ser encontrado em certos estados quânticos, com energias definidas, características de cada tipo de átomo. Assim, um átomo só pode ganhar ou perder energia em quantidades que correspondem às diferenças de energia entre seus estados quânticos. Se um átomo absorve ou emite luz, a energia dessa luz deve ser igual a uma dessas diferenças. Portanto, o átomo só pode emitir ou absorver luz cujos quanta tenham a quantidade correta de energia — a saber, uma quantidade igual a uma dessas diferenças. Essa propriedade explica imediatamente porque os átomos irradiam e absorvem luz com certas freqüências típicas. Por exemplo, um átomo em seu estado fundamental só pode aceitar luz cujo quantum de energia seja exatamente do tamanho certo para elevar o átomo até um dos estados quânticos mais elevados. Um átomo só pode absorver luz cujas freqüências correspondam a esses quanta. O mesmo é verdade a respeito da emissão de luz. A luz só pode ser emitida por um átomo quando este se encontra num estado mais elevado do que o fundamental, e o átomo só pode emitir luz cujos quanta correspondam às diferenças de energia entre esse estado e algum estado de mais baixa energia. O átomo só pode emitir ou receber quanta de luz que lhe permitam passar de um estado quântico para outro. Portanto, qualquer luz absorvida ou emitida por um átomo deve ter uma freqüência correspondente à diferença entre dois valores característicos da energia. Tomemos o átomo de sódio como exemplo. No sódio gasoso frio, todos os átomos estão no estado fundamental e não há emissão de radiação. O gás é transparente à luz, exceto para aquela cujos quanta sejam capazes de levá-lo a um estado mais elevado (chamamos esses estados de “estados excitados”). Por exemplo, de acordo com a ilustração dos espectros, em nossa Parte 1, o primeiro estado excitado está 2,1 ev acima do estado fundamental; portanto, a luz cuja freqüência seja = 2,1 eV/h = 5,2.1014 tem exatamente o quantum certo e será absorvida pelo sódio gasoso. É um tipo especial de luz amarela. Se transferirmos energia ao sódio gasoso por aquecimento ou por uma descarga elétrica, como se faz nas lâmpadas a vapor de sódio de largo uso, acontecerá que alguns átomos de sódio serão levados a algum estado quântico mais elevado. Esses átomos tornam-se capazes de emitir luz. Os que estiverem no primeiro estado excitado emitirão a mesma luz amarela absorvida pelo gás frio. É a cor que vemos irradiada por aquelas lâmpadas. Quando se eleva a temperatura ou a descarga de energia, criam-se outros estados quânticos mais elevados e luz de outras cores será irradiada. O mais notável de tudo é a concordância entre os resultados das experiências de emissão de luz e os resultados das experiências de Franck-Hertz. Sem exceção, todas as freqüências emitidas e absorvidas pelos átomos correspondem a transições entre estados quânticos. A complementaridade entre o modelo corpuscular e o modelo ondulatório Agora, voltemos à nossa questão fundamental: como pode o elétron ser uma partícula e uma onda ao mesmo tempo? É difícil formular em termos simples a resposta a tal pergunta. O inesperado caráter duplo da matéria mostrou que nossos conceitos comuns de movimento de partículas não são adequados para a descrição do que se passa no mundo atômico. Afinal de contas, esses conceitos são formados a partir da experiência humana com objetos visíveis maiores do que as partículas atômicas por fatores de vários bilhões. Para compreender o que está se passando na escala atômica, precisamos nos dispor a abandonar maneiras de pensar costumeiras e substituí-las pelos novos conceitos que o estudo da natureza nos impôs. Uma das características da física clássica que precisamos colocar em questão é a “divisibilidade” desses fenômenos. Isto é, a idéia de que todo processo físico pode ser considerado como uma sucessão de processos particulares. De acordo com essa idéia, teoricamente ao menos, cada processo pode ser seguido passo a passo no tempo e no espaço. A órbita de um elétron em torno do núcleo deveria ser pensada como uma sucessão de pequenos deslocamentos. Este tipo de descrição é consistente com o que encontramos dentro dos átomos? De acordo com nossa antiga maneira de ver as coisas, o elétron deve ser ou uma partícula ou uma onda. Não pode ser ambas as coisas ao mesmo tempo. Afinal de contas, seguindo-se cuidadosamente o elétron em seu caminho, deve-se poder decidir em que categoria ele deve ser colocado. Encontramos, assim, o problema da divisibilidade dos fenômenos atômicos. Podemos realmente seguir o elétron em seu caminho? Há problemas técnicos. Se desejamos “ver" a estrutura detalhada da órbita, precisamos usar ondas de luz de comprimento de onda muito pequeno, pois só podemos ver coisas maiores do que o comprimento de onda da luz com a qual observamos. Entretanto, tal luz tem elevada freqüência e, portanto, um grande quantum de energia. Na realidade, luz com comprimento de onda tão pequeno quanto uma órbita atômica tem quanta de energia mais do que suficientes para arrancar o elétron do átomo. Quando ela atinge o elétron, arranca-o de sua órbita e destrói o próprio objeto que desejamos examinar. Essa reação não é peculiar a experiências em que usamos a luz para seguir a órbita do elétron. De maneira geral, todas as medidas que poderiam ser usadas para decidir entre a natureza ondulatória ou corpuscular do elétron (ou do próton, ou qualquer outra entidade), tem a mesma propriedade. Se efetuamos essas medidas, o objeto muda completamente seu estado no próprio ato da medida e o resultado desta não se aplica ao estado inicial, mas ao estado no qual o objeto foi colocado pela medida. Este último estado, entretanto, é um estado de energia muito alta e que não apresenta mais nenhuma propriedade ondulatória. A natureza quântica da luz ou de qualquer outro meio de observação torna impossível decidir entre onda e partícula. Não nos permite subdividir a órbita atômica numa sucessão de movimentos parciais, sejam eles deslocamentos de partículas ou oscilações de ondas. Se forçamos uma subdivisão do processo e tentamos olhar com mais acuidade para a onda para descobrir onde o elétron “realmente” está, nós o encontraremos lá como uma partícula real, mas teremos destruído a sutil individualidade do estado quântico. A natureza ondulatória terá desaparecido e, com ela, todas as propriedades características do átomo. Afinal de contas, foi a natureza ondulatória que deu origem às propriedades típicas dos estados quânticos — a forma simples, a regeneração da forma original depois de uma perturbação, e todas as outras qualidades específicas do átomo. A natureza ondulatória do elétron é advogada com base na indivisibilidade do estado quântico. A grande idéia nova da Física quântica é o reconhecimento do fato de que os estados quânticos individuais formam um todo indivisível, que existe apenas enquanto não é atacado por um meio de observação. No estado quântico, o elétron não é nem uma partícula nem uma onda no velho sentido. O estado quântico é a forma que um elétron assume quando entregue a si mesmo para ajustar-se às condições de baixas energias. Ele forma uma entidade individual definida, cuja configuração corresponde a um movimento ondulatório, com suas propriedades características espalhando-se sobre uma região finita do espaço. Qualquer tentativa de olhar para os detalhes de sua estrutura por observação direta inevitavelmente o destrói, pois os instrumentos de observação dariam tanta energia ao sistema que a condição de baixa energia não prevaleceria mais. Nesse ponto de nossa discussão, deverá parecer natural que as previsões dos fenômenos atômicos tenham que permanecer, às vezes, como afirmações de probabilidades apenas. A previsão do ponto exato em que o elétron será encontrado depois de ter sido destruído o estado quântico com luz de alta energia é um caso desse tipo. Se o estado quântico for examinado com luz “de ponta de alfinete”, o elétron será encontrado em algum lugar na região da onda, mas o ponto exato não pode ser previsto com acuidade. Só podemos fazer afirmações probabilísticas, como, por exemplo, que o elétron será encontrado muito provavelmente no local em que a onda associada ao elétron é mais intensa. A impossibilidade de medir certas quantidades relativas às partículas atômicas é a base do famoso princípio de incerteza de Heisenberg. Ele afirma, por exemplo, que não se pode determinar com total precisão a velocidade (mais especificamente a quantidade de movimento) e a posição de um elétron. Finalizando ... A mecânica quântica deu-nos uma resposta inesperada, mas bela, ao grande dilema. Por um lado, os átomos são as menores partes de matéria; são considerados indivisíveis e dotados de todas as propriedades específicas da substância. Por outro lado, sabe-se que os átomos têm uma estrutura interna; que consistem de elétrons e núcleos; que os primeiros, necessariamente, devem efetuar movimentos mecânicos semelhantes aos dos planetas em volta do Sol e que, portanto, não podem apresentar as propriedades necessárias. A resposta está na descoberta dos estados quânticos que preenchem até certo ponto o primeiro requisito. Seu comportamento ondulatório dota-os das propriedades de identidade, integridade e especificidade, mas o alcance desse comportamento é limitado. Eles só preservam sua identidade e suas propriedades específicas se forem expostos a perturbações menores do que um valor limiar característico. Se forem expostos a perturbações mais fortes, os átomos perderão suas propriedades quânticas características e apresentarão o comportamento atípico que se espera a partir das propriedades mecânicas de sua estrutura interna. O estado quântico não pode ser descrito em termos de um modelo mecânico. É um novo estado da matéria, diferente de tudo o que experimentamos com objetos grandes. Ele tem uma maneira especial de escapar da observação comum pelo fato de que tal observação necessariamente destrói as condições de sua existência. O grande físico dinamarquês, Niels Bohr, que muito contribuiu para o esclarecimento dessas idéias, usa um termo especial para essa situação notável: ele a chama “complementaridade”. As duas descrições do átomo — o estado quântico ondulatório e o modelo planetário — são descrições complementares, ambas igualmente verdadeiras, mas aplicáveis em situações diferentes. As propriedades quânticas só se apresentam quando o átomo não é perturbado ou quando é exposto a perturbações menos energéticas do que o limiar quântico. Nesse caso, encontramos o átomo com suas simetrias características e ele comporta-se como uma entidade indivisível. É esse o caso quando estamos lidando com matéria em condições normais. Mas, quando tentamos olhar os detalhes do estado quântico usando algum instrumento agudo de observação, necessariamente introduzimos muita energia nos átomos. Nessas condições, eles se comportam como se estivessem a temperaturas muito altas, isto é, como um plasma. Observamos, então, os elétrons como partículas comuns, movendo-se sob a força atrativa dos núcleos, sem nenhum fenômeno quântico, e exatamente como esperaríamos se tivéssemos que lidar com partículas comuns à moda antiga. Os fenômenos atômicos apresentam uma realidade muito mais rica do que estamos acostumados a encontrar na Física clássica macroscópica. As propriedades ondulatórias dos estados quânticos, a individualidade desses estados, o fato de que não podemos descrever completamente o átomo em termos de coisas familiares, tais como partículas ou ondas clássicas, são características que não ocorrem com os objetos de nossa experiência macroscópica. Portanto, a descrição do átomo não pode ser tão “desligada” dos processos de observação quanto eram as descrições clássicas. Só podemos descrever a realidade atômica dizendo exatamente o que acontece quando observamos um fenômeno de diferentes maneiras, embora pareça incrível, para os iniciantes (como eu), que o mesmo elétron possa comportar-se de maneiras tão diferentes quando observado nas duas situações complementares. Essas características, entretanto, não fazem o elétron menos real do que qualquer outra coisa que observemos na natureza. Na verdade, os estados quânticos do elétron são a própria base daquilo que chamamos a realidade que nos cerca.