Infectologia Considerações Sobre Sistema de Infusão de Terapia Intravenosa: Aberto x Fechado Dra. Thaís Guimarães* A infusão de terapia intravenosa é um dos recursos terapêuticos mais adotados pela medicina moderna, cuja indicação clínica abrange um largo espectro de doenças e um grande número de pacientes, sendo que para muitos chega a representar uma condição vital.(1) A grande maioria dos pacientes internados é submetida a algum tipo de terapia intravenosa, seja para correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição de sangue e derivados, administração de nutrição parenteral parcial ou total ou para administração de medicamentos.(2,3) O acesso vascular através da inserção de um dispositivo intravenoso não é um procedimento inócuo. Pelo contrário, a natureza invasiva dos procedimentos relacionados à terapia intravenosa tem sido preocupação dos profissionais da saúde e trabalhos têm demonstrado que estes procedimentos estão associados a um significativo risco de ocorrência de infecções, manifestadas nos locais de inserção dos dispositivos intravenosos ou de forma sistêmica.(4) O acesso intravenoso é responsável por cerca de 1,9% de todas as infecções adquiridas no hospital. Isto porque a administração intravenosa de fluidos estabelece uma conexão do meio externo com a corrente sangüínea, que ultrapassa o principal mecanismo de defesa corporal, a pele.(5) As infecções sistê- micas, ou também denominadas infecções da corrente sangüínea, são as mais graves e além de aumentarem o tempo de hospitalização do paciente, também estão associadas ao aumento da morbidade e mortalidade.(4) A patogênese das infecções relacionadas aos cateteres vasculares é multifatorial. Os fatores de risco mais freqüentemente associados podem ser assim elencados: a qualidade do material que compõe o conjunto dos artigos e acessórios, o tipo de material e tamanho do cateter, o local de inserção do cateter, a experiência da pessoa que realiza o procedimento, a duração da cateterização, a freqüência da troca de curativos, o preparo da pele, os fatores ligados ao paciente e a inserção em condições de emergência.(6) Outros aspectos de grande relevância na patogênese destas infecções dizem respeito às conexões e ao próprio sistema de infusão. As conexões constituem, por excelência, um ponto crítico no sistema de infusão, uma vez que permitem a comunicação do sistema vascular com o meio ambiente em pelo menos dois pontos: nas junções ponta proximal do equipo com o frasco de líquido infusional e ponta distal do equipo com o dispositivo intravenoso. Os sistemas de infusão de terapia intravenosa podem ser abertos ou fechados. * Médica Infectologista da CCIH do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e do Hospital Santa Cruz. Presidente da SCCIH do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP. Coordenadora de Divulgação da SBI. Prática Hospitalar • Ano X • Nº 58 • Jul-Ago/2008 61 Consideram-se sistema aberto todos os frascos de plásticos semi-rígidos ou vidros que permitem o contato da solução estéril com o ambiente externo, seja no momento da abertura do frasco, na adição de medicamentos ou na introdução dos dispositivos usados para administrála. Considera-se sistema fechado o sistema de infusão que, durante todo o processo de preparo e administração, não permite o contato da solução estéril com o meio ambiente.(7) Os sistemas de conexões valvulados não fazem parte da definição do sistema fechado. A função dos sistemas valvulados é reduzir acidentes com agulhas (needle free system – sistemas que não usam agulhas). Todas as marcas disponíveis possuem uma válvula em seu interior, o que pode permitir o acúmulo de resíduos. Existem controvérsias na literatura se os sistemas valvulados podem ou não elevar os riscos de infecção.(8) Assim, constitui medida profilática das infecções da corrente sangüínea a necessidade de manutenção da esterilidade de todo o sistema de infusão da terapia intravenosa, através da: 1)não desconexão do equipo, a não ser para a sua troca, quando danificado ou contaminado; 2)adoção de dispositivos dotados de borracha autovedante para injeção de doses de medicamentos ou associação de outras soluções sem necessidade de desconexão do sistema; 3)desinfecção com álcool a 70% antes da introdução da agulha de injeção de calibre fino; 4)adoção do uso de sistemas fechados de terapia intravenosa. Os sistemas abertos de infusão intravenosa entraram em desuso na Europa e nos EUA na década de 70, ficando seu uso restrito a drogas incompatíveis com polímeros. Em países em desenvolvimento, o uso do sistema aberto 62 Prática Hospitalar • Ano X • Nº 58 • Jul-Ago/2008 Os sistemas abertos de infusão intravenosa entraram em desuso na Europa e nos EUA na década de 70, ficando seu uso restrito a drogas incompatíveis com polímeros ainda é comum, o que faz com que seja necessária a utilização de vários artifícios para permitir a entrada de ar no sistema, como agulhas, desencaixe das ampolas e equipos com suspiros, entre outros. No Brasil, uma Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a RDC 45 de 12/03/2003, que regulamenta as “Boas Práticas de Utilização de Soluções Parenterais nos Serviços de Saúde”, determinou que, a partir de março de 2008, não seria mais permitida no Brasil a fabricação do atual sistema aberto de infusão, que permite o contato do ar com a solução estéril. Esta RDC 45 foi colocada em Consulta Pública em 2001, sendo publicada em 2003, prevendo um prazo de cinco anos para adequação das empresas e das unidades hospitalares. Em 2007, as regras referentes ao registro e comercialização para substituição do sistema aberto de infusões foram novamente dispostas na RDC no 29, de 17 de abril de 2007. Em 2008, duas novas Resoluções: a RDC 11, de 29 de fevereiro de 2008, e a RDC 14, de 12 de março de 2008, alteraram o prazo previsto para as instituições de saúde, mas não para as indústrias. Assim, as indústrias só podem fabricar até 30 de novembro de 2008 soluções parenterais de grande volume (acima de 100 ml) em sistema aberto e para as instituições de saúde houve alterações: elas deverão substituir o sistema de infusão aberto das soluções parenterais de grande volume pelo sistema fechado até 30 de março de 2009. Soluções parenterais de grande volume são substâncias aplicadas diretamente na corrente sangüínea, como água, glicose e soluções de cloreto de sódio a 0,9%, entre outras.(9) Confira na tabela 1 as principais RDCs relacionadas ao assunto. O objetivo do sistema fechado é eliminar os riscos de contato da solução com o ar ambiente, considerando igualmente os pontos de injeção e administração de medicamentos. A adoção do sistema fechado provavelmente levará à diminuição dos índices de infecção da corrente sangüínea e de reações pirogênicas. Além disso, outras vantagens podem ser adicionadas, como: reduzir a contaminação microbiológica; reduzir o desperdício e o risco do paciente receber dose menor de medicamento do que a prescrita, uma vez que o sistema fechado infunde completamente a solução e reduzir os custos assistenciais através da redução dos custos com materiais, medicamentos e internação, pois diminui o risco de contaminação e os problemas causados pelas infecções.(10) Em estudo realizado no Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, a implantação de um sistema fechado de infusão reduziu 54% a incidência das infecções primárias da corrente sangüínea. Este estudo foi realizado prospectivamente em unidade de terapia intensiva e comparou a ocorrência destas infecções em 1.012 pacientes que ficaram pelo menos 24 horas em terapia de infusão intravenosa. Num primeiro período foi empregado sistema de infusão plástico semi-rígido, com respiro (aberto) e numa segunda etapa, um sistema de infusão colapsável, sem o respiro (fechado). Nos dois períodos os Infectologia Tabela 1. Principais RDCs (ANVISA) relacionadas à terapia intravenosa Título Nº Data RDC 45 RDC 210 Ementa Publicação 12/03/2003 Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Boas Práticas de Utilização das Soluções Parenterais em Serviços de Saúde. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 13 de março de 2003. Federal 04/08/2003 Determina a todos os estabelecimentos fabricantes de medicamentos, o cumprimento das diretrizes estabelecidas no Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 14 de agosto de 2003. Federal Dispõe sobre as regras referentes ao registro e comercialização para a substituição do sistema de infusão aberto para fechado em Soluções Parenterais de Grande Volume. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 18 de abril de 2007. Federal D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 03 de março de 2008. Federal Tecnologia de Serviços de Saúde 12/03/2008 Altera as disposições transitórias da RDC n.º 45, de 12 de março de 2003 que dispõe sobre o Regulamento Técnico de Boas Práticas de Utilização das Soluções Parenterais em Serviços de Saúde. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 13 de março de 2008. Federal Tecnologia de Serviços de Saúde 29/05/2008 Prorroga o prazo final previsto no art. 4º da Resolução - RDC nº 29, de 17 de abril de 2007, para a produção de Soluções Parenterais de Grande Volume em Sistema Aberto. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 30 de maio de 2008. Federal Tecnologia de Serviços de Saúde RDC 29 17/04/2007 RDC 11 29/02/2008 RDC RDC 14 31 Prorroga os prazos previstos no art. 4º da Resolução - RDC nº 29, de 17 de abril de 2007. pacientes não apresentavam diferenças significativas em relação a sexo, gravidade da doença, patologias de base e duração da cateterização. Não houve também diferenças significativas nas condições dos curativos e na aderência da equipe à higiene das mãos. Com o sistema aberto foram avaliados 4.237 cateteres-dia e foram observados 30 episódios de infecção primária da corrente sangüínea; já com o sistema fechado foram vistos 3.999 cateteres-dia e os autores identificaram 8 episódios desta infecção. A taxa de densidade de infecção foi 7,1 por mil cateteresdia com o sistema aberto e 3,2 com o sistema fechado, o risco relativo com o sistema fechado foi 0,46 e o valor de p foi 0,02, confirmando a significância estatística dos achados.(11) Também a indústria de equipamentos para acesso vascular vem empreendendo esforços no sentido do aprimoramento cada vez maior dos mes- Alcance do ato mos, oferecendo assim não somente o máximo de facilidade e segurança para os profissionais, mas também, e principalmente, o mínimo de desconforto e riscos para os pacientes. t REFERÊNCIAS 1. Wright A. Reducing infusion failure: a pharmacologic approach. J Intraven Nurs 1996; 19:89-96. 2. Maki DG, Botticelli JT, Lerdy Ml, Thielke TS. Prospective study of replacing administration sets for intravenous therapy at 48 versus 72 hour intervals: 72 hours is safe and costeffective. JAMA 1987;258:1777-81. 3. Madeo M, Martin C, Nobbs J. A randomized study comparing IV3000 (transparent polyurethane dressing) to a dry gauze dressing for peripheral intravenous catheter sites. J Intravenous Nursing 1997;20:253-56. 4. Pearson ML. Guidelines for prevention of intravascular device-related infections. Infect Control Hosp Epidemiol 1996;17:438-73. 5. Arnold RE, Elliot EK, Holmes BH. The importance of frequent examination of infusion sites in preventing post infusion phlebitis. Surg Gynecol Obstet 1977;145:19-20. 6. Centers for Disease Control and Prevention. Guidelines for the Prevention of Intravascular Catheter-Related Infections. MMWR 2002;51(No. RR-10):29 p. Área de atuação Tecnologia de Serviços de Saúde Medicamentos Tecnologia de Serviços de Saúde 7. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada RDC 45 de 12 de março de 2003. Regulamento Técnico de Boas Práticas de Utilização das Soluções Parenterais em Serviços de Saúde. Disponível em www.anvisa.gov.br 8. Esteve F, Pujol M, Limón E, Saballs M, Argerich MJ, Verdaguer R et al. Bloodstream infection related to catheter connections: a prospective trial of two connection systems. J Hosp Infect 2007;67(1):30-4. 9. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada RDC 11 de 29 de fevereiro de 2008. Prorrogação dos prazos previstos no art. 4º da Resolução RDC nº 29, de 17 de abril de 2007. Disponível em www.anvisa.gov.br 10. Rosenthal VD, Maki DG, Salomão R, Moreno CA, Mehta Y, Higuera F et al. International Nosocomial Infection Control Consortium. Device-associated nosocomial infections in 55 intensive care units of 8 developing countries. Ann Intern Med 2006;145(8):582-91. 11. Salomão R, Silva MAM, Vilins M, Silva EH, Blecher S, Rosenthal VD. Prospective study of the impact of switching from an open IV infusion system to a closed system on rates of central venous catheter-associated blood­ stream infection in a Brazilian hospital. Abstract on Interscience Conference on Antimicrobial Agents and Chemotherapy. Washington DC, USA, 2005. Endereço para correspondência: R. Inhambu, 973 - apto. 151 A CEP 04520-013 - São Paulo - SP. Prática Hospitalar • Ano X • Nº 58 • Jul-Ago/2008 63