Por uma definição do professor de ensino precoce de línguas em Portugal: um estudo de caso Mário Cruz e Sílvia Miranda* Resumo: O ensino precoce de línguas estrangeiras no resto da Europa encontrase numa fase mais avançada do que em Portugal. Pretendemos, neste estudo, fazer o ponto de situação em Portugal quanto ao ensino precoce de línguas, definir o perfil do professor de línguas estrangeiras no Ensino Básico e perceber qual a idade ideal para a aquisição de línguas estrangeiras. De forma a enriquecer este estudo, centrámos a nossa atenção nas razões para a aquisição de línguas neste nível de ensino e realizámos um estudo de caso que compreende a realização de conversações por chat entre alunos portugueses e suíços do Ensino Básico. Abstract: In the rest of Europe the foreign languages early teaching is more advanced than in Portugal. With this study we aim to define both the situation Portugal is living regarding this issue, understand which the profile of the teacher of foreign languages is at an early stage and perceive which the ideal age to start studying foreign languages is. In order to enrich this study, we focused our attention in the reasons for the acquisition of languages at a primary school level and made a study case which is related to the analysis of chat conversations between Portuguese and Swiss pupils. 1. O ensino precoce de línguas estrangeiras em diversos países europeus Desde a década de 90 que os objectivos do Conselho da Europa estão centrados na promoção da comunicação interpessoal e intercultural entre os povos europeus, não esquecendo que a aprendizagem de línguas deve também incidir na aquisição dos códigos linguísticos, atitudes e capacidades para concretizar essa mesma comunicação. Segundo o Conselho da Europa, esta aquisição deverá acontecer ao longo de toda a vida. Este interesse do Conselho da Europa na promoção da aprendizagem de línguas é tão forte que acabou por lançar em 1989 o projecto “Language Learning for European Citizenship” (Council of Europe, 1989), no qual se inclui como factor prioritário a introdução precoce do ensino das Línguas Estrangeiras; O ensino de línguas estrangeiras a crianças numa idade considerada precoce não é uma realidade nova na Europa, pelo contrário, como teremos oportunidade de ver, é uma tra* ESE de Paula Frassinetti. Saber (e) Educar 81 82 dição em jardins-de-infância, escolas e colégios privados e tem sido objecto de experiências no ensino público em vários países europeus desde os anos 70/80. De facto, estes projectos têm cumprido as Recomendações do Conselho da Europa que defendem, para todo o cidadão europeu, o domínio de pelo menos duas línguas estrangeiras. Com o Quadro Europeu de Referência para as Línguas assume-se, portanto, a construção de uma Europa plurilingue e pluricultural onde a intercompreensão é a chave da comunicação. Analisemos agora o exemplo de alguns países europeus no que se refere ao ensino precoce de línguas nos seus sistemas de ensino. Comecemos pela Áustria, país em que as crianças podem contactar com uma língua estrangeira desde os seis anos de idade, através de aulas de língua integradas no currículo escolar e leccionadas pelo professor titular da turma. Apesar de haver uma grande oferta em termos de escolha linguística, o inglês é sem dúvida a língua mais popular: “With regard to the choice of languages, English is by far the most commonly taught foreign language at all levels, i.e., in primary schools approximately 97% of the children have their first contacts with English (…)” (Jantscher & Landsiedler, 2003:15). Na Polónia, o currículo nacional prevê a introdução duma língua estrangeira aos onze anos, embora a pressão dos encarregados de educação esteja já a mudar este panorama, pois pretendem que o ensino se processe mais cedo. Esta mesma pressão é também sentida no Reino Unido, pois foi devido aos pais que os alunos puderam também começar a tomar contacto com línguas estrangeiras numa idade considerada precoce, sendo a língua francesa a escolha predominante. No caso da Hungria, o ensino de duas línguas estrangeiras, nomeadamente do inglês e do alemão, é uma realidade desde 1898. Apesar de não haver legislação que obrigue a sua leccionação, a maior parte das escolas assumem esse compromisso, mesmo havendo poucos docentes qualificados para o fazer. De facto, as crianças “in early language programmes receive an average of one to two lessons of 45 minutes a week or three to four lessons in specialised classes. In most of the cases, local authorities sponsor these programmes by manipulating their budgets, and early language studies form and integral part of the school curricula. Sometimes parents also contribute towards the cost, and if the school cannot ensure financing of the programme, language classes are extracurricular activities but schools provide the space” (Nikolov, 2003:29). Ao contrário da maior parte dos países europeus, a Roménia tem como principal língua estrangeira o francês, apesar de começar a surgir uma procura maior pelo inglês. Duma forma geral, as crianças romenas estão motivadas para a aprendizagem de línguas estrangeiras, sobretudo pelo incentivo dos encarregados de educação, mas também pelo facto de terem de ser eles, em conjunto com os professores, a construir o seu próprio percurso de aprendizagem, incluindo os materiais. Saber (e) Educar Já em Itália o ensino de línguas estrangeiras é obrigatório a partir dos oito anos de idade, tendo em conta a competência linguística mas também a competência intercultural das crianças: “The general educational goals of primary schools are the child’s cognitive development and socialisation” (Gatullo & Pallotti, 2003:52). Neste sentido, a proficiência dos professores e a integração curricular das línguas estrangeiras são algo importante para alcançar estes objectivos. Por sua vez, na Alemanha vive-se um período de rejuvenescimento relativamente ao ensino precoce de línguas estrangeiras, uma vez que há uma variedade de tipos de programas de ensino que se prendem com línguas como o inglês, francês e russo, mas também línguas dos países vizinhos, como o Polaco e o Checo. Há, pois, uma grande “(…) diversification of languages offered, especially at the upper secondary level (especially grammar schools offer a very large spectrum of languages, including Chinese, Japanese, Czech which are usually selected by older pupils as a third or fourth foreign language)” (Kubanek-German, 2003:59-60). Na Suécia, os professores ensinam inglês como primeira língua estrangeira desde o primeiro ano ao sexto, embora as escolas possam sempre decidir quando é a altura certa para começar. No entanto, as crianças têm que fazer um exame nacional no seu quinto ano para avaliar competências linguístico-comunicativas em inglês. A escola paralela, nomeadamente a televisão, auxilia o processo com uma forte grelha de programas educativos atractivos que contribuem para a motivação e desenvolvimento linguístico dos aprendentes. Um caso particularmente diferente é o da Bélgica, devido à complexidade de legislação existente, escolhas das línguas e metodologias. A legislação belga proíbe a educação bilingue, sendo as línguas sempre ensinadas enquanto línguas estrangeiras mesmo em áreas bilingues. Para além disto, a legislação exclui a possibilidade dos professores leccionarem a sua língua materna como língua estrangeira. Esta situação delicada da Bélgica não se faz sentir na Suiça, país particularmente plurilingue. A problemática que se debate no momento é precisamente sobre o objecto de estudo: deve ser ensinado inglês como a língua franca do momento ou uma das línguas nacionais da Suiça? Tudo indica que a riqueza linguística regional da Suiça deverá continuar a ser explorada, uma vez que os aprendentes têm oportunidades de contactar com diversas línguas desde o seu segundo ano de escolaridade. Duma forma geral, podemos referir que a “situation of the foreign language instruction in the elementary schools in Switzerland is fluid”, já que a maior parte das escolas públicas e privadas defendem o seguinte: “foreign language instruction has to start earlier; knowledge of at least one foreign national Swiss language should be mandatory; multilingual proficiency is to be desired; fundamental knowledge of more than one foreign language is Saber (e) Educar 83 84 more important than an error-free proficiency in only one foreign language” (Fretz, 2003:75). Este ultimo aspecto parece-nos pertinente, sobretudo quando se fala tanto na diversidade linguístico-cultural da Europa, que é rica em todo o seu esplendor. Em Portugal, até agora, as escolas têm tido uma autonomia na gestão de todo o processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, no que se refere à escolha da língua, à contratação do professor, à concepção e utilização de materiais escassos no mercado português, etc. Não houve, de forma sistemática, uma responsabilização do processo por parte de instituições de formação de educadores de forma a que incluíssem, nos seus planos de estudos, programas de línguas estrangeiras ou de metodologias de ensino das mesmas, devido ao estatuto opcional da própria língua estrangeira. No entanto, como podemos constatar, apesar de ter sido dada pouca importância à questão do ensino precoce de línguas no 1º Ciclo do Ensino Básico no nosso país, esta tendência não é sentida no resto dos países europeus. Através duma investigação sobre o número de instituições de Ensino Superior em Portugal que oferecem o curso de Licenciatura em Ensino Básico (1º Ciclo), verificámos que existem três situações: há instituições que oferecem línguas estrangeiras no seu plano de estudos, embora desligadas da problemática do ensino precoce; outras instituições oferecem línguas estrangeiras com carácter opcional no seu plano de estudos e com alguma preocupação pedagógico-didáctica; e há ainda aquelas que não oferecem línguas estrangeiras no seu plano de estudos, descurando a formação nessa área. Isto revela mais uma vez a necessidade de repensar os planos de estudos de cursos de Ensino Básico, com o intuito de incluir formação de ensino precoce de línguas estrangeiras e de habilitar os professores a serem agentes facilitadores do processo de aquisição/aprendizagem de línguas estrangeiras numa idade considerada precoce. Esta necessidade de formação dos professores levou à criação e abertura de cursos como o Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE) em Línguas Estrangeiras – 1º ciclo (vertentes de Francês e Inglês) na Escola Superior de Educação de Lisboa, curso pioneiro no país: o primeiro a ser concebido e a entrar em funcionamento. No entanto, querendo aproveitar os recursos humanos já existentes na realidade escolar do nosso país, a Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, estando atenta às necessidades de formação nesta área, criou uma pós-graduação em Ensino Precoce de Língua Inglesa destinada a Educadores de Infância e Professores do Ensino Básico (1º, 2º e 3º ciclos), para dar resposta a esta necessidade urgente de nos igualarmos aos restantes países europeus, no que se refere à aquisição/aprendizagem precoce de línguas estrangeiras, num mercado de concorrência como aquele em que vivemos, em que a língua inglesa surge como a língua da economia, por excelência. Saber (e) Educar 2. Por uma definição do perfil de professor de línguas No quadro do que foi referido anteriormente, torna-se imperativo repensar a formação de professores que irão realizar a implementação do ensino de língua inglesa no 1º Ciclo do Ensino Básico. A formação inicial, contínua e/ou especializada devem ser consideradas áreas primordiais. Deverá ser dado o maior apoio a programas que visem a introdução de Línguas Estrangeiras no 1.º ciclo, essencialmente no que diz respeito à formação e actualização de professores, uma vez que actualmente escasseia o número de docentes adequadamente preparados para tal inovação, baseada em metodologias actualizadas para o ensino de línguas. De qualquer forma, podemos referir que há actualmente dois tipos de profissionais desta área, nomeadamente: Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, que não têm uma formação específica no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem precoce em língua inglesa nos contextos em que intervêm, mas que são grande parte das vezes requisitados para o fazer em determinadas instituições; Professores do 2.º Ciclo e 3.º Ciclo do Ensino Básico, que também não têm formação pedagógico-didáctica para o contexto de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras no 1.º Ciclo do Ensino Básico, mas dominam cientificamente a língua inglesa e têm sido os responsáveis pela leccionação desta área em algumas escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, quando contratados por uma segunda entidade para o efeito. Assim, defendemos a necessidade de abordar duma forma inovadora a formação ou o complemento de formação de professores para este nível de ensino, dada a conjuntura económico-social que vivemos nos dias de hoje, em que o desemprego assola a maior parte dos docentes de línguas. Há mesmo que repensar a escolha da língua, numa altura em que se fala de diversidade linguística e plurilinguismo na Europa. De facto, como vimos, a tendência europeia é a diversidade linguística na leccionação no 1.º Ciclo do Ensino Básico e não a de homogeneização linguística. Segundo Strecht-Ribeiro (1998:134-137), essa formação dos docentes é possível num período de tempo não demasiado longo, mas que vise o desenvolvimento das competências necessárias, para além da competência científica na língua estrangeira da sua especialidade, com o fim de atingir uma intervenção satisfatória e de qualidade na sala de aula, ou seja, “do professor espera-se o domínio de um grande conjunto de capacidades e atitudes que permitam a realização bem sucedida: competência metalinguística; competência metodológico-didáctica; competência psico–pedagógica; conhecimento aprofundado das necessidades, dos interesses e dos estilos de aprendizagem dos seus alunos; capacidade de compreensão e exploração das variáveis contextuais e situacionais da escola e da sala de aula; capacidade de colaboração com os Saber (e) Educar 85 colegas da escola e com a comunidade; capacidade de reflectir sistematicamente sobre a própria prática; capacidade de abrir o mundo às crianças”. Podemos referir que, segundo esta perspectiva, apenas através duma reflexão cuidada dos actuais professores, baseada numa abordagem de investigação-acção, e a sua colaboração em projectos de formação locais, regionais, nacionais ou internacionais, permitirão o desenvolvimento das muitas questões que se revelam primordiais para definir o futuro neste tipo de ensino de línguas estrangeiras. Como teremos oportunidade de ver, partilharemos o nosso projecto de investigação realizado a um nível europeu. No entanto, debrucemo-nos agora sobre as razões da necessidade de integrar a leccionação de línguas estrangeiras no 1º Ciclo do Ensino Básico, tendo em conta as competências do professor que acabámos de descrever. 86 3. Contributos das línguas para a aprendizagem dos alunos Não existe consenso quanto à idade ideal para iniciar a aprendizagem duma língua estrangeira. Vimos que em vários países inicia-se aos 6 anos enquanto que outros propõem os onze anos, como o caso português. De qualquer forma, há que questionar qual destas assumpções está correcta, levantando as seguintes questões: a. Qual a idade ideal para iniciar a aprendizagem duma língua estrangeira? b. É possível aprender uma língua de forma lúdica e divertida? c. A aprendizagem de inglês não prejudica a aprendizagem da língua materna? Segundo Burt, Dulay & Krashen (1982), parece haver uma idade crítica, relativamente aos 12-14 anos, a partir da qual a aprendizagem de conteúdos se torna mais complicada, nomeadamente no que se refere ao nível da aquisição correcta da pronúncia, como podemos observar no gráfico 1: Gráfico 1 – Idade e nível de pronúncia obtido num ano de imersão Age and level of pronunciation attained in one year of immersion 1 to 8 Native 7 to 12 13 to 19 Slight Accent Definite Accent 0% 20% Saber (e) Educar 40% 60% 80% Esta situação prende-se com o desenvolvimento cognitivo do ser humano e os factores que o afectam. Tendo em conta os factores biológicos, podemos referir que, em primeiro lugar, numa criança os dois hemisférios do cérebro (o lado esquerdo ligado ao raciocínio lógico e analítico e o lado direito enquanto responsável pela parte criativa, artística e pelas emoções) estão mais interligados do que no cérebro dum ser humano adulto. Por isto, a aprendizagem é mais fácil no período anterior à lateralização do cérebro. Quanto aos factores cognitivos, segundo Harpaz (2003:WEB) podemos referir que: “Humans are born with an ability to comprehend and generate all kinds of phonemes, but during childhood (starting from birth, and maybe before) this ability is shaped by experience such that only the phonemes of the native language are easily comprehended and generated. In adults, these abilities are much less plastic, so adult learners of new language find it specially difficult to comprehend and generate the phonemes of the new language that are not used in their native language”. Podemos, então, referir que, ao contrário da criança, o adulto, ao aprender uma língua estrangeira, por já possuir uma matriz fonológica sedimentada, caracterizada por uma sensibilidade auditiva treinada a perceber e produzir apenas os fonemas do sistema fonológico da sua língua materna, revela também uma dificuldade de se adaptar ao sistema fonológico da língua-alvo. Em terceiro lugar, ao interagir com o meio, a criança aprende a falar, ou seja, a aquisição da fala e a descoberta do mundo são dois processos que ocorrem ao mesmo tempo e, como tal, as estruturas neurais do cérebro que correspondem aos conceitos são adquiridos e associados às formas linguístico-comunicativas. Posto isto, as crianças desenvolvem-se cognitivamente a partir de experiências concretas e da percepção directa, ao contactar com o meio que a circunda. Para Krashen (1988), isto é fundamental para a distinção da capacidade de aquisição de língua das crianças em contraste com a capacidade de aprendizagem dos adultos. É neste sentido que a autora distingue learning de acquisition. De facto, learning será o estudo formal que se prende com a capacidade de raciocínio lógico e acquisition estará mais relacionada com a assimilação natural e intuitiva em situações reais interacção humana autêntica: “acquisition requires meaningful interaction in the target language – natural communication – in which speakers are concerned not with the form of their utterances but with the messages they are conveying and understanding” (Krashen, 1988). Como sabemos, os factores psicológico-afectivos também influenciam a aprendizagem de línguas estrangeiras nos adultos. De facto, a desmotivação é uma constante nas práticas de ensino-aprendizagem com adultos, pois estes relacionam os seus resultados negativos com experiências realizadas anteriormente e não se identificam Saber (e) Educar 87 88 com a cultura validada pelo programa da disciplina. Por sua vez, as crianças revelam uma grande curiosidade pelo Outro e, de acordo com alguns estudos, são mais emotivas e despreocupadas com o perfeccionismo. Tendo em vista todos estes factores, podemos referir que a idade considerada ideal para o início do ensino de línguas estrangeiras é antes dos 12 anos de idade. Analisemos agora quais os contributos deste início considerado precoce para a criança, debruçando-nos nas competências que esta é capaz de desenvolver. Em primeiro lugar, podemos referir que dificuldades de aprendizagem da língua materna poderão ser colmatadas com o recurso a uma ou várias línguas estrangeiras. Para Strecht-Ribeiro (1988:22), “o contacto com uma outra língua não só é compatível com o domínio da língua materna, como ainda a favorece”. De facto, o bilinguismo ajuda as crianças a perceberem melhor a sua língua materna, uma vez que, assim, as crianças têm a oportunidade de comparar uma língua e a outra. Este processo não implica uma memorização de conhecimentos, mas, pelo contrário, implica uma automatização dos mesmos, como se de um processo natural de aquisição se tratasse. Em segundo lugar, o ensino precoce de línguas estrangeiras tem um papel preponderante para a construção de cidadãos autónomos, críticos e participantes, capazes de actuar com competência, confiança e responsabilidade na sociedade em que vivem. Nesta linha, Curtain (1990:WEB) acrescenta que a aprendizagem de línguas estrangeiras promove um desenvolvimento de uma atitude global, servindo o estudo das língua e cultura estrangeiras como meios de desenvolvimento da competência intercultural do indivíduo (cf. Byram, 1997). Desta forma, esta aprendizagem precoce permite igualmente expandir os horizontes ao aceder ao contacto com línguas e culturas diferentes, desenvolvendo uma consciência do Outro, no sentido duma sensibilização à diversidade linguística e cultural, o que, por sua vez, fomentará uma aprendizagem futura, preparando o terreno para um ensino plurilingue a um nível mais avançado e promovendo confiança no sucesso da aprendizagem de línguas estrangeiras ao longo das vidas das crianças. Por outras palavras, a introdução precoce duma língua estrangeira num ensino considerado precoce ajuda as crianças a desenvolver a tolerância para com outros povos que lhes são diferentes e permitir a compreensão entre indivíduos. Para além disto, Brewster (citado por Strecht-Ribeiro, 1998:48) defende uma metodologia de integração da língua estrangeira com outras áreas do currículo, facilitando assim a concretização dos objectivos educacionais do 1º ciclo. Desta forma, refere um conjunto de vantagens que resultaria desta mesma integração, nomeadamente: “a integração reforça o desenvolvimento conceptual (ex: cor, tamanho, forma,...)”, pois Saber (e) Educar “esta continuidade dá confiança à criança e, consequentemente, torna-a mais motivada”; “através da integração é possível a transferência de competências entre as diferentes áreas, ajudando os alunos a desenvolver estratégias de “aprender a aprender”, ou seja, a utilização na aquisição dessa língua estrangeira de processos de comparação, classificação, resolução de problemas e formulação de hipóteses, dá-lhes continuidade e reforça a sua utilização noutras áreas do currículo; por último, esta integração “desenvolve e alarga conteúdos noutras áreas do currículo, como a Matemática (ex.: horas, numerais, conjuntos), Estudo do Meio (ex: plantas, animais, uso de mapas), Expressão Musical (ex: ritmo, som, canto,...)”. Antes de procederemos à análise do nosso estudo de caso, podemos concluir que os principais objectivos que se pretendem atingir com a aprendizagem duma língua estrangeira prendem-se com o desenvolvimento de atitudes sócio–afectivas para com as línguas e culturas diferentes da(s) da criança, desenvolvendo, desta forma, também aspectos de carácter cognitivo. 4. Uso de chats plurilingues na promoção da intercompreensão no 1.º Ciclo do Ensino Básico Tendo em conta o que foi anteriormente exposto, tornamos pública uma experiência ao nível do 1º Ciclo do Ensino Básico no que se refere à aquisição de três línguas estrangeiras: o inglês, o francês e o alemão. Os objectivos deste projecto de investigação eram, sobretudo, motivar os alunos do Ensino Básico (1.º Ciclo), enquanto cidadãos europeus, para a aprendizagem doutras línguas e, em segundo lugar, fomentar práticas interculturais entre escolas europeias. Este projecto de investigação foi realizado entre alunos da Escola EB1 de Gondivai, do Porto, e alunos da escola Cycle d’Orientation de la Gruyère, na Suiça. O primeiro grupo de alunos inclui alunos do 4.º ano do Ensino Básico, com idades compreendidas entre os 9 e 11 anos de idade e com português como língua materna. O segundo grupo é um pouco mais heterogéneo, dado o contexto escolar da Suiça. É um grupo de alunos que pertence a uma turma denominada de “classe de dévelopment”, ou seja, de alunos que têm bastantes dificuldades de aprendizagem e que fazem uma via de ensino baseada em “apprentissages”, isto é, seguem uma via profissional ou tecnológica. Nesta turma, estão integrados alunos com idades entre os 11 e 14 anos e provenientes da Albânia, Kosovo, Angola, Itália e Suiça. Desta forma, as línguas maternas variam, incluindo o francês, albanês, italiano e crioulo. Encontram-se a aprender Saber (e) Educar 89 90 inglês e alemão como línguas estrangeiras num ano correspondente ao 5.º ano do sistema de ensino português. Antes das sessões de chat serem efectuadas, os docentes realizaram duas horas semanais, durante dois meses, de ensino simultâneo destas três línguas, fazendo com que os seus alunos construíssem o seu próprio portfolio de línguas, usando um pequeno dossier integrador das suas próprias aprendizagens, mas com algumas expressões e palavras-chave para estes se guiassem. Estas sessões procuram, desta forma, servir o propósito de promover a aquisição de vocabulário e expressões nas três línguas estrangeiras, para facilitar a intercompreensão aquando das conversações on-line síncronas, a realizar numa fase posterior. O contacto com a professora da instituição parceira na Suiça foi facilitada, visto que, esta é uma professora portuguesa, a Dr.ª Carla Gerós, a quem aqui desde já agradecemos publicamente toda a sua disponibilidade. Foi estipulado o uso do MSN Messenger, cliente de mensageria instantânea da empresa norte-americana Microsoft, dada a sua facilidade de uso e difusão no meio estudantil. Foram criados endereços de e-mail para cada grupo de dois alunos, seguindo o modelo: “portuguese_team01” e “swiss_team01”, para a equipa portuguesa e equipa Suiça, respectivamente. Apenas se estabeleceu uma sessão de chat com uma duração média de 60 minutos, realizada no dia 8 de Março de 2005. Apesar desta sessão ter sido organizada pelos docentes, não foi proposto qualquer tema de discussão. Procurou-se apenas observar como é que os alunos conseguiam comunicar nas diferentes línguas trabalhadas anteriormente. Antes de passarmos à análise das nossas sequências conversacionais, convém que reflictamos sobre as características da conversação em chat. Esta é uma forma de comunicação escrita e em tempo real, (cf. Draelants, 2001). Morala (2001) compara esta forma de conversação a um diálogo num bar, uma vez que os chatantes podem ignorar outros, conectar ou desconectar-se do sistema quando consideram pertinente fazê-lo, solicitar a atenção de outros chatantes e manter inúmeras conversações ao mesmo tempo. Os chats são, então, “espaces sociaux d’expression” por excelência (Portine, 2001:183), pois permitem uma socialização espontânea dos seus usuários, levando-as a desfrutar da própria comunicação, no sentido da intercompreensão. Segundo Cruz (2005:10), “os chats são regidos por regras de compreensão que se vão (re)definindo ao longo da interacção”, permitindo aos próprios chatantes definirem e redefinirem as suas próprias estratégias comunicativas, percebendo aquelas que lhe são mais frutíferas na interacção com o Outro. Neste sentido, os chats, tidos enquanto salas virtuais didácticas (Steinig, 2000), permitem desenvolver e integrar os objectivos do processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, mesmo numa idade considerada precoce. Saber (e) Educar Relembramos aqui que a constituição do corpus de análise deste trabalho de investigação é uma selecção de sequências conversacionais online, recolhidas num contexto investigativo com carácter plurilingue, onde as crianças mobilizaram a sua competência plurilingue de forma a poder atingir a intercompreensão com o Outro. Pretendia-se que os chatantes recorressem à intercompreensão entre diferentes línguas, utilizando-as estrategicamente na compreensão e na produção de mensagens. A temática do nosso estudo prende-se com a dinâmica dialógica da mobilização das competências plurilingue e intercultural dos chatantes. Torna-se, pois, necessário referir que delimitámos as nossas sequências conversacionais em função da existência de marcas discursivas desta mesma dinâmica, tendo em conta as especificidades próprias da conversação on-line síncrona e como resultado dessa mesma delimitação definimos 5 sequências de análise, contudo vamos analisar aqui apenas episódios em que essa intercompreensão seja notória e realizada duma forma mais rica. No que se refere à sequência um, verificamos que os alunos conseguem apresentarse, recorrendo a diferentes línguas, nomeadamente o inglês e o francês: 1 Portuguese_team04 diz: hello 2 swiss_team04 diz: hello 3 Portuguese_team04 diz: how are you? 4 Portuguese_team04 diz: tu falas portugues? (…) 8 Portuguese_team04 diz: what’s your name? 9 swiss_team04 diz: qendressa alizée 10 swiss_team04 diz: you girl boys 11 Portuguese_team04 diz: am a girl and you? 12 swiss_team04 diz: i em girl 13 Portuguese_team04 diz: quelle age as tu? 14 swiss_team04 diz: 15 15 swiss_team04 diz: tu t appel commen tu habite ou (…) 17 Portuguese_team04 diz: Appel Catarina et Catarine 18 Portuguese_team04 diz: Je habite maia et leça do Balio 19 Portuguese_team04 diz: Et tu Ont tu habit 20 swiss_team04 diz: nous sommes aussi deux alizée et moi on habite en suisse 21 swiss_team04 diz: qendressa dit tu a un copin À partida, verificamos desde já algumas preferências linguísticas dos chatantes de ambos os países, pois usam e mobilizam sobretudo o inglês como língua estrangeira de eleição, em detrimento do alemão que não é usado duma forma frequente. Esta preferência é, Saber (e) Educar 91 por vezes, referida duma forma aberta, como no seguinte enunciado da sequência dois: Portuguese_team05 diz: I prefer talk in english. Há também o uso da língua portuguesa (Portuguese_team04 diz: tu falas portugues) por parte da equipa portuguesa, enquanto língua materna, e o mesmo acontece com o francês em relação à equipa suíça. No entando, à medida que a conversação avança, notamos um esforço por parte dos alunos em usar a língua alemã, nomeadamente em enunciados como : Portuguese_team04 diz: welche nationaty has du? e Portuguese_team04 diz: was machst dum un deiner frazut. Praticamente só alunos portugueses é que fazem esse esforço, apesar dos alunos suíços também se encontrarem a aprender alemão como língua estrangeira, vejamos: 92 38 Portuguese_team04 diz: was machst dum un deiner frazut 39 swiss_team04 diz: ich tanze 40 Portuguese_team04 diz: c’e st trés chick 41 swiss_team04 diz: yes 42 swiss_team04 diz: 8-) 43 Portuguese_team04 diz: welche nationaty has du? 44 swiss_team04 diz: tu aime bien eminem 45 swiss_team04 diz: albanais 46 Portuguese_team04 diz: je n connais pas... 47 swiss_team04 diz: my nationaty kosovar 48 swiss_team04 diz: :-* No entando, como podemos ver, os alunos ora perguntam em inglês e respondem em francês, ora mobilizam o alemão e são confrontados com uma resposta em inglês, o que demonstra que a intercompreensão está a ser conseguida, num discurso plurilingue por natureza. É de salientar a mobilização de alguns recursos expressivos do teclado como os smileys (48 swiss_team04 diz: :-*), que denotam o prazer dos alunos ao conversar com o Outro. Verificamos também momentos em que os alunos são mesmo capazes de gerir problemas comunicativos, pois ao menor problema de incompreensão sabem que podem mobilizar outra língua ou pedir a utilziação doutra língua estrangeira, como forma de resolver esse problema comunicativo. Vejamos, então, o exemplo que se segue de forma a ilustrar esta situação: 21 swiss_team05 diz: vous etez combien dans la classe 22 Portuguese_team05 diz: je ne compreend pas... écrit en englais... svp Saber (e) Educar 23 swiss_team05 diz: ok aton 24 Portuguese_team05 diz: parle ingles, 25 swiss_team05 diz: parle français 26 swiss_team05 diz: quantos alunos sois’ 27 Portuguese_team05 diz: Que fais tu durant tes heures vours? 28 Portuguese_team05 diz: Some 2 aluns Há ainda alguns chatantes que revelam as suas representações da cultura do seu parceiro de conversação, como no conjunto de enunciados que se segue 21 swiss_team04 diz: tu habite ou? 22 Portuguese_team04 diz: au porto 23 swiss_team04 diz: il y a du bon vine, et F.C.Porto 24 Portuguese_team04 diz: j ’a dore le FC Porto 25 swiss_team04 diz: ma Professeur aussi ! (…) 32 swiss_team04 diz: As-tu visite la suisse’ 33 Portuguese_team04 diz: No 34 Portuguese_team04 diz: Et tu já visite Portugale? 35 swiss_team04 diz: viendras-tu? 36 swiss_team04 diz: non mais ma prof habite au portugale 37 swiss_team04 diz: Bulle est une très belle ville tu devrait venir 38 Portuguese_team04 diz: une professor já venir (…) 40 Portuguese_team04 diz: Le Porto et une belle cidade 93 Duma forma geral, as representações acerca de Portugal prendem-se com o vinho do Porto e a equipa do Futebol Clube do Porto. Para os chatantes suíços, estes são os grandes símbolos do nosso país. Os portugueses vêem a sua própria cidade como bela (Portuguese_team04 diz: Le Porto et une belle cidade). Como já vimos anteriormente, os chatantes revelam uma grande curiosidade pelo outro e o seu quotidiano, revelada em enunciados em que estes questionam e referem-se aos seus próprios tempos livres: 14 Portuguese_team06 diz: what your nake in your free times? 15 Portuguese_team06 diz: oporto 16 Portuguese_team06 diz: we live in oporto 17 swiss_team06 diz: hobbies: 18 swiss_team06 diz: cyclig, watch T.v:, play the computer, to play with my dogs (…) Saber (e) Educar 21 Portuguese_team06 diz: hobbies: 22 Portuguese_team06 diz: football (…) 24 Portuguese_team06 diz: and play computer 25 Portuguese_team06 diz: no we are portuguews (…) 5. Considerações finais 94 Com a criação da União Europeia e do mercado único, ou seja, a livre circulação de bem, pessoas e mercadorias, gerou-se a necessidade de reequacionar o papel das línguas estrangeiras na sociedade actual. Cada vez mais a sociedade é a mistura de identidades e línguas onde as atitudes, valores, crenças e comportamentos se integram e interagem com o Outro. Desta forma, torna-se uma necessidade a aprendizagem de línguas estrangeiras numa Europa onde as distâncias se encurtam e os intercâmbios se desenvolvem e facilitam. Como tivemos oportunidade de ver, vários países reestruturaram ou encontram-se a reestruturar, como Portugal, o ensino precoce de línguas estrangeiras. Definimos também o perfil do professor de línguas para o 1º Ciclo do Ensino Básico, reconhecendo-o como um profissional com: uma competência lingústico-comunicativa e intercultural nas línguas e culturas duma dada especialidade; uma grande competência metalinguística; competências metodológico-didáctica e psico–pedagógica; e, por último, um conhecimento aprofundado das necessidades, dos interesses e dos estilos de aprendizagem dos seus alunos, reflectindo sistematicamente sobre a própria prática e abrindo o mundo às crianças. Não importa se é licenciado em ensino básico (1º Ciclo) ou se é licenciado em línguas, nomeadamente em ensino de inglês, para um nível mais avançado. Importa sim que seja detentor das qualidades acima descritas e que se saiba questionar enquanto profissional numa realidade tão rica e interdisciplinar quanto o contexto de ensino-aprendizagem do 1º Ciclo do Ensino Básico. O facto de não existirem fronteiras na Europa passou a haver uma maior circulação física. No entanto, o intercâmbio linguístico-cultural passou também a ser possível através das tecnologias. Este desenvolvimento permite-nos viajar por toda a Europa sem sairmos da nossa própria casa. Assim, podemos também falar com uma pessoa de um qualquer país da União Europeia. sem nos deslocarmos. Segundo Cruz & Melo (2004), esta mobilidade on-line sustenta a necessidade duma maior formação ao nível da interculturalidade e do plurilinguismo europeus. Este trabalho de investigação procurou ainda mostrar que esta mobilidade on-line nos permite também Saber (e) Educar desenvolver projectos interculturais e plurilingues entre escolas do espaço educativo europeu, permitindo dar voz aos alunos de ensino precoce de línguas e motivandoos para a aprendizagem de línguas europeias como a chave para um conhecimento e intercompreensão entre os povos europeus mais rico e sólido. Referências bibliográficas Byram, M. (1997). Teaching and assessing intercultural communicative competence. 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