\ ^^*^JÍi^' #' /i^'' I rf TERCEIRA EDIÇÃO /-- OBRAS DE CAMILLO CASTELLO BRANCO EDIÇÃO POPULAR XIIII DIVINDADE DE JESUS OBRAS DE CAMILLO CASTELLO BRANCO Edição popular, em volumes in-8.o de 200 a impressa em bom papel, typo elzevir 300 paginas^ 200 réis em brochura e 300 réis encadernado VOIíUMES FUBIiICADOS — Coisas espantosas. 2 — As três irmans. 3 — A engeitada. 4 — Doze casamentos 5 — O esqueleto. 6 — O bera o mal. 7 — O senhor do Paço de Ninães. — Anathema. 8 9 — A mulher 10 — Cavar em ruinas. He 12 — Correspondência epis1 felizes. e fatal. tolar. 13 14 15 16 — Divindade de Jesus. — A doida do Candal. — Duas horas de leitura. — Fanny. — Minho — 22 — Agulha em palheiro. olho de vidro. 23 — 24 — Annos de prosa. — Os brilhantes do brasileiro. 25 26 — A bruxa do Monte-Cordova. 27 — Carlota Angela. 28 — Quatro horas innoeentes. 29 — As virtudes antigas. do Doutor Negro. 30 — A 31 — Estrellas propicias. — A do regicida. 32 33 e 34 — O demónio do ouro. 35 — O regicida. do arcediago. 36 — A 37 — A neta do arcediago. 38 — Delictos da Mocidade. 39 — Onde está a felicidade ? 40 — Um homem de brios. 41 — Memorias de Guilherme do Amaral. 44 — Mysterios de Lis42, 43 boa. 45 e 46 — Livro negro de padre Diniz. 47 e 48 — O judeu. 49 — Duas épocas da vida. 50 — Estrellas funestas. 51 — Lagrimas abençoada». 52 — Lueta de gigantes. Novellas do 17, 18 e 19 Horas de paz. 20 e 21 filha e 53 e 54 — Memorias do cár- cere. 5556- Mysterios de Fafe. Coração, cabeça e estômago. 57585960616263646566- O O O O que fazem mulheres. retrato de Kicardina. sangue. santo da montanha Vingança. Vinte horas de liteira. A queda d 'um anjo. Scenas da Foz. Scenas contemporâneas. O romance d 'um rapaz po- bre. 6768- Aventuras de Bazilio Fernandes Enxertado. Noites de Lamego. Scenas innoeentes da comedia humana. Os Martyres. — 70 71 72- Um 73 A livro. Sereia. Esboços de 74 apreciaçõe» litterarias. filha 75 76 Cousas leves e pesadas. Theatro I Agostinho de filha 77 Ceuta. O marquez de Torres-Novas. Theatro: II Poesia ou dinheiro ? Justiça. Espinhos e flores. Purgatório e Paraizo. 78 : — — — — Theatro : — — III — —O — Morga- — do de Fafe em Lisboa. O Morgado de Fafe amoroso» — O ultimo acto. — Abençoadas lagrimas — Theatro IV — O condem79 nado. — Como os anjos se vincam. — Entre a flauta e a viola. 80 Theatro V — O LobisHomem. — A Morgadinha 1 : : de Val-d'Amores. DITUADE DE JESUS E TRADIÇÃO APOSTÓLICA POR CAMILLO CASTELLO BRANCO SÓCIO Gom DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA utna earta dirigida ao auetor PELO SNR. VISCONDE nmm ^''^gt^g^^ TERCEIRA EDIÇÃO LISBOA PARCERIA ANTÓNIO MARIA PEREIRA LIVRARIA EDITORA 44 a 5i Bua Augusta— 1913 iVlODELO DA ESXANTIí: especialmente construída para esta edição, em pitch-pine envernisado com porta envidraçada 80 volumes a 300 Estante 24?^000 6|>000 réis 30|»000 Estante separadamente 6|>000 réis. 1913 OFPICINAS TYPOGRAPHICA E DE ENCADERNAÇÃO Movidas a electricidade RARCERIA Rua A. Augusta, 44, 46 NI. e PEREIRA 48, í.» e 2.« LISBOA andar Se eu obedecesse á consciência, que me está dizendo quanto por demais é encarecido o merecimento d'esta obrinha, na carta que o snr. Visconde de Azevedo se dignou dirigir-me com o propósito de animar- me a escriptos de maior vuíto, privaria o leitor de saborear-se nas pa- ginas mais vigorosas e sublimes que vão n'este livro, e que decerto não são minhas. snr. Visconde de Azevedo. Pertencem ao vem, espelhando a nobilissima alma esclarecida intelligencia do modesto escriptor Elias ahi e que, nas raras vezes que se amostra ao publico com as suas pensadas e primorosas lucubra- sempre quão bom seria para as pátrias que o snr. Visconde de Azevedo ções, revela letras vivesse nas estreitezas da má fortuna, para en- do seu alto espirito pela moeda cerceada com que os trabalhos do entendimento são galardoados. Ainda bem que não. Se por um lado as letras pátrias perdem, por outro ganhou o bem estar do amigo a quem muito preso, e cuja vi- tão ser obrigado a trocar as jóias 6 Divindade de Jesus da tem sido e será sempre tosa que a dos livros. lição mais provei- Eu não cancellei d'estas paginas que me favorecem, e não ouso já gêam, que tanto seria dizer lison- desprimorar o caracter sério e justiceiro de S. Ex.* que os preso, por que os louvores me : conservo-os por nobilitam e defen- dem. Camillo Castello Branco. . . . Snr. Camillo Castello Branco. Dignou-se V. dedicar-me o excellente livro que escreveu em defeza da divindade de Jesus Christo e ainda que para agradecer-lhe esta singular honra que V. me dispensou, eu mal ; encontre expressões eguaes ao subido valor d'ella, nem porisso deixarei de significar a V. o sentimento de satisfação, que excitou em mim o ver que me foi dedicado este novo monumento sustentador da minha f^, profunda- mente christan, o qual ao mesmo tempo que presta mais um apoio fortíssimo á crença, de que tanto me glorio, concede ao meu nome a luminosa aureola, com que os homens de me- recimento, por todos reconhecido e admirado, illustram sempre a pessoa, a quem dedicam qualquer das suas bellas producções E fallando agora a respeito do que direi eu, senão o que em litterarias. mesmo livro, outro tertipo di- 8 Divindade de Jesus zia Voltaire, quando fallava das tragedias Racine, bom, excellente^ admirável! zendo eu um isto, não ficará a brado extremamente por nada já E de ainda, di- minha voz sendo débil, e quasi inútil poder accrescentar á geral e uni- sona voz, que desde ha muito tem dado a V. um dos primeiros logares entre os nossos mais Comtudo nem porisso deixarei de expor nesta carta com franqueza a V. as rasões da respeitosa homenagem que primorosos escriptores ? presto a este seu óptimo livro, não por parecer- me que com obulo tão apoucado posso augmentar a sua muita valia, mas unicamente para desempenhar-me da obrigação, V. me em que quiz constituir. Depois que a minha razão se desenvolveu^ e que pôde comprehender a philosophia das diversas religiões, e sobre tudo examinar a sua origem, tenho estado sempre convencido de que todos quantos, nascendo e educando-se christãos, atacavam o christianismo, quer o fizessem com argumentos graves com chufas e sarcasmos, faziam muito dade. e sisudos, máo Não com quer isso um presente ao seu paiz e á humani- digo isto por seguir a opinião dos que afíirmam que os filhos devem sempre abraçar a crença religiosa de seus pães ; opi- 9 Divindade de Jesus nião esta.^ quando muito, poderia somente que, no carvoeiro, de quem nos ser tolerável o chistoso poeta Paulino Cabral um : não falia é decerto verdadeiro christão aquelle, que tem modo tão grosseiro de pensar, contra o qual se pro- nuncia expressamente S. Paulo quando estabelece que a fé em Jesus Ghristo é uma sujei- ção da ràzâo humana á palavra divina, mas uma — rationabile obsequium sujeição rasoavel — Estas palavras do apostolo mostram clara- mente que elle não ensinava, nem queria uma mas sim uma fé esclarecida por luzes, que devem guiar a nossa intel- irracional, fé todas as ligencia na indagação da verdade. Não é pois filha doeste erróneo e acanhado motivo a minha convicção sobre tão grave e elevado assumpto; nem mesmo, pensando assim, podia eu ser bom não começasse por condemnar os próprios apóstolos, que pregaram a todo o império romano uma religião lógico, se primeiro diametralmente contraria e op- posta ao antigo paganismo; o outro, e sem rodeios o direi a V. segundo eu a comprehendo, frangivel e meu motivo é A é religião, o único laço in- permanente, que pôde servir de prisão segura e firme ás tendências dissolventes da humanidade, e o único centro commum, 10 Divindade de Jesus solido bem e equilibrado, para. onde podem sem risco de se perderem no caminho os raios diversissimos, que partem da immensa peripheria social. Sem religião será sempre a existência da sociedade humana tão precária como o vento, tão ephemera como a débil flor do campo, porque se achará sem a só base, que lhe pode sustentar uma illimitada duração. A crença religiosa assiste não só na intelligencia do homem, mas também no seu coração; consola-o e anima-o no abatimento da desgraça, modera-o e o regula no deslumbramento da prosperidade; ella passa do in- convergir, dividuo á familia, e da familia á sociedade; e sendo o ponto commum, em que todos concor- dam, torna a sociedade essencialmente homogénea, e por consequência também os indiví- duos essencialmente benévolos uns para com os outros; e eis-aqui, meu amigo, explicada a rasão de haver affirmado Montesquieu que a religião não fazia somente a nossa felicidade na outra vida, mas que já mesmo neste mundo a estabelecia. As leis conter os humanas podem temporariamente homens nos limites do dever, mas, susceptíveis sempre de se garem, ou sophisttiarem, romperem, proster- não podem por si sós 11 Divindade de Jesus constituir uma sociedade. A longa e regular permanência da baseada religião pelo contrario fé, que vê nella uma mente do próprio Deus, na lei e, dimanada como directa- Elle, perma- nente e immutavel, n'essa permanência e im- mutabilidade offerece ao homem a idónea e se- gura fiança de estabilidade, que as podem nas lhe não ofFerecer, leis sem e huma- a qual o seu animo jamais encontrará a tranquilla e perfeita confiança, trabalhar em dade. Se isto de que tanto necessita para proveito seu, e da mesma socie- assim não fosse, porventura me atrevera a perguntar a V. qual seria o negociante, em ou Banco commercial, que se mettesse grandes especulações, e arriscasse conside- ráveis fundos na occasião rigos e alterações politica ? V. em que previsse pe- imminentes á ordem de certo me civil e responderia apontan- do-me para os grandes cataclysmos bolsaes, que infelizmente se tem visto e vêem nas mais famosas praças commerciaes da terra; cataclys- mos, cuja primeira origem raríssimas vezes procede de causa superior e inevitável, mas provem quasi sempre ou da malicia dos homens, ou da insuííiciencia das suas leis; e é esta mais uma prova de grande porte para. a antes minha consideração. Entendo eu que todo o 12 Divindade de Jesus orbe terrestre é uma grande qual cada sível; um com tribue praça commercial, a de nós explora, e para onde con- a porção de trabalho, que nos mas, apenas vemos introduzir- se é pos- n'ella a e a desordem, paramos immediatamente com a nossa exploração e trabalho; e confusão d'aqui se segue necessariamente que a tal pra- ça de cada vez se confunda e desordene mais. A uma estes males, e a eguaes e infinidade de outros ainda maiores, acode a religião com o principio immutavel da caridade divina, que nos communica ; e inabalável, como a rocha marpesia, nos sustenta e dá sempre a precisa força'para resistirmos cia ás com ondas amiudadas invencível constâne furiosas, que no tempestuoso mar das paixões humanas promet- tem tantas vezes dar cabo da sociedade, corrompendo-a primeiro para depois a destruir. A religião, dos, consolando os pobres e os desvali- anima-os a percorrerem corajosamente a carreira trabalhosa d'esta vida terrena, porque lhes assegura, na eternidade da que hade vir^ a infallivel recompensa do seu soífrimento e resignada conformidade tos da"^ Providencia com os motivos occul- divina; ao mesmo tempo que, ameaçando os sam das suas riquezas e poder, lhes apresenta a ricos e poderosos, que abu- 13 Divindade de Jesus amapga do castigo sem certeza qual tem de curvar-se privilegio um fim, debaixo do dia o seu desgraçado de prevaricação, que n'este mundo souberam por tantas vezes e tão comesinhamente prorogar. FJstas ameaças incessantes são na verdade muito desagradáveis a homens af- comprarem metade do mundo com o seu dinheiro, e a esmagarem a outra metade a feitos E em com a ellas que o verdadeiro christianismo sua força. o seu principio amado pelos talvez parte devido a foi desde mais geralmente seguido e pequenos, que pelos grandes; e cabe observar aqui de passagem que entre todas as religiões conhecidas somente a do divi- no Jesus estabeleceu feita e entre os homens a per- verdadeira liberdade, declarando a egual- dade absoluta de cos para com que tinham os fra- os fortes. E' pois evidente que na direitos em todo o ponto para mim religião verdadeira e pura, estabelecida pelo divino Nazareno, consiste o enérgico cen- cohesão que por tantos séculos tem con- tro de servado o grande globo social europeo, sem que as poderosas forças perturbadoras que o revolvem, o tenham até hoje podido dissolver. A juizo; historia ahi está para confirmar o meu vejam-se attentamente os annaes dos po- 14 Divindade de Jesus VOS mais cultos e civilisados da antiguidade, e ver-se-ha como todos própria corrupção. elles acabaram pela sua Os Egypcios, os Persas, os Gregos, e pode sem receio dizer-se que tam- bém tra os antigos Romanos, não deveram a ou- cousa a extincção das suas nacionalidades. Os Romanos estavam já completamente cor- ruptos e perdidos quando Jesus Christo appare- ceu sobre a no, terra, e não foi mas sim o elemento o elemento roma- christão, quem pôde regenerar as nações modernas, herdeiras do arruinado império dos Cezares, e sustental-as até aos nossos dias em um e successivo, posto progresso constante que algumas vezes lento e quasi imperceptível. As gentes barbaras que vieram estabelecerse nas diversas províncias do velho império romano, já desfeito em pedaços pela própria podridão, conquistando-lhe o território e reco- Ihendo-lhe a herança, teriam sem duvida con- servado a sua barbárie natural, costumes de um nem as leis e povo, que detestavam, pode- riam servir para as amansar, domesticar e lisar, se o christianismo se civi- não mettera de per- meio entre conquistadores e conquistados, e não fora adoçando e polindo a grosseira rudeza dos primeiros, inoculando nelles a philosophia : Divindade de Jesus nova 15 fecunda, que o doloroso sacrificio do e Calvário tornara praticamente applicavel a to- dos os individuos, de que se compõe a humana sociedade, ricos e pobres, sábios e ignorantes, poderosos e desvalidos. O próprio Voltaire, em um momento de enthusiasmo poético, o seu indisputavelmente superior, se espirito, e quando desembaraçou por um pouco das paixões do orgulho e da vaidade, que infelizmente o trouxeram oífuscado por espaço de uma tão longa vida, na sua bellissima tragedia de Alzira for- mulou esta verdade sublime, pondo na boca de Gusmão, que perdoa a Zamor seu assassino pouco antes de expirar, as seguintes palavras «Nossas diversas religiões contempla «A tua te mandou assassinar-me, «Que te ame ordena a minha, e te ; perdoe.» Mal pensava o encarniçado inimigo do chris- tianismo que nestas palavras admiráveis dei- xava para sempre dada a mais lógica e eloquente resposta aos seus innumeraveis escriptos, e á sua travada guerra de sessenta annos contra a religião do Crucificado. Se o pantheismo materialista dos Gregos e salvar da sua ultima ruina estes dois povos, que tanto excederam em ci- Romanos não pôde 16 Divindade de Jesus vilisação a todos os outros da antiguidade ; se o magismo pérsico, pão obstante apoiar-se no famoso Zend-Avesla do celebre Zoroas- livro não pôde valer á vasta monarchia de Cyro para que não fosse aniquilada pela invasão de tro, poucos milhares de Macedonios se o budhismo, e o brahmanismo não poderam desde os tempos mais remotos até hoje fazer dos chins, ; dos japonezes e dos indios senão de selvagens sujeitos a ganisação sustenta, uma politica, como uma uma espécie certa forma de or- que ha tantos séculos os se fossem vermes, no meio de perpetua e miserável corrupção; se o ma- hometismo, apesar do seu autor ter appare- cido muito depois de Jesus Christo, de cuja divina missão nada com tudo quiz saber, tem em que em que todo parece-me ficar sendo uma conservado por doze séculos os povos, predomina, no estado mephitico, o mundo os vê, cousa evidentíssima que só no christianismo se encontram elementos verdadeiros, que á so- ciedade possam dar progresso que nunca retrograde, e liberdade que nunca se licenceie. Não foi moda no século pasmado com exageração gongorica os ma- ignoro que engrandecer que regiam as nações oriende quem acabo de fallar, quanto entre gníficos governos, taes, 17 Divindade de Jesus ellas se cias, achavam adiantadas as artes e as scien- sobre tudo na China, e eram cultos religiosos como os seus respeitáveis pela sua su- blime moral, e até pela sua prodigiosa velhice ; pois, lançadas bem as contas, se é verda- de o que disseram alguns escriptores europeus, a religião indo-china é muito mais antiga que o próprio Adão. Estes prestigios históricos, com que certos sábios nos quizeram embair, tem-se desvanecido nestes derradeiros tempos; e quem desejar saber quaes são os bons go- vernos que aquellas pobres gentes desfrutam, a felicidade que lhes doura a vida, o augmento de sciencias e artes que por lá vae, e os excellentes resultados práticos que ali se colhem das revelações de Vichnu, e da moral de Confucius, pergunte aos inglezes e francezes, em que nossos dias tem frequentado, e detidamen- te visto aquelles paizes, que descobriram tas maravilhas. qual é o nelles a respeito Também bom arranjo de todas es- o mahometismo par- tilhou quinhão avultado nesta laudatoria teima philosophica do século anterior; pretendeu-se dar por verdade histórica demonstrada que as nações christans na edade media eram barbaras por excellencia, e que, se ção havia, e alguma civilisa- amenidade de costumes, mister 18 Divindade de Jesus os era procural-as entre os Árabes, dos quaes europeus as receberam, durante o longo contacto, que com os mesmos Árabes tiveram, nas porfiadas guerras das cruzadas no na lucta secular, que já existiu quasi já oriente,, sem in- terrupção, na peninsula ibérica. Não quero que ella se contradizer esta asserção, bem podia contestar, comparando, por exemplo, a corte de Carlos Magno, e mesmo, nos pontos essenciaes, a de Constantinopla^ com tes as de Bagdad concordar de Córdova; quererei an- e em que os Árabes excedian> muito aos europeus d'aquelle tempo na extensão do seu commercio, na abundância e gran- deza dos seus inventos e artes, e até n^ cultu- ra das letras e dos costumes, sem que desta minha concordância possa deduzir-se cousa al- guma contra o meu propósito. Se naquellas cousas se achasse a prova de superioridade essencial, já os antigos pagãos a haveriam da- do muito maior, pois ninguém ja, sem precisar para isso de scientifica, ha, que não ve- uma grande quanto a civilisação grega e a ro- mana excederam neste género á cultura chris- tan da edade media. A escola voltaireana, que- rendo a todo o custo desmoronar o nismo, e luz mostrar por meio destas christia- torcidas. 19 Divindade de Jesus comparações com outros cultos e seitas religiosas, mesmo as mais absurdas, qual era a insufficiencia e inutilidade delle, como religião exclusivamente promotora da verdadeira feli- cidade e progresso da raça humana, confundiu cega, ou maliciosamente as idéas de lisação real e solida, te uma civi- que não consiste somen- no gozo material de bellezas e amenidades egualmente materiaes, mas cujo principio fun- damental só do racional elemento pode vir á sociedade, dando -lhe o seu verdadeiro de existir, e modo estabelecendo nella as relações de homens uns aos outros mutuamente se devem. Ora se esie principio não benevolência, que os tiver a sua se não for origem e permanente o seu apoio e immutavel, em Deus, e como EUe, ficará sujeito ás inconstancias e variações manas ; hu- em um tempo resultados produzirá em outro miseráveis e se produzir fascinantes, os e desgraçadíssimos. E' assim que nas vastas e melancólicas solidões do Sahara o terrível e em montões enordo deserto em um lo- abrasador Simun agglomera mes as areias ardentes gar, donde, quando novas fúrias o excitam, as desloca e dispersa, para tornal-as a amontoar d'ali do a muitas legoas de distancia; e os olhos viajante, que em duas occasiões diversas 20 Divindade de Jesus houvessem observado aquelle mesmo sitio, fi- cariam espantados ao ver as longas e eleva- em outro tempo ali enuma cordilheira immensa, agora tristemente mudadas em plaino árido e dedissimas collinas, que contraram formando solado. Eis-aqui, segundo eu penso, a causa por que a civilisação árabe se extinguiu do mesmo modo, que povos todas as se extinguiram nos antigos civilisações, que a precederam; em quanto que a civilisação christan, apezar mesmo da prolongada incubação em que a reteve a grossa e duríssima crusta da edade me- nunca chegou a extinguir- se, antes conservou sempre vivaz o elemento immorredouro da sua original essência. Todas as vezes que os homens livremente dia, respirarem o ar vivificante da religião christan apoiada na revelação divina, a alma se lhes expanderá pelas regiões do é necessariamente sua crença, e chamada infinito, para onde pela exegética da daqui ha-de sempre nascer pro- gresso e civilisação. Todas as outras crenças apoiam ou somente na palavra dos homens ou em falsas divindades, ainda mais variáveis e extravagantes que os próprios homens, podem sim durar por algum tempo e mesmo que se por tempo dilatado ; podem também escoradas 21 Divindade de Jesus na philosophia e nas leis humanas, mais es- e força material, chegar a pecialmente na certo ponto de civilisação e de progresso ; um mas nunca poderão passar além de uma meta limitada, e ou viverão uma vida imperfeita e pou- ou perecerão completamente. Como a sua exegética percorre um pequeno horizonte, falta-lhes o meio principal de illustrarem a alco feliz, ma do homem, e va e a virtude, de que tanto carece para resis- tir ao tormentoso choque das paixões, quando estas, atacando de lhe communicarem a em sei- grandes massas a socieda- de, se generalisam por toda ella. Assim essa sociedade, não crendo no infinito, que os seus directores alguma ou lhe occultam, ou lhe negam, e sem esperança no futuro providencial, que desconhece; em quanto ainda conserva um resto de vigor, estorce-se entre as ruinas, es- trebucha no meio da corrupção, e a final ter- mina pela morte, sem haver para ella verdadeiro elemento restaurador, que lhe possa conservar a vida. Muito bem é sabido de V. que os philosophos mais sábios e virtuosos da antiguidade comprehenderam o quanto a sociedade hu- mana te necessitava de uma religião revelada; e que, conhecendo divinamen- elles o vasio 22 Divindade de Jesus monstruoso do paganismo idolatra, nunca com tudo se atreveram a formular similhante revelação, cônscios da sua incompetência para mi- a prever e desejal-a. Quem lêr com apenas nistério tão alto, contentando-se com as obras de Platão, e principalmente attenção quem es- tudar na vida de Sócrates as suas acções e as suas palavras, hade forçosamente convencer- que se de estes grandes espiritos preludiaram a Jesus Christo, e quasi que o adivinharam. Tal era todavia o seu amor á humanidade, que apezar de conhecerem claramente a falsa. e es- que o seu paiz seguia, nenhum pregou jamais contra ella, antes sabemos religião, téril delles que sacrificaram aos deoses, messas a estes dirigidas, cidadãos. Por que seria blico que mostravam e cumpriram pro- como faziam tamanho outros respeito pu- estes philosophos a uma religião, cuja futilidade absurda perfeitamente sabiam Era porque estavam convencidos de ? que não tendo na sua mão nem a força, nem os meios de estabelecer entre os seus compatriotas uma religião, em que estes cressem, como emanada de Deus, mais valia conservar-lhes a em que elles criam, embora grosseira e falsa em si mesma, que deixal-os totalmente sem algu- ma crença ; porque para um povo que não crê 23 Divindade de Jesus «m Deus não ha religião possivel, e para o que crê em Deus é só possivel a religião, que ^lle profundamente creia vir-lhe desse mesmo Deus. Platão, depois de haver meditado por largos annos nesta gravissima matéria, disse que era difíicil conhecer a Deus claramente, e mais difficil ainda fazel-o conhecer ao povo. Se de entre os philosophos seguidores da sua doutrina vie- ram os primeiros gentios illustrados, que em grande numero abraçaram o christianismo, é porque viram por este realisada a grande idéa regeneradora da humanidade, que o espirito transcendente e justo do seu admirável mestre tão antecipadamente aventara, sem outro auxi- que o da sua esclarecida e recta rasão, € quando muito o de uma imperfeitíssima noticia da religião hebraica. Alguém poderá di- lio mais, zer que nem todos os platónicos adoptaram o christianismo, e que até alguns delles houveram que o combatessem, seja verdade, e eu não negarei que isto porque os homens, ainda os mais sábios e intelligentes, soíTrem ás vezes suas per- turbações no giro, que devem fazer pela orbi- do bem pensar, parecendo-se nisto com os planetas, que também soffrem perturbações em algum modo similhantes áquellas, apartanta 24 Divindade de Jesus do-se mais ou menos do curso regular das suas orbitas; porem todos os astrónomos con- cordam em que taes irregularidades servem para confirmar a regra, e não para a destruir. Estas perturbações, que nos planetas procedem de attrações reciprocas entre os corpos planetários, já procedem nos homens das suas aífeições, já já dos seus ódios, dos seus interesses, já finalmente de qualquer insignificante bellisca- dura na sua vaidade. Desta complicação de causas nasce o serem muito mais numerosas^ e difificeis de explicar as perturbações que as planetárias, e estou bem humanas, persuadido de que V. se não recusaria a ajudar-me na despeza, que eu tinha de fazer em dar um grande premio pecuniário ao astrónomo, a quem o me explicar, por exemplo, no planeta Júpiter, uma perturbação, que lá se visse similhante nem mais nem menos á que o presente século já viu no houvesse promettido, para este minha intima convicção Platão vivessem no tempo celebre Lamennais. E' que se Sócrates e de Jesus Christo, teriam seguido a sua doutrina, e sido companheiros de S. Paulo em a propagar, porque nella achariam a auctoridade divina, que debalde tanto procuraram, para poderem ensinar aos homens uma religião no- 26 Divindade de Jesus mas boa va, e verdadeira, em que estes po- dessem e devessem crer. Nem outra foi a causa, que fez christãos os Clementes, os Justinos, Origenes, os TertuUianos, os Agostinhos, e os tantos outros philosophos e sábios illustres, que abrilhantam os primeiros séculos da egre^ ja christan. Se compararmos o christianismo com todas as outras religiões, que tem havido até hoje no mundo, á excepção da Moisaica, acharemos, se a parcialidade e a paixão nos não cegarem, que nenhuma delias soíTre a compara- Sem ção. em uma eu querer agora entrar dis- cussão theologica, o que seria impróprio desta carta, permitta-me V. dizer somente falsidade, a extravagância, e religiões pelos delias nasceram, e que ro, feito o ridiculo dessas foram cousas sempre comprehendidas homens de verdadeiro dentemente depois de me que a saber, que no seio isto se demonstra evi- um bem pequeno exa- nos escriptos de Aristóteles, de Cíce- de Luciano. Ninguém ainda poude em evi- dencia provar a falsidade do christianismo, e se espíritos illustrados e superiores, por infeli- cidade sua, não tem querido acreditar nelle, o mais que chegaram a alcançar ser verdadeiro em tudo, foi a duvida de mas nunca a certeza 26 Divindade de Jesus de que era fal$o. E"* porque somente a revela- ção moisaica e a christan, seu complemento, se fundam sobre bases rasoaveis e justas, em- bora cercadas de mysterios, que se não com- prehendem, recem e de certas circumstancias, que pa- inexplicáveis, sendo nestas bases rasoa- veis e justas que se também a fé mesmos mysterios funda tan para crer esses chrise cir- cumstancias, que por agora se lhe tornam in- comprehensiveis; e a isto se quando nos recommendava o quium, de que nesta carta Na se S Paulo rationabile obse- já fallei. verdade, que vinha a ser a Christo, gelho e referia fé em Jesus ordenada tão expressamente no evan- em quanto todos os livros do novo testamento, ella nos manda crer podesse demons- mathematicamente? Quando foi recompela mathematica aos seus adeptos fé grande ou pequena para crerem que dois e dois fazem quatro, e que quatro e quatro fazem trar-se mendada Não são por tanto os mysterios christãos, devem comparar-se aos mysterios das outras religiões, como pretendem os modernos oito ? os que incrédulos ; pois é claro que se de uma e outra parte se apresentam mysterios, serão todos elles egualmente incomprehensiveis e inexpli- cáveis. A comparação sim deve fazer-se, mas 27 Divindade de Jesus dão estabelecem que os de taes mysterios esses é entre as rasões de credibilidade, que nos para os crermos, tendo Ora, querido humana rasão como revelados por Deus. lhe o mesmo Deus que ficasse a sendo perpetua- seguese que a essência necessária aos mysterios é a sua incomprehensibilidade, por não serem elles outra cousa, mente sujeite, relativamente aos homens, senão o exercício continuado d*aquella sujeição, ca pela constância na fé. Deste que se modo verifi- os pro- poz sempre o christianismo aos seus segui- nunca como adivinhações, ou enygmas, que se podessem explicar ou decifrar. dores, Os e incrédulos, attribuindo este ultimo ridículo aos mysterios sagrados, para os classificar co- mo destemperos de uma phantasia .enferma, e concluir daqui a sua impossibilidade, não fize- ram nem farão com isso mais, que estabelecer a proposição monstruosa de que pode a rasão humana comprehender que pode o me finito a rasão divina, isto abranger o infinito. é, Parece- que os incrédulos seriam mais francos e leaes argumentadores substituindo estas argucias velhacas pela negação clara e absoluta da existência de Deus. Tudo quanto acabo de dizer não duvido, feitos os precisos descontos, 28 livindade de Jesus applical-o sas lambem aos milagres bíblicos, os em relação ao giro ordinário das couno universo, quasi se podem chamar mys- quaes, terios. F/ fácil de ver que somente philosophos por extremo engoiados ou bazofios podem sustentar, sem que interiormente estejam rindo, que a hermenêutica e a critica mais apuradas e fi- nas não devem achar diíferença entre a reve- narrada pelos Testamentos Ve- lação divina, lho e Novo, e as revelações que se lêem nos Vedas e credito; nos Puranas; que todas merecem egual que as Suras disparatadas do Koran valem bem as paginas sublimes do Evangelho e das Epistolas Apostólicas; que a moral do Zend-Avesta, onde entre outras amabilidades casamento dos pães com as fié tão pura e perfeita como a moral evan- se determina o lhas, gélica; que Mahomet provou a sua missão com evidencia e santidade igual á de Moysés e Jesus Christo; e que as não sei quantas meta- morphoses de Vichnu serviram de molde aos hebreos para fundirem a encarnação do divino Messias. Não se pejaram estes chamados philosophos de acharem parallelo entre o mysterio augusto e infinitamente transcendental da humanisação do Verbo eterno, e as extrava- — 29 Divindade de Jesus gantes e ridículas transformações da segunda pessoa da Trimurti indiatica em phoca, já em tartaruga inimigos do christianismo com as outras religiões, gmas e á com quem sabe a sempre se já em porco, já Esta insistência dos em o compararem dando sempre aos do- moral destas vantagem, ou pelo me- nos egualdade tar a ! aquelle, não deve espan- regra do minta-se, núnia-se, que pega alguma cousa; e neste caso não porém muito o que ficou só alguma cousa, foi pegado. O famigerado barão de Holbach, infatigável chefe do estado maior general do grande exercito da incredulidade do século passado, es- forçou-se quando pôde para provar, no seu liTractadoda Moral Universal — vrointitulado tudo quanto acabo de referir, e para isso confun- diu todos os bons principios philosophicos, alterou as melhores apreciações históricas, e tro- cou as mais venerandas tradições, tirando a final de todo este Ímprobo e infeliz trabalho a consequência única de que os Japonezes, os Cochinchinos, os Oceanios, as tribus negras da Africa, e os Selvagens da antiga America então e sempre estiveram ao par dos europeus cul- menos, muitos aptos para o estarem sem algum outro auxilio mais tos e christãos, ou, pelo 30 Divindade de Jesus lhes ser necessário religiosas bem que o das suas velhas noções desenvolvidas e aperfeiçoadas me Asseguro a V. que nunca prehender que atheo, um homem materialista, ou ! I custou a com- de talento fosse em- sceptico, por que, fim, são infinitamente variados os modos, pelos quaes o espirito humano vê e percebe as cou- devemos adorar submissamente o Creador, que por occultos desígnios permittiu á creatura estes deploráveis desvios, e ao menos conceder aos alumnos daquellas doutrinas a sas, e qualidade de lógicos toleráveis, visto que nada admittem acima da sua rasão; sendo só para notar-se nelles a contradicção quando animam se pelo génio da propaganda, porque os princípios philosophicos da incerteza, ou da duvida, com que adoptam, parecem-se na propagação o fogo, que quanto mais se propaga mais des- O troe. der é que eu porém ainda não pude entencomo um deista racionalista, que crê na do ente supremo mesmo ente supremo e existência e infinito, e crê este infinito fez mens revelação da sua cando-lhes a idea do divindade, bem e que aos ho- communi- do mal, pode jun- tamente convencer-se de que esta revelação nunca se verificou, nem verifica, senão por meio da rasão humana. Ora tendo em toda ! ! 31 Divindade de Jesus O tempo dado esta rasão humana tão repetidas provas da sua debilidade e inconstância, segue-se que os mesmos homens, que por um lado reconhecem e confessam a immensidade e omnipotência de Deus, o reduzem por outro á capacidade e meios de acção de da terra tão pequeno como O racionalismo, é um bicho homem o próprio para economisar o poder só divino, não receia contradizer-se Tem bem sido longa esta carta, mas V. me desculpará o abuso, que porventura tenho feito da sua paciência, attendendo á necessidade que me achava ções, pelas Renan fez ao seu paiz, e vilisado, de apontar todas as considera- quaes um em me persuado que o senhor grande desserviço em geral ao escrevendo um mundo em particular christão e ci- livro, cuja doutrina, se desgraçadamente fosse seguida, cortaria pela raiz a religião christan; tan vem mento' a ser cousa em que não porque a religião chris- nenhuma desde o mo- crer e adorar a divindade de Jesus. Appello para o senso intimo de todo o homem intelligente e desapaixonado, que declare com franqueza, se, no caso de haver si- do desde o principio a sagrada pessoa de Jesus Ghristo conhecida unicamente tal qual nos conta o senhor Renan, teria o christianismo ; : 32 Divindade de Jesus apresentado tantos prodígios de abnegação e fé ardente, e tão rápido progresso na propaga- ção da sua crença; se teria com o sangue de regado a sua santa martyres, e se teria podido atravessar sempre florescente e viçoso, não direi já os seus desenove séculos, mas somente os três primeiros deseara tantos milhões de baixo de perseguições furiosas e quasi continuas, e exposto sempre ao desprezo e zombarias da sociedade d'aqueiles tempos, perseguição como os Ainda bem que o li- muitas vezes tão custosa de tormentos e a morte ? soffrer, vro depois da primeira enxurrada vai cahindo no esquecimento, que merece; e note V. que mesmo aconteceu aos innumeraveis livros, que foi moda no século passado escreverem-se o o contra christianismo, quaes poucas pessoas se isto claramente já em da maior parte dos hoje tem noticia. Vê- Bossuet e Voltaire o ; primeiro escreveu o Discurso sobre a Historia guiado Universal, pelo espirito religioso, o qual lhe inspirou a magestosa sublimidade que ainda em que lêem nossos dias é admirada pelos sábios, e meditam aquelle grandioso livro o segundo escreveu o Ensaio sobre os costumes das nações^ guiado pela incredulidade sceptica e posto que tractou de imitar e até contrafa- 33 Divindade de Jesus zer no que pôde ao primeiro, apenas chegou a produzir uma obra acanhada e sêcca, a qual ninguém leria hoje, se não brilhassem n'ella de quando em quando algumas individuações de factos particulares, cterísticos e alguns contrastes cara- de tempos e de pessoas, que, como as chispas ao silex ferido pelo aço, nunca tavam ao auctor da Henriada, Esta que se observa a respeito dos fal- differença, livros religiosos e dos anti-religiosos, parece- me que se expli- ca pelo instincto, que os homens no meio das suas paixões e desvarios nunca perdem mente da conservação lhes tar faz que própria, instincto, na religião o principio elemen- sentir da vida do total- homem credulidade sceptica a moral e social, e estéril aridez, na in- que só po- de trazer á sociedade furacões desolantes, e depois destes o desfalecimento e a morte. Muito grande é por tanto o louvor, que a V. tem se deve, pelo bello e excellente livro, que «scripto; bello pela riqueza e perfeição tilo, pela clareza e lucidez do es- das ideas, e pela forma elegante e agradável; excellente porque é um livro de cuja leitura os seus compatriotas poderão sempre tirar utilidade, nunca prejuizo. O nome de V., como tive a honra de indicar no principio desta carta, titulos possuia já sobe3 34 Divindade de Jesus jos para ser contado pela posteridade entre os dos nossos mais distinctos e mimosos escriptoagora levanta V. res; um novo padrão, diante do qual essa mesma posteridade se curvará res- peitosa, recordando- se dos louros gloriosos, que se ço de tantos séculos, sempre na com ennobreceram os nossos avós por espa- estrella com os olhos fixos luminosa da cruz, cuja direcção e mysteriosa influencia são as únicas forças ca- pazes de nos segurar no presente uma situação prospera e solida, e de nos preparar no futuro um progresso verdadeiro e successivo, o qual sem desapparecer engolido anarchia moral, nem pelas voragens da se esqueletisar com tra-- balhosa caminhada pelas marasmaticas e asphyxiantes charnecas do scepticismo, nos poderá conservar a vida do tempo, sem nos matar a da eternidade. Nesta quadra dolorosa de in- credulidade, em que muitos homens, aliás do- tados de notáveis talentos e saber, e até muitas vezes das melhores qualidades de espirito e uma em combater o coração, se encarniçam por e inexplicável sem lhes cegueira fatal christianismo^ importarem as consequências desas- que ao povo fazem experimentar, e a pandorica boceta que lhe oflertam, se, o que Deus afaste, conseguirem a final des- trosas e terríveis, Sô Divindade de Jesus christianisal-o totalmente, não hesitarei em aííir- mar que o livro admirável escripto por V. não serve somente para honrar as letras portuguezas, mas que os seus effeitos chegarão mais podendo longe, em ser proveitosos todas as partes da terra, por onde se acha espalhada a doutrina pura e santa do venerando código promulgado no Calvário. O methodo claro, grave, e digno com que V. escreveu, não só responde convenientemente aos adversários do divino martyr do Golgotha, mas até ensina aos próprios defensores do crucificado haver-se para que o excesso de reflectido os com como devem um zelo menos não exponha a qualquer censura apparencias de justiça pelos seus infatigá- pouco escrupulosos contendores. Neste assumpto, sempre extremamente melindroso, é veis e difíicil o saber bem distinguir se nos illumina o eterno pharol da inspiração celeste, ou se es- crevemos guiados apenas pelo simples motor da nossa rasão particular. Concluirei dizendo a V. que a profunda convicção, a em que estou, de Egreja Catholica collocará o seu livro monumentos doutrinaes, que enriquecem, assim como a litteratura pátria entre os valiosos a V. em illustrado tanto. Te- o ajuntará aos muitos outros, ramos tão diversos a tem com que 36 Divindade de Jesus nho exposto, como prometti, as rasões da minha crença na divindade de Jesus, e da minha veneração pelo livro, que a defende com tão grande cabedal de saber, e elegância de locução; a respeito da carta dedicatória nada posso accrescentar ao que já disse com um agradecimento amor próprio. V. d'este meu dendo eu cada quando a agradeci cheio na verdade de dirigindo-m'a, teve a culpa forçado silencio, por que, não pofazer outra cousa mais, instante em relevo a magia de que encanta a alma e que pôr a um estilo, o coração, o risco de pa- recer suspeito se me importa; trechos, como aquelle, de tão alta eloquência não carecem de elogio alheio como o Não tornou inevitável. ; são sempre mais resplandecente, que tudo quanto em seu louvor pode escrever-se. sol De Amigo Fov»a do Varzim V. atfectuoso, e obediente criado 3 de fevereiro de 1865 Visconde d*A{ei^edo, . CARTA AO SENHOR VISCONDE D^AZEVEDO 12 iRTicem 16 est, simul consolari in vobis, per eam, quíe ftdem vestram atque meam. Non enim erubesco Evangelium. Epis T. B. Pauli ad Rom. — Cap. . I. 12. ... para me consolar juntamente comvoseo, por aquella vossa e minha fé que uns e outros professamos. 16 Porque eu não me envergonho do Evangelho. RplsT. DE S. PAm.0 AOS Rom. — Cap. I. Snr. Visconde Bosquejei, ha onze annos, uns artigos deno- minados Divindade de Jesus, O prazer de vêl-os -estampados não correspondeu á consolação de sentil-os. Cuidei que havia profanado o assum- com communs da vida. pto nas formas vulgares e locuções triviaes que eu exprimia as sensações Reli as orações de Lacordaire, Ventura, Frayssinous, e Ravignan, concernentes ao mesmo motivo, e humildei-me, sem dezar d'amor- próprio, confessando que o assumpto exercitado por aquelles doutissimos propugnadores da Di- vindade de Jesus, produzia argumentação controversa, formulada em linguagem in- explen- 40 Dioindade de Jesus dida; em quanto que, por mim, apenas intro- duzido, de consciência e coração, ao noviciado dos estudos religiosos, o sublime assumpto deu de si uma pouco menos de apagada luz, que, assim mesmo, tinha o merecimento de não ser absolutamente completa escuridade. Oífereceu- se-me então pensar que, n'este immenso san- ctuario, as pequenas lâmpadas, que não alu- miam nem se amostram aos olhos da humanidade, o summo Bem as vê, o supremo Senhor as acceitará amorosamente, como da indigente viuva acceitou a minguada oblação, e dos poderosos, em mármore e ouro, magestosos tem« pios. O fervoroso desejo de intranhar a minha fé no animo de amigos bem inclinados, que se dispensavam d'ella, em quanto as miragens da vida, moça e enganada, lhes bastavam á lisonja d'olhos, e o coração, de grado, se entregava cadeia dourada das esperanças voroso desejo, digo, foi carem-se os argumentos ; — aquelle á fer- grande parte no publi- com que eu respondia minha conversão. Conversão chamavam alguns o que meramente devera chamar-se reflexão. A juiza d'outros, á minha religiosidade era hypocrisia. Os amigos arguiam-me de inepto os inimigos á philosophia indócil dos espantados da ; ! 41 Divindade de Jesus de impostor; cumpria ser velhaco ou néscio para confessar a divindade da religião do crucificado. Que desconsolador dilemma, snr. vis- conde! Quer-se que Chateaubriand e Lamartine, levados por coração e intelligencia a sagra- rem nos altares do Salvador, sejam hypocritas ou ignorantes! Quer-se que sejam e tenham sido impostores ou mentecaptos os milhares de antigos martyres, e os centenares d'elles que ainda agora se deixam matar abraçados á cruz Pois os sinceros e esclarecidos hão-de ser tão- sómente aquelles que, sem rebuço, fazem praça de sua irreligião ? Se doestes ha poucos ou muique tos se dispensem da Divindade de Jesus para serem honrados, é justiça se denegue fé, isto para que consciência e illustração aos que fervorosamente confessam as doutrinas revela- das pelos discípulos de Jesus Ghristo?! Quando eu escrevi os artigos, que me foram testimunho da minha ignorância ou hypocrisia nas praticas dos meus julgadores imprudentes, me estava eu dando a nha crença. Não túnio que me mim sei se foi fez algum ingente ir alliviar cruz ao pé da cruz do as razões da miinfor- o pezo de minha Homem-Deus : devia de ser; umas quasi delidas reminiscências do coração d'aquella idade me dizem que foi. O 42 Divindade de Jesus aperto da dôr espertou-me na memoria as ora- ções da infância. ra, A mãe, que eu não conhece- devia fallar-me n'essa hora. me pois A que de- luz, guiou no rasto dos grandes infelizes, caminho do Calvário, devia de preluzir-m'a ella ao animo conturbado e aífligido, antes que o estudo me volvesse á serenidade da fé, e ás fontes novas das aguas bem-ditas da esperan- ça. Vi então rasgarem-se-me os horisontes da em annos vida de paz. Contava còm a graça divina para luctar e vencer, vencer-me a mim, o mais inexorável inimigo que ainda ganei-me: as paixões sopraram do tive. rijas En- do lado inferno; os vislumbres da graça deixei-os apagar no coração repleto de máos sedimentos. Volvi ás angustias antigas, ás trevas d'uma em cegueira, como que, por vezes, umas os lampejos dos amauroticos, visões, me davam rebates de saudade da luz perdida. E era então o pensar eu comigo, snr. vis- conde, nas razões da minha sas com que fé, razões vigoro- a consciência se assoberbava de Ainda agora, tão longe d*aquelie tempo de bem agourada mudança, peço aos meus vinte seis annos de então conta do frusua força. eto das muitas vigilias, dadas mais ao frio 43 Divindade de Jesus estudo que á contemplação mystica de Jesus Christo. Eu não poderia hoje, sem abandonar a seara onde vou grangeando o suado pão da existênthesouros em que a divina providencia me deparou o pão da alma e vida eterna. As tempestades, que eu colhi dos ven~ tos semeados, levaram-me esses thesouros, os livros, companheiros idos como amigos, que desanimaram de me reterem no seu grémio e cia, reabrir os me lançaram de si com justificado desamor. Escassamente a memoria turvas lembranças dos me restituiu umas meus estudos da moci- dade, quando, pouco ha, li a Vida de Jesus por Ernesto Renan, livro que V. Exc* leu attenta- mente, como devo e discreto a que do debate illustrado convidado pela engenhosa inferir foi apreciação do snr. Pinheiro Chagas, moço, que tão em verdura de annos, felizes aíFoitezas terçar na saber do se abalança ás da sua muita capacidade para mais lidada e arriscada arena de homem. Assevero a V. Exc.% com as melhores expressões da minha serenidade, que o livro do insigne escriptor francez nem demudou do n'outros tempos, me não esteio a o meu que desconvenceu, se amparara, espirito, estonteado 44 iJivindade de Jesus pelos repellões das philosophias antagonistas» Direi agora como os Evangelhos de Nosso Se- nhor Jesus Christo me deram o arrimo da ar- vore sancta, cujas raizes, manancial da seiva de dezenove séculos de progressiva civilisação^ a lamina hervada do famoso livro não vingou ferir. Nos muitos e melhores annos que me fugiram distrahidos da religião, por vezes, algumas altas idéas me surprehendiam nos ermos, onde eu, como a fugir de mim próprio, ia esconder-me e consultar-me. A necessidade de comprehender as obras divinas mais contingentes á humanidade, guiava os meus raciocinios até ao dogma. Chegado aqui, tomava-me o desalento, a desconfiança, e logo a inércia da indiíferença. Escutava a minha razão, que se oppunha ao rompimento completo do destino humano com o sobrenatural. A razão dizia-me em tom consolativo: «o sentimento religioso te basta: sabe que ha Deus, e adora-o; deixa-te ir nas que os anhelos d^outra vida, a poesia dalma que te levanta sobre as realidades d'este mundo, são azas já de refulgentes si Dogmas, de tua phantasia ; a tua identificação ás coisas divinas. e organisações de egrejas de que te 45 Divindade de Jesus aproveitam? Crê, adora, assombra-te das maravilhas do mundo, ama teus irmãos, sê feliz redundem pela virtude, faz que as tuas paixões em contentamentos duradouros, sem peçonha de arrependimento, Em tecer de tua vida. o anoi- e espera tranquillo quanto aos dogmas, que repulsam as investidas da tua razão humilhada, que montam elles para o bem-estar, o bem- querer de tua alma ? Ascende mais poderes, em espirito onde mais perto serás da origem e divina das coisas.» Mas eu não podia subir além do curto es- paço que meus olhos alcançavam. A imagina- alada para Deus, a poucas voltas, cahia ção, extenuada. O meu pensar livremente era estreita área Um da razão captiva. n'uma livro mo- derno explica miriíicamente o breve alcance da minha imaginação d'aquelle tempo: «Não é o homem um tico, ser mundo amor e actual meramente sensivel e poé- a ultrapassar as balisas do aspirando material, e com impulsos de phantasia. O homem pensa ao mesmo que tempo sente quer conhecer, crer e amar simultaneamente e por igual: não lhe abasta que sua alma se commova e remonte faz-se; : Ihe mister repousal-a mes em aos seus inlêvos. E* convicções conforisto que o homem 46 Divindade de Jesus almeja na religião: pede-lhe, além das exultaçóes nobres e puras, além da luz, a sympathia. Se a religião lhe não resolve os problemas mo- raes que lhe inquietam o espirito, religião de certo não é: poderá ser, Commove-me ao quando muito, poesia. contemplar a desordem das almas elevadas que cuidam achar, no mento religioso duvida e senti- somente, a defeza contra a impiedade. . (i)» . O dogma, snr. visconde, era para os voos descompassados do meu espirito ousado o que deve ser para as aves de mais alto adejo o ambiente onde o ar religioso, acrisolado mortífero. é O instincto no mais estreme espiritua- lismo, parecia, cada vez mais aprofundar o vá- cuo de minha alma. O pantheismo, a ubiqui- dade de Deus, entreteve por algum espaço o jogo das-chimeras com que a minha pobre razão se deleitava gava, em que eu ; se estorcia e fugia á res, em o uma depois, se hora che- carecia de Deus, se o animo compressão das suas do- meu pantheismo não me figurava Deus parte alguma. Direi sinceramente a V. Exc.^ que as minhas crenças (1) GUIZOT tienne» 1864. deistas, quando eu mais «Méditations sur Tessence de la Religion chre, 47 Divindade de Jesus em linimento de afflicme davam. Bem m'o havia dito carecia de coiivertel-as ções, nada Bossuet *o deismo é a mascara do : atheismo Appliquei aos factos as minhas cogitações ; abstive-me de theorias especulativas, e entendi no que era da jurisdicção ram muito em meu animo do raciocínio. Reza- as singelas palavras de Jesus Christo aos incrédulos de Israel: «Se não quereis acreditar minhas palavras, vede e considerai as minhas obras.» Estudei pospor, meus os como factos sem do Ghristianismo, perigosos á imparcialidade dos estudos, os formidáveis os syllogistas, sectários da doutrina positiva. Agora, darei a V. Exc* conta de minha no dogma. Procedeu ella fé immediatamente da crença fundamental da religião christã : con- venci-me da divindade de seu author. Jesus disse que era o Messias. Messias, Filho de Deus, propriamente Deus. Umas provas deu-as aos discipulos que lh'as pediam, e outras espontaneamente ás multidões, que as não pediam. Urgia que as prophecias se cumprissem Jesus. Urgia que sua vida terrena em se manifes- tasse por actos de impulso sobrenatural. Cum- 48 Divindade de Jesus que as suas predicções se realisassem no pria correr dos tempos. desde o presepe onde nasce até ao Jesus, sepulchro d'onde se ergue triumphante, corres- ponde ás máximas e mínimas condições de morte preditas no velho testamento. v'"da e O novo testamento abriu-me os seus thesou- ros de provas ; a historia, pregão eterno pro- ferido por bôccas insuspeitas sobre as ruinas da nação amaldiçoada, confirma com superabundância de factos humanos a obra divina singelamente referida nas tradições dos evangelistas. Pareceu-me que a vida natural de Jesus de Nazareth é e morte sobre- um dos succes- sos mais cabalmente provados irrecusáveis, no quem intendimenlo de estudar desprevenida- mente aquella mais sublime e transformativa phase da humanidade. Desde que esta luz da divindade do Salvador se fez em meu espirito, soccorri-me do dogma christão, sempre que rebelliões de raciocinio, duvidas reluctantes, febres de entrar com dos do Creador, a intelligencia aos segre- me levaram ao perigo de achar engenhosos os philosophos racionalistas. Os annos se os correram, snr. visconde mares borrascosos; vi ; cavaram- e experimentei muitos naufrágios; nos meus deixei-me ir Deus- Divindade de 49 Jestts quando outros alijariam ao abysmo o gravame da vida, cuidando que era misericórdia; e, assim o salvarem-se de beber a tragos lentos a morte, eu acceitei os desastres as culpas, e fiz como do meu respeito á Deus uma anchora. Quero dizer a V. Exc* que os tormentas me não rebataram Evangelhos de Jesus. Nunca acceitára justiça de tufões das das mãos os fui tão desgraça- do quando a opinião poderia cuidar que eu fosse. Tenho de meu, e do favor do céo, a felicidade da oração. Non enim erubesco Evangelium. Li a Vida de JesuSj imaginada por Ernesto Renan. Entendi que era um dos mais perigosos livros que ainda se escreveram contra a divin- dade do fundador do christianismo. Os Celsos, e Porphirios, e Julianos argumentavam, syllogisavam os seus paralogismos, tiravam consequências vigorosas de principios viciosos mas ; argumentavam. Quem os lê, naturalmente, exa- mina como os Origenes, os Tertulianos rillos lhes e Cy- responderam, e decide entre conten- dores que aífoitamente se defrontam na peleja. meu do christianismo nascente, os pelejadores formidáveis dos primeiros séculos náo foram tão nocivos ás crenPois, a juizo, os flagellos ças dos galileus como o livro do moderno es- — 50 ; Divitidade de Jesus A criptor francez. Vida de Jesus de Strauss^ lavor de admiráveis e por vezes engenhosasfadigas, vastas paginas lardeadas de vasta eru- dição, posto ça, e que mandado três vezes publicado em Fran- a civilisar os bárbaros, que ain- da juravam pela divindade do crucificado, o grave e pesado livro do professor de Tubingue apenas abalou as crenças d'alguns que não a leram, e se espantaram do assombroso mo do alemão. O carcaz das frechas mais hervadas contra a religião pendia mento o digo lyrismo ; — sem motejo nem encareci- —-do cez. Este livro é tal criticis- talabarte bom de do ler-se; estilista fran- tem sentimen- os periodos são boleados a primor; o heroe, que aconteceu chamar-se Jesus, tem ás vezes maviosidades, innocencias, e preceitos que vão dentro d'alma, travagâncias de uma sem ao par com e lá ficariam, se as ex- ignara embustice não vies- celestiaes attributos. Podia o, ainda assim, heroe sympathico, chamar se Appolonio Thyaneu, ou Bouddha modo mas o ; ficava de igual graciosa e para muito êxito a novella author quiz afervorar o interesse minou Jesus o personagem, e, com ; deno- eíFeito, ga- nhou; auferiu d'aquelle nome augusto torrentes de ouro, e estacou as torrentes de lagrimas 51 Divindade de Jesus em que muitas afflicções se desentranhavam, invocando o nome sacratíssimo do Filho de Deus. Ao lêrem-n'o, muitos espiritos, não despe- ciendos em cultura, se dariam por satisfeitos do recheio de notas indicativas do saber do Em author. leitor veria caso de insufficiencia de notas, o que Renan, conforme a sua phrase, não costuma refazer o que está bemfeito. (i) Quer dizer que, onde elle é conciso, outros foram prolixos. Lá vem no thores consultados tem vagar de já : livro o catalogo dos au- são muitos cottejal-os, nem ; foram refutados os consultores res de Renan ; o leitor não cu^a de saber se e inspirado- volta a pagina, e vai avante na seguridade e confiança de que o livro, que tem entre mãos, é a quinta essência, a recapitula- ção incontrastavel das escholas da razão natural. Observei eu que o afamado livro concorreu com os romances do anno passado aos gabi- netes das senhoras cuidadosas em possuirem as novidades da litteratura recreativa. mas leram a vida de Jesus, As da- segundo Renan ; e condoeram-se do aífectuoso personagem tão (i) Introducção, pag. 6 52 Divindade de Jesus iniquamente suppliciado. Gompadeceram-se do judeu crucificado, assim como, guardadas as compadeceriam d^algum desventuroso heroe das minhas fabulas, género phantastico, em que eu, certo, não ouso medir-me com o inventivo membro do distancias entre infelizes, se Instituto de França. Como quer que seja, o mais damninho e de- pravador escripto devia ser com feitio uma vida de Jesus, de romance, agradável gem, commovente, ideaes melancolias e, ; a espaços, e, em sombreada de por sobre tantas condi- ções meritórias, lustrada pelo verniz cia com que o lingua- da scien- author, ás vezes, marcheta os seus periodos rendilhados. Se V. Exc* m'o permitte, direi agora o que não ousaria dizer em conversação, porque tudo que eu pozer aqui em deslustre da sciencia e das hypotheses de Renan, será pouco em comparação do muito que V. Kxc* allegaria contra a má fé ou contra a insciencia do livro. Outro sim me não desvaneço de escrever coisas novas para qualquer leitor medianamente lettrado. Algumas das mais enérgicas refutações da Vida de Jesus correm traduzidas, ainda bem, e derramadas numerosamente. Eu vim tarde com a pobreza d'ei>te esboço : tudo que eu escrever, 63 Divindade de Jesus estava escripto; em para assim dizer, escripto e, redor do berço da nossa divina religião. Renan quando não inventou, copiou os contradictores da divindade de Jesus; primitivos Renan trasladaram os impugnadores de fiel- mente os antigos defensores da origem divina do christianismo. Em quanto a mim, esta repetição de argumentos, sempre idênticos e sempre triumphantes, contra todos os gnósticos e ebionitas de todos os séculos, diz gran- demente em pró da inteireza, solidez, e immo- bilidade dos principios. Aos crentes da Cruz não negacear ao fervor dos phantasticas. tos terrores A se lhes faz mister fieis com alliciações tragedia da Paixão incute san- que introvertem a alma para longe de quadros imaginários. S. Paulo disse com maviosa simplicidade: «E eu, quando fui ter comvosco, irmãos, não fui com sublimidade de estylo, ou de sabedoria, a annunciar-vos o temunho de Christo coisa alguma entre ; tes- porque julguei não saber vós, senão a Jesus Christo, e este crucificado. (i)o Escreve Renan (i) uma Aos Corinth. Cap. li larga introducção á Vi- 64 Divindade de Jesus da de Jesus, O A que valor, essência do livro é a introducção. ellé ha de tiver, ella dar-lho. O ao que parece, reduzir Jesus mera humanidade, despreciando a valia dos Evangelhos, a historia coeva do Redemptor, o critico pretende, á mais antigo testemunho que possuimos da sua divindade. Por isso eu disse que a introducção é a es- sência do livro: esta é a liça do debate, a ques- tão suprema. Demoremos, snr. visconde, algum breve espaço, n^este vestibulo que tem muito que vêr. Se em quanto estivermos n'elle, se apa- garem as lâmpadas que o philosopho nos ofíerece, não passemos além da ramalhosa introducção, que d'ahi a dentro será tudo trevas em labyrintho de hypotheses, nas quaes a ou- sada blasphemia corre parelhas Observa um refutador de com o desatino. Renan que este fluctuante philosopho, tendo escripto, ha muitos annos, que a parte verdadeira dos Evange- lhos escassamente daria ria uma pagina da histo- de Jesus, se propoz agora extrahir da con- textura completa dos Evangelhos em quatro centas e signe observador, em J^5í/5 radical uma Vida de sessenta paginas. vista O in- de reforma tão no animo do philosopho, espera que 55 Divindade de Jesus Renan converta pura e simplesmente aos se quatro Evangelhos canónicos. em Por quanto, as crenças do sócio do Ins- sobre a authenticidade dos quatro Evan- tituto, gelhos, são de tal modo contradictorias que é concedido determinal-as. O seu não parecer de ha muitos annos tinha o applauso de Voltaire; o parecer de hoje não intende seu seita ou com alguma escola. Apalpemos o cáhos. N'um relanço da introducção, paginas Sy, escreve Renan :t... Por ultimo, admitto como authenticos os quatro Evangelhos canónicos. meu vêr, e são, se procedem todos do primeiro século, differença, dos authores que com pouca lhes elle. A attribuem. Com pouca differença^ diz Esta clausula é de minimo pezo. A pouca dfferença deixa perceber que a substancia, a parte essencial dos li vi os canónicos, foi escri- pta no primeiro século pelos quatro evangelistas. Se Renan intendesse que as alterações e accrescentamentos agraves, hoje não no texto primitivo foram leria dito com pouca que os Evangelhos se lêem differença do que, no primeiro século, continham; provável e logicamente diria: com muita differença, differença que nos leva a suppor que os milagres, e a resurrei- 56 Divindade de Jesus ção de Jesus foram interpostos no texto, ahi pelo segundo ou terceiro século. A quasi authenticidade que Renan concede aos Evangelhos, até certo ponto, concorda uma justíssima illustres ponderação de um com dos mais defensores do Ghristianismo :«Quc, no decurso de dezoito séculos, se haja introduzido algum leve erro em nossos Evangelhos por des- cuido e ignorância dos copistas, admitto; isto^ porém, não chegaria a ser alteração substan-^ c\s\,y> (i) Certamente, não: o mais que seria Renan presume que pouca tes differença, quasi. foi : à peii é prés. o que — com Até aqui são convergen- o bispo de Hermopolis e o professor de he- braico. Insta o philosopho christão, e diz: ccA minha intenção é demonstrar que os nossosEvangelhos nunca foram alterados, no tocante á substancia e doutrina, moral e factos; virtude do que, no essencial das coisas, se em nossas mãos dos apóstolos.» (2) acham^ taes quaes foram nas Quem em mãos quizesse levar até á repetição a prova de não divergirem o philoso- (i) Bisp<j de Hermopolis— Defense du Christianisme, i.*» voi.. P. 383. (2) P. 383. Bispo de Hermopolis— Defense du Christianisme, i.«vd.: : ÕT Divindade de Jesus phochristão do racionalista, poderia dizer: «Re- nan é tão claro e orthodoxo como vós sois, il- lustre orador: o racionalista acceita a substancia e factos dos Evangelhos; apenas suppóe as pe- quenas diíferenças que vós admittis, à peu près^ elle e elle diz vós dizeis: quelque Jaute légère; á\z: fadmets; e vós dizeis: jy conseiís. Palavras e admissões consentâneas. De S, Exc* que o Evangelho de sobra sabe V. João sobre-excede as narrativas synopticas em pormenores da divindade do Salvador. As paginas do discipulo amado são, por excellen- Em cia, os Fastos da Cruz e seus mysterios. S. João realça o narrador do dogma, do sacra- mento, da metaphysica do christianismo. Por isso mesmo, os detrahidores da divindade de com mais porfioso afan, se conspiraram Ghristo, sempre contra a authenticidade, vro Não assim o author da canónico. do quarto li- Vida de Jesus. As ailegaçóes de Renan contra a authoridade do quarto evangelho são embaralha- das da com tão negativo engenho e desconcerta- critica, peitar lezão que eu chego a susno intendimento do sonoroso es- snr. visconde, criptor. Eu leio em Renan que «principalmente a lei- tura da obra (o Evangelho de S. João), é de ^S Divindade de Jesus molde a impressionar. O author. narra sempre como testemunha presencial, e quer que o tenham em conta do apostolo João.» E logo em seguimento: «Se esta obra realmente não é do apostolo,. ..ha n^isto uma fraude de que não ha exemplo no mundo apostólico.» Algumas linhas antes: «Não ouso affirmar que o quarto Evangelho fosse inteiramente escripto por um antigo pastor galileu.» Algumas paginas depois: «Não me decido na questão material de saber que mão traçou o quarto Evangelho; propendo a crer que os discursos, pelo menos, não são do filho de Zebedeu; admitto, porém, que este é em verda» de o Evangelho, segundo João. . E . na pagina seguinte: «Por ultimo, admitto como authenticos os quatro Evangelhos canó- nicos. A meu século, e são, procedem todos do primeiro com pouca diíferença, dos authovêr, res que se lhes attribuem.» (i) Começam a vasquejar as lâmpadas do appa- ratoso vestíbulo, snr. visconde. Eu já não sei desencadilhar esta meada. S. João não escre- veu: (i) foi um sujeito que o Vid. pag. 25, 27, 36 e 37 da critico se INTRODUCÇÃO. dispensa 69 Divindade de Jesus de conhecer. S. João escreveu; mas não es- creveu tudo. S. João escreveu, porque era impossível, e tal porte. não ha exemplo de fraudulencia de S. João não escreveu, porque um pescador antigo não escrevia assim. creveu com pouca séria nem outra conjectura de sendo me parece coisa altercavel. Se, todavia, é forçoso ca João não é o diíferença. S. author aos discursos. Isto não João es- S. rir, vejamos ainda Renan em que inquestionavelmente S. uma João author o fi- do Evangelho. Diz assim: «Sente-se tentação de crer que S. João, já velho, lendo as narrativas evangélicas divulgadas, reparou primeiro em di- versas inexacções,e depois azedou-se dever que lhe não assignavam na historia de Ghristo logar de primeira plana; pelo que, principiou a ditar muitas cousas que tros, elle sabia melhor que os ou- no propósito de mostrar que, relanços, onde somente dro.» muitos mencionava Pe- se dro, figurara elle antes de em Pedro e com Pe- (i) Descamba em puerilidade esta hypothese. imaginário João de Renan é (i) Introd. pag. 27. um O personagem ; 60 iJivindade de Jesus invejoso que disputa ao defuncto Pedro a pri- masia da corrida nem ao menos ao sepulcro de Jesus. Aqui se me otferece opportunidade A imaginação costu- snr. visconde, que eu, á terceira de admirar o romancista. ma ser mais lógica. De modo, derramada introducção, que captivou a estima dos admiradores da linguagem florente, achei-me bem, e mais intrado da minha fé racional na authenticidade dos livros da leitura d'esta vida de Nosso Senhor Jesus Christo. ducção em diante, encontrei os repugnancias irreconciliáveis Da intro- dislates, e em que as devia en- redar-se o escriptor que deseja sahir a limpo com uma façanha perigosa, ferindo de revéz a piedade dochristão, e abroquellando-se inha- bilmente dos golpes da philosophia raciona- lista. Por amor d^isto é que elle, uma hora, sobre^ punha Jesus a todos os homens; outra hora, avantajava-lhe Çakya-Mouni, Marco-Aurelio, e Espinosa, na virtude da sinceridade, pego dos prazeres mundanos. Por amor que elle, a tão filho e desa- d^isto é pag. 248, intende que Jesus se julgava de Deus como posto que se presumia os homem outros homens, extraordinário e a pag. 254, escreve qu€ Jesus, desde muito, 61 Divindade de Jesus se persuadira que os prophetas o tinham em vista quando o prophetisavam ... Eu receio de o ir já enfadando, snr. visconde. V. Exc* copiosamente versado nos estudos de todas as religiões, e muito d^alma convencido da divindade da nossa, quando via sorrir, e entre si leu Renan de- «Este livro não dizer: € para debates; propriamente os illitteratos hão de impugnal-o com as mesmas refutações que o author arma contra si.» E tão justo juizo deve ser parte para que V. Exc* me vá cortando nas demasias, e eu, sem impedimento do seu que me linhas fastio, ouso pedir-lhe, deixe trasladar d'este romance que eu, sujeitando-as á author de quarenta e não me snr. visconde, sei umas minha alçada de quantos romances, aventuro a denominal-as ineptas. Chega Renan á resurreição de «... Na manhã de domingo, Ghristo. as mulheres chegaram muito de madrugada ao sepulcro, sendo Maria de Magdala a primeira. Estava a pedra deslocada da abertura, e o corpo já não estava no logar onde o haviam posto. Ao mesmo tempo, os mais estranhos rumores se derramaram na communidade christã. Entre os disci- pulos correu, qual relâmpago, o brado: «resus- citou!» O amor lhes proporcionou em toda ã 62 Divindade de Jesus parte uma crença Que fácil. passou?. se . vida de Jesus, para o historiador, acabou o seu ultimo suspiro. giòs que elle Mas taes eram os . A com vesti- deixara no coração de seus disci- pulos e d'algumas almas dedicadas que, no espaço d'algumas semanas, ainda viveu para elles e lhes foi consolador. O seu corpo foi ar- rebatado, ou o enthusiasmo, sempre crédulo, deu brado ao conjuncto de narrativas com as quaes se curou de estabelecer a fé e a resurreição? E' o que, á mingoa de documentos havemos sempre ignorar. To- davia, digamos que a forte imaginação de Ma- contradictorios, ria de Magdala representou n'este incidente papel de primeira ordem. Divino amor! d'uma instantes delirante um poder do em que a paixão dá ao mundo um Deus resussagrados citado!» Aqui Uma está como foi a resurreição de Jesus! hallucinação de mulher apaixonada! Eu não ouso brincar, snr. visconde, com este assumpto ha blasphemação e sacrilégio em disputar aos delirios do amor de uma mulher, que chorava suas culpas, a realidade da resurrei: O ção de Jesus Christo. não pôde dar contas á das suas phantasias. meu vêr^ nem á razão francez, a historia Quem assim inventa^ õ8 Divindade de Jesus quando não é romancista, argúe intermitten- escura de recto juizo. Estes eclipses não hão de sempre imputar-se á ignorância muitos procedem da deslealdade. Eu devia ter parado, snr. visconde, na pas- cia : sagem doesta carta em que ponderei a invali- dez das invectivas de Renan, se o eram, contra os Não quatro livros canónicos. os desva- liou? não os desceu da sua legitimidade de dezoito séculos? A Não pergunta é vã. sei que outro philosopho attentasse contra a integri- dade dos Evangelhos com tão débil pulso e tão estrondosas futilidades! Pois bem! Deixemos raivar o temporal. Es- ephemeras borrascas são as disputações a que Deus abandonou o mundo. Tradidit mun- tas dum disputationi. de Renan, abre-se humanidade (i) Onde cáe um um revoluteia abysmo, e livro, uma e dilacera como parte da alegrias de sua alma, e as consolações das suas esperanças em volta d'essa voragem. Depois, o anjo da misericórdia divina baixa com a aza o dorso da procella; alizam-se as vagas; o mar e, por sobre bonançoso, baloiça-se serenamente o (i) Eccles. C. lII, II. ^4 Divindade de Jesus esquife em que de salvação, depôs quatro livros, o anjo do Senhor as quatro sagradas Me- morias da Paixão de Jesus-Ghristo, escriptas por homens, que viram os prodigios, e o suor de sangue, a agonia, e a morte, e a resurreição do Redemptor. Ainda me falta, snr. visconde, Exc* que receba benignamente pedir a V. a dedicatória das meditações d'algumas horas da minha mocidade. A's suas excellentes qualidades, que tão fundo arnor e respeito me inspiram, que hei-de eu otíerecer, senão lembranças d'alguns em que dias eu, por breve tempo, me voltei do lado das minhas ásperas tristezas e solidões da alma para os hortos amenissimos, em que a vida de V. Exc* se tem gosado, nas exultações de honrada paz e respeitada virtude De Port« I V. ? Exc* de Janeiro de 1865. amigo respeitador e creado Camillo Castello- Branco, DIVINDADE DE JESUS Tu morreste por E nós na cruz da affroata, o sangue derradeiro Derramaste do alto do madeiro, Jesus, Filho de Deus, VíscoNDE d' Almeida Garrett Deus verdadeiro. — O REDEMPTOR. Conheço os homens, e affianço-te que Jesus Ciiristo não era um homem. NapolbAo. PREFACIO E' nosso intento responder á incredulidade, que argumenta. pondivel : é a Ha uma incredulidade irres- que não contende. A impugnação olferecida, por contendor tão débil, sem hombridade, corre perigo de ser acoimada de atrevimento. O gigante, que se nos antepõe, chama-se RAZÃO. E' um formidável adversário, que se não temeria da funda de David em mãos deBossuet, ou Chateaubriand. Está com elle o exertumultuario dos que pelejam rindo cito : gente de incutir pavor aos mais robustos e intemeratos propugnadores da piedade; ferem com a zombaria, e fogem á clava pezada do raciocinio : são os scythas da dialéctica. Quando o baluarte da razão estremece, desamparam-n'o e acastellam-se no extremo reducto, onde são 68 IHfHtidade de Jesus invulneráveis: a Estes não são mas estrondêam a brados, apupos, quando os caudilhos en- os triumphadores e palmas, e indiíferença. ; fraquecem. Entáo rompem o campo amotinados, e has- têam facilmente o estandarte da victoria. Esta gente chama-se Le-Brun, o atador, Meslier, o cura de Étrépigny, e milhares, com uns riores de sciencia grossa, revellada exte- na estampa d'alguns caracteres gregos e hebraicos, com que fulminam os ignorantes das linguas orientaes. Que monta isso ? Combatamos humildemente. Vamos sem armas, com o livro do Senhor aberto. Levemos este ceitil onde fulge a baixella dos opulentos da sciencia humana e da graça divina. O assumpto dos que succumbem. Os supremos vencedores, os martyres, venciam com a só palavra creio. e vasto, e gloriosa a lucta : Se não vingarmos este fervoroso anhelo trarmos á consciência de quem nos de enlêr, os adversários não ganham. Pouquissima gloria para quem vencer. seita dos «racionalistas» declara que não tem que vêr comnosco em artigos de fé. A pe- A leja corre entre duas razões: a da crença phi- Ditrindaàe de 69 Jems sem crença. Semordaça que nos oflfe- losophica, e a da philosophia melhante condição é a recem com ares de benevolência, como se nos dissessem: «Se tens a sciencia universal, que abrange a natureza das cousas, e a explicação natural dos factos, levanta o cartel; porém, se as tuas ar- mas sahiram das velhas armarias de Roma, não entres na liça, nos intenderemos. Onde que, de partç a parte, não 1) está a sciencia que dá a explicação natural dos factos? Tivessem-na elles, que os segredos da creação viriam ao lume da agua, que tão turva sahe das fontes da sua sabedoria. Com o céo, a em chave d'essa sciencia abririam elles vez de construírem Babeis, que de- sabam. O Christianismo não se esquiva á razão phi- losophica. «E' estudado» um facto; e, — pondera como Fénelon. ter sciencia para lhe intender vel ao intendimento. Não é tal, deve ser — Faz-se o que mis- é accessi- Roma que inicia unge o luctador: é a razão allumiada no estudo da natureza e do homem. A previdência dos racionalistas irá mais longe ? Exorbita da e esphera do visivel e palpável? As sciencias especulativas transcendem os limites demarca- 70 Divindade de Jesus dos ás inducçóes iheologicas ignora em que ? A humanidade escondem os eleúzinas cryptas sábios o facho, a cuja luz viram a causa das causas, a vida explicada, os designios do Crea- dor definidos. Sabemos sobre que alicerces ha de o escri- ptor christão cimentar o edifício da Fé, se intenta dar-lhe a razão por cúpula e remate. Gumpre-lhe demonstrar a divindade de Jesus. já vimos summa- Tal demonstração, que riada em breves provas, é hoje obrigada a dis- pender-se em dilatadas satisfações á critica. Escreveram Strauss muitas luzes. immudeça A Salvador, e a insciencia. a ignorância, religião pela homens de que os impugne, ou Basta que seja acatada sciencia quando legislar a iilutilidade da bôcca de Voltaire, o mais igno- rante insultador, que ainda injuriou a religião do Calvário. Faz-se mister grande calor de entram nos areópagos, e, fé aos que á imitação de S. Os areopagitas, de hoje encaram-se, como os archontes, e, sor- Paulo, os provocam. em dia, rindo desdenhosamente, dizem: que vem fallar-nos de do?» Quem é estef um «Quem é este Deus desconheci- 71 Divindade de Jesus Perguntar assim equivale a vencer. Discuta- se homem. o Atire-se o machado ao e os frUctos da arvore apodrecerão tronco, amanhã. Systema que não inculca sciencia nem consciência. Assim fizeram os incrédulos de Jerusalém com uns pobres pescadores que alli appareceram a jurar a divindade de Jesus. Ora, deveis saber que, no dia e logar em que esta pergunta foi feita, oito mil almas se converteram á fé do crucificado. E os convertidos sahiram depois a oíferecer mansamente a prova de sua feras, fé ás ás fogueiras, e aos cutellos dos cezares. DIVINDADE DE JESUS CAPITULO l A razão do homem interprete dos actos de Deus Nao se faz mister cabedal de sciencia para dizer isto: «E* inverosímil a divindade de Jesus.» Não si é preciso que dispensa o um asserto, de beneplácito do cri* que Strauss authorrse t3o obvio e banal, ticismo alemão. sem quebra de sua inteireza, diz o mesmo, em concordância com os luminares da christandade. Religião oriunda de Deus, como tudo que procede de occultas causas indecifráveis na mente divina, humana- A fé, mente examinada, é incomprehensivel. porém, é um cimento que A origem facto, é, uma O christianismo, luminosa verdade, um aconte- e repugna á discussão se pôde ser, do christianismo em Deus afferimol-a nas 74 Jfivindade de Jeaus provas extrínsecas, provas testemunhaes. As intrínse- vem menos de molde" ao assumpto. cas Pezam levemente conjecturas theorícas, se a Cão d'um facto requer inducções d'outros factos illucida- — o me- thodo experimental. Pode a razão engenhar admiráveis instrumentos para indagar factos da alçada da observação; mas alcançar com que demoram além dos elles os limites da experiência, não vingou ainda. A chymíca e physica, ha cem annos, eram um com- plexo de phenomenos, adjudicados ao serviço da alchy- mia. Os Que pratico^e theoricoschamavam-lhes «mysterios.» a fez razão para corrigir esta absurda nomencla- Esperou a experiência, que lentamente desvelou tura? o segredo rebelde á sciencia especulativa. Estudem-se os naturalistas de ha cem annos; appro. O ximem-se, e refundam-se as theorias. de Lavoisier não se antevê, nem espera. descobrimento As sciencias de um século, se os com que então fossem desprezados como ineííicazes. ram, se manifesta- observação seriam hoje o que eram, ha incomprehensiveis, íactos Longe de nós desestimar o lavor da razão no adian- tamento das sciencias naturaes. A critica não ha de acoimar-nos por tamanho' paradoxo. Confessamos que o apparecimento de um phenomeno excita a razão a exer- citar-se para sujeital-o ás leis geraes. mos, 2ão da matéria : quere- porém, que os racionalistas assintam a que a nãó pôde, com bom juízo, impugnar úm ra- facto da ordem moral por não poder comprehendêl-o. O Christianismo precisa ser estudado desprevenida- mente, como certeza quem estuda ou falsidade pouco Cumpre assim fallar um objecto abstracto, cuja importa a quern d estuda. ao scepticismo; se não, interrogartí^ : 75 Divindade de Jesus Tíos logo sobre diíificuldades históricas, diíficuldades taphysicas, difficuldades na nenhumas diíficuldades. Estude-se o christianismo, se um isto lhes quadra, como problema de geometria; mas não valha ao incrédulo do «não comprehendo.» a evasiva a me- que nSotem moral. Descrer é existência dos antípodas, mos por os effeitos da theoria de O E' injudicioso negar qae não comprehende- Newton. christianismo é divino por seu fundador. Provam-no os factos precedentes á fundação, as cir- cumstancias coevas da sua origem e estabelecimento, e o testemunho. Ha um milagre de todos os dias, ha mil e oito cen- tos annos, a verifical-o: é a sua conservação. Disse Bergier aos racionalistas seus vous bien, et contemporâneos : voyez si vos prédécesseurs ont Exarninez- pu être vain- cus sans miracieJ» Gerações e systemas, philosophos e philosophias tudo se foi Cada á voragem. século tem queádo ao^abysmo sábios, legisladores, tido seu idolo; commum cada idolo tem ba das apotheoses humanas reformadores, tudo que teve um uma ephémera gloria. O que está em pé, rodeado das muralhas divinas contra as quaes resaltam em espuma as tempestades da grande nome, razão tyres, humana, é o estandarte da Cruz, o guião dos mar- a estrella dos sábios civilisadores. Este é o que é que exacerba a sanha dos adversários da egreja. milagre, Para o não confessarem, injuriam-no. 76 Divindade de Jesus §1 O christianismo meramente facto começa com o mundo. N3o histórico, um elo successos constitutivos da vida da humanidade. houver de seguir-lhe é um na concatenacao dos Quem os vestigios até á origem d'onde procede, encontra o vago do infinito. A historia da hu- manidade, para além do primeiro capitulo genésico de Moysés, é o segredo imprescrutavel do creador. S3o o velho testamento e o novo, a- um tempo, base e essência do christianismo. Destruir a validade da tradição escripta gnam foi, máximo esforço dos que impu» Atacam o ponto mais des- e é o a divindade de Jesus. coberto e azado ás manobras da sciencia incrédula. Le- vantam-se e abalam, contra os philosophia, batalha, a com e historia, livros santos, a critica, a chronologia, em ordem de a bandeira da razão na avançada. Se o ra- ciocinio fraquêa, dá-se á critica o a zombaria a quem tom da jogralidade: è canta a victoria. Se a negativa carece de razão, estabelece-se o scepticismo, e pedem-se aos crentes as provas materiaes de sua baraçam as gia. illacções da Seja como for, Se as datas em- historia, inventa-se a chronolo- Se os factos desfavorecem, d'outros mais conformes á razão Ario, fé. venham de recorre-se á conjectura humana. Julião, de Porphirio, de de Helvetius, de Strauss, de Cabet, de Quinet theorias nubelosas ou insultos manifestos: seja o que 77 THvindade de Jesus quem e de for for: tudo serve para reduzir Moysés a mytho, Jesus Christo a homem, os evangelhos a legendas, péssimas legendas, tães que sequer não poderam «escriptas boçaes charla- por altear-se ao sublime estylo aziatico.» E' de Voltaire a censura de Deus livros nem já dos homens eram dignos o Espirito Santo ensinara aos discípulos feliz foi tido «velhacaria estúpida» no conceito ta de laureado. e ; Gloria do pelo que, os d'um ! O que em con- libertino á religião do crucificado ! Vol- No toucador da velha LennSo encontrou sentimento nem taire desprezou-a por sandia! clos, seu co-herdeiro o piedoso que lhe movesse o animo indulgente a legado favor da religião da pureza! Da porfiada que o resultou canceira de invectivas aos livros santos espirito flexível com agrado do maior numero pen- d*um jugo os livros sagrados? Optimamente! Não ha nada mais summario! Concedamos que existiu um homem bom chamado Jesus, egual a outro homem bom chamado Sócrates dê-se á Judéa a gloria desse a receber a desoppress^o molesto. — SSo apócriphos ; de produzido dois judeus de elevados espíritos: Je. ter sus e Philon. Porém, os crentes, inabaláveis disseram : em sua fé raciocinada, Negai a authoridade de todos os livros conhe- e anniquilai depois a authenticidade do velho e cidos, novo testamento. Nós cremos que Jesus Christo é o Re- demptor predicto e previsto no velho testamento. Rasgai os livros dos prophetas. Rasgaram fácil e promptamente. Umas coisas somma thos, outras symbolos, outras legendas Não O : são my- — nada. obstante, reflexionemos. velho testamento é o mais antigo testemunho da 78 I/ivindade de Jesus existência em homens, e de nado e administrado por d'um povo de espago estudam os N^elle orde- quarenta culos. E' a sua religião, a sua historia, a sua ciplina. homens particularmente de nação. E' o livro vulgar e notório lei, sé- e dis- levitas os encargos e prero- gativas que lhes incumbem. E' o código dos magistra- dos nos julgamentos. E' a resalva da tribu e da familia. Ahi estão os decretos e providencias sobre a ral, a lithurgia, e o direito. Reis e sacerdotes livro, e, uma tra e adora o sacratíssimo mento ; a mo. copiam o vez cada anno, o lêem ao povo, á raga de predestinação,' á amplíssima nação hebrea, Quem fé que se pros- nome de Jehovah. responde pela authenticidade do velho testa- ? Respondem os escriptores judeus que, no largo tracto de mil annos, se firmam na base dos de suas leis livros authenticos e historia. Josepho, o insuspeito collabora- dor dos que fazem repugnância á procedência directa- mente divina de Jesus, justifica a authenticidade do ve- acostado ás afFirmativas de Manethon, lho testamento, de Philocoro, de Apolonio, Alexandre e Polyhistor, gente mais authorisada em historias dos primeiros séculos que Dupuis, e Helvetius, e Diderot. Diodoro Siculo, Pompeu, Juvenal, Galerio, Tácito,, outros muitos poetas e historiadores dão testemunho da veracidade dos livros hebreus, como historia, como codrgo juridico e moral, como prenunciador dos tempos, e caução Israel. Zombam, referindo; mas con- da futura soberania de juram a provar o tando-os, isso facto. Se o paganismo os desconsidera, ci- não lhes desdoura a authenticidade. Obser- vemos,, porém, que os reformadores da historia, quando lhes impecem historiadores irrefutáveis, pagãos ou judeus,. 79 Divindade dê Jesus christaosou mahometanos, removem-os A um biblia é com menos-preco. complexo de costumes, leis, ritos, pra- xes, ceremonias, descripçOes, localidades, e pessoas. Esta concatenação revê antiguidade impossível de contrafazer-se em tempos posteriores. Como que mostram por meio d'aquellas idéas vagas se nos entre^ a infância da humanidade, as épocas nubelosas dos patriarchas. Umas pungem como locuções siasmam como cânticos. E' o lagrim.as, outras gemer e sorrir enthu- da natureza São as primeiras lagrimas e os primeiros primitiva. sor- risos. a fabricação da biblia, inverosímil E' sem espanto e sublevação do povo, que se regulava por suas descriptos eram, factos povo historiado. mil annos, Quem em parte, inventasse leis. Os contemporâneos do uma historia não ousaria dizer ás tribus de de três Israel: «Ahi estão gravadas as vicissitudes de tua errante vida, escra- va no Egypto, no deserto, quarenta annos, favorecida por milagres do Senhor.>^ As multidões deveram de tada. não .. por espar.tar se da historia con- Moysés que é um mytho mas ; por Esdras que, 'no intender de Spinosa, é o author do Génesis. E por que não é Moysés? Moysés não escreveu — diz Voltaire — por da como que não tinha O provérbio. tinta. A facécia de saber que Cariath-Sepher, a cidade dos séculos anterior a foi recebi- phylosopho não tivera occasião Moysés. livros, é dez A vantagem da zombaria é dispensar o estudo. Não foi Moysés ; foi Esdras— tinha dito o transfuga da synagoga. Lê-se, porém, na biblia que, antes da vinda de Es- W Divindade de Jesus para dras Jerusalém, já os do o varão de Deus. uma tou dígios, (i) de Moysés, chama- lei Segundo Spinosa, Esdras inven- de patriarchas e série exercitavam suas levitas funcções, como Ih'as prescrevia a que o povo nunca e outra série de pro- reis, ouvira, e com o beneplácito dos samaritanos, que nSo consentiam a mais cante mudança nos caracteres dos pois d'estas de Deus. Quando insignifi- santos ; e, de- assignou-se mero copista da lei invenções, (2) livros o explicador de Descartes aggre- diu a personalidade de Moysés, christaos e israelitas dei- xaram sem resposta o arrojado e infeliz fundador do pantheismo; porém, o que, ha trezentos annos, foi dere- como paradoxo, assumiu em nossos dias a gravidade da controvérsia. Era preciso exhumar o absurdo. Querem outros que o velho testamento fosse escripto Hcto depois do reinado de Salomão. uma hypothese desamparada da minima probabiliDe Salomão a Moysés decorrem succedimentos, que um falsificador não ousaria coordenar sem offensa E' dade. da tradição e do raciocínio. <:onsignadas no Pentateuco As leis civis e religiosas — fundamentadas na unidade divina e na liberdade politica —foram sempre o regimen da nação judaica. Estudem-se os acontecimentos desde os Machabeus até Moysés, lêam-se, Ruth^ os Reis^ Samuelt os JuizeSf e o Livro de Jostié, Ver-se-ha a deduc- ^ão doutrinal fluindo uniforme desde o Pentateuco. Era impossível a falsificação logo que Judá e Israel se separaram, mediante o irritante scisma de Jeroboão. (i) ESDRAS. (z) Ibld. 7, 6. 6, 18. 81 Divindade de Jeêus Se Judá inventasse ou pregão da vingança tradições inventores da se Israel ; a pureza das e Judá. Se scisma, bradaria contra os justificar o lei, manchasse sacrificar-se-ia á vigilante escriptas, Jeroboão podesse alterasse o texto, Israel daria o nao daria testimunho publico dos prodígios historiados por Moysés, n'estas palavras: ses que elle mostrava eram os bezerros «Aqui Os tendes os deuses que vos tiraram do Egypto.» deu- de ouro; mas claramente confessava o milagre da passagem no mar A vermelho. mentira só podia vingar sobre a base ver- dadeira. Os quem «A lei sublimado judaica, seja Jo3o J. Rousseau sempre subsistente, proclama hoje o homem que «Embora pirito Moysés detrahidores de os julgue: a a dictou. orgulhosa philosophia ou o obcecado es- de facção o tenha em conta de impostor feliz; o sincero politico admira nas suas instituições o grande e poderoso génio que preside aos estabelecimentos perduráveis», (i) (i) «Contracto Social» L. 2.», cap. 7. 82 Ditmdadé d£ Jesug §11 Ha de regeitar-se tudo ou acceitar-se tudo nos livros de Moysés. Que regeitam ? Os de suspeita, que leve é impraticável sem encadeam-se. factos em ferir A IntrusSo um successo, critica. Ou desva- mira desvalidar os olhos da ou nenhum. lidal-os todos, Existem monumentos a confirmar os fastos do povo como que hebraico: tência se contam as pulsações d'uma de quatro mil annos. O Redemptor exis- predito veio cumprir as profecias, e involveu-se na immensidade do seu mysterio; e o povo inconverso permaneceu aligado ás suas tradições, ás cerimonias dos seus livros. Fica- ram com o povo deicida as festas da Paschoa, de Pentecostes, as lianca, das memorias do Tabernáculo, da Arca da tábuas da metálica, e do Acodem lei, maná do Sinai. os adversários da authenticidade da Biblia: Heródoto, Manethon, Eratostheno n3o faliam de sés, nem vo: logo, al- da vara de Aarão, da serpente dos seus milagres, tal legislador, tal nem do Moy- seu famigerado po- povo, e taes milagres foram depois inventados. Heródoto floreceu dez séculos depois, de Moysés; e doze a treze séculos depois escreveram os outros. Qualquer d*elles principia a historiar sessenta mil annos antes. E* a mythologia contra a qual já ninguém se despende em 88 Divindade ds Jemis argumentos Isso foi sérios. gosto passado, do século quando todas as absurdezas serviram á supina ignorância d'uns philosophos que pareciam professal-a de artistas com esmero na arte de fabular. Ora, não seria justo que a a nulla em razão, tão applaudida decisões de historia equivoca, se exercitasse em authoridade de historiographos que pela assembléa dos deuses na terra, avaliar começam e organisam depois homens? a sociedade dos Aquelles mesmos, escriptores coevos, chamados a depor contra as legendas mozaicas, contradizem-se ctos de primei-a importância dois séculos, quem ; em prezo as chimericas e abstrusas narrativas sobre a tica do tx)i fa- quiz escrever a historia do Egypto das tradições populares, e deixou soccorreu-se em de modo que, volvidos des- mys- Apis. Heródoto, chamado o pae da historia, é considerado o enthusiasta das maravilhas com que elle, nos jogos Observemos agora sempre o nome que elles olympicos, extasiava os seus ouvintes. que os philosophos— dê-se-lhes se dao — classificam de mytho Moysés, e de legenda o velho testamento: como testemunho, serve-lhes o silencio dos antigos historiadores á cerca e dos seus authores. tosteno é que nSo iam á razão, e Em dos livros sagrados Heródoto, e Manethon, e Era- ha mythos nem legendas: estes fal- convencem-na. Moysés é que é mytho e fabula por que historiou o principio do mundo, e ensartou uma successao de factos, quasi sempre naturaes e comprehensiveis, tendentes a illucidar uma religião ra- cionalissima, assentada na idêa do monotheismo. Repugnar a verdade do velho testamento, por que a nSo contestam autographos contemporâneos, é negar S4 Divindade de Jesus os commentarios xaram de Cezar por que os gallezes nSo dei- escriptos coevos do conquistador romano. Posto que Moysés, primeiro de uma sociedade que nenhuns historiador, refira solitária, acontecimentos e estremada d'outras nações, impede que vestigios deixaram, isso não os detractores de sua veracidade considerem thenticos os escriptos menos au- do legislador hebreu do que os em que commentarios de Cezar, escriptos n'um tempo sobejavam historiadores para cada nação. Não bastou a seu á critica da razão indócil cortar pela bel-prazer, a arvore da cruz. deiro Da enorme em que se enxertou raiz, o ma- façanha desceu a subtilesas grammaticaes, esmiuçando com paciência, egual á ignoo rância, Os riada. rantes d'uma interpretação va- sentido philosophico bem que anatomistas dos livros divinos, tole- na analyse de historias pagãs, não soffrem que debaixo do seu escalpello se não mostrem sensíveis e palpáveis os ligamentos que atam lhes disemos que bolica, fechada com o nas visivel elles facto a outro. Se sanctuario de Jerusalém, ou ape- na penumbra da que desadora symbolos a com um ha ahi relanços de linguagem sym- iei critica, nova, redarguem-nos e não quando estuda racionalmente tem q.ue ver e chronologica- mente a geração anteposta á civilisação christã. Replique-se que no velho testamento são obscuridades os lapsos dos copistas, as notas explicativas amalgamadas no texto, e interpretações falsas que traductores deixaram equivocas, e marcadas do sêllo de nossas imper- feições. Rossely de Lorgues, o author de /esus Christo perante o século, que intenderam desceu a responder reagir á revolução aos racionalistas de Christo com uns : Divindade de Disseram reparos exegeticos. que 85 Jes^is elles que Jerónimo tradusira de yom, S. tempo para globo, o solidificar-se dia, termo era pouquíssimo como Moysés, rantíssimo geólogo, contava no Génesis. tãío nm O igno- douto chrís- responde á sciencia dos naturalistas que a expressão yom não demarca um gna uma espaço de tempo, mas desi- revolução, cujo termo humanos ignoram. os cálculos Com o período dos nossos dias; aos referencia muito antes das santos, livros tríumphaes conferencias de Frayssinous, de Ventura, e Lacordaire, ponderou Bossuet quem «iN3o falta ria da diga que ha diíficuldades na histo- Em Escriptura. não haveria, se este sido verdade as ha, e certamente as livro fosse" fabricado (como ousam menos antigo, ou tivesse dizer) por homem hábil e ingenhoso que emendasse o que se faz agora reparavel. Ha n'elle todavia, des, diíficuldades as quando ; conheço que sim ; são essas, difficuldades suscitadas pelo curso das idaos logares variam de nome e estado, quan- do as datas esquecem, e as genealogias se perdem Pergunto agora substancia do : acha-se de nos revela a livros santos. rios, entre os d'ahi ? theuco, sujeito livro que tem sombras Que Ha escuridade no tal ? Não. mesma Tudo . é seguido, e o venerável antiguida- textos samaritano e judeu. volta . differenças, dizem os adversá- os judeus ou depois da . âmago ou na Que inferem Esdras fabricaram o Penta- do captiveiro? Deve inferir-se pontualmente o contrario. As differenças provam em evidencia a antiguidade do Pentatheuco anterior a David e Salomão... ridade Quão incontestável é, pois, a autho- de Moysés e do Pentatheuco, se todas as objec- ções o cimentam e consolidam !» CAPITULO O II cumprimento das prophecias líiissSo de quem justifica a divina prophetisou, e a divindade de Jesus em quem se realisaram. Em quatro mil annos, decorridos desde Adão até ao seu resgate, manifesta-se relevantemente Jesus Christo nos vultos históricos da historia do povo hebreu. Aclaram-se mais os relevos dos symbolos, quando se aproJíima a vinda do mulher nascerá Reparador, de um filho, quem fora dito: «Da que esmagará a cabeça da serpente.» Dois mil annos depois d'este promettimento restaurador, recebe Abrahão, alliado de Deus, a prelibac^o antever gerar-se em de sua posteridade a vergontea divina, á sombra da qual virão sentar-se as gerações rederaidas da sombra da eterna morte. Jacob indica a <éá, como tribu de Ju- sanctuario da esperança redemptora, e David, 88 Divindade de Jesus em de extasis como Além dàs gloria, individualisa sua própria familia a indigitada a Abrahao pelo Senhor. em ramo Judá prophecias, um signal personifica o salvador distincto dos muitos que bracejava o tronco de o Messias, por espaço de três mil annos, é repre- : sentado n'uma série de personagens, analogicamente em gurados Adão Figura emanação filial. pae da nova raça, e a egreja a sua o Abe) é o irmão e a victima dec o seu eterno sacerdote; Isac o seu o seu fi- nascimento, vida, morte e ressurreição. desterro ; Melchise- sacrificio; Jacob voluntário buscando sobre a terra a es- posa fecunda e abençoada. Joseph vendido pelos seus^ escravo, preso, perdoando, e beneficiando seus perse- Moysés salvando e libertando; Josué, salvatambém, e triumphador com seus irmãos na terra guidores. dor promettida; Gedeão, o vencedor de Baal, salvando o mundo com debilissimas armas; Sansão pela natividade miraculosa, escolha de esposa entre gentios, e victoriosa David, a realeza doce e affectuosa, o morte na cruz; império fundado sobre ingentes contrariedades; Salomão o triumpo e meza do três dias O a gloria; cordeiro Jonas, redemptor, a vocação dos gentios á a ressurreição depois de de sepultura, natural acaso podia estabelecer aquellas analogias Concedamol-o á critica philosophica; porém, seja-nos ?" re- levado que não attribuamos ao acaso o cumprimento das prophecias. Não que dão grecido o tal da fé sei quanto pezam uns racionalistas ao acaso, e recusam-na aos milagres. Inne- coração, intelligencia. pouco vai d'ahi ao pyrronisrao bruEntão é o negarem a historia para negarem os prophetas, e o negarem os prophetas negarem a divindade de Jesus Christo. j>ara 89 Divindade de Jesus Ir com os olhos d'alma ás profundezas do futuro n3o é façanha plicar-nos que as sciencias tenham podido excomo ahi as ha, n5o menos in- natural com theorias, comprehensiveis que a sobreexcitação intellectiva dos Agastase contra o dom prophetico a videntes. philoso- phia sensualista, e repugna humilhar a razão á condes- de receber como verdade a coisa inexplicá- cendência bem que monumento de historia incontroversa. Ahi estão os na terra, sem cumprido, e assignalado por facto seja vel, israelitas nem rei ha dezenove séculos dispersos legislador. A razão catholica, ao vêl-os assim tão carecedores de compaixão, e alquebra- mão da dos sob a justiça humana de recorda as palavras de Jacob de Judá, nem o legislador : «O infaustas eras, sceptro não sahirá da sua posteridade, até á vinda d'aquelle que deve ser enviado e a vos obedecerão.» A razão acaso, philosophica , explica quem os po- (i) ponderando este maravilhoso o derramamento da nação judaica entre as varias nações da terra, com o facto de Tito e Ves- jiasiano lhe anniquilarem a nacionalidade, sepultando-a nas ruinas de Jerusalém. as palavras de David, Mas a razão catholica escuta computando setenta semanas de annos para a vinda do Salvador, a contar desde a do templo dificação Christo em meio da um sexagésima semana; escuta-o apon- mão de Deus, gamundeando miserável, sem altares, sem sacrifícios, á consummação dos séculos (2). tando (1) Gen. povo, que já não está da xLix. 10. (2) Idem, IX. 25. e ree- escuta-o annunciando a morte de ; seg vaaté : 90 Divindade de Jesus A prophetisada destruição do templo, arrasado desde os cimentos, tem dois valores na historia: a destruição incontestável, baldados d'um imperador e os esforços romano no intento de reedifical-o para desmentir os pro- phetas judaicos, e as palavras de Jesus. A razão philosophica negará a tentativa de Juliano, invertendo-lhe a intenção sus : ; ou aspará dos evangelhos as palavras de Je- «Jerusalém, Jerusalém, que matas os prophetas, e apedrejas os que te ! Quantas vezes eu como a galinha aconche- enviados s2[o hei querido reunir teus filhos, ga os pintos com suas azas, e não tens querido? Pois sabe que as tuas casas hao de A razão philosophica globos plo ficar desertas.» em que estriba o negar qué uns de fogo se desentranharam das ruinas do tem- cavadas por Juliano, o apóstata ? E' por padre- do quarto século lhe conta a legenda? que algum algum so- nhador de Pathmos inventaria a pia fraude, que os con- mandaram cilies nos fastos da inserir Roma nos annaes da christandade e imperial ? Certamente nao. Ammiano-Marcellino, inimigo christãos, Vaso um e grande amigo dos do imperador, deve dar do solemne testemunho. Traslademos textualmente as suas palavras «Juliano chamou de toda rários, e confiou a fiscalisação pio, um a parte os melhores ope- da grande empreza a Aly- dos seus principaes amigos, e encarregou-o de não poupar despezas no incessante trabalho. Confluiam de toda a parte judeus a Jerusalém, insultando os tãos, ameaçando-os, violentando-os, como soado a hora do restabelecimento de sua lheres á se ilação. chris- tivesse As mu- despiam os mais valiosos ornatos para ajudarem despeza da obra, e os judeus trabalhavam com as 91 Divindade de Jesus próprias mãos, e carreavam terra nas túnicas, n5o obs- mandar tante fabricar picões, pás, e cestos de prata para a piedosa obra. Cyrillo, bispo de Jerusalém, regres- sando do desterro, encarava n'estes preparativos tranquillamente, confiado na infallibilidade dos prophetas, e affir- mando que em breve se viriam confirmando as prophecias. «Ao cavarem os alicerces, arrancaram enorme pedra, e descobriram uma caverna cavada um desceu suspenso d'uma corda em rocha, á qual operário, o qual, to- cando no fundo, entrou n'agua até ao joelho; pando em redor, em cima agua, fmissimo pano Chegou uma columna topou da qual encontrou : um e, pal- á superfície da livro envolto n'um tomou-o, e deu signal que o içassem. a cima; e quantos viram o livro admiraram de nao estar estragado; porém, maior foi o assombro de pagãos e judeus, quando, abrindo o começo, em lettras maiúsculas: e o verbo estava que livro, em Deus, leram estas palavras, no No principio era e o mais o verbo, que se segue, por- este era na sua integra o Evangelho de S, Jo3ío. «Quando Alypio coadjuvada pelo accelerava governador de ardentemente província, a obra romperam dos alicerces frequentes línguas de fogo, e globos igrfeos formidáveis, que, sobre naram o queimarem os trabalhadores, torcomo vissem que o fogo sé logar inacessível; e em queimar tudo, foi suspendida a empresa». ( i) A razão philosophica declara, n'este ponto, que o his- obstinava toriador deu, coevo de Juliano conta o facto como sem obtemperar aos lhes pede outra resposta siso elle commum. (i) Citação de «Fleury» se Nao se aos phllosophos. Esta nao tem pregoeiros do milagre. — H. Ecd. T. 4. L. 15. art. 41. S2 Divindade d^ Jesus § I Annunciaram os prophetas o Messias e tao dentro ; d*alma da nação hebrea se intranhara a esperança de sua vinda que, nos derradeiros tempos, o apparecimenta de João Baptista suscita nos judeus a certeza de que S. é chegado o Christo, e os samaritanos por egual se en- tram do tana a mesmo convencimento. «Eu Jesus— que será enviado por elle Não sei, diz a samari- o Messias está próximo, e tudo nos quando chegar.» se restringiram, porém, os prophetas a predizer a O vinda do Salvador. retrato que predefinem do elies Messias é tao minudencioso, que impossivel seria con- com fundil-o os seus contemporâneos. Disseram que nasceria d*uma virgem Que Que Que bres nasceria seria seria em (i). Betlem, aldêa obscura e incógnita da tribu de Judá e raça de David pobre, (2). (3). nova aos po- e annunciaria a boa (4). Que seria obscuro e sem magnificência dia se lhe prostrariam os reis ; mas que yna (5). (i) Izaias, vij, 14. (2) Mich. V, (3) Gen. (4) Zach. 2. X, Izai. x?, 11; Sam. IX, ç, 10; Izai. xi 5) Izai. uii, 4. , xvj; Ps. 39. Jer. xxiii. 3. 93 Divindade de Jesus Que a voz doeste precursor soaria no deserto (l). Que semearia milagres e benefícios em seu caminho (2). Que o espirito do eterno, espirito de sabedoria, de de conselho, de força, e intelligencia, com tiça elle, ; e o faria brilhar porém, ao em mesmo tempo, a sua omnipotência se- sublime de doçura e humildade ria Que seria ludibrio lido e perseguido por beleceria Que seu povo (4). sacrifícios regeitados, esta- um somente, duradouro e puro, que em todas as regiões da terra (5). seria trahido por Vendido por um Que, espontaneamente, como cordeiro sem defesa, quelie que o afoga (10). dos seus discípulos de pés e m3os se XL, (3) Dan. Malach. e deixaria mudo (11). 3. IX, 26. Izai. VI. 10; 10, 11. (5) Ps. XI, 12, 13. (6) Zach. XI, 12 13. <7) Ibid. XIII. 7. (8) Ps. (9) Izai. LIII. I. (10) Izai. LIII. 2. (11) Izai. (6). (9). (2) Izai. XI, XL, XLlí, Lll, Zach. IX. (4) con- levar á morte, entre as m^os d'a- esbofeteado, cuspido, affrontado, cravado seria (i) Izai. seria trinta dinheiros (7). Desamparado dos seus (8). Calumniado por testemunho Que {3). de despresos e contradições, repel- Que, em vez dos antigos sagrado de temor seria pleno resplendor de jus- LIII, 3. LV. 2. Divindade de Jesus 94 Qu^ os transeuntes insultariam suas agonias tregei* tando. (i) Que como elles. Que Que Que contado seria entre os scelerados e suppliciado (2) lhe jogariam aos dados a túnica. (3) lhe dariam ceiro dia fel seria gloriosa ; e vinagre. (4) sua sepultura allumiaria toda a carne ; resuscitaria ao ter- com o reflexo do seu espirito. (5) As prophecias realisaram-se em Jesus Christo. Escutemos os philosophos. (i) Ps. XXI (2) Ps. XXI, ; Izai. Jérem. e Zach. 7, 8. (3) Ibid. 8, 19. (4J Ibid, 22. (5} Ps. XV, 9, 10. Izai. XI, 10. Joel XI. 28. Izai. XL. 9. ! 9^ Divindade de Jeaus §11 Os philosophos denegam pouca luz, umas prophecias por que outras por que s3o claras demais. tem As muito luminosas, no dizer dos racionalistas, foram engenhadas depois dos successos, por que esclarecem as menores miudezas e circumstancias. As outras nada tem análogo com os factos, e astuta e violentamente lhes concerta- ram as anologias interessados os doxo do dom prophetico. grosso, se vê». Voltaire, disse : O em sustentar o para- patriarcha do materialismo «nao pôde prever-se o que nao Este aphorismo cortou a questão. antiga escrevera milhares de livros, A impiedade sem chegar a con- clusão assim redonda Está visto que não ha ahi conciliarem-se prophetas e Luz de mais e luz de menos sao attributos damninhos que tornam inadmissíveis Jeremias e Ezeincrédulos. chiel. Havemos de torias de Salvador, de Strauss, e de Proudhon. Salvador, àspal-os da historia, e acceitar as his- ao menos, não lhe soffrendo o animo que os prophetas-biblicos fossem expulsos da assemblea dos homens de lettras, lembrou que se lhes concedessem honras de poetas. Contrariaram esta benévola reclama- ção os seus coUegas, allegando que não duvidariam cathalogar os prophetas na honrosa espécie dos vates, se elles cio. tivessem existido como Homero, Tibullo, e Proper- Redarguiu Salvador que nao havia razão efficaz pa- 96 ra Divindade de Jesus negar a existência de Ageo, Zacharias, e outros poe- tas orientaes. verem Ajuntou que a prova concludente de haera existido genérica Índole hebraica a em que poetaram, pois que era essencial da poesia hebraica in- que ó in- dividualisar a divindade no povo judeu. Isto é tendimento O ! povo hebreu figura Deus, ou Deus enno povo judeu, que, mais tarde, trou exclusivamente representando collectivamente o Messias, se suicida na pessoa de Jesus. Deus, nação judaica, e Messias sSo mythos significando uma coisa, que Salvador n^o diz o que seja, por que elle sinceramente nSo nos leva vantagem em sabêl-a. em Reposta a questão o philosopho na missSo distinctos da de os videntes, prenunciavam Nao ção judaica. vinda do Homens communs, Israel. in- humanidade, sem commercio com os po- superiores, poética, ajuizada e séria, nega as coisas sobre-naturaes, e a divina influencia deres controvérsia levados de allucinaçao glorias, delicias, e poderio á na- com a Deus circumscreviam lhe promettiam senSo faustos Messias, e ao povo de as suas operações propheticas. A de o que seja a povo redemptor, Não quer em vista o povo 53, este prediz hebreu; inten- luzeiro do mundo. a phiiosophia que Jacob, Izaias, e Daniel A quem era ? Izaias, a morte e resurreição de Jesus. ponto que é grave. Está entendido com mas não consubstanciação de Deus no povo, referissem ao Messias. se e conforma-se aos que dizem que as christandade propheciastinham no cap. Intendamos com Salvador, dois sábios de sua polpa. Jesus Christo é o po- vo todo, ou a parte fiel da nação, ou o corpo collectivo dos prophetas. São três opiniões : três paradoxos, que a ; 07 ijivindade de Jesus habilidade de Rousseau, amantissimo de theses absurdas, regeitaria como ineptos. Prediz Daniel o termo dos sacrifícios antigos, a ruina naçãío, como castigo aos deícidas. Respondem que Jesus Christo não era o desejado das nações, nem o promettido dos prophetas. Em quanto ao do templo e da cumprimento das prophecias, remettem a questão á natureza das coisas e á critica da historia. «Nos se livros sagrados, diz um philosopho christão, nSo unicamente da prosperidade temporal, rique- tracta zas e delicias da vida. Um Messias, profundamente dis- em do povo judaico, é annunciado tincto ginas dos livros inspirados. Se ahi magnificências, também lhe são humilhações e morte. A' hora, todas as pa- sãío predictas as suas ahi prophetisadas as em que era esperado, appareceu o Messias. Não ha negal-o, não o negam os doutores judeus, applicando-lhe, como impossíveis de caberem n'outro. Foram nós, prophecias também predic- tas a destruição, a ignominia, as calamidades, que, ha dezoito séculos, esmagam a raça israelita. Se Jesus Christo não era o Messias, se o crime do povo judaico não foi desconhecêl-o, como explicar a implacável vin- gança que o persegue ha tanto tempo? povo, e os de todo o e, mundo nada Os annaes d'este referem semelhante quando o raio da desgraça os fulminou, eram como nunca haviam sido, zelosos observantes de todavia, elles, sua lei.» (i) Chegados (i) os tempos assignalados da redempção, a MARET. «Tratado sobre o Pantheismo», pag. 417. «Religião christã illustrada pelas profecias». JOLY. 98 Divindade de Jesus ' divindade de Jesus já radia nos successos estranhos que complanam o caminho por onde o chegar ao seu throno. O rei das nações ha-de reino eterno expede ao alto suas cúpulas perfulgentes por entre as nações, que ba-^ queiam tocadas pela m^o da Providencia. Durante os 3. últimos quinhentos annos anteriores á era christa, todos em em que o os grandes impérios sSo absorvidos monarchias como sal, e, ; no momento diz o apostolo, se ergue desprezado, herdeiro univer- do seio de um povo as quatro monarchias arrastadas por inven- fascinação, civel quatro poderosas depõe os annaes de suas ás glorias plantas do degenerado neto de Augusto. Este^prodigioso facto anteviu-o Daniel : os historiado- que o leram nas ruinas de assírios, persas, gregos e romanos não o referiram com mais negras e trágicas ima- res gens.JSobreJas ossadas das quatro ingentes monarchias er- gue-se o Filho de Maria, o operário da Galilea, o Deus, o coroado de^espinhos, com n'um o seu cortejo de infelizes, throno J^de agonias. Malg* podemos [sem assombro contemplar a incadeada destruiçao|dos impérios que ruem esphacelados uns ás mãos dos outros. O quadro, porém, é providencial nao interroga os decretos do Ente supremo razão frange-se judeu ; e humilha-se. Os assírios os gregos do Império oriental : a sobvertem o povo ao ultrapassarem a missão, que cumprem sem consciência, surgem os persas a algemal-os. se ; con- : Senhoream- propagam a sua lín- gua, que será a dos apóstolos, para que os livros santos sejam depurados das Imperfeições hebraicas. são jájuma|cadêa lançada Os mensageiros retenham. No da em Os povos torno do sollo de Tibério. boa-nova nSo ha barreiras que os melo-dla fallase a linguagem do septem- Divindade de Jesus trião. Os discípulos 99 de Jesus podem annunciar que o sceptro sahiu de Judá, conforme a predicção de Jacob. E a historia de quatro mil annos será compendiada em numerosas nações, Omnia vestra siint^ vos au- poucas palavras, e comprehendida quando S. Paulo clamar : em iem Christi, Christus autem Dei. CAPITULO 111 Jesus Era esperado, "desde o principio do mundo, um repa- rador. Numerosas naçSes alvoroçadas por esta esperança, fitavam uma estrella, que a tradição lhes apontava no céo da Judea. Affirmaram-o Suetonio e Tácito entre os escriptores Confirmaram-o Boulanger, pagãos. Volney, e Voltaire, d^entre os mais abalisàdos inimigos da religião revelada. «Uma antiga e constante tradição, diz o historiador dos cezares, derramada por todo o oriente annunciava que em determinado tempo devia minador do mundo./> «Os sibyllas, no tempo de Cicero, como orador philosopho (i) da Judea o do- romanos, diz Boulanger, posto que mui republi- canos, esperavam, pelas surgir (i) : se lê no livro do um rei, predito Vaticínio d'este as calamidades de sua republica de- Vid. de Veèpasiano. 102 Divindade de Jesus viam dar o signal, e a monarchía universal a consequên- cia.» Escreve Voltaire: «Desde remotissimas eras, grassava que índios e chins o boato de entre occidente. A Europa dizia um que o sábio sábio viria do viria do oriente. Todas as nações assentiram á necessidade de bio.» Ora, a um sá- Judea está coUocada ao oriente da Europa, e ao occidente da Índia e China. «As tradições sagradas mythologicas dos tempos e haviam levado n'um sublime mediador o qual anteriores á era christã, observa Volney, por toda Ásia a esperança devia ; supremo, salvador futuro, vir, juiz rei, Deus, con- quistador e legislador, a inaugurar na terra a idade do ouro, e a redimir os Da noso d'um officina que espirito, homens do império do mal.» operário de Nazareth sahiu o lumi- irradiou no coração dos justos, quaes o um menino, velho Simeão do templo. Aos doze annos, creado na supersticiosa e ignorante Judea, vai á syna- impugna goga, a doutrina da lei velha, e humilha a so- Os ouvintes, suspensos dos lábios dizem: «Nenhum homem fallou assim! berba dos doutores. d'uma criança, Onde apprendeu E não era estas coisas o filho do carpinteiro ? !» que res- como Sócrates, e Platão, e Gicero peitaram os desvarios supersticiosos do vulgo. Estremava-se dos philosophos da gentilidade, que pregoavam máximas de bôa vida, e as desdouravam na pratica. «Se nao credes em minhas palavras, dizia o justo da Galilea, crede ao menos em minhas obras.» Aos que lhe espiavam mal-querentes a existência milagrosa de benefícios e abnegação, disia: «Quem de vós uma culpa ?> Na serenidade^^^dejseu" rosto lampejavam, me apon- tará intercaden- 103 Divindade de Jesus com tes vindade. as amarguras de homem, os resplendores da di- Acariciava as criancinhas com com branduras de amor de filho. Enxugava lagrimas com as consolações nunca ouvidas da palavra humana. Coava bálsamos estranhos ás chaaos velhos Fallava pae. recônditas igas respeito e da alma. Desapertava os pulsos roixos das algemas de tyrannos. Diante do pobre, admoestava a soberba do poderoso. Diante do poderoso, ensinava ao pobre a virtude da humildade. sem antepor aos de, Ia á presença do gran- exteriores da pobreza a recommen- dação de sua divina mensagem. Abraçava os fugitivos á pharizaica, instrumento dé hypocritas, sepulturas lei branqueadas, cheias de vermes e podridão. Sustentava as multidões famintas com o pSo que o Pae multiplica- va debaixo de seus olhos supplicantes. em de luz os olhos cerrados raio com um Feria trevas desde o nasci- mento. Levava suas palavras ao coração do surdo para quem a va ao paralytico erguer-se linguagem humana fora sobre o tumulo de nova com suas com Lazaro, um Manda- mysterio. o seu grabato. Chorava e filtrava-lhe no seio vida divinas lagrimas. Perdoava á mulher peccadora, que a justiça da terra apedrejava. Curvava- se a lavar os pés dos discípulos que o seguiam vacil- 3antes de fé e coragem. Este justo, se fosse Eram predestinadas gueram-se homens um homem, não teria inimigos. as suas inenarráveis amarguras. Era injurial-o. e do perdão encarou-os com E o santo da paciência quando doçura, e fallou, os viu baixaremse para o apedrejarem : «Por qual dos meus benefícios quereis apedrejar-me ?» Não era homem que a sua paixão foi um assombro ; 104 Divindade de Jesus nunca repetido de humildade, submissão, br^indura e constância. Nao homem era ; que as calumnias, os dores, os supplicios nSo lhe arrancaram um ultrajes, as gemido de cólera. N3o homem era ; que antes do trespasse de Jesus Christo nunca o perdão baixara da cruz sobre os algozes d'um innocente. morrera Sócrates imperterrito. um sábio, «Se com espantosa coragem e animo a vida e morte de Sócrates foram a vida e morte de Jesus foi de um de Deus.> Diz Rousseau, o philosopho, a consciência alvoroçada por um rapto do coração. 105 Divindade de Jesus § Os do philosophos quem 1 passado, século os mestres de os philosophos actuaes joeiraram as doutrinas de- purando-as da impiedade torpe, disseram que Jesus fora um impostor. Impostor por que se declarara enviado de seu Pae celestial. Impostor por que se chamara filho de Deus. Impostor por que se dissera juiz universal de vivos e mortos. Sentaram-no entre Apollonius de Thyane e Mahomet, e julgaram-no. Os milagres do Nazareno estavam para além de de- «Queremos ver um milagre !» diziam os Nao viram os rabbis do século XV 111* rasgar-se o zesete séculos. juizes. véo do templo; nem toldar-se de crepe o a der-se pedra tumular. provocador, e escreve : Holbac fita «Que Deus sol ; no céo nem um fen- olhar impotente é este que me não fulmina?» A menos blasphema, ou sabe Concede que Jesus grande homem, grande quanto podia ser haja sido um na sua época, e com os poucos elementos da sua edugeração immediata é puiir cação. mais urbanamente a Discorreu, priedade, mo a injuria. propósito, sobre pobres, ricos, pro- liberdade, tyrannia, social, e acabou por communismo, christianisque a religião do cruci- alvitrar ficado era já insuíTiciente ás necessidades do tempo. 106 Divindade de Jesus Senão era Deus, por que ha de Jesus ser grande homem ? Tão sublimes doutrinas havia dogmas que confundem a razão ? mister innublal-as em carregai-as de obriga- ções e asperezas que irritam o animo? demasiar-se em maravilhosas artimanhas que invalidam a seriedade da doutrina? Onde está o grande homem que se não apoia absolutamente na forca do exemplo próprio para santificar a belleza do seu apostolado ? Platão e Sócrates dis- como desnecessários á implantação da crença n'um Deus remunerador da virtude, e castipensaram prodígios, gador do crime. Para a grandeza de Jesus bastava-lhe a pureza da vida e a santidade dos preceitos. lacro cia O simu- de milagres, auxilio de impostores sem consciên- de sua missão, damna á sublimidade da obra, quaes- quer que fossem as consequências. Como podem os phi- losophos consentir na magnitude e superioridade do impostor, que finge o milagre para deixa morrer discípulos, ineptamente como que elle realçar a doutrina, e se um louco, odioso aos deixa perseguidos, e escarneo das que elle quiz enganar ? Grande homem / Será o epytheto um novo amargo que lhe imbebem na esponja de fel ? O doutrinário da Judea que precisão tem de nos turbas, cohibir a satisfação de paixões podem harmonizar-se com que tão agradavelmente os affeciivos princípios da sua moral? Por que nos dá a sua carne e sangue, como co- mida e bebida, se nos abasta a razão natural para nos em sua óptima doutrinação? Vaidade summa é essa de querer reunir o universo em redor de sua cruz affrontosa, quando o inspirado espiritualisarmos ! ! 107 Divindade de Jesus Sócrates se absteve de predizer que iria alguém adorai-o na sepultura homem é Sócrates.. Se Jesus é impostor, por que injuriais os executores da lei Se Jesus n3o é Deus, maior que pune blasphemos os ? Judas de Kariot é menos censurável que Melitus; os Herodes e Pilatos foram me- nos intolerantes que os heliasies de Athenas. Sócrates falia sempre em nome da razão que : julga-se impellido do da sua inspiração; porém nao pretende seu demónio^ o demónio inspirador lhe haja baixado do céo. «Sê virtuoso para ser feliz» é o resumo da sua doutrina. Que homem, querendo vingar doutrinas de sa moem meio d'uma sociedade cancerosa de vicios e hy- ral, pocrisia astuciosa, começaria por atirar ás faces dos po- derosos o sudário dos seus crimes d^elles Respondem : «Seria aquelle que, ? á semelhança de Jesus, curasse de captar ardilosamente a bem-querença da plebe.» E como é que se prende a bem-querença da plebe? Favoneando-lhe as paixões. Ao des, como proletário, se lhe disser- Jesus, que soffra resignado a penúria, espe- rançado na bem-aventurança dos que choram, o proletário ha íie voltar-vos as costas, como a pérfido bandea- do com os poderosos. Jesus Christo era austero com pobres e systema tao irracional ricos. Que para crear prosélitos, segundo a philosophia social Então seguido em que por era elle grande homem f Em ter con- meios sobrenaturaes levar depoz sua cruz milhares de martyres, uns que sahiram da pobreza, outros que desceram do fastígio da gloria mundana, para se encontrarem todos nas garras das feras ? ! J08 ! Divindade de Jesus Se Jesus era homem, que estúpidas gerações se vantaram a proclamal-o Deus, e a morrer em le- honra de sua doutrina Que de S. serie de ineptos escravos d'um preconceito, des- Paulo até aos desgraçados que ainda agora se es- tão deixando matar, • Bemdito fosseis sejais, propagando a Jesus homem, sem Christo, fé Filho operar maravilhas, de Deus terieis, ! Se desde o sermão da montanha, convertido a vós os grandes e os pequenos? O resplendor de vossa divindade cegou a raça pre- varicadora que devia immolar»-vos em redempção da hu- manidade. Conspiraram todos contra vós, Senhor, por que não quiseram acceitar-vos como Deus, e não podiam acceitar-vos como homem ! 109 Divindade de Jesus II § As sublimes que fecundaram a doutrinas, de Jesus, onde as estudou cia O dou responde christao creou-as : «Fez-se como O : elle ? Verbo divino nSo as estu- creara o universo. na escola dos essenios ou dos sadduceos» respondem os admiradores do grande explicarem peio Dois intelligen- homem para tudo homem, sem dependência da divindade. mencionam a seita dos essenios,' historiadores Josepho e Philon. Nenhum d'estes noticiosos judeus nos diz que a escola essenia fosse anterior ao christia- O nismo. mais que pôde averiguar-se de Josepho é que a seita foi contemporânea d^elle. Deposta a questão contingente, se não querem darIhe um moralistas, tros que se chamasse Jesus, d'ou- moralista, denominados essenios, ou therapeutas por Philon de Biblos E' perguntaremos o que podia importância, essencial apprender ? necessário confrontar as doutrinas de Jesus as dos suppostos mestres : com não temos inducçSes d'outia ordem. Jesus ensinou idéas novas para todas as seitas judaicas : nação mysterio da Trindade santíssima o o da ; Redempção graça e salvação eterna Os ; ; o ; o da Encar- chamamento dos gentios á a resurreição dos corpos. essenios desconheciam inteiramente semelhantes dogmas. berdade Criam no destino, e negavam, por tanto, a lihumana. Os evangelhos não encerram uma 110 Divindade de Jesus só palavra marcada de fatalismo, nem sombra de idéa que cohiba a razão do homem no alcance do reino éter no, por meio da pureza da vida. Ignoraram os essenios o que fosse caridade univer. e desconheceram a efficacia dos sacramentos. sal, O bado máximo seu e ; zelo consistia na observância do sab- Jesus reprehendia os que observavam menoscabando os da preceitos lei nova. tal, lei Fugiam do templo, contra os dictames de Jesus, que sacrificava no em Afervoravam-se templo. mesmo ás na prescriptas lei purificações, excedentes velha. Jesus Christo aos seus seguidores dispensava-os de todas as abluções fa- Negavam náticas. os essenios obediência a reis, a phi- losophos, a conquistadores, e reconheciam apenas a au- thoridade dos seus antepassados. Jesus recommendava aos seus discípulos obediência propriamente aos imperadores idolatras. Quem descobriu nos evangelhos vislumbre da escola judaica, separada da Em que refez e Como de Moysés? lei que se assemilha o discípulo Em aos mestres? melhorou Jesus as doutrinas emprestadas? em ensinamento as converteu de todo em todo novo, e contraposto aos pontos capitães das seitas coe- vas do christianismo Os saber seitas. ? conterrâneos e os parentes de Jesus deviam de que elle estudara entre os essenios, ou n'outras Se o sabiam, o tinham visto partir e voltar se d'entre os therapeutas, dispersos nas ribas do mar-raorto, por que perguntariam elles: de Joseph Maria? o filho mãe Onde e ? estudou ? — «NSo é este o filho de Nao conhecemos nós seu pae elle o que diz a sabedoria, se a não apprendeu ?» ? Como sabe elle 111 Divindade de Jesus Apprendel-a-ia na seita dos sadduceos seriamente cottejar Seita as ? Não se pôde com as da doutrinas de Jesus que negava a immortalidade da alma; a remune- ração das boas obras, o castigo das más, e a authori- dade doutrinaria. Esta sscóla era crático de reis, nhedrim. Jesus um como de Nazareth fugia d'estas assembléas para o centro dos seus pobres: o iria sentar-se entre falsos interpretes A philosophia outra escola : toco aristo- summos-sacerdotes, e membros do sa- os filho do artista nSo mais opulentos, degenerados e do velho testamento. assignou a pharizaica. hypotheticamente a Jesus Os evangelhos, como obras santas dos humildes discípulos de nosso Senhor Jesus Christo, respondem á hypothese, que revê zombaria. Vejam a severidade com que pharizeus. o divino Mestre argúe os Divindade de Jesus § Que decidem em vista dos sus «N3o para os os philosophos da seus milagres acreditamos milagres; authoridade de todo o levantamos desde me. humanidade de Je- ? — respondem— e temos não acreditar a razão fortíssima que o positi- de nos ensinar. Acceitamos a Strauss fez favor vista 111 homem que estiver módio para que a já o comnosco ; Diz o insigne Strauss, a respeito de milagres: Todas as vezes que uma e luz se derra- — narrativa nos refere qualquer acontecimento ou phenomeno, dizendo formalmente, ou dando a perceber que foi o phenomeno ou acontecimento immediatamente produzido por Deus, ou por duos humanos, que receberam narrativa não ral, tal histórica. Se, pois, podemos d'elle admittil-a nos dizem que um indiví- poder sobrenatu- como narrarão grande homem, desde menino, sentiu e experimentou o sentimento timo da grandeza, que lhe foi apanágio á idade viril; in- se nos dizem que os seus partidários, ao primeiro intuito, como vidar tal o reconheceram, devemos mais que muito du- da realidade de semelhante historia. junctura, urge que attendamos a todas as gicas, as sasse, quaes defendem que um homem Em leis tal con- psycolo- sentisse, pen- e praticasse de theor diverso dos homens, ou da sua maneira usual.» O. arrasoado de Strauss redunda n'esta breve inferência: — Deus não pôde praticar acto extraordinário dl- Divindade de Jesus 113 verso dos que já conhecemos, cuja immutabilidade a evidenciado ter cia o O demonstra. sciencia um testemunho nao importa. Strauss não : das nações pode acontecimento inexplicável á sciencrê, por que n^o conhece phenomeno, por que a razão natural não o intende. Pelo que, os annaes do povo de Deus, as prophecias, a redempção, os milagres e supplicio do justo, o apos- não se admittem, por que não são históricos tolado, historia, já fica dito, com sobrenaturaes, não se ha de que é Isto Merece a pena e inalteráveis que marcam : o nenhum homem que eu psycologicamente não faço é capaz de fazer. Urge que aitendamos a as quaes defendem que A por tanto, um premissa está cla- todas as leis psycologicas, um homem sentisse^ pensasse^ e praticasse de theor diverso dos outros Ha, cada a área de acção egual á de todos os homens. Consequência : ser- : rigorosas leis homem uma ra em Alemanha para mundo. das doutrinas de Strauss, á cerca dos milagres de Jesus Christo Ha historia receber. luminosa, puro alemã! mentecapto ser se philosopho no restante do íllações como uma necedade é : interferência de Deus, e actos homens . . . padrão no qual o creador demar- cou a intelligencia do homem, vedando á posteridade do homem excedêl-o nas faculdades intelleComo ha de conciliar-se este caso com a culdo espirito humano ? Que injustiça as nações, primeiro ctuaes. tura chamadas Em blicada por que Em cultas, tem feito aos selvagens 1 resumo, a idêa do author da Vida de Jesus ^ pu- em 183$, é que Deus não pode fazer milagres, Deus não pode desfazer o que fez. quanto á egualdade moral dos homens,— indistinc8 114 Divindade de Jesus Cão de attributos psycologicos radoxal. tório, Como — Strauss é nevoento, e pa- explicará este nivelador os raptos do audi- na presença d'um orador? A influencia de Pedro, o eremita, na Europa christa? e S. Francisco Xavier nos po- voados idolatras? Será moral, o arrojado d'uma aspiração Annula-se mytho a profunda dominação os Ímpetos vehementes heroísmo, gloriosa ? a historia para se annular o sobrenatural, o intangível ao escalpelo da razão do Filho humana. O Christo,, Eterno, era a luz da historia de dezoito sécu- los. Apague-se a historia, para reduzir-se o Redemptor a proporções humanas. Que fica? Ficam as sciencias naturaes: os devaneios psycologicos da seita Strauss e Littré ficam sendo tam- bém sciencias naturaes. A philosophia faz o milagre de amalgamar o scismar alemão com o positivismo, carne e osso, das suas theses. Strauss é espada de Alexandre Por exemplo em todos os nós. Jesus Christo resuscitou ao terceira : dia. O professor vibra o golpe que não morreu em três ; e não : «Jesus não resuscitou por morreu por que ninguém morre horas de cruz, especialmente no vigor dos an- nos.» Strauss, para não cuidarmos que zomba comnosco, va-nos á escola de anatomia, d'ahi lecciona-nos siologia, depois entrega-nos a vor de nos explicar cortado de chagas, lado a ferro como é um le- em phy- chymico, que faz fa- que se não pôde morrer pregado de mãos e pés, rasgado o de lança, e extenuado de transes d'um longo martyrio. : 116 Divindade de Jesus Um theologo francez reflecte assim, como responden- do ao philosopho «Que e se faça Strauss crucificar, depois de uma cruel prolongada agonia como a do jardim das Oliveiras, depois de uma série de supplicios eguaes aos que pre- cederam a paixão do Salvador, e venha depois de horas failar comnosco, que muita curiosidade.» (i) Barthelemy havemos de (i) — «Encycloj^. Cath.» ouvil-o três com CAPITULO Discípulos, apóstolos IV e martyres São os discípulos as primeiras testemunhas, que depõem sobre a divindade de Jesus Christo. Nao é ousadia apresentarem-se no tribunal da razão philosophica do século XIX uns desvalidos corajosos que se affrontaram no século apostólico com os doutores da lei com os cezares em Roma com os philoso; ; phos do espiritualismo na Grécia. d'este século são Nem os racionalistas mais temerosos que os conselheiros de Diocleciano, nem as suas armas cortam mais que os dentes dos leões do peito, em nome circo. Paliemos ao orgulho com res- dos homens de Deus, que fallaram aos tyrannos com a coragem da santificação. O testimunho dos discípulos de Jesus, pregoado na em Roma, e Grécia, revela ousadia humana, impulsada por força divina. As débeis Judea, na Samaria, sobre forças do racionalismo de então respondiam ao mento santo com as masmorras, com a pitação, com a fogueira. O cruz, com atrevi- a deca- racionalismo actual respon- de com a negação formal, e com a tortura da zombaria, 118 Uivindade de Jesus verdadeira tortura para as almas que ultrages feitos ao Filho de Deus, E' a mesma, porém, em todas losophica: está a differença los, o apostolo mando-a, e em em si recebem os immolado no calvário. as épocas a razão phi- que, lia dezenove sécu- da divindade de Jesus, morria procla- Com vencendo. taes condições, a victoria induz-nos a crer quanto valia o testimunho dos discípulos então, e qual deva ser o seu quilate no apostola- do de hoje Os em dia. que o crucificado discípulos pregaram aos judeus no calvário resuscitára. Em que conceito e veneração tinham os de os discípulos conclamam Deus ? Israel o homem que Um innovador blasphemo, condemnado a requerimen- da synagoga e da plebe amotinadas, companheiro de to morte ignominiosa entre dois malfeitores. Que estranha ousadia, senão loucura é esta dos dis- cípulos que entram rar em que surreíção do galileu, como Deus, como Jerusalém annuncíando a elles o Messias dos prophetas, Verbo humanado, e redemptor da culpa Que re- adoram e ensinam a adooriginal como ? provas da divindade de Jesus apresentam elles ás multidões suspensas? Referem os milagres de Chrísto dizer aos seus sacerdotes ; mas o povo ouviu que os milagres de Jesus eram Além de que, os milagres eram já testímunhados e notórios quando o Nazareno foi condemnado. As turbas que pediram o supplicío d'elle á porta de Poncio foram as mesmas que lhe bradaram «hoinfluencia diabólica. sanna !» Que nas ruas de Jerusalém. lucravam, mesmas provas pois, aos os discípulos mesmos que as reproduzindo as haviam testímu- 119 Divindade de Jesus nhado, e as negavam ao Filho de Deus, para as attri- buirem ás virtudes magicas de potencias infernaes ? que, o testimunho dos apóstolos, na Judea, Pelo cionalmente, devia nSo converter, mas sim irritar ra- os âni- mos; devia recrudescer, e n3o quebrantar, o orgulho dos Semelhante apostolado re- que vi- sábios, a rebeldia do pugnava ao d'uma nação nham sentir do contar-lhe povo. Filho cara como blasphemo, e Como quer que do Eterno, que homem seja, o percutir nas extremas da inteira, sobre o de ella crucifi- nenhuma conta. brado apostólico havia de terra. re- Para além dos horison- da Judea, demoravam as naç5es gentílicas, onde a tes dos milagres de Jesus nao havia chegado. Ahi noticia nSo se conheciam as tradições hebraicas nem A Messias. tara a palavra idêa da redempção vagamente lhes alvoro- os espíritos, como prophecia balbuciada pela cons- ciência universal. Aqui entrarão pobres e desprotegidos os apóstolos. Em Athenas dirão que a sua :athenienses das nações cultas, é juizo pátria é a Judea; e os hão de escarnecel-os, por que a Judea, no um seminário de loucuras e •desvarios. E, ce, como para confirmarem que um judeu da dirão : a opinião que os escarne- Galilea, filho de um ope- rário de Nazareth, era divino. Os com que dehomem. Responderão os após- philosophos areopagitas perguntarão satinos se fez divinisar tolos:— que, dppois Jesus Nazareno -la pelo tal de vida obscura de trinta annos, fizera prodígios, e povo para quem morrera na cruz, arvora- e entre o qual esses prodígios foram operados. E os athenienses continuarão a rir, por não intende- 120 rem Divindade de Jtsus um Deus, que consente em ser suppliciado pelos homens, embora o seu divino PlatSo haja escripto que como «assim devida ao veria ser mais o que, scelerado odioso dos mortaes seria o hypocritamente, conquistasse a estima homem de bem,^ assim o mais venerável de- o justo que, benemérito de todas as infeliz, recompensas da virtude, fosse coberto de todos os opprodo crime; de maneira que, tendo por brios a consciência própria, se visse sua nação á pena ultima.» si (i) um Se os apóstolos impetrassem para o seu Deus entre as trinta conseguissem, mil apenas condemnar por toda a logar divindades do Pantheon, talvez o que em Grécia e Roma nSo havia um sem sua apotheose, desde Saturno, que devora os filhos, até Vénus que se faz celebrar com a devassidao das virgens. Mas a missSo dos discípulos de Jesus crime é destruir as crenças das nações, é arrazar o Pantheon,. affrontar os sacrificadores e as aras, confundir a sober- ba dos sábios, e desprezar a idolatria iniranhada na reli- gião do povo. Na Athenas dizem todos, reconhecidos : «Nações da Grécia, esses deuses por vossos mente celebrados por vossos sábios, tão brilhante^ poetas, e adorados por vos- sos avós, esses deuses todos são vãos phantasmas. Aqui vi* (i) De Repub. i. 2. Henrion (Hist. Eccl. pag. 12. tom. i.»} depois que cita as palavras de Platão, prosegue: «Idêa justa e admirável que Deus inspirou no animo de mo ponderam muitos padres, para de elle nimidade.» um sábio pagão, co- imagem mostrar a rea- mundo, com a circumstancia mais valiosa soube soffrer e morrer, sem ostentação e sem pusilla- lidade do Salvador do de que tal Divindade de Jesus mos testimunhar, merece vossos annunciar-vos o e Esta linguagem, orgulho da do povo, Deus que Christiim cruxifixnm.>> (i) de toda niia sem philosophia, com único Jesus de Nazareth, o crucifica- cultos; é ^os autem predicamus do, 12 í devia offender o arte, conciliar a bem-querença desembaraçal-o das pêas religiosas, e con- Não curavam eshumanamente fallando, de pedestal de outros. A lin- vidal-o ao completo gôso das paixões. tes revolucionários indiscretos, apear uns Ídolos e levantar o gua dos enviados pelo crucificado era mes que e máximas, sentimentos, costumes, ctos, tradições, religião d'este dócil ferro de dous gu- golpeava o pundonor dos sábios crenças enraisadas dos indoutos. Religião, culto, as leis, um tempo a tudo isto sem pompas, mundo, interesses, affe- devia ser substituído por outra por outros costumes sem prazeres por outras leis contrarias á natureza in- do homem, e pela morte radical das paixões que então eram o viver das nações E* coisa sabida que immensas vencer um ceitos. A livres, policiadas. diíficuldades ha de legislador politico se quizer expurgar precon- XIV nSo pôde extirpar o nem invocando os sentimenhumana, nem prescrevendo as rigoro- soberania de Luiz duelo d'entre os francezes, tos da dignidade sas penas do código. Um imperador chinez, decretando o corte dos cabellos dos seus vassallos, o mais seguiu foi que elles lhe cortaram os cabellos. Succèdeu o de, quando decretou que os bigodes. (i) S. Paulo Corinth. i. que con- cedessem a cabeça; mas não 23. mesmo a Pedro o gran- os seus vassalos cerceassem ! 122 Divindade de Jesus com E, tudo, doze homens humildes, sahidos d'uma naçío desprezada, apostolando a lei do Filho de Deus, que padecera e morrera como homem, intentam revirar a face moral do mundo, revolucional-o profundamente» em e refundil-o moldes inteiramente novos Esta empreza, tentada séculos antes, nas épocas heróicas de Grécia e Roma, por ventura seria mens de em que ho- As nações, apenas acordadas talento e força. do torpor moral fácil a as enervara a mythologia, ou- viriam a linguagem nova dos espíritos superiores, e adorariam homens estranhos em vida o indiano adorou aquelle e palavras, que primeiro bem como fez ouvir o estam- pido da espingarda. Porém, o século apostólico é o mais lustroso da antiguidade explendem as : sciencias, bem que ainda nas suas faixas infantis; reluz a eloquência já adulta; e a com primores que ainda agora se dSo como exemphilosophos declamam nas escolas e nas praças: senado e povo discute a sabedoria como se todos a professassem. As pompas da civilisaçao douram a mais poesia plo. Os corrompida licença, incomparável ao que a desvergonha offerece mais esquálido nas metrópoles da moderna ci- vilisação material. Que do vao, sacrifício, Vão pois, das paixSes e precizamente a zombaria e as victimas de ser gente que refrigera Hão de Roma os apóstolos da adoração em espirito ? fazer á Grécia e com sangue as sequidões da alma. apellidal-os bárbaros, esses homens que tem a sciéncia das suas escolas, os seus deuses tolerantes, as suas flores para se toucarem nas banquetes, em paga de rola aos pés folias nocturnas, os seus cada cabeça de imperador, que do novo amphitriao. Os anjos de Deus que ! 123 Jjitindade de Jesus vem fazer sangue Os Gomorrhas em ebulição de lama e a estas ? epicuristas, erguendo a cabeça dos triclinios flac- cidos, dirão, ao perpassarem os apóstolos da temperança, da abnegação, e da pobreza: «Que querem esses fal- ladores?» (i) Esta era a sociedade em que os discípulos iam pro- clamar a divindade do Mestre. Acompanhemos espirito a maravilhosa revolução operada no em que da sociedade, homens da Judea, e ponderemos na testimunho. (i) Act. se apresentam os pobres dos Apost. XVII, i8. eíficacia do seu 124 Divindade de Jesus §1 Que recursos accreditar O ? dos poderosos A ? tinham os apóstolos para se fazerem ouro ? a força a eloquência subtil ? o patrocínio ? eloquência não, que as subtilezas dialécticas, e as argucias da argumentação eram, das philosophias escolares, e como hoje, prerogativa não podiam ser dom de que apenas sabiam de seu pescadores, quando mister, Jesus Christo os chamou a divulgarem os preceitos do Senhor. O lios ouro não, de suas que os haveres artes, e essas d'elles eram os mesmas renunciaram, até á morte, nunca mais tiveram de seu pedra utensíe, d^ahi em que reclinassem a cabeça. Protecção de mente sabiam poderosos não, da existência que os d'elles ; e, ricos escassa- quando ram, ou tudo deram para se fazerem como des, pobres e perseguidos, ou se elles os vi- humil- bandearam com os per- seguidores. A força não, que a espada dos conquistadores do mundo é uma palavra do coração, o seu exercito os pobresinhos, na Siria, o seu estandarte a em Roma, cruz^, na Grécia, em emblema execravel toda a parte onde 125 Divindade de Jesus dos mal-feitores da plebe destina ao supplicio se ella Ínfima. E os apóstolos foram seu caminho, seu destino, sem sciencia, sem sem ouro, força, sem protecção: uns poseram olhos no levante; outros no meio-dia outros no septen- ; E assim separados, bem que unidos em doutrina e aima^ nem ao menos podiam at- triao outros no occidente. ; mutua do conselho á força moral, á coadjuvação ter-se e alento, que dá a unidade entre os correligionários se- meadores de doutrinação nova. Supponhamos que estes homens inventaram Jesus Christo e os Evangelhos. E' crivei que planeassem tão nesciamente a conquista onde se annunciaram envia- espiritual das nações cultas, dos do Filho de Deus crucificado? Ahi vSo de sobresalto sobre o velho mundo; chegam; acercam-se das multidões; dizem como a pobreza quem perseguição os dispersou em que vivem. Que ; seita são, d'onde vSo, e o desvalimento e de doutrinários tao pouco de convidarem turbas avassaladas aos patrícios, aos ephoros, aos sátrapas, aos poderosos de todo o sta- da dio terra, em que sopeada da ignorância a consciência estava captiva ou ! Pregam dogmas incomprehensiveis, pugnantes severidades a les e, que suicídio Que desatino, sem exemplo nem que dizendo-se enviados de Deus, amarguras da vida transitória fúria re- de mor- que o interpretação salve do sorriso piedoso da posteridade E, peor ainda, moral. Levanta-se contra el- humanidade. Soffrem, e insistem. Affrontam os ídolos, e os sacerdotes. rer, em I blasphemavam : ás ajuntavam merecimentos para a condeninação eterna. Pobres impostores ! se o 126 Divindade de Jesus mundo ria : m os tivesse n'este infimo conceito, nSo os como deixal-os-ia passar escarnecidos Os ata doidos. impostores, ou, mais nobremente qualificados, os inventores de religiões, sacrificam-se á esperança de as radicarem, ante-gostam e de fundal-as, em- a gloria quanto luctam com as adversidades. Nãío assim os ventores da divindade de Jesus Christo goam mentira, a ganham tribulações rem da morte de mil dores por fim, e : eil-os sem que in- pre- conto, mor- legam á posteri- dade memoria escarnecida. E de tantos que radiaram d'um ponto para a circumferencia da terra conhecida, um só nSo linguagem diversa d*aquella que, guas, fallaram seus companheiros. apóstolos fundar foi que fallasse a centenares de Como poderam lé- os christandades e ensinar doutrinas, as quaes, cotejadas no primeiro concilio, não destoam na minima regra Não ? se inventavam assim os códigos religiosos, os apóstolos da vida nova mentos d'ella nem annunciavam que os mereci- eram penas. Inventou-se Mahomet enviado de Deus. Acreditou-se entre milhões de homens. Dava largas ás paixões, pabulo infinito ás organisa- çoes ardentes do seu clima muitas houris no céo. crente se : muitas mulheres na E, se ainda assim, terra, algum des- dispensava d'uma bemaventurança abonada pelo goso infinito da infinita contemplação das mulheres formosas, o alphange tirava-lhe a alma pelo pescoço, e á força lh'a remettia ao paraiso. Ora os discipulos de Jesus morriam. «Pedro, e Paulo, e vós gloriosos apóstolos, generosos santos, e illustres martyres! por ventMra soffrestes ta- 127 Divindade de Jesus manhos cSo de mando ca Christo, um homens mentira odiosa, por ? A resurrei- que invocaes incessantemente, cha- terra e cée por testimunhas, seria uma morríeis por trabalhos para enganar os uma em ignóbil perfídia vossa boc? Quando Christo resuscitado, sabieis que morríeis impostor?» 128 Divindade de Jesus §11 A humilde entrega da sublime dos martyres, a fé em abono vida da divindade de Jesus, nao convence menos que a do apostolado. O sangue escrevia na mina do cutello a ultima prova da doutrina. crois Je volo7itiers les dont histoires la- les têrnoins se font êgorger, diz Pascal. A christandade, rada do auxilio no berço ainda, inerme e desampa- dos poderosos, luctou contra o ferro e fogo de dez perseguições. Os éditos christ3os, imperiaes eram peremptórios seja qual fôr sua condição, : «Que os sejam despojados de seus teres e dignidades, e postos á flagellação. Todos os litígios contra elles instaurados sejam legitima- NSo possam reclamar quando ainda lhes tirem os dos pelos juizes. justiça, se os ul- trajarem, bens, e lhes cor- rompam as mulheres.» Nas grandes cidades do império romano, as açuladas pelas dignidades do estado conclamavam, agitadas nos circos : turbas, e do sacerdócio, «os christaos ás fe- ras !» A las este grito de milhares de gritos, irrompiam das jau- os leões enfuriados pelos jejuns d'algumas horas, e preavam centenares de victimas espadanando o sangue das entranhas d'uns homens que haviam dito Christo era Deus. : JESUS 129 Divindade de Jesus Todavia, o paganismo, antes de entregar os christãos á ferocidade das feras, submettia-os aos cathequistas brandamente lhes insinuavam a do polytheismo, que adoração dos deuses, e a apostasia do galileu. Aos que as doutrinas não ameigavam, offereciam a restituição das dignidades, e honras novas, se estes por sua posição, como multidões. Sérgio Paulo e Diniz, Respondiam ás davam nos catequeses olhos das com cariciosas humilde desapego dos bens da vida; iam á morte, e cebiam-na com a mesma compostura re-^ e serenidade de semblante. Negam cidade alguns historiadores do nosso tempo a vera- dos supplicios, referidos nas actas authenticas dos primeiros séculos do christianismo. Ponderam que o mundo romano portar barbaridade era então policiado de mais para com- tamanha. Esta maneira de inventar historia, ou inferil-a de in- ducções pueris— contrapostas ao que se Tácito e Petronio, e em lê em Juvenal, centenares, respeito aos costu- mes da Roma cezarea — dá-nos a pensar que a civilisa- ção arripiou carreira assombrosamente! Pois que! Se ha dezenove séculos as regras da moral romana compadeciam com os sectários atrozes não se supplicios infligidos aos de Jesus Nazareno, que havemos de pensar 'das regras de moral de épocas muito posteriores, e no-* *meadamente dos costumes do século XVIII então a revolução franceza ? O Aquella carnagem que foi como se mil e oitocentos annos depois da civilisação de Ro- fez ma ? ? Pois o que estes historiadores chamam civilisação não é o facto equipolenté ao que se denomina «pro- gresso»— aperfeiçoamento moral do homem?! Se havemos de discutir a verdade dos amphitheatros 9 130 Divindade de Jesus dos christaos primitivos, como acceitaremos as guilhoti- nas da carnificina de hontem e ? As sentenças de Marat, Danton, e Robspierre serão menos authenticas que os rescriptos de Sejano, de Decicr, e Galerio ? Em todos os tempos revoluteados pela guerra do mem ao homem, é a politica, sob capa de razão de quem tado, vibra laços d'alma e serpes da discórdia. as sangue que ella em Os sepultura d'ambos. es- ahi não desate. Entre irmão e irmão, seis palmos de terra conquistáveis se Não ha ho- políticos podem abrir- innovadores são adversários que maior aluvião de inimigos provocam, se atiram o camartelo aos alicerces do edifício antigo, e at- tentam contra os costumes. Os pregoadores da divindade de Jesus inflammaram contra uma cos, si a politica e as paixões, a tranquiiiidade do im- e a licença de pério, violência, reclamando um em cada homem. freio intolerável. christianismo era Sahiram os honra dos deuses, e nações consubstanciadas contra O os perturbadores em Roma, um que minavam a em políti- das prol código severo religião de sé- culos para cimentarem a sua. Assopravam a fúria popular, e a fúria d'um povo menos policiado que o de 1793, O povo romano foi povo. Os historiado- o de 1848. res, infleis inventaram ram os á historia e á razão, reformaram a natureza, a doçura dos costumes romanos, desmenti- escriptores coevos do martyrio para nos como imaginaria rios darem* a ferocidade da perseguição aos sectá- de Jesus. Voltaire e Gibbon haviam sido os alvi- treiros d*este expediente. Podemos, sem sahir da como explicada e natural • neos de Nero e Sejano. historia contemporânea, dar a barbaria dos comtempora- : 131 Jjivindade de Jesus Era quando sorte Juliano, apóstata, o se lhe atravessou funesta- adorando, como a deus o crucificado da Se no Galilêa. império. da guerra contra os christãos, que provocavam a bradou divina, cólera do fortuna a mente, romanos que deviam aos deuses a dos crença explendida seio da terra se escondia algum monstro chamado Nero, e as bençSos publicas gum vam boas entranhas como Antonino, varão de al- grita- os políticos contra a perigosa compaixão dos gover- nadores das províncias, por que deixavam esmore- elles E assim mesmo, os piedo- recer a guerra aos christãos. sos acclamavam em Antoninos, que ficaram provérbio de bondade, piedosos para todos os homens, nao poderam sêl-o com os discípulos de Jesus. Adriano quer deificar casa e guir nos templos, e Jesus, dá-lhe altares em sua simultaneamente manda perse- os christ3os no Egypto. Alexandre Severo, honra- dor de Jesus como de todos os deuses, prohibia súbditos abraçassem o christianismo. A que os impunha- politica Ihes esta doblez de caracter, pela boca das guardas pretorianas. . E, com gião, quando a maior parte do império romano reli- que admoestavam destemorosamente nas praças os motins com argumentos povo clamava conciliábulos ravam. que transigia a opinião, que podiam esperar os sectários da : injuriosos ao Tolle ímpios nocturnos, ! paganismo? O ímpios, por que, nos seus matavam crianças e as devo- Estes infanticidas eram os discípulos de Jesus, dissera «Deixai vir a mim as criancinhas, por que o reino do céo é d'aquelles que se lhes assemelham». ímpios os christaos, por que, pactuados com os demónios, inimi- 132 Divindade de Jesus gos figadaes dos deuses, faziam milagres para desviarem O o espirito do polytheismo. também. sábios sao Ghristaos Tácito, o grave historiador, diz homens «A morte mentos. elie referindo-se povo pensava assim, e os dos christaos foi uma brincadeira, diz ao supplicio dos desgraçados, que Nero arguiu de incendearem Roma. Uns, envoltos de atirávamos feras, que os odiosos, dignos dos extremos tor- á em pelles voracidade dos cães; outros, amarrados a postes, accenderam-os para servirem de em espectáculo, e compareceu tal posto e riga, ar- Nero emprestou os seus jardins para chotes de noute. uma sobre pessoa entrajado de au- carroça como nos jogos do circo.» Celso espanta-se da demência dos christãos, que se deixam torturar até morrer. LibaniOj commemorando a elevação de Juliano ao «Esperavam os christãos que império, escreve: lhes ar- rançassem olhos, e os degollassem, e corressem ondas de sangue; cuidavam que o novo senhor inventaria novos rar tormentos, mais cruéis que a mutilação, e o tritu- das mós, o enterramento plicios empregados contra dentes. . . Vendo, em vida, e a asfixia, sup- elles pelos imperadores prece- porém, Juliano que o christianismo augmentava com a carnificina de seus sectários, não quiz exercitar contra elles os flagícios que reprovara. Plínio, no, governador d'uma província, escreve a Traja- dando conta das torturas a que submettera sem pro- veito alguns christãos. Estas noticias não as deram os padres historiadoras do Christianismo: foram os luminares da gentilidade; os philosophos coevos das perseguições. tas da civilisação Os panegyris- pagan desmentem os padres, e muito ! 133 Divindade d€ Jesus de astúcia occultam as passagens dos philosophos. Sempre a O má fé Nomine christianorum deleio das medalhas de em coem Hes- Diocleciano, essa divisa de extermínio, gravada bre, e sculpida nas duas columnas encontradas panha, contradiz a historia dos falsificadores, os quaes, testimunhas das attrocidades commettidas á luz plení^ do seu século, não podem racionalmente acceitar a veracidade do martyrio nos três primeiros séculos, desde Tibério até Constantino. Depois que Bayle, Gibbon, e Voltaire, e os da sua raça pensadora acoimaram de calumniosa a ga, os racionalistas assentaram radores de Jesus era incongruente mas de Galerio e Diocleciano. historia anti- que o martyrio dos ado- com as cândidas al- CONCLUSÃO Ha mil e oitocentos como occultava, hoje, á espíritos. Era nos riam peia fé, pelo tempos E' concepção dos mais alumiados em que as tribus christSs mor- dogma, pelo mysterio. Esta coragem Quem d'onde lhes vinha? tes de luz annos que o dogma catholico se lhes abriu na alma enchen- que deslumbraram a da razSo natural que o dogma ? fora esclarecido pelo milagre, e o mi- lagre dera a prova do mysterio. Os martyres viram o milagre, ou o creram das munhas presenciaes ; testi- morreram pelo dogma, e não pedi- ram a explicação do mysterio. Na esphera da razão está circumscripto razão. Se impugnamos os deveres que nos o que é da ella impõe, mais prestes refutaríamos o que dogmaticamente nos cohibe, se o na. dogma Nas mais comprehensivel. O O que é a matéria? que é a vida? humaâmago é in- tivesse caracter de formação claras cousas, a essência, o 136 Divindade de Jesus O O O O O O O que é a alma? que é o movimento? que é a luz que é a electricidade ? que é o pensamento que ? ? é o espirito vital dos phisiologistas que é attracçao e affmidade Como ? ? se fazem os actos da intelligencia ? sem negativa nem assombro. Dao-se: recebem-se. Os dogmas da mathemaEstes factos irrespondiveis correm Todas as abstracções, todas as chimeras tica acceitam-se. valem em matéria de sciencia ; porém o que transcen- de o raciocínio e entra nas demarcações do incomprehensivel é absurdo. Nao se comprehendem as obras de Deus, mais visinhas do alcance dos olhos, e dispensa-se a ligião que envolve mysteriosamente os actos do re- crea- dor. Imaginai um astrónomo a contemplar as profundezas do céo com o seu telescópio. Assombrado pelos orbes iuminozos, que giram no espaço, narra enlevado as maravilhas de suas visões. Um ignorante, porém, olhando ao céo, e nao vendo maravilhas novas, mo do astrólogo. Ora, o philosopho gredos de como o Deus com ri do enthusias- que perscruta os se- os olhos da sua desluzida razão é ignorante que desdenha do telescópio do astró- nomo. O respeitador do dogma descortina uma face dos mysterios de Deus por que a sua óptica é a revelação. Barthélemy pondera que o observador, dotado de penetrantíssima vista, vê apenas alguns milhares de estrel- las no firmamento: maia nada vê, por que o restante sao manchas mais ou menos confuzas, cujo esraaiado 137 Divindade de Jesus alvor se desenha na profundidade da abobada azul; mas, do miradouro d*um observatório, contempla o céo se, com os maravilhosos instrumentos que abrangem tão prodigiosamente as distancias, o cáhos dilucida-se, céos novos se aclaram, refulgem as constellações^ e os astros, chamados em fixos virtude da sua aparente quietação, entrecruzam-se como planetas em volta de seus soes. ha pouco coruscar faulas de Via-os, pla-os agora luz pallida, contem- flammejantes de formosíssimas cores. Ora, se alguns vidros, collocados entre o céo e os olhos, podem assim transformar-lhe a decoração, devassando-lhe tão ingentes objectos, havemos de espantar-nos se a razão, cujo raio visual é tão curto, não vê fé, gicos attrevidos, obstinados por em Deus que o vêem girar, e em o que é de que a terra é fixa por O cumulo da vanecimentos ! E' religião, e que a conhe- Deus, sem o auxilio da revelação, é querer estudar o céo material pio. ló- sustentar que o sol gira não vêem mover-se. Querer estudar a cer o que a allumiada pela revelação, descobre? Imitaes uns irrisão é a fé o um sem o auxilio do telescó- philosopho telescópio com divino, taes des- com cujo auxilio attingimos o sobre-natural; e a conformidade de razão e fé actua escopio, que como a do olho do astrónomo, com lhe desvela as profundezas do céo. o te- 138 Divindade de Jesus §1 O Deus do Christianismo é o Deus das Deus scientiarum Dominus est, (i) A sciencias. philosophia moral, a sciencia das almas, a luz que aproxima do foco luminoso, que a vista da razSo nos evica como insupportavel á sua fraqueza, deu-nol-a Je- sus Christo. Deus, e o universo e o homem foram assumptos pa- ra as divagações absurdíssimas dos sábios do paganismo, desde Aristóteles até Cicero, desde o infimo pária até aos príncipes da intelligencia. A obra divma de Jesus resgatou as sciencias, anni- quilando a divinisaçao da matéria, e devastando as le- giões de génios e deuses, pela acção dos quaes tudo se explicava. que n^o é mister soccorrermo-nos da divin- Allega-se dade de Jesus para explicar o que é do gresso, e do lavor da razão do «Se a fosse sábio ria o do pro- que espancou as trevas da gentilidade não luz raio divino — uma foro, homem. da religião de Jesus de duas coisas succederia : — pondera ou a razão um fica- sempre accorrentada ao carro das velhas supersti- ções, como na so; ou, (i) índia, e então seria impossível o progres- desprendida das superstições, cahiria no atheis- Reg. II. 3. : 139 Divindade de Jesus mo, como na China, e então seguiria o caminho opposto ao progresso.» Se nos dizem que a philosophia sem professar o atheismo, tudo esclarece, responderemos que Victor Cousin, e Edgard Quinet, e Jouffroy, professores de philosophia, ra dos dos apologistas do christianismo, nao vestígios firmam passo seguro: por cada impeço que evitam um tabelecem A trina. a sua razão olhos aos marcos miliarios da fechando e criticismo, fé, aquelles, como Lacor- chama, «illuminados da razão obscura» daire lhes es- paradoxo, ou involvem nas nuvens a dou- com sós fo- oscil- Iam entre o deismo pantheista, e o scepticismo atheu. Não se sabe o que são, nem o que ensinam. Occupam ca- deiras docentes, e entretém o seu tempo. Tem de si moderna philosophia o quer que a de analogia com pae, e a presumida filha de seja motejadora das cans de seu excellencias França trasladou as suas sciencias originaes d'ella. A philosophicas da Alemanha; a Alemanha inspirou-se de Roma catholica na parte em que a razão philosophica procede da razão do catholicismo. A deram vaias á sciencia-mãe, desnaturaram-se final, de filhos de si d'ella. Verdadeira luz do mtmdo, como Jesus dissera, a obra do Filho de Deus, a religião augus- tissima dos martyres, dos doutos, dos incultos, dos feitores da humanidade, dos a divina teligião de Jesus deu ás sciencias a sua dade, levou-as por mão ao ponto de serem E' do um esforça-se esperem-lhe os virili- por entre precipícios, sublimou-as dos supremos dons do arvore abençoada de fructos de vida. homem bem- justos, e dos desgraçados, em filtrar-lhe effeitos, se os homem. O peçonha ás orgulho raízes não experimentaram ainda. 140 O ra, Divindade de Jesus christianismo recebeu o mundo qual Deus o creá- e entregara á disputação das sciencias. (i) Abre o universo seus vastos horisontes á sciencia, descerra-lhe os arcanos recônditos á penetração dos lu- minares da Grécia e Roma, e deixa-se estudar no mysterio O da creacão. christianismo quer a sciencia, deleita-se estudando as maravilhas de seu auctor; rio. Os e, comprehen- astros do céo, e as coisas humillimas da terra referem a gloria do Altíssimo. silêncios Que se nSo pôde á porta do tabernáculo, e adora o myste- dêl-as, ajoelha A consciência intendeo os da creaçSo. quereis mais ouvir? que pedis aos sabedores de grandes e estrondosas philosophias? Que vos desmintam as revelações de Jesus? Quereis que Deus vos seja entregue com a sua egreja? E que nos dizia o dais poeta em inglez troca? «Palavras, palavras» por boca de um como dos seus tristes personagens. O século requer reformas —A zão. Cada época tem sua Uma face inalterável E' a das misérias justiças, — bradam os destruidores. immobilidade da fé empece o movimento da ra- face. tem as épocas todas. do homem, a das desillusões, das in- da esterilidade dos affectos, da desgraça que en- volve a alma em negros nevoeiros, e do desconforto que faz o tédio da vida, e o escarneo da piedade.. E o mais inamovível e pungente (i) Ecdes. III, II. característico de to- 141 Divindade de Jesus das as épocas é o acabarem-se, o irem-se com mo dentro, ellas abys- as gerações pervertidas pelos seus inimigos figadaes— os sábios que immolaram á soberba do intendimento a bondade do Pobre razão humana coraçãío. ! TIÍADICÃO APOSTÓLICA Ide, pois, e ensinai todas as gentes. Jesus Christo, em S. Mat. XXVIII, 19. TRADIÇÃO APOSTÓLICA A doutrina ecclesiastica não se esquiva á alçada dos Taciocinadores. Acceita-os, offerece-se, expõe-se ainda aos má paralogismos da E' certo fé. que a razão natural, ou, mais claramente en- nunciada, a razão indócil aos dictames da fé não alcan- ça a forma real como o testimunho divino se opera ineíficazes as forças do intendimento cerem as causas eíficientes : são no afan de conhe- de numerosos phenomenos da sciencia humana. Pois se a razão é limitada no entendimento dos factos de observação, que muito se no entendimento das causas divinas submettemos a razão áfé? A tradição nos refere os Theologicamente defmimol-a : actos da «um origem divina. testimunho que nos assegura a verdade d'um facto, dogma, ou uso.» Exa- minada em seus primórdios, procede de Deus ou dos homens. Pelo que, distinguimos entre tradição divina, dição apostólica, e tradição ecclesiastica. A tra- tradição após- 146 Divindade de Jesus tolica, ao parecer de todos os theologos, e a beneplacita mesma da razSo, considera-se divina. Os apóstolos en- sinaram o que immediatamente apprenderam de Jesus^ ou do Cão los: espirito do Senhor no discurso do apostolado. A por- humana de Christo vive no doutrinamento dos discípu«Ide, e ensinai.» O Filho do homem vai com elles. A luz radiosa do cenáculo fez-se columna perfulgente que lhes esclarece as veredas escuras do A mundo. tradição apostólica é a fonte das aguas ipcorrupti- Ahi está veis. em eterno bronze a pagina incontroversa da christandade catholica. Lacordaire, como visse que a razão que o plena era o guia da philosophia, pediu encaminhasse á fonte da luz, lá também tradição. onde a incredulidade se teme da dão refractária ás luzes do raciocínio. á razão Achou-se em escuri- 147 Divindade de Jesus §1 Deus, cuja existência é eterno acto, nao tem passado nem futuro; rém, que vive conseguinte, nãío é ele- pelo a tradição, mento necessário Deus. á existência de O atravez de successiva cadêa de instantes, sem a nem A certificar-se estabelecer tradição, tradição, elo fim está po- n3ío poderia, unidade dos instantes, a da identidade de sua vida. que ata presente, é o vinculo O homem, no tempo, e vai do ventre á sepultura em universal de tudo. e harmonisa o passado que liga o proporção com o passado ao futuro. com a origem: esta O conhecimento lei é da origem revela pre- cizamente o segredo do fim. Diz Lacordaire <<^Se a sopro bafejou homem : vontade creadora fecundou o nada, se divino a face do homem, não é á terra que o pertence: mais altos destinos p impulsam: o so- pro de Deus, que elle encerra, mostrar-se-ha em sua fi- nal immortalidade.» Somos d'uma causa: effeitos omnipotente que nos produziu; derem os effeitos esta causa é a vontade e, pela razão de não po- exceder as causas, nós, emanações da vontade omnipotente, não podemos conhecer nossa gem, nem ainda o fim, por que meiro para conhecer o segundo. ori- é mister conhecer o pri- O passado de cada in- dividuo que inducções lhe dá para descortinar o futuro? Quem de sua experiência de longos annos colheu'a pre- 148 Divindade de Jesus vidência para a O effeito O que iiora vem segredo do que vai começar? Van pergunta ! está no segredo da origem; e o não pôde antepor-se á causa. segredo do passado tão somente pode revelar-no'lo E por a tradição. que o conhecimento da origem é isso o conhecimento do fim, á tradição incumbe descortinar A o mysterio do futuro. sciencia do que foi, é, e ha de na tradição. As tradições históricas e religiosas ser, está s3o os repositórios da sciencia universal. «Despresal-as, , — diz o novo Bossuet, —é desprezar a vida» pois que a harmonia do passado com o presente, e do presente com o futuro seus — pajtes constituintes da vida considerada momentos successivos —é a tradição que em no'1-a dá, e é impossivel substituil-a por outra qualquer pala- nao tenha o valor, e não seja o núcleo d'um vra que complexo de O factos. fundamento do catholicismo está na tradição con- servadora da palavra divina. Diz a tradição que oral um existe de natureza eterna, o qual creára o d'amor que o homem e a creação do A tradição pelo que, vera, em oral o catholica : a existência de Deus, por Deus. acrescenta que o preferindo amor, este homem perfeito, e por effeito não comprehende. Aqui estão dogmas da doutrina dois Deus, homem, creador, homem repulsara a independência e a corrupção; segunda vez misericordioso, resol- sua vontade omnipotente, a restauração do ho- mem. São estes os dogmas da queda e rehabilitação. oral que o homem, submisso á seria com Deus eternamente e, re- Diz mais a tradição lei da reparação, ; nunciando-a, seria privado da presença de Deus. Este é o dogma do juizo final. 149 Divindade de Jcsus Porém, a palavra de Deus, lançada no tempo, e en- homem, desmemoriado tregue ao devia degenerar, brantadoras, extinguir-se assim para Cumpria á necessariamente. dizer, fundir a paixões que- pelas ao correr dos séculos, e, palavra Providencia, divina em moldes prepetuos e universaes. Foi a palavra por tanto eterni- sada no symbolo. Estabeleceu Deus entre os homens a tradição sym- bolica. «Resolvera Deus salvar o mundo pelo sacrifício, que na sua essência encerrava os cinco termos que consti- tuem o mysterio do quem pois se offerece premo dominio; ; Deus, a Deus creador, o sacrifício; a idêa de a idêa offerecido a idêa da da queda do homem, pois que o por todos é pois que, esperar se o ; expiação univer- finalmente, a idêa do juizo homem nada tivesse fi- que temer e n'outra vida, a queda e reparação seriam pala- vras vans.» (i) (i) uma reparação pois que seria inútil expiar o que nSo tem expiação nal, e do mal: a idêa de que a victima immolada é testimunha do seu su- sacrifício, sal bem «Lacordaire.»— T. i, pag. 124 i50 Divindade de Jesus ^ A tradição oral, em par II com a tradição escripta, no antigo mundo, complemento mentario dos symbolos signados em e indispensável das religiosos, leis foi, com- e ritos con- poucas palavras nos monumentos escriptos. Investiguemos verdade d'este asserto na a religião judaica. Um dos artigos fundamentaes da mão do Senhor, ao recebel-a da na forma instruído de a praticar. comprehendeu o sentido no da creação em lei O espiritual da seis dias, a queda é que Moysés, mysteriosamente fora filho lei, e o de Jethro phonome- original, e a signi- ficação mystica dos sacrifícios. Moysés ciãos conhecimento das tradições os an- iniciou no do povo, e mandou-os transmitil-as aos mais tuosos mestres da vir- entre as multidões do deserto. lei Posto que osphariseus adulterassem a palavra tradicional, e com isso merecessem as admoestações nação judaica sempre a teve em de, Christo, a conta de infallivel se- minário da verdade religiosa. ' No cripta principio, e ao correr de muitos annos, a commum era ; lei es- todavia, interpretar o sentido do que a tradição oral, impossível comprehender a escripta, era texto sagrado não era de todos, por sem o quê privilegio fora de poucos. A unidade da doutrina religiosa moral' dependia da tradição, escrever a lei, com e que ensinava o modo de a phraze do seu genuino sentido. 151 Divindade de Jesus As de mudanças, argumentos, subtrações, letras, transposições variedade na forma dos caracteres, supressSo e sobreposição de vogaes quasi imperceptíveis, tal mis- de significados enredava de modo a intelligencia tura que, se a tradição os nSo dilucidasse, eternamen- da lei, te ficariam na escuridade de mysterio. Este mysterio, pois, foi sujeito á intelligencia de regras eram prerogativas dos mestres da fixas, as quaes que de viva voz as lei receberam. N'esses tempos era tão escrever a diíficil como lei comprehendel-a. A Thorah primitiva (lei gravada) nem vogaes os versos, e os pontos era distinctos, e apenas escripta capítulos : d'uma a outra palavra sem eram in- se interpu- nham espaços confusos e irregulares. Sem um dedo indicador de mestre, que encaminhasse o discípulo compactos, a n'este todo seria lei um inconcebível cahos, uma de arabescos pedra runica, que poderia inspirar o mysticlsmo contemplativo, o exercício da •era gras a intelligencia. tradição, Ora que continha em mysteriosas, cujo mas nunca este dedo de mestre si o thesouro das re- segredo os doutores exclusiva- mente possuíam. Nem de longe podemos já agora avaliar as dificul- dades que o judeu encontrava na O leitura da sua lei. Pentateuco e os profetas continham certos vocá- um sem pena d*anathema, não poderia ler com as letras todas. Era-lhe forçoso, para ser comprehendldo, pronunciar um grande numero de palavras mui diversamente do texto, mudar o som de certas lebulos que tras, e judeu, suprimir-lhes inteiramente a desinência. Do abatimento ou elevação da voz, da maior ou menor de- : Íõ2 Divindade de Jesus mora nas transições d'uma a outra palavra, resultava, sentido diverso, accepção toda contraria, absoluta con- fusão no texto Do ! ensino oral dependia tudo; bastam para do ajuizar será sobeja prova a e, se estas razões não da tradição oral^ predomínio que nos dá a lei, escripta bastantes séculos depois de promulgada. Por espaço de dez séculos, a tradição oral recurso para a interpretação do sentido da ção entre os judeus, comprehendia o oral, mittido de viva voz, e as explicações foi lei. que o único- A tradi- fô'a trans- pelo escriptas mestre, cuja copia era prohibida, por que só os doutores e os sábios tinham a excellencia de annotar os pontos essenciaes da doutrina. Estes manuscrij>tos, intitulados «cathalogo dos terios» multiplicaram-se, ao passo mys- que a tradição se des- envolveu com o progresso dos espíritos na intelligencia das verdades reveladas. Os mysterios conteúdos n'este «cathalogo>> continham as rigorosas explicações sobre a pratica da mem lei, o código de preceitos que levavam o ho- á sua possível perfeição, e a explicação das mais sublimes doutrinas como fosse a essência divina, a pluralidade das pessoas em Deus, a creação, a incarnação» a redempção, e a vida futura. Os os juizes e padres doutores, communicavam ao povo estas doutrinas, e o povo, que murmurasse desconformidade teira mos ou lhes negasse, na em pratica, in- obediência, era punido de morte, se á letra deveverter esta «Cumprireis por d'elles, Deus para passagem do Deuteronomio á risca o que disseram os escolhidos a presidência : seguireis suas ordens desviar para a esquerda ou para a direita : e sem quem, de Divindade de Jesus lòí} propósito deliberado, não escutar o padre ou o juiz, será punido de morte.» Tradição foi (i) esia substancialmente transmittida pe- chefes da Synagoga até ao los truição de Jerusalém. rios á lei, duar aqui, (i) II século depois da des- E o complexo d'estes commenta- o qual seria trabalhoso e inopportuno indivi- chamou-se o Thalmud. Deut. C. XVII, V, IO. Jà4 Divindade de Jesus III Jesus Christo, o illuminador das intelligencias, e bál- samo dos corações, derramando benefícios, sobre os ho- mens, e elevando-os, pela doutrina, á condiçSo sublime dos dons regeneradores, quiz que permanecessem eternos os seus benefícios em signaes de se aproveitarem sensíveis, uma que a sua divina palavra e sociedade universal fructificasse e imperecedoura. A em Egreja e os sacramentos s3o a graça e a verdade eterna^ que si- gnificam Jesus Christo entre os homens até á consum- mação dos A séculos. Egreja pois, é, uma sociedade religiosa, instituída por Jesus Christo, e depositaria da sua doutrina. A missão d'esta sociedade é a conservação, defeza, e da doutrina, cuja interpretação identidade de fé está submettida á auctoridade d'um apostolado permanente, que o Espirito Santo dirige, para que até ao fim das ge- rações sejam continuados os benefícios do Salvador, durante a sua vida mortal. O dogma da Redempç^o e da Incarnação, com todas as circumstancías que pertencem a este duplicado mysterío, sao prerogativas que a Egreja recebeu de Jesus Christo, seu fundador, por que «a Egreja é Jesus Christo na sua plenitude» Esta sociedade, vida sua, e estabelecem como Bossuet a define. constituída corpo moral, vive exercita-se na elevadíssima esfera as mais intimas relações do d'uma onde se homem com Deus. Os membros de tal corpo sãío os fieis ligados por la- íôõ Divindade de Jesus ços mesma mesma d'Lima visíveis d'uma semelhante legislação, fé, d*uma idêntica moral, d'um mesmo culto, ed'uma sugeição ao chefe do apostolado perpetuo, divi- namente instituído depositário dos poderes espirituaes, e da auctoridade confiada á Egreja. O caracter O narchico. d'este votq é essencialmente mo- apostolado de todos os catholicos colloca a su- um premacia do poder nas mãos de só, legitimo repre- sentante de Jesus Christo, e chefe único e visivel de toda a Egreja. Estas ligações, que, sahidas da mão de Deus, vincu- lam integralmente os membros do corpo universal, não podem quebradas no menor dos seus enlaces, sem ser que os fieis reneguem o principio que a Egreja repousa. Tal é a fundamental sobre auctoridade da infallivel jerarchia apostólica, prerogativa divina, legitimo exercício de auctoridade, que ninguém poderá affastar de si, sem que as portas da Egreja lhe sejam fechadas, pela mao d'Aquelle que disse «Quem vos ouvir, ouvír-me: ha ; me e quem despreza, E ainda vos desprezar, desprezar-me-ha também despreza aquelle que «Como meu Pae me á ora, quem enviou.» : ensinai todas as nações até : me enviou, eu vos envio. . . consummação dos Serei séculos. Egreja, seja entre vós estrangeiro . . Ide e comvosco todos os dias O que nSo escutar a como o pagão e o pu- blícano.> Qual é o principio vital Esta questão é o da Egreja? ponto capital da controvérsia que divide os catholicos dos protestantes dição. Daremos em resumo -este debate. em matéria de tra- 1Ô6 Divindade de Jetus § IV Reduziremos a proposições tes, a doutrina dos protestan- nos artigos que nos são indispensáveis para a con- que deriva do trovérsia titulo d este artigo. A doutrina do Salvador edos Apóstolos, no que diz I. peito res- salvação, acha-se completamente substanciada á na palavra escripta. São incríveis ©s artigos da fé, em- bora a Tradição nol-os transmitia, logo que a palavra escripta os não justifique manifestamente. II. Qualquer leigo, homem ou mulher, tem o direito de julgar o sentido da Escriptura, e pessoalmente inter- pretal-a. III. Em controvérsias religiosas nSo ha ahi pastores da Egreja auctorisados pela supremacia mos submetter mo Cada a quem deva- qual decide co- lhe praz. IV. o os nossos juizos. Os mesmo pastores da Egreja são homens importa valerem-se da sua ; e, como taes, importância em Concilios geraes, por que a susceptibilidade do erro é a mesma, qualquer que seja a dignidade do homem. V. A Egreja de Jesus Christo não só pôde errar, mas effectivamente errou, quando a idolatria, a superstição, e outros erros condemnaveis lhe mancharam a primitiva toga d'innocencia. VI. O papa é o Anti-Christo, e os seus successores são a continuação do Anti-Christo. Vil. Jesus Christo não deu a S. Pedro algum legio .sobre os seus cripturas privi- companheiros de apostolado; as Es: não nos justificam a supremacia de S. Pedro; /57 Divindade de Jesus pelo €, conseguinte, os bispos de mundo bispos de todo o Roma são iguaes aos catholico. Qualquer d'estas sete proposições, assim francas e desembaraçadas, bastaria para significar a barreira inter- posta á Reforma e ao Catholicismo. Pareceu-nos, porém, conveniente alinhavar no mesmo apontoado estes pedaços rasgados do mesmo estendal de heresias, que, mais ou menos cobreadas, sao aquel que ha pouco las repellimos, embuçadas n'um manto de hypocrisia com visos de moralidade christã. (i) Pareceu-nos, outrosim, que mais assentariam as nossas provas, sem lhes desunir os argumentos e retalhar a douSendo certo que em todos os trabalhos systhema- rios trina. ticos nios, quando fossemos ao encontro dos adversá- da intelligencia que humana ha um enlace de raciocí- lhes dá solidez e tenacidade, é também evi- dentissimo que, n'esta maneira de expor a controvérsia, não procuramos fazer pedaços a estatua do protestan- tismo para mais commodamente lhe pulverisar os fra- gmentos. que argue nimia affouteza contra que se contam a centenares, diz linguagem, Esta um complexo de seitas menos ao intento dadeira Dizem que da fé. espíritos. ctimas. tam Assim o cremos Cumpre ver- parte de lá avultam elevados o erro : respeital-as ? tem feito illustres vi- Tanto quanto ellas respei- os depositários da palavra divina. A Reforma (i) que as conversões frequentes á deu de Referencia a se refutou um no semanário si, a final, uma escripto, sobre o em que estes philosophia que «Poder temporal» que foram publicados. artigos ; : 1Ô8 Divindade de Jesus redunda nas abstracções do pantheismo. no fim da sua missSo. vem cial cesso. Os [despontando. A aurora de O um O Christo está novo cyclo catholicismo é já Arios e Pelagios renascem menos um so- retro- fervorosos mas esgrimidores de armas mais penetrantes. Assim que as doutrinas lhes disparam no absurdo, acolhem-se ao presidio da razão natural. A meia volta, acham-se Os racionalistas. Origenes e Tertulianos teem de me- com elles no campo da rebeilião franca. Não pôde o século, infelizmente, erguer aquelles dirse tos venerandos da Egreja Lusitana: todavia, d'essas arvores magestosas, á vul- sombra que bracejaram frondes pa- ra todos os séculos, ainda os humildes tentam elevar-se para aquelle alto principio d'onde descem aos pequenos da terra a coragem que os faz grandes entre os maiores do orgulho humano. Os absolutamente repellem a tradição. protestantes A «palavra escripta» e mais nada. Doutrinas que derivem de consenso universal, ou tradições humanas, embora tidas em conta de divinas pela egreja catholica, abjuram-nas. Ora, se ventilarmos á cêrea da «palavra escripta» um simplíssimo debate, seguramente cremos que as seitas dissidentes, gloria A questão Que dos e -seus abalisados chefes, os de nos reduzirem á sua é esta «palavra escripta» livros sagrados, siastico aprenderam os protestantes que constituem o seu código eccle- ? Suppondo que um dos munho regeitarão a fé. livros da Escriptura dá testi- de todos os outros, qual é a «palavra escripta» que justifica a authenticidade d'esse livro abonatorio ? lo9 Divindíide de Jesus N3o existe essa palavra escripta; não obstante, as reformadas receberam a tradição da Egreja egrejas mana e, ro- ao escolherem os livros do seu código ecclesiastico. Esta uma repugnante é incoherencia que denota os frágeis alicerces da Reforma. como E terpretaç;lo possível o contrario, se a genuína ín- seria da palavra escripta é contra a palavra es- cripta dos protestantes Como consta da i.^ dor e dos Apóstolos, ? ! proposição, a doutrina do Salva- em tudo o que diz respeito á sal- mas não será cegueisemelhante máxima contrariada pela vação, está consignada na escriptura; ra prestar credito a própria escriptura Paulo S. plícito é, ? ! quanto podemos desejar que o seja, ex- : <<E por tanto, meus irmãOvS, permanecei firmes; e con- que aprendestes de nossas palavras, servai as tradições ou mediante nossas cartas.» (i) «Em nome de N. S. Jesus Christo, meus irmãos, ordenamos que fujais aquelles d'entre vós cujo procedimento desregrado não é o que lhes ensina a tradição, que receberam de nós.» (2) «Eu vos louvo, meus irmãos, por vos ser lembrado em tudo, e guardadas as tradições que vos dei.» (3) (1/ Itaque, fratres, state, et tenete traditiones, sive Cap. (2) tri quas didicistis, per sermonem, sive per epistolam nostram. 2. «Thessal». 2. V. 14. Denuntiamvís autem vobis, fratres, in nomine Domini nos- Jesus Christi, ut subtrahatis vos ab omni fratre ambulante inordinate, et bis. 2. (3) non secundum traditionem, quam acceperunt á no- Thessal. C. 3. Corinth. Cap. 2. V. 6. v, 2, 160 Divindade de Jesus Não textos é mister fatigar a inteiligencia na versão d'estes comprehender que para S. Paulo ensinara ver- balmente aos de Corintho e Thessalonia doutrinas, que suas cartas não mencionavam. que reconhece-se o E, ao mesmo tempo, recommendava Apostolo observância tanto para o que fora dito, igual como para que o fora escripto. S. Paulo, escrevendo a seu discípulo Thimoteo, obser- que transmitta aos homens, capazes de va-lhe rem os outros, o deposito de doutrina que lo lhe instruí- elle discípu- na presença de muitas testimunhas. ouvira Este deposito doutrinal (i) não é a tradição escripta, que essa era de todos, e ninguém, por mais elevado na gerarchia ecclesiastica, se arrogava o thesouro peculiar dos livros sagrados. O deposito era a tradição oral cuja per- petuidade é providenciada pelas admoestações do Apostolo, repetidas vezes, ás Egrejas d'Epheso, de Corintho, € Thessalonia. O que que pta, é se collige das razoes tiradas da palavra escriS. Paulo não favorece os hiresiarcas: repre- hende-os como fizera aos de Thessalonia, mento desregrado dessoava da moral da haviam recebido. O é Evangelho de S. João, em cujo proceditradição, qus suas ultimas palavras, testimunho insubornavel das cavilosas interpretações dos reformistas. «Jesus operou outras muitas coisas, as quaes, minu- (i) Et que audisti a me per muitos testes, hoc commenda delibus hominibus, qui idonei erunt, et aiios docere. Ep. 2. 2. V. 2. «• • fi- C. 1 16 Divindade de Jesus mundo ciosamente contadas, n3o bastaria o para conter os livros escriptos.» (i) que crivei E' homem-Deus, mano que palavra de Jesus, a significação do semente lançada no a seio do género cahisse na voragem do esquecimento ? ! E' crivei o Evangelista as considera, fossem benefícios pre- cisos á primeira geração dos filhos da para a geração do século XVI? lei nova, e inúteis 1 Sustentam os protestantes— quanto é possível á fé sustentar princípios mem hu- tao amplas, tão multiplicadas obras de Jesus, as como a absurdos ou mulher, tem o sentido da Escriptura. direito Os — que qualquer má leigo, ho- de interpretar e julgar o anabaptistas, ramificação d'a- quelle tronco regado por sangue precioso no coração da Alemanha, affirmavam que aos mais ignorantes concedera o Altíssimo mais penetrante espirito de interprepor isso que João de Leide, cansado das sa- tação.. E' turnaes de Munster, presentado por jornaleiros a em que devassidão o verdadeiro culto era re- libérrima, balia á porta dos mendigar a versão genuina das palavras de Jesus Christo. As palavras da Escriptura desmentem rigorosamente estas asserções extravagantes. «E' de cular. saber, primeiro que tudo, que nenhuma da Escriptura se explica por interpretação phecia . . por pro- parti- que os santos homens de Deus fallaram inspirados pelo Espirito Santo.» (2) (i) Sunt antem et alia multa, qua^ faclt bantur per singula, nec ipsum arbitror eos, qui scribendi sunt, libros. (2) Hoc primum C. intelligentes 21 Jesus quae mundum — v. si scri- capere posse 25. quod omnis profecia Scriptu. ; : 162 Divmdadé de Jfsus Confessando os protestantes que sem o dom do EsSanto é impossível interpretar as escripturas pirito piradas por elle, como que a reforma traduz é mento dos seguintes textos de S. Paulo dom de «Este recebe do Espirito Santo o dom da sabedoria: aquelie o dom da prophecia. com, faliar sciencia, e aqueiie outro o ora . ins- o senti- só é que opera, distribuindo a cada um um mesmo o espirito os dons que lhe praz.» (i) Na do texto ha esta supposiçSo unica- intelligencia mente rasoavel : dom da o mente concedido interpretação foi singular- aos apóstolos^ pastores, e doutores (2) expressamente designados por Deus columnas da sua Egreja. Com que dom do dar recto juizo ousarão os protestantes appelliEspirito de contradição, que uma d'entre tem, a ponto de não haver elles multiplicadas membros esteja Escriptura ?! dom Santo aquelie especialíssimo seitas, n'uma d'accordo totalidade de interpretação da cuja só Confessam os protestantes que sem o dom do Espidas Escripturas rito Santo é mas as suas egrejas contradizem-se, guerream-se, e des- acreditam-se ineíficaz da ciosas intelligencia a primasia de entendimento uma sendo impossível a cada tar-se rae na a inspirada pelo própria interpretatione . . de boa Espirito Santo, non fit. Non enim fé, ; e, repu- poderemos nós voluntate huma- sed Espiritu Sancto inspirati, locuti sunt sancti Dei homi- nes. S. Pedro. 2 Epist. (1)' i.«» (2) d'ellas, Gap. Corinth. Gap. IX, I. II, Ephes. Gap. IV, V. 11. V. 20, 21. 20. : 168 Divindade de Jesus concluir que nem o seu avaliar, e clero, nem Escri- Acresce ainda sobre estes argumentos de prova ptura. moral, aquelle que julgamos irrespondivel da letra podem os seus leigos menos dar como julgado o sentido da — o da própria contheudo nos textos que vamos Escriptura, mencionando. Se nos dissessem, que, nos primeiros annos do Chrispor todo o tianismo, mais curiosos em século apostólico, um dos leigos escutar os juizos d'aquelles em cujas mãos eram frequentes as Escripturas— se nos dissessem que esse leigo comprehendêra habilmente uma passa- gem de com bem pouca repuNovo Testamento viria em contrario da nossa crença com a seguinte passagem «Ora um ethiope eunuco, que era dos primeiros offignância. ciaes acredital-o-iamos isaias, E, com tudo, o Candace, rainha da Ethiopia, e superinten- de dente geral do seu viera a Jerusalém por fazer erário, sua adoração. «E quando já voltava, ia assentado no seu coche, lendo no propheta Isaias. «Então disse o ethiope a Filippe ra ci'este «Correu^ logo Filippe; propheta esids aqui á bei- Isaias, e, ouvindo que o eunuco disse-lhe: Tu lia crês que entendes o no que lendo? «Elle 7iào :— chega coche. lhe respondeu : Como poderei eu houver alguém que m'o explique ? E rogou a Filippe que montasse, e se assentasse com elle.» (i) (i) Act. CVlll — V. e^itendel-o^ se I 28 e seg. 164 Divindade de Jesus Notemos que eunuco era o dade e iliustraçao. pretes da homem que reunia santi- Comparemol-o, depois, com os consoante Escriptura, o inter- protestantismo os admitte, nas pessoas dos seus sacerdotes e sacerdotisas. Nao como havemos de sei estribar a nossa fé na virtu- de e illustração de taes interpretes. Querem-nos parecer mais idóneos S. Jerónimo, Calmet, e Duhamel, Quando cisaram os próprios discipulos de Jesus Christo pre- quando aos próprios indispensável inteliigencia das Escripturas ; Apóstolos enviou o Mestre a luz no entendimento d'ellas, (i) não será ju- duvidar d'uns ingenhos que se mculcam subti- dicioso no lisados rito na interprete espirito de sua razão, e menoscabam o espi- de Deus inspirador e antigos Dizer conselheiro dos interpretes ? que Jesus Christo tradictorias, inspira as interpretações con- que sSo a base das egrejas reformadas, é blasphemar. íi) CXXIV Tunc apernit V. 45. illis sensum ut intelligerent scripturas. Luc, Divhidade de Jesus V § Sustentam os protestantes nas controvérsias A Escripturas, e Escriptura contraria taes «Assim como . . máximas claramente com enviado por fui : meu do Filho, e do Espirito Santo.» «Quem vos escuta, é a me despreza que me enviou.» despreza, aquelle ; No estudo das e trilho do Pa- mim que escuta: quem vos quem me despreza, despreza humanas, a razSo individual dos mestres, e subir mais alto na investigação da verdade. sSo sempre escuras em nome (2) (3) sciencias pode affastar-se do bora Pae, eu vos en- (i) «Ide, pois, e ensinai todos os povos, dre, proclamam a escripta juiz sufficiente nas disputas religiosas. estes textos, colhidos entre muitos vio. da submissão, a negativa aos pastores da Egreja. Re- religiosas, mettem os contendores ás palavra Í0'f) Mas verdades reveladais no seu sanctuario mysterioso, em- a viva luz da mais transcendente razão as queira esclarecer. Jesus Christo, que caprichoso em aquelles que (i) S. J. não viera a máximas deviam XX, v. interpretal-o tanto 21. xxvm, instituir (2: S. Mat. c. (3) S. Luc. c. X, V. 16. V. um incomprehensiveis, 19. código apontou quanto convi- ; lf)6 Divindade de Jesus , nha á salvação dos homens de boa vontade. Taes deda genuina interpretação da palavra divina positários são os appellidados : «Delegados de Jesus Christo, Dis- pensadores dos mysterios de Deus.» Convictos de sua soberana missão, os Apóstolos, zelosos propagadores da doutrina, declaram anathema ao anjo, que descesse do céo a annunciar preceitos diversos do que elles tinham ensinado. Se quereis um exemplo da auctoridade que os pasto- da Egreja receberam de Jesus Christo para julgar res as heresias e condemnal-as, lede os actos dos Apóstolos no cap. XV — «Ora alguns que tinham vindo da Judéa ensinavam esta doutrina aos irmãos: gundo a Se não sois circumcizos, se- pratica da Lei de Moysés, não podeis ser sal- vos. Paulo e Bernabé, vivamente sublevados contra el- juntamente com alguns dos adversá- les, decidiram rios, a Jerusalém, para, na presença dos Apóstolos, pro- ir, porem a sua questão. Reuniram-se, os para padres resolver pois, os pendência, esta Apóstolos e e, depois de muito examinada de parte a parte, Pedro levantou-se e deu o seu Vemos, ja, juizo.» pois, a decisão de Pedro curvar á obediência os to judeus como digar texto tra na primeira questão ventilada na Egre- em gentios. Onde que lhes abone a fieis, irão os protestantes má controvérsias religiosas ? fé tan- men- da sua razão arbi- Se a palavra escripta máxima fundamental da Reforma, quem, cego como o orgulho humano, suspeitará cavilosa repelle a tão in- venção, que se não peja de estribar no Evangelho, diametralniente opposto ?! : 167 Divindade de Jesus Os respondem a esta invectiva dos protestantes com presença de tholicos «Não ha duvida que infalliveis E, mas, mortos ; comtudo, S. espirito um tanto para as decisões dos apóstolos elles, ca- riso: eram cessou a infalibillidade.» Paulo, o infallivel nas suas doutrinas, segundo o argumento dos protestantes, deixa de o ser na carta aos de Epheso, que tão luminosamente destroe o débil recurso dos adversários do Catholicismo mesmo, (Jesus Christo) deu «Elle tolos, Prophetas, um com á sua Egreja Após- Evangelistas, pastores e doutores, cada sua missão, a fim de cooperarem para a perfei- ção dos santos, para as funcções do seu magistério, para a edificação do corpo de Jesus Christo, até que todos cheguemos á unidade d'uma mesma fé, e d'um mesmo conhecimento do Filho de Deus, á perfeição do ho- mem ... e que não sejamos como creanças, e pessoas volúveis, que se deixam levar por todos os ventos das opiniões mundanas, por trapaças de homens, e pela astúcia que elles tem de arrastar ao erro artificiosamente.» bem coordenada a missão d*um tribunal, complexo de homens com vários encargos, que deve Ahi ser está continuado em quanto ^ressões da heresia. a Egreja luctar contra as ag- 168 Divinda/ie de Jesus VI § Affirmam os protestantes, que não podemos confiada- mente jurar nas palavras da Egreja e dos concilies ge- raes sobre decisões de fé, e de moral, por res que os pasto- da Egreja são homens^ podem enganar-se, e por con* sequencia enganar-nos, se lhes prestamos inteiro credito» A conclusão que sua é—que, 'Cipios rir má vontade lhes dá de taes prin- para maior segurança, devemos só adhe- á palavra de Deus escripta. Depois d'uma determinação assim enfática e suasória^ devemos de boa fé consentir em que os protestantes não são homens^ não se enganam, nem podem enganarnos com suas decisões ! Tem o arbitrio doestas estrava- que o levam a galhofar em assumptos muita e até não sabemos se b riso será a mais judicio- gancias, sérios, sa illação de suas primícias. Que importa Egreja de Jesus a illustre Christo assemblêa dos pastores da com Calvino a comparada trovejar as suas inauferíveis conclusões Quem falia ahi um quaker, ou um clara infallivel o acreditam O em da infallibilidade anglicano, ou um ? da Egreja, quando anabaptista se de- relação áquelles poucos sectários que ? absurdo, pelo menos, tem a particularidade de ser faceto, e não sabemos por que operação providencial estes parallelos não os argumentos de podem uma já hoje ser estabelecidos con^ lógica escorreita e grave. 169 Divindade de Jesus Dizer que a Egreja pôde enganar-se, é ir de encontro- ao Evangelho de Jesus Christo, que expressamente contraria uma não vas, asserção. Estas sSo, entre outras, as pro- tal pedidas ao livre arbítrio, mas extrahidas da «palavra escripta:» «E eu também te digo esta pedra edificarei a prevalecerão que minha tu és Pedro, e Egreja, contra a qual não as portas do inferno.» (Math. Cap. XVI, i8.) v. As portas do Egreja, se esta, de doutrina prevalecido contra a teriam vez, se tivesse desviado da fé e Jesus Christo catholica Egreja inferno alguma ; mas o divino fundador da predisse e prometteu o contrario: logo ou taes promessas nunca foram um falso propheta, da pelo e nome do ensinai ou Christo era : a todos os povos, baptisando-os em Padre, e do Filho, e do Espirito Santo, ensi- nando-lhes a mandei feitas, ou nunca a sua Egreja será mancha- erro. «Ide, á que sobre observância e confiai, que eu consummaçâo dos de tudo aquillo que vos eu serei sempre comvosco até séculos.» (Math. Cap. XXV 111, v. t9, 20.) Os protestantes estão d^accordo infallibilidade com os catholicos na das doutrinas dos Apóstolos, e dão como perservados d*erro os fieis que os ouviram, por isso que Jesus Christo promettera acompanhar os depositários da doutrina até á consummaçâo dos séculos. E' evidente, porém, que a promessa do Salvador não poderia cumprir-se integralmente nos apóstolos a quem Jesus Christo não prometteu simultaneamente vida que discorresse atravez das gerações até á ultima. lidade da doutrina, coadjuvada A infallibi.- pela vontade do Altissi- 110 Divindade de Jesus mo, devia transmittir legado celeste áquelles que foram enviados para erismar iodas as nações. Os pulos, homens únicos apostólicos, que, depois dos discí- pregaram o Evangelho de Jesus Christo a todas as nações, foram os bispos, e os pastores da Egreja Catholica Romana, os seus delegados ás nações idola- e que abraçaram a tras, fé. Ora, se os apóstolos eram promessas de Christo, infalliveis conclue a em virtude das menos intelligencia versada na theologia, que a Egreja dos Apóstolos, nos séculos posteriores, em man- virtude d'aquella promessa, teve cunho de infallibilidade, garantido pela permanência da doutrina. «Eu supplicarei a que consolador, Cap. XIV, V. «Quando meu esteja Pae, e um outro i6.) este espirito de verdade descer, toda a ver- dade vos será ensinada por V. vos dará elle cot.vosco eternamente.» (Joan. (Joan. elle.»-^ Cap. XVI, 13.) Os tural : apóstolos, mas vilegiou-os como homens, eram falliveis dom particular de ensiiiar a no dom da infallibilidade. Não o de seu na- verdade, pri- nos pergunte o espirito de sophisma se a dadiva do Espitito Santo exclusivo dos apóstolos: respondemos que não. rito de verdade, como espirito de sanctificação, ramado sobre todos os mento é promessa fieis : preferiria, se o mesmo espi- foi der- o espirito de ensina- especial d'aquelles to elegera entre as multidões, ma mas que Jesus Chris- osquaes precisamente nao espirito illuminasse com intensidade de luz as intelligencias de todas. iriam, fora do mundo, do divino Mestre? foi O a mes- Onde os apóstolos propagar a doutrina — : 171 Divindade de Jesus Jesus Christo prometteu a coexistência eterna do Es- Verdade na pessoa dos apóstolos. Estes, pirito de certo, não vieram atravez das gerações até ao extremo dia da humanidade para que Jesus Christo tivesse no cessão o eternamente da promessa de n'elles o A seu complemento. da palavra escripta rigor foi feita con- á serie de successores d'aquelles primeiros que ouviram a promessa do Redemptor, e a tomaram desde logo como garantia para E' que succederam ^no seu augus- sublimemente expressiva a prophecia de Isaias, si, e para aquelles to ministério. •*- Cjuando prediz a descida do Espirito Santo sobre a Egreja de Jesus Christo <'Meu espirito que é comtigo, e minhas palavras que puz em tua boca, não serão da tua boca arrebatadas, nem da boca da tua posteridade^ nem da boca dos des- cendentes de teus descendentes para todo'o sempre diz o Senhor.» (Isaias A sas, Cap. LIX, v. 21.) divina Providencia, depois de tão solemnes promes- não permittiria que os missionários da sua institui- rás sagrada, os successores do santo congresso dos apóstolos, abandonados, e árbitros da sua missão sem fé nem authoridade, proclamassem o erro contra a rigorosa Egreja romana, e a fé con- de seus predecessores. Concluimos por tra a sã doutrina illacão fé, das paTavras sob a de Jesus Christo, que a inspiração infallivel do Espirito Santo e da divina Providencia, nunca pôde. nos passados tempos, nem poderá nos tempos futuros, ser aban- donada ao ensino do Thimotheo, Egreja a seu erro contra a moral, e a fé. temeroso- de que, em sua ausência, a cargo desvairasse nos conselhos, que de viva voz recebera, escrevia: 172 Divindade de Jesus <'Escrevo-vos, nSío obstante bem cedo estar comvosco; para que, se a demora fosse grande, soubésseis por que maneira devereis proceder na casa de Deus, que é a Egreja do Deus vivo, de.» (Thim. Cap. Ill, columna e fundamento da verdav. 14, 15.) Admittida a infallibilidade da Egreja de Jesus no seu começo, é necessária consequência proclamar scismaticos e heréticos aquelles que, separados d'ella, se não pejam de divinisar o vre arbítrio. espirito de seita sobre a apotheose do li- 173 Divindade de Jesus §VII Quem se impozer a utilíssima tarefa de estudar a re- em forma lutherana profícuos ás todas as suas ramificações irrecon- o tronco, chegará precisamente aos mais com ciliáveis resultados do estudo, que sao a sabedoria, e extremas consequências d'um falso systema^ que s3o o desengano. mancebo Mais d'um mesmo tempo religioso fora inerte, d'esta geração analytica, e ao me tem dito que o seu espirito regenerado na leitura dos livros phisolophi- cos do século XVlll. Confessam a inanidade de crença em que os deixou a sciencia túrgida dos antigos padres; sendo que os modernos philosophos proclamam a di- vindade do christianismo, antes de syndicarem as provas nas formulas da Biblia, ou nos argumentos imperiosos do raciocínio. Estas as illações, mesmas que colhidas de princípios absurdos, s3o affluem da leitura imparcial das razões do protestantismo contra as razões da Egreja catholica. Leiam-se, e na dissequem-se raiz que medrou pela seiva da mentira; profunde-se o principio do erro, quem lhe não consente uma argumente-se com o Evangelho aberto, se não pejou de arrogar-se o Evangelho capricho de frade despeitado (i) como só de suas consequências; (i), já que a reforma em abono d'um e felizmente o joelho Epytheto expressivo d'um príncipe, que vivera protesta»te è ha pouco expirou cathoHco. 174 Divindade de Jesus do homem, que procura saber o seu destino, curvar-se- ha no sanctuario das verdades eternas, confiadas por Jesus Christo ao seu representante. Nao sejamos tímidos em assoalhar ao sol da gencia os retalhos dispersos da reforma. que o intelli- Não haja medo racionalista insipiente vacille entre os caracteres da verdade catholica e da mentira protestante, Nao se bom arreceie o christão em prejudicar a sa doutrina de Roma, expondo-a aos que passam indifferentes para que a comparem com a de Inglaterra, para que a comparem com a de todo o mundo, e com a de todos aquelles que bem doutrinado julgam mais alguma religiosa. o que nao tem doutrina por isso, que, por pouco, proseguiremos na franca E', apresentação d'um ou outro argumento dos protestantes que valha a pena de ser rebatido. Temos procurado a clareza nas formas d'este trabalho árido e hoje entre catholicos reputado frioieira se já faz pena lyse de mesmo ; sentir a precisão de invocar o espirito de ana- algum de nossos de Babylonia, lha de Luthero, essa graças, se tremenda leitores para que decida since2. prós- como poderiamos denominar mae fecundíssima de erros e a fi- des- quizessemos figural-a a realidade d'aquella visão do Evangelista na ilha de Pathmos. Se com o espirito pedimos a causa com fos- por que ramente entre a Egreja pura de Jesus Christo, e iitídda obri- Quizeramos que o assumpto em discussão gatório. de lealdade e desejo de saber, lhe radical da sua separação, inabalável firmeza de caracter, respondem, que a Egreja de Je- sus Christo, na sua totalidade, nao só podia resvalar ao despenhadeiro do lou, erro, mas que effectivamente resva- desde que, infeccionada d'erros, e surperstiçao, e ido- : 175 IHcindade de Jesus latria, forçara a consciência dos protestantes a sak7r da Babylonia. centro de como irrisórias, e vas á esposa Estas suas ordinárias expressões, de todas as menos insolentes, invecti- Jesus Christo, sSo a arma que mais de dextramente jogam, eé por ventura aquelia que Voltaire melhor jogou como legitima herança provinda de seus mestres. São consequências filliadas e rigorosas. Depois do arbitrio o livre scisma lismo; e o sarcasmo depois do scisma o raciona- ; ultimamente como complemento da embora apadrinhado por homens, que lhe destruição, deram aquelle pomposo nome da philosophia. Não fecharemos ainda mos que a serpente do a Biblia, erro se em quanto presentir- refugia nas suas pá- ginas. Em Daniel — cap. «No tempo de nunca destruído, vo, taes um 45— lê-se: II, v. reis, o reino, rei do céo creará que não passará que pulverisará todos os um reino, a outro po- reinos, e subsistirá eterna- mente.» Concedem os protestantes ser esta a predição do Rei- no espiritual de Jesus Christo, nunca destruído, e etcr- 7ianie7ite existente. Fortaleçamos a predição com palavras do mesmo pro- pheta «Eu via estas coisas em uma visão nocturna, e vi o Fi- lho do homem, que vinha entre as nuvens do céo, e abrangia d'elle o ultimo dos dias. Vieram á sua prezença, e receberam o poder, 3 honra e o reino; e todos os povos, e todas as tribus, e todas as linguas o serviram: o seu poder usurpado, V. nem 13, 14.) é um poder eterno, que nunca lhe será o seu reino destruído.» (Dan. Cap. Vil Divindade de Jesus 17() «Elle será grande, e chamar-se-ha o Filho do Altíssi- O mo. pae : Senhor Deus dar-lhe-ha o throno de David, seu reinará eternamente sobre a casa de Jacob, e seu reino será infinito.» (Luc. Cap. I, v. 32, 33.) São evidentes e clarissimas as palavras do texto, e cremos que accumulal-as não augmentaria a sua força A de prova. Egreja de Jesus Christo, que, segundo o estylo da Escriptura é o seu Remo Espiritual, de a sua fundação, destinada á perpetuidade, como nação tuída foi, des- e consti- indestructivel entre todas as nações perecedoras. Articulam os protestantes: «Nós também que affirmamos a Egreja de Jesus Christo é perpetua e indestructivel.» bem Pois acceitamos a benevolência da sua confis- : são. Onde é que estava a Egreja perpetua e indestructi- vel antes da Reforma protestante? «Nos séculos — existia uma mas nismo; anteriores á Reforma— respondem elles Egreja christã, que ensinava o Christia- impura, corrupta^ idólatra, e supersti- era ciosa.» Paliar é uma d'uma EGREJA DE JESUS CHRISTO corrupta, um contradicção manifesta dos termos, razão» — diz um «ente de scismatico da Egreja anglicana, Jucido intervallo de boa A demonstração n'um fé. é simples, sem recorrer aos poderosos auxiliares das razões moraes. A posto Egreja de Christo. um é corpo mystico, essencialmente com- verdadeiros Quem da verdadeira faz o fé, crentes, verdadeiro e adoradores de Jesus crente é a profissão e do verdadeiro culto de Jesus Chris- 177 Divindade de Jesus Logo— a to. apóstata que abandonou a fé e a Egreja doutrina christã, que degenerou pureza, e corrupção, sus Christo, tal nem uma em erro e idolatria, im- Egreja não é a parte d'ella. Um Egreja de Jeparticular, que a verdadeira fé e depois se fez heresiarcha, professou deixou, no instante da sua rebeldia, de pertencer á Egreja de Jesus Christo. As mesmas condições militam transfiguração religiosa d'úma nação, qualquer que predominante do a heresia seu systema religioso. na seja Se toda a Egreja apostatou, como os protestantes aífirmam, muitos séculos antes da Reforma, a Egreja de Jesus Christo necessariamente pereceu, por isso que membros impuros, heréticos, idólatras e corrompidos não podiam Mas constituila. a Biblia rebate energicamente esta hy- pothese assas degradante para a humanidade, e grande- mente ultrajadora para o divino fundador da Egreja ca- A tholica. Biblia repete-nos que o Reino Espiritual de Jesus Christo, desde o seu estabelecimento, não poderia anniquilado. ser idolatria, A .Biblia brada contra a accusação de de superstição e erros condemnaveis que a Re- forma attribue á Egreja romana. A to Biblia diz claramente foi, em por que a Egreja de Jesus Chris- graça e misericórdia de Deus, estabelecida perpetua santidade. «Sereis respeitado e honrado por todas as idades, quanto o sol e a lua subsistirem.» (Ps. 4, XXI, em v. $.) «N'esses dias florescerão os justos, e saborear-se-hão ahi fructos de paz, Em em quanto a lua subsistir.» (v. 7.) traducção ingleza, os protestantes aífirmam que David prophetisa aqui a gloria do Reino ou Egreja de Jesus Christo. E, comtudo, o propheta é solem nemente desmentido pelos seus interpretes, quando chamam 12 ao ! 178 Uivindadê de Jesus do tribunal arbítrio a Egreja livre do Pontifice para se condemnar de impura e corrompida! A Biblia protestante declara que Isaias prophetisa a vinda do reina vêr de Jesus Christo por estas palavras, realisadas no rigor da palavra: «Acontecerá nos últimos tempos que a montanha so* bre a qual em multidão. (Isaias, O Cap. II, . . e os idolos serão ahi pulverisados.» v. 2 e 18.) anniquilamento da pessoalmente prido transito nas je casa do Senhor será edificada, terá seus das collinas; e todas as naçSes hao-de ahi conver- tice gir a nos píncaros dos montes, e sobrepujará o vér- alicerces idolatria, não tendo sido cum-^ Jesus Christo durante o seu amarguras da RedempçSo, é o que nós ho- comtemplamos complemento apostólicos por n'essa pela obra Egreja converteram á dispersos na face do gloriosa/ levada ao seu catholica, cujos pregadores fé os idolatras, e ainda hoje mundo, luctam anciosos contra as perseguições, para obrigar no redií da fé o restante fieis, mar sobre quem a luz da Egreja que os protestantes latra da Redempção começa a E é o seu influxo de vida e immortalidade. í A condemnam de impura dMn- derraesta a e ido- Egreja Romana, forte de graça, e depositaria missão de Jesus Christo, condemnada de corrupta^ supersticiosa e idolatra 179 JHvindade de Jesuê VIII Ha um braço a desarmar o gigante de três séculos, que, no delírio da sua grandeza, ousou pôr hombro ás columnas do Vaticano, para de vícios, protestantismo, homem, frade nivelal-as em que mergulhara como todas com o tremedal os seus admiradores. recua três séculos á sua origem na cella heresiarcha, para O as creaçoes arrogantes do explicar-nos a d'um miséria da sua morte pela miséria do seu nascimento. Aventureiro, que medrara á custa das paixões da humanidade, que lison- geára nas praças, entre as multidões, e nos salões mais que as praças, o protestantismo é hoje o decré- viciosos da paralysia, esperando boce- pito, entorpecido no jar o ultimo suspiro da sua desastrosa passagem entre os leito homens. Nos últimos dias da sua existência, chamou á cabeceira do leito o racionalismo, revelou-lhe o segredo da sua conservação, legou-lhe a herança das suas doutrinas desacreditadas, e socegou rançosa felicidade O instante, na «spe- de encarecer, na pessoa de seu her- thesouro de mentiras, que a sciencia lhe rebai- deiro, o xara a um bem merecido desprezo. racionalismo está descorocoado á cabeceira do O ribundo. dade, é também profundezas do destino o século da verdade para investigar as espirito, e as elevadas hypotheses^do da humanidade. As luctas ha cessantes mo- século da mentira para o regimen da socie- do homem com o três séculos in- homem, da 80ciedade*com 180 Divindade de Jesus o seu governo, e das velhas instituições o sempre e os novos materialismo da vida, sempre occupada desacreditou em viver^ com desanimou a esperança, e ensaios, enervou a coragem, irresoluta no conjecturar seus des- tinos além do tumulo. O do espiritualismo, com o seu cortejo de reinado concepções elevadas e generosas renuncias das coisas do mundo, apresentou-se, ha vinte annos, sem estrepido, sem ovações, e sem a concorrência dos fanatisados, que apparecem sempre para novidade que se annuncia. justificar o O bom quilate da seu progresso, lento e re- gulado na estrada das experiências, logrou assumir as honras d'uma verdade magestosa, que caminha sempre desempedida ao seu pecilhos do como um beças erro. sem embaraçar-se com os emmundo, a verdade religiosa é fim, N'este estandarte animador, agitado sobre nossas ca- mão do pela anjo, que jamais desce a hastea-lo entre os homens. Cremos na fervorosa dedicação de muitos espíritos para que a Egreja de Jesus Christo haja de triumphar sobre todas as seitas, e acolha ao seu seio maternal to- das as rebeldias de seus ingratos inimigos. Este zelo é em si o fructo que mais se resente do saboroso leite, que bebemos no seio d'aquella mae carinhosa mas a verdade é uma, eterna e superior aos bons officios da ; humanidade. A religião christa é a luz perenne accêsa por Deus na longa noite que vai atravessando as gerações desde que o primeiro homem, perdido na vereda em que Lúcifer o desviara, precisou de luz que o encaminhasse á gloria* para que fora creado. amigos dos homens empregam O fervoroso zelo, em que os mostrar-lhes essa luz 181 Divindade de Jesus Redemptora, é um beneficio feito a seus irmãos, des- garrados do caminho, mas nSo é argumento novo para mais aclarar a face da verdade. Frayssinous, o inspirado apologista do Christianismo, nSo formulou demonstra- ções que S. treneu nSo adduzisse no 2.° século. S. Cle- mente d'Alexandria nao recearia caminhar ao lado de Lacordaire nas provas da divindade da religião christã. E Bossuet nSo subiu mais alto, nas contemplações de Deus, que Santo Agostinho ha quatorze séculos. A vantagem é toda dos homens. O sol brilha sem* pre no firmamento; mas na terra nem todos tem o dom da visão para contemplal-o. E o cego, que hoje abriu os olhos, dará mais resplendor ao astro que nunca vira.? Quem devemos ouvir com mais anciedade nos argumentos que nos aproximam da verdade, é aquelles que, mais perto d^ella, beberam a sciencia pura, que lhes manava como de fonte virgem antes que a onda turva do orgulho humano lhe manchasse a pureza. E', por isso, que no ultimo artigo do motivo que rapidamente desenvolvemos, viemos, no decorrer dos sé- culos, mencionar a auctoridade d'aquelles cujo nome só por sobre-excede o que mais acurado poderá sahir da si nossa inexperiente penna. No primeiro século, S. Bernaté condemna o orgulho dos heréticos, que preferem a sua sciencia aos manda- mentos da egreja universal, cujo ensino e communhão Clemente reprova aos Corinthios as suas desintelligencias e menospreço pela auctoridade dos pasregeitam. S. tores, que os apóstolos, animados do lhes conferiram espirito de Deus, para governal-os. Exhorta-os a submet- terem-se aos padres, desarmando-se do seu orgulho e arrogância. Santo Ignacio repete em suas cartas a neces- 182 Divindade de Jesus sidade de se unirem os a seus pastores. S. Polycar- fieis po pedia aos de Filippes firmeza e constância na que fé, receberam dos apóstolos por intermédio de seus pastores mesmo tempo, segundo e ao ; refere Eusébio, repetia as palavras do Senhor, quaes as ouvira da bocca dos apóstolos. Hegisippo, 2.^ século, fez uma via- Roma, consultou um grande numero de bispos, declarou que se lhe deparara a mesma fé em todas gem e no começo do a Reuniu, depois, todas as tradições apostó- as cidades. em licas cinco livros, que Eusébio viu, e que nSo che- garam a esta geraçSo. No mesmo nha do domfngo, tros bispos eram as cartas do papa S. cada ma- Clemente e d'ou- na assembléa dos lidas em século, fieis, em seguida ás dos apóstolos. No 2.° século vejam-se as bellas e profundas doutri- nas de S. Ireneu, Tertuliano, e S. Justino. Este recorda o preceito de se ajuntarem os fieis na egreja para cele- brarem o domingo— tradição emanada de Jesus Christo, fallando a «dir-se-ha este preceito não foi um sus Christo?— pergunta Ou os faz elle provas, uma com ? Que a condição, porém, de a obrigação de direito com divino, nós, de santificar o mana, em professor de theologi:i. escolham d'estas asserções absurdas e rão a maneira de concilial-a como de suas apparições promulgado por Je- parte da tradição escripta nossos adversários sem em uma seus discípulos que que encontra- o 'seu systema, e que elles com reconhecem, domingo, primeiro dia da se- logar do sétimo.» Diz Tertuliano, no livro da «ResurreiçSo» que os hereges deveriam provar os seus sentimentos pela simples escriptura. Esta asserção como resposta para tomam-na os protestantes fazer calar os catholicos. Esquece- 183 Divindade de Jesus ram que Tertuliano repelle victoriosamente os heréticos que invectivam os dogmas particulares, formalmente expressos nos livros sagrados, ctoridades hábitos Escripturas, uma trabalho e n2ío sia com vãos raciocínios e au- apologista manda-os renunciar os do paganismo, diametralmente adversos á dou- das trina O pagSs. um perfeito em que a here- cuja intelligencia é analyse superficial termina por bradar contra o dogma contrario ao ciocínio. E' necessário— diz elle — combater timento das Escripturas, enunciadas por terpretação. a heresia do responde egrejas, tores, : Onde alto — «na com uma ra- o sen- segura in- encontrar esta segurança?— pergunta da sua soberba racionalista. Tertuliano tradição, no ensino no consenso oral, primittivo, unanime das e uniforme dos pas- que substituíram os apóstolos, cujo valor tem na integridade da doutrina.» No IV século ensína-nos Eusébio que os discípulos óo Salvador nos transmittiram sua doutrina, parte na obra que nos legaram, e parte na tradição — pôde assim christãos. nos elle chamar-se Na sua direito oral que ó, não escripto dos obra contra Mareei d'Ancyra mostra- a doutrina de Jesus Christo espalhada extremidade á outra da que —o terra, por é o sustentáculo e a confirmação pturas nos ensinam. d'uma meio da tradição oral, da que as Escri- 184 Divindade de Jesus § IX Todos os padres, e doutores dos primeiros séculos do Christianismo, estabelecem, unanimes, a sacrosanta au- Os ctoridade da tradição. que apregoam, para adversários do catholicismo, da fins sinistros, a integridade reli- glão de Christo nos primeiros séculos, nSo sabemos co- mo, oral, inconsequentes, recusam tao em cuja acceitar a tradição observância consistia a belleza dos cha- mados bellos séculos do Christianismo. Ao grave testimunho da antiguidade ecclesiastica^ reune-se o dos concílios, e a voz unisona da egreja universal. Nihil innoveiur, nisi quod tradUum em est : é este o que preside a todas as deliberações em Nicea^ preceito em Constantinopla, Epheso, e Calcedonia, em Roma e Trento. A da Egreja não poderia constituição Jesus Christo a instituirá, dade divina do ensino Pois mente com a que é a Egreja privilegiada que, pelo vinculo da subsistir, ? Não é uma assembléa, divina- a infallibilidade da doutrina, de propagal-a mesma fé, se ? Não é em seu só auctoridade, representante de Mas a Egreja e seio,, abraçam os homens^ se santificam pelo culto, e se colligam submissos a palavra qual existência e auctori- tradicional. com prerogativa sem a Deus uma ? não é só sociedade divina, por que a do eterno lhe bafejou a existência. E' por que 185 Divindade de Jesus Jesus Christo e o Espirito Santo presidem na realidade do na intelligencia dos pastores, e de todos os espirito, A seus membros. tradição é a palavra de duzida na boca dos que a transmittem Deus alumiando o coração dos que a escutam, Santo, na-lhes repro- e o Espirito ; illumi- entendimento para que a razão não repugne o aos seus juizos. Negar a tradição é negar a assimilal-a Egreja, cuja existência é essencialmente tradicional. Ensinar transmittir é a verdade de geração A pela palavra viva, e não pela letra morta. S. Paulo, e não nae,» e O nem escreveu fez escrever códi- seu augusto preceito é ide, : lín- na intelligencia dás Escripturas. nem Jesus Christo gos legislativos. geração palavra que semelhante á palavra tradição, na significa ensino, é gua de em e não aquelles preceitos. ensinae O isto, ou : «ide e ensi- aquillo, estes, e novo testamento, posterior ao um compendio de dogmas enunciados debaixo da forma imperativa. Os estabelecimento da religião christã, é escreveram evangelistas sus muito depois da morte de Je- Christo, para desmentir as falsidades, que o paga- nismo, e os fariseus disseminaram. As epistolas eram uma substituição ao ensino podiam exercitar de viva suas egrejas. nem entrou tianisrno. tivesse E' evidente, oral, pois, cSe o Christianismo — diz de Maisíre — n^o- soffrido ataques, nunca seria forçoso recorrer á mas nunca o dogma se- determinado pela Escriptura, se não existisse ante- riormente A que a Escriptura não sequer integralmente na fundação do Chris- Escriptura para fixar o dogma; ria que os apóstolos não por estarem longe das voz, fé, no seu estado natural, que é ã pa/avra .. se a opposição sophistica a não forçasse a ser es- cripta, seria mil vezes mais angélica. A fé chora sobre 1^^ Divindade de Jesus essas decisões ziram que a revolta lhe arrancou, e desgraças sempre... que produ- o estado de guerra levan- tou essas veneráveis muralhas em torno da verdade defendem-na, por certo mas occultam-na tornam-na : ; inaccessivel Ah ! humano em segue o se mas, ; não era tude, íNunca sociedade de está possível e constituição, collecção de mesmo, menos accessivel. Reunir o género ! seus braços, era esta a sua vontade gravar-se (i) artigos isso o que ella queria isto illustre escriptor uma poderia por ; leis civil «O homem nenhuma !» Pro- nao pode fazer- constituição legitima em caracteres legíveis na sua ampli- foi nem será escripto à priori uma fundamentaes, que devam constituir a ou Somente quando a sociedasem que possa dizer-se como, é religiosa. constituída, fazer : declarar particulares; ou explicar por escripto certos mas quasi sempre taes declarações são effeitos ou causa de grandíssimos males, e sempre custam aos povos mais do que valem.» (2) Se bem que o Conde de Maistre exceptua d'esta re- gra geral a legislação de Moysés, inalterável e pura du- rante quinze séculos, a legislação de Moysés confirma rigorosamente a regra geral. Por quanto, ao lado doesse código civil, religioso, e militar, emanação divina, func- ciona a tradição, que rege os tribunaes encarregados de explicar os plical-a em sentidos obscuros da casos reservados. lei, e os meios de ap- «Nenhuma instituição, ver- dadeiramente grande— diz um theologo francez— embora seja divina, poderia fundar-se na simples escriptura, porquanto, a não degenerar a natureza das cousas, (i) «Principio gerador das Const.» T. 17." T. 27.** pag. 39. (2) Ibid. — pag. 22. nem 187 Divindade de Jesus homem Deus nem o a virtude que eila n3o tem; será sempre letra vida, e poderiam communicar á escriptura morta, e palavra muda.» O sem Christianismo, a tradição, seria forçosamente no século V semelhante ao século idêntico, e estacionário como nos e no século I, primeiros. consiste na harmonia das suas formas com com A XIX sua vida os tempos e os logares. A multiplicidade de dade d*uma leis instituição. escriptas denuncia a fragili- ^Pesshnce reipublicce, plurimce leges»—à.m2i Tácito. E Platão, por estas palavras, que, um segundo illustre humano canonista, são o prefacio do Evangelho^ parecia responder, christãmente inspirado, aos que recusam confiar o espirito religioso ás tradições oraes : «O homem que deve toda a sua instrucção á tem de sabedoria mais que as apparena palavra é para a escriptura o que um homem é Escriptura, não cias : para o Seu A retrato. nossos olhos apresentam-se-nos como vivas as obras da pintura mas, interrogadas, guardam silencio com dignidade. Tal é a Escriptura. In; terrogae-a; dar-vos-ha sempre cação. por isso E' uma só e que todo o discurso vulga entre sábios e ignorantes, elle mesma signifi- escripto se di- não sabe o que ha de dizer a uns nem occultar a outros. Atacado e sultado sem se, e carece feza. elle . . razão, sempre de seu auctor ausente para sua de- Mas, se o mesmo discurso é parece legitimo, como seio de seu pae!... fallado, que tem a s«a revelar a como nos sáe mais possante e corajoso do que se Fallo do discurso vivo, va com a sciencia na alma do discípulo; vra, in- não pôde responder, nem defender- defeza, e falo gra- da pala- que sabe o que convém uns e esconder a outros... d'aquelle Verj^^ 188 Divindade de Jesus vivo e animado, cujo simples retrato é a escriptura.» (i) Clirysostomo applica á revelação do Salvador Jo^So S. bom vida, e que os coração livros seria : preceitos divinos nos estivessem Escriptos pela mas, como graça, o estão pela tinta que perdemos já construamos, que assim pas, em ; elle «sem duque não necessitássemos da Escriptura, da sabedoria antiga. Diz os princípios em no nossos graça por nossas cul- tal é forçoso, uma prancha vez de iima nau, sem comtudo esquecer que o pri- Deus mitivo estado da nossa doutrina nada revelou por escripto do velho testamento aos pa- era o melhor. triarchas eleitos: fallava-lhes directamente, porque son- dava a pureza de seus corações; mas, cavado o abysmo de vicios pelo povo hebreu, foram-lhe necessários e leis. ção, pois Santo : Em «E' necessário fallar.» revoltada a vez de elle quem só escripto a prometteu-lhes o Espi- livro, Mas, com também um vos inspirará quando vos for humanidade contra moral, foram-lhes livros sob o império da nova revela- que o Christo não deixou seus apóstolos. rito mesmo Deu-se o o decorrer dos tempos, os dogmas e contra a precisos livros. (2) Regeitando a tradição, emfim, os protestantes despre- zam a essência do Christianismo, e os racionalistas con- ferem-lhe a lavra tes, mesma escripta. importância que lhes merece a pa- Para que os primeiros sejam consequen- devem cedo ou tarde consubstanciar-se no systema dos segundos. (i) Plat. in Phaedr. edit. (2) Hom. in Math. 1,1. Lugdun, 1590, pag. 356 e 357. Divindade de Jesus Que o seio de Deus se abra, e irradie torrentes lu- minosas sobre todos; chova-nos o orvalho da madôra. 189 fé reani- Desça sobre nós o império de Christo. Venha a nós o vosso Reino, Senhor FIM NOTAS ' DIVINDADE DE JESUS NOTAS DIVINDADE DE JESUS PAG. 70 Voltaire, o mais ignorante insultador que ainda Alguns julgadores de Voltaire dizem « A' frente intolerante : de todos está o author do Bssai 37ir les mosurs, obra sarcástica, repleta de iti" a religião do Calvário. jnrioíi scepticismo.» C. de ignorância a CanTU. Hist. univ, Introd, <(.J*étais trèsdisposé à pardonner a Voltaire la vaise politique, so?i quelle mais. il . . IGNORANCE, mau- et la hardiesse avec la tronque, défigure, et altere la piupart des faits, Que permet quayid de choses inutiles qu'un historien ne se il est manière d*écrire fort IGNORANF/» MaBLY. «De l'histoire.» i3 la 194 Divindade de Jesus Poíir plaisenter « comine sur Ezequiel et sur la Genèse l'a il fallait choses qui rendent la plaisenterie faii Voltaire reunir deux bien misérable ; la IGNORANCE et la plus déplorable légèBenjamin CONSTANT. Cours de latéraiute fran. plus profonde reié.» çaise. Esteve o philosopho de Ferney ça dos mesmos que o egualavam um em secuio na desgrascepticismo. Re- putavam-no auctoridade indecente para argumentacãa séria. Voltaire, n*estes últimos annos, entrou em purifi- camaradagem d'elle a philosophia. As jogralidades do homem que disse: <iÉcrasons l'infa'me/í> entendem-nas aquelles que acham nebuloso cação. Já se não peja da Strauss. 196 Divindade de Jesus PAG. 97 Barthélemy, insigne collaborador da Encyclopedia Caa iholica, este esboço Messias, acrescenta : também é' figurado o maná do deserto, a cobre, dos personagens figurativos do «Figurado por pessoas, o Messias por successos. a columna de O cordeiro paschal, fogo, a serpente de immolação perpetua do cordeiro do templo, a maior parte das ceremonias legaes, os sacrifícios eram e, por sobre tudo, outras tantas figuras permanentes, que sempre e successivamente iam presignalando o Dedas nações. Quem não vê ahi designio provi- sejado dencial, perfeitamente seguido até sua completa realisa- c3o? Teremos que muitos dizer por diversos em isto conta d'acaso? retratos auctores, se do mesmo O mesmo seria individuo, tirados pareciam entre si porque o acaso os fizera similhantes. Além de que, a própria Escriptura nos adverte e a ^a em tempos como rodo, que é necessário ver Jesus Christo egreja sob o véo das antigas sombras, e que, anteriores ao Messias, tudo acontecia figu. diz S. Paulo. Ponderam os padres que o novo testamento é a rosa desabrochada, e o velho o botão. dito No dizer de Santo Agostinho, o novo está recôn- no velho testamento, e o povo judeu é ingente propheta.» um como 196 Uivindade de Jesus PAG. iio o i^ermão da montanlia. l>ci»de . Fragmentos do sublime discurso de Jesus Christo «Bem-aventurados os pobres de les espirito por que é : d'el- o reino dos céos. «Bem-aventurados os limpos de coração, que hão de vêr a Deus. que padecem perseguição por que é d'elies o reino do céo. «Nao cuideis que eu vim a derrogar a lei ou os prophetas: nSo vim derrogal-os, vim a dar-lhes cumpri«Bem-aventurados amor da os justiça, por mento. «Por que, em verda<je, vos digo que céo e retn terra, nãío sem que tudo e como em quanto um só i, lei existi- ou tíl^ seja cumprido. mandamen- que violar o menor induzir os homens a transgredil-os, será visto «Aquelle, tos, passará da pois, doestes ultimo no reino dos céos; o mas o que isto fi- zer e ensinar será o grande no reino do céo. «Dai a todos que vos pedirem. «Não repulseis «Tratai os «Sabeis que reis quem vos pede de empréstimo. homens como foi dito : : fazei o «Amareis vosso próximo, e odia- Mas eu vos bem aos que vosso inimigo.» inimigos quereríeis ser tratados. digo : «Amai vossos vos aborrecem : orai 197 Divindade de Jesus aquelles por de que que que vos perseguem e calumniam, afim de vosso Pai que está ro céo, sejais os filhos levantar o seu sol sobre bons e máos, e dá faz chuva a justos e a peccadores. «Por que se amais apenas os que vos amam, que compensa haveis de também o mesmo ter re- nSo fazem os publicanos ? ? «Fazei a todos bem, e sereis os filhos de Deus, que é bom para os ingratos, e para os máos. «Sede, pois, de misericórdia, como vosso Pai é cheios cheio de misericórdia. «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, com o fim de serdes visto por elles : de ou- nSo vol-as recompensará vosso Pai que está tra sorte nos céos. «Quando, pois, dás a esmola trombeta, que vai honrados dos homens. como praticam os Em verdade vos digo, que el- receberam a sua recompensa. «E quando tas, ti, e nas praças para serem hypocritas nas synagogas, les já nao o faças ao som da adiante de fazeis oração, n2o sejais que gostam de orar em como os hypocri- pé nas synagogas, e rw)s cantos das ruas, para serem vistos dos homens. Etn verdade vos digo, que elles já receberam a sua re- compensa. «Guardai-vos dos falsos prophetas, que vosco, cobertos de pelles de ovelhas, vem ter quando com- elles in- teriormente sao lobos arrebatadores. «Pelos fructos é que os haveis de conhecer. Por ventura colhe alguém uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? «Nem todo o que me diz : «Senhor ! Senhor !» ha de i^8 Divindade de Jesus entrar no reino dos céos vontade de meu «Todo aquelle, pois, observa, será mas ; aquelle que fizer a Pai. que ouve as minhas palavras, e as comparado ao homem sábio que cou a sua casa sobre rocha ; veio a chuva e edifi- vieram as innundações, e assopraram os ventos contra aquella casa; e ella nSo cahiu, por que estava fundada sobre rocha. 45 E todo o que ouve minhas palavras e as nSo observa, será comparado ao homem sem consideração, que edificou a sua casa sobre areia; veio a chuva, e vieram as innundaçtíes, e assopraram os ventos contra aquella casa; e ella cahiu, e foi grande a sua ruina.» Jesus disse ainda muitas outras coisas, e os que o ouviram pasmaram extáticos. «Quem é este homem ?» — perguntavam elles, Este homem era o Salvador do mundo, o Verbo Deus descido á terra, destino. Uma para revelar aos homens de o aeu nova era surgia para a humanidade, quan- do Jesus principiava sua celestial missão. 199 Divindade de Jesus Trasladamos da Vida de Nosso Senhor Jesus Christo Luiz Veuillot, a magnifica conclusão d'aquelle livro de que primou entre quantas obras Renan a impugnar sahiram d^alto quilate : «Jesus Christo é o Filho único do Deus único. E' o poder, a sabedoria, e explendor increado do Increado. E' Deus da Fai, terra e céo. Rei eterno, formando um só com elle omnipotente como sèu na indivisível Trinda- Por mysterio que excede o entendimento e satisfaz de. a e razão, deu. Deus o ha dado á terra, e, dando-o, a Homem, Este Jesus, dado assim, é Filho do si se e fi- e Deus a um tempo homem Deus para cumprir e rematar a lei homem para servir, Deus para redemir homem para abater-se debaixo do jugo, Deus para vencer; homem para morrer. Deus para triumphar da morte. E maravilha tal é esta que os olhos de nossa alma podem vêr a divindade atravez da humanidade, o poder que creou o lho de Deus : nascido sob a homem : lei. ; mundo e venceu o inferno atravez da infermidade a injustiça humana divino composto de duas naturezas divina, outra que um ser mui diversas uma que Jesus é crucificou. Por : humana; uma increada, outra creada; uma eterna, outra temporal. A(\ediante esta miraculosa opera- rão, a divindade está no homem, e o homem subsiste «m Deus; homem e Deus se enlaçam assiduamente em Jesus Christo. Nasceu Jesus mas d'uma virgem ahi está uma criancinha pobre sobre um emprestado ; ; berço; mas uma estrella a annuncía, os anjos a saúdam com um cantar, que em breves termos encerra toda a sabedoria; os sanctos o bem-dizem, adoram-n'o os prín- cipes da sciencia, os tyrannos assustam-se. Foge; mas 200 Divindade de Jesus escoltado de guarda. Vai humilde, invisivel rano senhor do universo. Vive infermo; guarece os infermos, palavra nrras sobi^* mas com sua reviventa os mortos, ex- pulsa os demónios, retém a seiva das plantas, dá ordens mas obriga o mar a pamas á hora predicta, e conExpira; mas o centuriao .reconhe- açs elementos. Paga o tributo; gar-lh'o. Padece na cruz forme seu desígnio. ce-o ; no madeiro infamante como morre, assim Magos o haviam reconhecido no presepe onde pastores e nascera. em que sepultado, E* e descola a pedra sepulcral, e surge vivo. E' Deus homem E' ? e misérias, são próprias ? Taes quebrantos, soffrimentos d'um Deus ? E taes maravilhas homem ? Nem homem nem Deus em alguma das hypotheses. TSo inti- sSo próprias d'um] está 3Ó de per mamente si identificou Jesus sua divindade e humanida- de que nao ha ahi scisSo comprehensivel. Se nSío é Deus, redunda meramente n'um impostor; se nSo é ho- mem, a obra de propriamente Deus nao se entende, e a divindade fica desluzida. Só Deus explica o homem, e só o Jesus, em tudo sempre Homem-Deus. homem explica o No Homem-Deus é tudo lógico e congruente, simultaneamente vindade. Em O papa repugna; a cada passo a confunde,, lhe faz espanto. Hormisdas, compendiando o ensinamento S. S. a di- tudo transcende a raz3o humana, e em: nenhum ponto lhe e em caso nenhum do papa com Leão, explicação do dá a um imperador esta excellente mysterio das duas naturezas em Jesus Christo «Deus é Trindade, isto é, Padre, e Filho, e Espirito Santo; todavia, Deus é um. Ora escuta Israel : O Se- IHmndade 20 de Jesus nhor teu Deus é o Deus uno. Outra qualquer doutrina^ ou separa a divindade e admitte a insana ou attribue o polytheismo, Trindade, e presuppõe dôr impiedade da soffrimento á essência da na impassivel natureza di- vina. A Trindade santa é nâo multiplica, se nem mo, se divide, humanas só Deus, que numericamente nem d'algum modo recebe accresci- Nao emprehendamos sujeitar ás leis as profundezas d'aquelle mysterio da substaninaccessivel eterna, cia um Adoremos a invisiveis. mais elevada das naturezas á incomprehensivel e ineffavel substancia da Trindade, Padre, Filho, e Espirito Santo, cuja distincfão subsiste na indivisibilidade, cuja unida- de repugna á divisSo dá essência, bem que as pessoas numerem; se distinctivo, e saibamos conferir a cada pessoa o seu nSo tirando a nenhuma sua divindade, á Essência o attribuindo que é nem d'uma ou d'ou- próprio tra. Deus Pai, de indivisa : Deus Filho, Deus Espirito Santo, Trinda- incomprehensivel mysterio ! Sem embargo, sabemos que é da essência do Pai gerar o essência Pai; e Filho; e da do Filho de Deus nascer do Pai, e egual ao da essência do Espirito Santo proceder do Pai e do Filho na unidade d'uma idêntica substancia. Tam- bém é pto que, : da essência do Filho de Deus o que está nos escri- últimos tempos o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Pelo que, nas entranhas da Santa Virgem Maria, virgem mae de Deus, as duas naturezas se haviam unido sem se confundirem. Aquelle que, an- terior ao tempo, já era o Filho de Deus, do homem. Nascia, no tempo, de demais homens; mas sem abrir mSíe, fazia-se filho consoante os o seio maternal, nem Dwmdade 202 desluzir-ihe a santíssima e, de Je^vê perfeitissima virgindade mys- ; sobremaneira digno do nascimento d'um Deus terio cujo concebimento se fizera Aquelie, sem intervenção do homem, e guardava o que recebera do Pai ófferecendo aos olhos dos celestial, homens o que recebera de sua mãe bemdita, como nasceria senão preservado de toda a macula humana ? Estava no presepe, e ao mesmo tempo no céo ; ado ravam-no, envolto nas mantilhas, as legiSes celestiaes, Menino ainda, ensinava doutrina sobre-humana, e revê seu lava mem poder um a com Deus e ho por qualquer união, mas po: o filho de Deus, Deus e ho divinos prodígios. Era tempo, não já mesmo era de si mem^ que o mesmo importa que elle dizer: força e fraqueza, humildade e magestade; vendido e redemptor do e liberaiisador do reino do ; crucifica- céo;. revestido de nossa infermidade ao extremo de receber a morte ; possessor do poder divino ao extremo de readquirir a vida. Pois que elle quizera nascer homem, foi sepultado; e por igualar-se a seu Pai, ergueu-se da sepultura. se um que quiz Como fos- entre os mortos, reanimou os que eram cinza no tumulo, e sem deixar o seio de seu Pai, desceu ao in- commum de ferno : entregando a alma, segundo a lei todos os homens, retomou-a de sua força divina. E' isto o que assim o que nos ensina e fez. Como certifica aquelie mesmo não quizesse que o espectáculo dos soffrimentos de seu corpo nos induzisse a crer que elle não era Deus, nem quizesse também que o explen- dôr de seus milagres nos induzisse a pensar que elle era somente Deus e não homem, instruiu-nos com o diverso comportamento de dois dos apóstolos. «A fé de Pedro nos ensina que Jesus Christo Nosso Senhor é Deus; a du- Jmus jyivindoàe de vida 203 Thomaz, que é homem. Quando pergunta a de seus discípulos o que dizem d'elle os homens^ provoca a resposta de Pedro: Sois o Christo^ filho do Deus vivo, E o louvor dado accende inspirou, velam. o a em que o Deus Padre estas palavras, nós a fé na verdade que ellas re- Por igual theor, quando, depois da resurreicSo, Senhor apparece aos apóstolos, porque está Thomaz ausente e depois duvida ? E' para que o mundo creia o que o discípulo incrédulo verificou, e que a universalidaide dos possa conhecer fieis quem testemunho d'um a quem diante o lhe tocasse era Jesus, ordenou que elle com suas mãos. Sendo que o aífectuoso Sal- vador n3o evidenciou tanto a incredulidade de para confusão do santo apostolo, Com da posteridade. o mesmo elJes. Haviam Thomaz como para instrucçao propósito se reuniu o §enhor aos dois discipulos que iam para conversou com me- elles Emmaus e sabido da resurrei- ção pelo aviso das santas mulheres, e nao obstante du- vidavam. phetas> interpretando Moysés e todos os pro- Jesus, lhes mostrou que ao Christo cumpria soffrer para entrar na sua gloria; e estabeleceu, plicados testemunhos dos livros santos, com os multi- que em si se compadecem ao mesmo tempo duas naturezas, a humana que testifica a paixSo, a divina que revela a gloria. Nos desígnios de Jesus Christo sobre o mundo, o mesmo mysterio se manifesta com a mesma apparencia de opposição entre os desígnios e os meios que empre- ga para cumpril-os. Quer cimentar sobre a terra o império em lucta a forca; tem a força nas suas mSos, e quebrou-a. attrahir a si o mundo, e ensina o com Quer contrario de tudo o 204 JJiinndade de Jesus que o mundo quer: propõe a humildade, çao, a cruz. Chama-se o Crucificado. Lega rantes, como herança, apresentarem triumpham. aquella cruz; encarrega-os de a humano: cumprem-no elles e cumprem em menos tempo que o género ao E a renunciaa doze igno- isto ao mais poderoso império para abafar a na- necessário cionalidade d'uma nação conquistada. Baquêam os Ído- uma nova humanidade. A palavra de Jesus opera um tal milagre. Esta palavra que elle deu surge los, sósinha nSo entendei'am, aos apóstolos, e ao pronuncial-a lh'a palavra que revoltou os judeus e que ainda revol- esta homem, é, sem embargo, como denominam, a palavra de reconciliação ta o instincto de todo o os apóstolos a que tudo repõe em paz o homem com sociedade, em o e ordem, o homem com Deus, homem comsigo mesmo. iNa homem, o espirites e corações, tudo ella muda, to- das as trevas illumina, todas as esterilidades fecunda. Por o judeu estupefacto vê claramente asescriptu- ella, ras cujas profundezas assombravam sua pag3ío foge do labyrintho em que intelligencia, o o sophisma lhe devo- rava a razão. Que que vida, christãos! luz, homem Já o e que alegria já nos primeiros sabe onde vai, sente-se senhor de seu caminho e seguro de seu destino. A palavra do do homem um homem o Verbo encarhomem um Deus, deu-lhe parte na natu' reza divina. Esta sublime phrase é de S. Pedro: e a Creador nado fizera fez do ; comprehendeu-a,— o homem que ado- homem creu-a e rava o fetichismo onde elle sobe, torna-se de e os imperadores ! E n'esta aUura humilde e manso ; e a faculda- sublime da adoração, até ahi tão deploravelmente 206 JHvindade de Jesus degenerada, desenvolve-se conforme seu natural, e co- I roa a terra do radioso floreei mento dos santos. Contrariam-nos que, não obstante, resta ainda mun- do que converter. Com prazer homicida, nos mostram, pelo contrario, as separações ^ E' e certo; Subsiste o — diz Deus nSo livre Santo que se fazem e se perdem. faz aquillo qiie arbitrio. Agostinho não quiz fazer. Aquelle que te creou sem — não te salvará sem ti. ti, Não queres salvar-te, não queres ajudar Jesus Christo na obra da tua salvação, não serás salvo A mem uma fazer e estúpido, não deve pensar se de o O liber- homem tem de mas não pode dispensarexercitar. Escolhe entre o bem e o mal, entre o inferno. Não ha abstenção possível: abster-se é livre arbitrio, e céo e o livre arbitrio dignidade divina, ao denominal-a Só Deus possue a liberdade. dade. seu o morrerás. que escolha. NMsso redunda aquelle que o homem, orgulhoso em : pode dar-se no céo e no inferno: o ho- adoração muito é; escolher. Esta livre escolha, deixada á vontade do individuo, ás vezes é proposta á humanidade toda. Deus a Um decreto de constrange a decidir-se entre Jesus e Barab- bás. A civilisação moderna derivada da divindade de Je- sus Christo, está a braços com uma d'aquellas temero- sas crises. Inclinou-se a favor de Barâbbás, escuta vo- luntariamente as vozes a bradarem que repulse Jesus Se Jesus Christo Christo. nós é repulsado, que será de ? Tirar Jesus Christo do mundo é impossível. Guar- Pôde elle permittir que o baixem do throno e o repreguem na cruz? Ora, da-o vivo propriamente o tumulo. 200 Divindade de Jesus Deus e humano não quer tanto arrancar a coroa aos reis como dar-lhe o triregno das três concupiscências, a tiara de Satanaz. Quando Jesus Christo voitar ao Calvário voltará Tibério a Caprea, e o Deus Tio espirito que medita este grande crime contra contra o género bério terá outra vez templos. Esta divindade, porém, terá de viver até ja lá; viverá, e a Os hora, e a Egreja ha ordem gerai da redempçSo será mantida. segredos da misericórdia de Christo s3o insondáveis como os segredos do seu poder. tencer a do uma e ainda no trajecto d'essa hora, a Egre- Tudo o que deve per- Christo lhe pertencerá. Até á hora derradeira mundo redempc3o. humano todo ha de aproveitar a como aquella torrente de fogo liqui- o género E' ella do que parte das plagas do sol e atravessa as aguas do mar em sua immensa extensão. E' certo que todo o mar se n3o aquece, algumas regiões ficam geladas; mas, se aquella torrente bemfazeja não existisse, tudo seria gelo e morte. quer que E' existe esse calor que sustenta a vida onde alguma vida e lá onde ella é mais ; abundante, ahi é maior o arrojo e continuamente se realisam tas conquistas sobre a morte onde vida. n-ão ; e não ha regiões mor-, penetrem os moradores das regiões da Credo!» FIM DAS NOTAS índice Carta 5 » 7 » ao senhor Visconde d' Azevedo Prefacio A razAo do 37 67 homem interprete dos actos de Jesus Prophecias 73 87 Jesus 101 Discípulos, apóstolos e martyres 117 Conclusão 13$ Tradição apostólica 145 Notas á divindade de Jesus 193