Urologia Urologia Feminina e Medicina Sexual: O Que os Médicos Precisam Saber Dra. Rosane Thiel1 • Dr. Marcelo Thiel2 • Prof. Dr. Paulo Palma3 RESUMO A disfunção sexual feminina é um assunto que vem sendo estudado há pouco tempo, porque o enfoque até o momento foi a “ereção do homem”. A mulher, diferentemente do homem, visa o processo do relacionamento sexual e não o resultado, que é o orgasmo. Por isso são mais fortes as alterações no desejo sexual e que explicam os conflitos inter e intrapessoais serem os maiores causadores da disfunção. Na clínica do urologista, este observa que o universo do homem é genital, ao contrário da mulher, em que a excitação é o prazer. Para resolver os problemas masculinos, os inibidores de fosfodiesterase são a solução. No entanto, o que fazer com a parceira desse homem até então disfuncional? Acrescentando a pergunta sobre a sexualidade da paciente mulher na anamnese, verifica-se que a prevalência de disfunções sexuais é grande e por isso o urologista deve saber os mecanismos etiológicos, de avaliação e tratamento deste problema. INCIDÊNCIA A disfunção sexual feminina é relacionada com a idade, progressiva e altamente prevalente, afetando 30 a 50% das mulheres americanas. O censo populacional americano mostrou que 9,7 milhões de americanas apresentam desconforto no intercurso e dificuldade de atingir o orgasmo. Em um estudo longitudinal de mulheres menopausadas, houve uma prevalência de 88% de disfunção sexual.(1) A disfunção sexual feminina é claramente um importante problema de saúde pública e afeta a qualidade de vida de muitas mulheres. Dra. Rosane Thiel (à esq.), Dr. Marcelo Thiel e Prof. Dr. Paulo Palma. ETIOLOGIA DA DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA Vasculogênica Hipertensão arterial, níveis elevados de colesterol, tabagismo, doenças do coração estão associados com disfunção sexual no homem e na mulher. As síndromes de insuficiência vascular 1 - Coordenadora do Ambulatório de Sexualidade Feminina do Grupo de Uroginecologia da Unicamp. 2 - Chefe do Serviço de Urologia do Hospital Estadual de Sumaré - Unicamp. 3 - Professor Titular de Urologia da Unicamp. Prática Hospitalar • Ano X • Nº 56 • Mar-Abr/2008 37 vaginal e do clitóris estão diretamente relacionadas à diminuição do fluxo sangüíneo genital secundária à aterosclerose da artéria hipogástrica e pudenda. Embora uma variedade de desordens médicas e psicogênicas resulte em decréscimo do ingurgitamento clitoriano, a insuficiência vascular é uma importante causa de disfunção sexual e deve ser considerada durante a avaliação e no diagnóstico diferencial de mulheres com disfunção sexual. A diminuição do fluxo sangüíneo pélvico devido a doenças aortoilíacas leva à fibrose do músculo liso clitoriano e da parede vaginal, levando a sintomas de vagina seca e dispareunia. Neurogênica As mesmas desordens neurogênicas que causam a disfunção erétil em homens podem causar disfunção sexual na mulher, como lesão medular, doenças do SNC e periférico, diabetes. Mulheres com lesões incompletas diminuem sua capacidade de excitação e lubrificação vaginal. Mulheres com lesão medular têm dificuldade de atingir o orgasmo. Um estudo em mulheres com lesão medular demonstrou que a sildenafila melhora a função sexual nestes casos. A histerectomia afeta a função sexual feminina? Similar ao impacto da menopausa, a menopausa cirúrgica com ou sem ooforectomia tem sido motivo de discussão. Queixas sexuais pós-operatórias incluem diminuição do desejo, decréscimo na freqüência da atividade sexual, dor durante o intercurso, diminuição da responsividade, dificuldade de atingir o orgasmo e diminuição da sensibilidade genital. Em contraste, um recente artigo no JAMA concluiu que a freqüência sexual aumentou e problemas de disfunção sexual diminuíram após a histerectomia. As mulheres que sofrem histerectomia abdominal têm um decréscimo significativo no orgasmo, ao contrário da histerectomia vaginal, em que não existem alterações significativas. Hormônios As queixas mais comuns associadas ao decréscimo de estrogênio e/ou níveis de testosterona são o decréscimo da libido, vagina seca, diminuição da excitação. Além disso, há um aumento da labilidade emocional, distúrbios do sono e memória. Os estrógenos melhoram a integridade da mucosa vaginal e têm efeitos benéficos na sensibilidade vaginal, vasocongestão e secreções, o que leva a um aumento da excitação. A deprivação de estrógenos causa um significativo decréscimo do fluxo sangüíneo clitoriano intracavernoso, vaginal e uretral. A testosterona sérica em mulheres declina com o avançar da idade. Ao contrário dos estrogênios, o declínio hormonal de testosterona não é abrupto. Este declínio é conseqüente ao decréscimo da produção de andrógenos pela adrenal e pelo ovário. A testosterona apresenta efeitos periféricos na vagina. Estudos demonstraram receptores estrogênicos e androgênicos na pele genital feminina. O epitélio vaginal responde à testosterona de uma maneira similar ao estrogênio mesmo na ausência de estrogênio. A testosterona pode ter um papel regulador no relaxamento da musculatura lisa vaginal e no fluxo sangüíneo desta região. A diminuição dos receptores androgênicos foi observada em mulheres que recebiam reposição estrogênica. Isto pode ser resultado de um aumento da proteína carreadora de hormônio sexual (SBHG), diminuindo a testosterona livre e diminuindo a produção de receptores androgênicos. Sintomas persistentes de atrofia vaginal e lubrificação vaginal diminuída em mulheres menopausadas recebendo reposição de estrogênio podem ser devidos em parte à diminuição da responsividade aos andrógenos em conseqüência da diminuição de seus receptores e/ou redução dos níveis de circulação de testosterona na vagina. Musculogênica Os músculos do assoalho pélvico, em particular o elevador do ânus e a membra- 38 Prática Hospitalar • Ano X • Nº 56 • Mar-Abr/2008 na perineal, participam da função sexual feminina. A membrana perineal consiste dos músculos bulbocavernoso e isquiocavernoso e quando voluntariamente contraí­ do, contribui para o aumento da excitação e orgasmo. Os músculos bulboesponjoso e isquiocavernoso são responsáveis pelas contrações rítmicas e involuntárias durante o orgasmo. O elevador do ânus modula a resposta motora durante o orgasmo e a receptividade vaginal. Hipertonia do elevador contribui para o desenvolvimento do vaginismo, causando dispareunia e outras desordens sexuais. Quando o elevador é hipotônico, a hipoanestesia vaginal, anorgasmia e incontinência urinária podem ocorrer durante o intercurso ou orgasmo. Durante o intercurso sexual, pela distensão vaginal provocada pela penetração do pênis, há o início do reflexo vaginopuborretal, com resultante contração do elevador. O elevador também se contrai pelo estímulo clitoriano e do cérvix uterino. Estas alterações aumentam a resposta sexual. Antidepressivos e disfunção sexual É importante notar que nem todos os antidepressivos causam disfunção sexual na mesma taxa. Em um estudo prospectivo multicêntrico de 1.022 mulheres fazendo uso de antidepressivos, a incidência de disfunção sexual foi de 59,1%. A incidência de disfunção sexual é mais alta em inibidores de recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina). Dor Dispareunia: Este termo é utilizado para descrever a dor durante a penetração, mas pode ocorrer durante a estimulação sexual. Dor superficial pode ocorrer devido a vulvovaginite, herpes genital, uretrite, atrofia vulvovaginal, irritantes (espermaticidas e látex), episiotomias, radioterapia local e traumas sexuais. Dispareunia profunda resulta de trauma pélvico durante o intercurso sexual, doença inflamatória pélvica, fibromialgia, cirurgia abdominal, pélvica ou ginecológica, aderência pós-operatória, Urologia endometriose, tumores pélvicos e genitais; sintomas do trato urinário, incluindo bexiga hiperativa e/ou incontinência e infecções do trato urinário, cistite intersticial e cisto de ovário. Uma causa comum de dispareunia profunda é o parceiro bater contra um ovário. Vaginismo: é uma condição que resulta da associação da atividade sexual com dor e medo. A causa imediata de vaginismo é um espasmo involuntário da musculatura. Isto pode ser causado por abuso físico ou sexual, procedimentos médicos realizados durante a infância, dor no primeiro intercurso sexual e medo da gravidez. Outros fatores incluem religião ortodoxa, medo da intimidade e/ou agressão e pensamento fixo de que a vagina é muito pequena. AVALIAÇÃO Os pacientes devem ser avaliados pelo terapeuta sexual antes da avaliação médica para determinar se questões emocionais contribuem para o problema. A abordagem médica deve incluir uma história completa e exame físico, incluindo o exame dos órgãos pélvicos e avaliação hormonal (FSH, LH, testosterona, prolactina, SHBG, DHEA, DHEAS e níveis de estradiol). Medicações que afetam o desejo sexual devem ser investigadas, como beta-bloqueadores, depressores do sistema nervoso central e anticolinérgicos. Os antidepressivos, em especial os inibidores de recaptação da serotonina, estão associados à disfunção sexual feminina. Alterações hormonais decorrentes do desequilíbrio do eixo hipotálamo, hipofisário ou de cirurgias como a salpingooforectomia ou da quimioterapia devem ser investigadas. TERAPIA A utilização de terapia combinada (fármaco e psicoterapia) em casos selecionados pode produzir melhor aderência terapêutica, assim como melhores resul- tados. Esta constatação clínica é mais sedimentada na abordagem de algumas queixas sexuais masculinas; entretanto, começamos a perceber também no contexto feminino. Os agentes farmacológicos, em muitos casos, ainda são experimentais e requerem mais estudos antes de serem largamente utilizados. Segundo Gitilin, entre os efeitos colaterais mais comuns potencialmente induzidos pelos antidepressivos nas mulheres há diminuição da libido, diminuição da excitação, dificuldade de orgasmo e anorgasmia. Há algumas estratégias ante uma disfunção sexual feminina induzida por antidepressivos. Diminuição da libido • Aguardar o desenvolvimento de tolerância • Redução da dose de medicamento • Substituição por trazodona, bupropiona, nefazodona e mirtazapina. • Testosterona transdérmica Disfunção de excitação • Redução da dose • Substituição por trazodona ou bupropiona Anorgasmia • Redução da dose • Substituição por outra droga antidepressiva A bupropiona (150-300 mg/dia após as refeições) tem se mostrado efetiva em alguns casos de desejo sexual hipoativo. A trazodona também é um antidepressivo que vem sendo utilizado na melhora da libido (50-100 mg/dia); no entanto, ainda são necessários estudos de maior seguimento. A ioimbina (5,4 a 10,8 mg 2 horas antes da relação) reverte a diminuição da libido e anorgasmia induzidas pela fluoxetina e clomipramina. Uma das maiores causas de comprometimento do desejo sexual é o hipoandrogenismo. Neste caso, a melhor opção é a testosterona tópica ou oral. A oral é o undecanoato de testosterona 40 mg. Utilizada por 15 dias, interrompendo por mais 15 dias em ciclos. A tibolona também pode ser usada e deve-se tomar cuidado especial com as mamas e o útero pelo perigo de câncer. Ou a testosterona gel em forma de cipionato de testosterona a 2%. Utiliza-se 1 g ao dia e deve ser passada no clitóris e no intróito vaginal. Atualmente na Europa já está disponível a forma transdérmica para mulheres. Com relação à sildenafila, os estudos iniciais não se mostraram promissores, porém novos estudos vêm sendo publicados. Estudos promissores estão sendo realizados com gel doador de óxido nítrico, na forma tópica, nos casos de disfunção orgástica. Embora algo mais complexa, a sexua­ lidade feminina, quando abordada de maneira adequada e multidisciplinar, pode apresentar bons resultados, com melhora significativa na qualidade de vida. t LEITURA RECOMENDADA 1. Tamanini JTN, Dambros M, D’Ancona CAL, Palma PCR, Netto Jr NR. Validação para o português do International Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQSF). Rev Saúde Pub 2004;38(3):438-44. 2. Rosen R, Brown C, Heiman J et al. The Female Sexual Function Index (FSFI): A multidimensional self-report instrument for the assessment of female sexual function. J Sex Marl Ther 2000;26:191-208. 3. Kaplan HS. A nova terapia do sexo: tratamento dinâmico das disfunções sexuais. Tradução: Silva OB. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1977. 4. Bodden-Heidrich R, Beckmann MW, Libera B, Rechenberger IHG. Psychossomatic aspects of urinary incontinence. Arch Gynecol Obstet 1999;262(3):151-8. 5. Barber MD, Visco AG, Wyman JF, Fantl JA, Bump RC. Sexual function in women with urinary incontinence and pelvic organ prolapse. Obstet. Gynecol., 2002 Feb;99(2):281-9. 6. Pinto AC. O impacto da correção cirúrgica da incontinência urinária aos esforços pela técnica de suporte suburetral na vida sexual de mulheres submetidas a esse tratamento. São Paulo, 2003. (Tese – Doutorado – Universidade de São Paulo / USP). Endereço para correspondência: R. Vital Brasil, 251 - CEP 13084-882 Campinas - SP. Prática Hospitalar • Ano X • Nº 56 • Mar-Abr/2008 39