CATÁLOGO ORGANIZADO POR VINCENT BESSIÈRES / TEXTO DE FRANCK BERGEROT / COM AS CONTRIBUIÇÕES DE GEORGE AVAKIAN, LAURENT CUGNY, IRA GITLER, DAVID LIEBMAN, FRANCIS MARMANDE, JOHN SZWED E MIKE ZWERIN Produção de Montagem Laércio Costa Reis Exposição 02 agosto a 28 setembro 2011 Patrocínio Banco do Brasil e Ministério da Cultura Realização Centro Cultural Banco do Brasil Produção Original Cité de la Musique - Paris Curadoria Vincent Bessières Cenografia Atelier Projectiles Projeto gráfico Laurent Meszaros Design Sonoro Philippe Wojtowicz Coordenação de Montagem Marion Challier - Cité de la Musique Paris Produção Forosul Cultura e Comunicação Coordenação Marlise Jozami Produção Executiva Márcia Jardim Coordenação Internacional Loana Baillot Equipe de Produção Bruno Franklin e Linn Jardim Assistentes de Produção Alessandra Luz e Marcelo Luz Equipe de Montagem Alvaro Dias, Alex Augusto, Alex de Menezes, Caio César, Cal Camargo, Ivani Procópio, José Henrique, Juliana Oliveira, Kazuhiro Dudin, Marco Teixeira, Marcio Caldas, Manoel Rosa, Marcelo de Alcantara, Paulo Wagner, Rafael Negão, Thiago Branco, Vatusi de Paula, Yuri Barbosa Laudos de Conservação Felipe Farias e Pedro Mendes / Museologia Digital Projeto de Iluminação Antônio Mendel Iluminação Espaço Luz Iluminação em Artes Sonorização e Mídia GABISOM - Sistema de Som e Equipamentos em Música Ltda. Programação Visual Clarice Soter + Eneida Déchery / Magô Design Produção Gráfica Sidnei Balbino Tradução Renato Rezende Revisão de Texto Daniel Russell Ribas e Philippe Baden Powell Assessoria de Imprensa Luciana Medeiros e Christina Campos / Verbo Virtual Comunicação Cité de la Musique Exposição criada pela Cité de la Musique e apresentada de 16 de outubro de 2009 a 17 de janeiro de 2010. Roch-Olivier Maistre, presidente do conselho administrativo Laurent Bayle, diretor geral Thibaud de Camas, diretor geral adjunto Hugues de Saint Simon, secretário geral Musée de la Musique Éric de Visscher, diretor Magali Maïza, administradora Serviço de exposições Isabelle Lainé Coordenação do projeto Marion Challier Wissam Hojeij Acompanhamento das operações cenográficas Olivia Berthon Dictino Ferrero Coordenação audiovisual Matthias Abhervé Romane Olmedo CATÁLOGO A primeira edição do catálogo foi publicada em francês pela Éditions Textuel / Cite de la Musique, Paris, 2009. Organização Vincent Bessières Texto principal Franck Bergerot Coordenação editorial Marion Challier Manon Lenoir Marianne Théry Acompanhamento editorial Jessica Mautref Revisão Cécile Gaudin Concepção gráfica Caroline Keppy Sandrine Roux Acompanhamento iconográfico Wissam Hojeij Tradução (inglês / francês) Christian Gauffre Produção Sandrine Pavy EMPRESTADORES Este projeto não teria sido possível sem a ajuda preciosa e a generosidade dos herdeiros de Miles Davis, em especial de seus filhos Cheryl Davis e Erin Davis, e seu sobrinho Vince Wilburn Jr. Nós lhes expressamos toda a nossa gratidão, bem como a Darryl Porter, gerente de Miles Davis Properties, LLC, e a Charles J. Biederman, Manatt Phelps & Phillips, LLP. Nós agradecemos igualmente, por sua valiosa colaboração, aos seguintes emprestadores: ALEMANHA Darmstadt Jazzinstitut Darmstadt, Wolfram Knauer Argentina Coleção Guilhermo Navone CANADÁ Montréal Musée des Beaux-Arts de Montréal, Nathalie Bondil ESTADOS UNIDOS Burbank Warner Music Group, Edgar Bronfman, Jr. Clifton Wallace Roney Katonah John Scofield Los Angeles Stella Benabou Shapiro e Dorian Hendrix Shapiro Paul Buckmaster Darryl Jones L.A. Jazz Institute, Ken Poston Cortez McCoy Miles Davis Properties, LLC, Cheryl Davis, Erin Davis, Vince Wilburn, Jr. Marcus Miller Airto Moreira Nova York Ravi Coltrane Frank Driggs Jo Gelbard Amalie R. Rothschild Robert M. Rubin e Stéphane Samuel Schomburg Center For Research in Black Culture (Centro Schomburg para pesquisa em cultura negra), New York Public Library (Biblioteca pública de Nova York), Astor, Fundações Lenox & Tilden, Diana Lachatanere Annie Leibovitz Sony Music Entertainment, Rolf SchmidtHoltz, Adam Block Newark Institute of Jazz Studies (Instituto de estudos de jazz), Universidade Rutgers, Dan Morgenstern North Hollywood Devik Wiener São Francisco Wolfgang’s Vault, Katherine York Fraenkel Gallery, Claire Cichy San Rafael Cindy Blackman-Santana Sherman Sherman Jazz Museum, William Collins III Westbury Anthony Barboza Woodstock Al Foster Worthington Foley McCreary França Bondy Michèle Codin Montcuq Olivier Grall Nandy Olivier Franc Paris La Baguetterie, Philippe Lalite Philippe Baudoin Centre d’information du jazz (Centro de informação de jazz), Pascal Anquetil Cinémathèque française (Cinemateca francesa), Serge Toubiana Fatras, Eugénie Bachelot Fondaction Boris-Vian, Ursula Vian-Kübler Galeria Albert-Benamou, Albert Benamou Claude Gassian Jazz Magazine, Franck Bergerot Paris Jazz Corner, Arnaud Boubet Jean-Luc Katchoura Shaun de Koenigswarter Roger Lajus Jeanne de Mirbeck Superfly Records, Manu Boubli REINO UNIDO Londres Anton Corbijn Limited, Anton Corbijn Dr. Emily Mayhew JAPÃO Kohshin Satoh Kiyoshi Koyama AGRADECIMENTOS Nós somos gratos aos fotógrafos por seu envolvimento neste projeto e agradecemos em especial a Anton Corbijn, Annie Delory, Marcel Fleiss, Lee Friedlander, Claude Gassian, Don Hunstein, Teppei Inokuchi, Didier Ferry, Marvin Koner, Fred Lombardi, Guy Le Querrec, Annie Leibovitz, Jean-Pierre Leloir (in memoriam), Herman Leonard (in memoriam), Kirsten Malone, Mark Patiky, Irving Penn (in memoriam), João Guilherme Ripper, Willy Ronis (in memoriam), Christian Rose, André Sas, Susumu Shirai, Chuck Stewart, Dennis Stock (in memoriam), Shigeru Ushiyama, Bob Willoughby (in memoriam), Baron Wolman. Todos aqueles que colaboraram com este projeto, encontrem aqui a expressão de nossa sincera gratidão e, especialmente Airflow Productions, Tatiana Reyes, Anton Corbijn Limited: Monica Axelsson, Stijn Claassen Laurent Bataille Bibliothèque Nationale de France: Françoise Simeray, Anne Legrand Carnegie Museum of Art, Laurel Mitchell Cinémathèque Française: Jacques Ayrolles, Isabelle Regelsperger Contact Press Images: Jesse Blatt Chip Cronkite, Michael Cuscuna Olana DiGirolamo ESPN Classic: Virginie Bernon, Alex Lowe, Damion Potter Festival international de jazz de Montreal: André Ménard, Julie Martel Fine Art Shipping : Betsy Dorfman Fondaction Boris-Vian: Nicole Bertolt, Bonnie Foster Honda Motor Europe: Richard Mathiau Institut National de l’Audiovisuel (França): Emmanuel Hogg, Pascal Rozat, Sylvie Richard, Bernadette Gazzola-Dirrix Katia e Vianney Frain Ngoc Suong Gras, Bibi Green, Teppei Inokuchi, Tony Johnson, Emma Lavigne Médiathèque de Villefranche-deRouergue: Daniel Alogues, Patrick Brugel, Nederlands Fotomuseum: Carolien Provaas The New York Public Library for the Performing Arts: Stephan Saks, Deborah Straussman, Dale Parent Projectiles: Réza Azar, Hervé Bouttet, Clémence Dupuis Delamarzelle, Daniel Meszaros, Michael Randolph Rhino Entertainment Company: Kristopher E. Ahrend, Kristina Groennings, Kristan Crossley Rogers & Cowan: Karen Sundell, Norman Saks, Susan Scofield Shukat Arrow Hafer Weber & Herbsman: Peter Shukat, Vernon L. Smith II Sony Music Entertainment (Estados Unidos): Lyn Koppe, Glenn Korman, Elizabeth Miller, Zak Profera, Jeffrey Schulberg, Charlie Stanford, Che Williams Carolyn Strachan Nancy Taylor, Blair McCoy, Frank West WEA Studio Services/Archives: Steve Lang Western Historical Manuscript Collection Universidade do Missouri: Nancy McIlvaney, Devik Wiener, Christopher Willoughby Vincent Bessières agradece, além de todas as pessoas mencionadas acima, a Reza Ackbaraly, Vincent Anglade, Bob Belden, Nicolas Brémaud, Paul Buckmaster, Ron Carter, Laurent Coq, Christophe Dal Sasso, Michel Delorme, Jonathan Duclos-Arkilovitch, Alex Dutilh, Bill Evans, Éric Garault, Jean-Noël Ginibre, Frédéric Goaty, François Lacharme, Grégory Lagrange, Olivier Linden, Florence Masson, Takafumi Mimori, Nell Muldery, Chihiro Nakayama, Martine Palmé, Ronan Palud, Marc Pannell, Pierrick Pedron, Thierry Pérémarti, Alicia Perez, Isabelle Rodier, Daniel Soutif, Alain Tercinet, Bertrand Uberall, Doug Weiss... e a todos aqueles, de uma forma ou de outra participaram deste projeto. Agradecimentos especiais American Airlines - Brasil Consulado Geral da França no Rio de Janeiro Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro Institut Français Miles Davis Properties LLC e Sony Music Estados Unidos e Brasil. Foto: Jean-Pierre Leloir. sumário PÁGINA 36/1948-1955 PÁGINA 10/1926-1948 de saint miles out PÁGINA 66 /1955-1959 ahead of the louis em estÚdio cooL EM BusCA pAra invenção a rua 52 de bird PÁGINA 9 / PREFÁCIO Laurent Bayle / éric de Visscher VINCENT BESSIÈRES PÁGINA 214 / Posfácio Vincent Bessières PÁGINA 216 / ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES PÁGINA 219 / LISTA DAS OBRAS EXPOSTAS PÁGINA 223 / BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA e ódio a si mesmo a columbia PÁGINA 156 /1971-1979 PÁGINA 180 /1980-1991 ON THE star miles miles PÁGINA 104 /1960-1967 PÁGINA 134/1968-1971 CORNER people elétrico smiles A DISTORção A pulsação do o ÍcOne a liberdade contrOlada do rock FUNK planEtário 8 queremos miles A frase de Miles Davis “Uma pintura é música que se pode ver e música é uma pintura que se pode ouvir” parece ideal para inspirar o nome da exposição que o Ministério da Cultura e o Banco do Brasil apresentam, Queremos Miles, numa referência ao lendário disco, We Want Miles, de 1982. Reunindo filmes, documentários, instrumentos, partituras, objetos pessoais e obras de arte, a mostra é tributo artístico para um dos mais importantes músicos do século XX. Com curadoria de Vincent Bessières, a exposição convida o público a desvendar a história do imenso talento dessa legendária figura que ainda hoje desperta admiração apaixonada, e cuja influência ultrapassou os limites do jazz por suas reflexões sobre questões raciais, políticas e de comportamento social. Ao homenagear esse artista prolífero e genial no momento em que se completam 20 anos do seu falecimento, o Centro Cultural Banco do Brasil procura estimular a reflexão e a valorização da criação artística, oferecendo ao público a oportunidade de contato com a vida e obra de um dos mais importantes nomes do jazz. Centro Cultural Banco do Brasil We want miles Laurent Bayle / Diretor geral da Cité de la musique Éric de Visscher / Diretor do Musée de la musique Depois de um período de silêncio de quase cinco anos, Miles Davis tocou novamente, a partir de 1980, em estúdio e no palco. We Want Miles (Queremos Miles), dito como uma afirmação, foi o título incisivo de um dos primeiros discos que assinalaram seu retorno. Quem é esse “nós”? Como explicar que a simples evocação de um nome baste para indicar a potência incontornável de um artista? A lembrança de sua trajetória permite compreender a solidariedade e o respeito impostos por uma figura desse calibre, reconhecido por ter impulsionado um gênero musical ainda jovem a nível mundial: Miles estreou nas big bands de Saint Louis, a cidade de sua infância, se apaixonou pelo bebop, iniciou o movimento cool, pesquisou uma terceira via entre o swing e o free e, depois, se envolveu totalmente no jazz elétrico, às vezes tendendo para o soul e o rock. Seria essa igualmente a explicação para que esse nome tenha se transformado em lenda? Que músicos do mundo todo, vindos de lugares diferentes, não tenham parado de entoar We Want Miles, exigindo que ele voltasse ao palco? Um palco que, a partir de então, ele tomou de assalto, multiplicando os discos, as aparições na televisão, os projetos publicitários ou cinematográficos, transformando-se em verdadeiro ícone da mídia. Pois foi então que Miles tomou consciência da lenda, inicialmente a do jazz, que se tornou uma música do mundo, e depois da sua, a de um artista global que transcende os estilos, as escolas e os gêneros para se afirmar como músico, criador, líder de um movimento musical que se tornou símbolo do século XX. Se ele contribuiu para a história do jazz, na mesma medida que Duke Ellington, Charlie Parker, John Coltrane ou Thelonious Monk, nenhum outro soube se integrar com tanta audácia e inventividade às inúmeras evoluções dessa música. Ele até mesmo antecipou as grandes mudanças que levaram o jazz de uma música de divertimento e dança para uma centrada na escuta e, por isso mesmo, enfrentou a reprovação por algumas de suas escolhas... por parte dos que desejavam permanecer no imobilismo. Como aconteceu com Serge Gainsbourg, cujo nome imediatamente se impôs quando a Cité de la musique começou a planejar uma primeira exposição temporária dedicada à canção francesa, a figura cultuada de Miles Davis veio imediatamente à mente assim que o tema do jazz foi definido. Além de um título de disco idêntico (You’re Under Arrest), essas duas figuras, nascidas no mesmo ano, partilharam a mesma vontade de nunca se fechar em um estilo, procurando sem cessar vias musicais inovadoras e, às vezes, inesperadas. Foi o espírito de seu momento que os animou, tanto na relação com sua época quanto em seu trabalho: Gainsbourg escrevia depressa, Miles criava sua música a cada instante, levando até os limites a arte da improvisação, sem nunca romper com o público. Como diz o saxofonista Dave Liebman, em um dos textos deste catálogo: “Quando Miles entrava em cena, passado e futuro não existiam mais, não havia nada além do momento presente, a essência da verdadeira improvisação, e aquilo por que nós, músicos de jazz, lutamos cotidianamente ao tocar”. É, sem dúvida, esse “mistério do instante” que Miles Davis não deixou de explorar, desenvolvendo igualmente os recursos sonoros do jazz (sua passagem para os instrumentos elétricos e amplificados é um exemplo disso e, do mesmo modo a colaboração com Gil Evans) e sua linguagem. Para isso, ele não hesitou em buscar, na colaboração com músicos novos, a fonte de uma renovação fecunda: de John Coltrane a Herbie Hancock, a lista de artistas que trabalharam com Miles Davis é extremamente longa e mostra até que ponto ele se abriu às influências vindas de outros grandes talentos, de sua geração ou mais jovens. Quer se trate de Kind of Blue, de Tutu, de Porgy and Bess ou ainda de Bitches Brew, os grandes discos de Miles Davis testemunham precisamente, sob as formas mais diversificadas, uma mesma busca da perfeição do momento. Esse é o itinerário excepcional retraçado nesta obra, contraponto fiel da exposição apresentada no Musée de la musique, sob a forma de um percurso cronológico contado por Franck Bergerot, e complementado por depoimentos de alguns personagens da época. Como na exposição, as imagens fotográficas foram objeto de um cuidado particular, pois é verdade que jazz e fotografia compartilham uma história comum, a da arte do instante e do contraste, que pode imortalizar os grande heróis e os momentos chaves de um gênero que, por sua própria essência, é efêmero. Tanto a exposição quanto o catálogo não teriam acontecido sem o trabalho duro e a inventividade constante de seu curador e diretor de obra, Vincent Bessières. O projeto contou com o apoio incondicional do Miles Davis Estate, em especial de Cheryl Davis, Erin Davis e Vince Wilburn Jr. Os inúmeros emprestadores, fotógrafos e instituições que colaboraram para tornar esta exposição não apenas possível, mas única em seu gênero. AS MIL FACES DE miles Vincent Bessières / curador da exposição O jazz é rico de personagens excêntricos, de heróis ridículos, de destinos trágicos, de existências fulgurantes e de criadores famosos. Mas dentre todas essas figuras, Miles Davis continua a ser a mais fascinante e a mais misteriosa. A exposição Queremos Miles não pretende decifrar o artista que marcou o século com sua pegada; ela tenta apenas desenhar seus contornos, decompor as metamorfoses, seguir suas evoluções. Como a obra de Picasso, a quem é frequentemente comparado, a música de Miles tem períodos. Na velocidade do século: ele fez uma revolução a cada cinco anos. Perdeu seu público, ganhou um novo, perdeu novamente, conquistou um outro. Miles mudava. E é preciso seguí-lo. Miles provocava o desejo e a frustração. Ele não estava onde era esperado. Ele não tocava jamais amanhã o que tocara ontem. E entretanto, era sempre Miles. Sua sonoridade mudava, o ambiente de seus grupos era desordenado, ele desfazia os padrões, a eletricidade o energizava, mas alguma coisa persistia, o que o tornava identificável depois de apenas algumas notas. É esse o fio que segue a exposição em busca desse homem múltiplo e indefinido. Miles, o menino altivo; Miles, o provinciano que sonhava com Bird; Miles, o dândi cool; Miles, o boxeador; Miles, o arrogante; Miles, o drogado decadente; Miles, que deu as costas ao público; Miles e a cor de seu blues; Miles, Porgy; Miles, Bess; Miles, magnífico na saeta; Miles, que sorriu por fim; Miles, que questionou o jazz; Miles, polivalente; Miles, o roqueiro; Miles, o espetáculo; Miles e suas mulheres; Miles, que foi conquistado por Hendrix; Miles, on the corner; Miles, que desapareceu; Miles, que reapareceu; Miles, o astro que exigia tratamento de príncipe; Miles, assombrado por seus fantasmas; Miles, que não se repetia nunca; Miles, que tem o blues; Miles, que desprezava os ignorantes; Miles, o macho, o herói, o agitador; Miles e seus nervos à flor da pele; Miles, agredido pela polícia; Miles, que se mostrava sem pudor; Miles e seus trompetes coloridos; Miles e seu rosto de esfinge; Miles hip; Miles bop... Miles, Miles, Miles — vocês pediram Queremos Miles? Mas qual deles? Como separar o homem de sua música? Como compreender sua obra sem associá-la a sua vida? Ela sobreviveu a ele, certamente, mas nessa música oral que é o jazz, uma arte íntima que dialoga com o mundo, Miles a encarnou tanto quanto a tocou. A menos que, de fato, a obra o tenha habitado. Vejamos sua silhueta em cena, seu corpo que se curvava, seu trompete que se elevava. O que Miles tocava que não tivesse experimentado? Exceto o boxe, mais nada lhe interessava. Miles olhava o jazz e nunca deixou de desafiá-lo. Abrindo caminhos, absorvendo modos, ultrapassando estilos, ele o recolocou em jogo, escapando aos estereótipos, às fórmulas prontas, e às receitas fáceis. Não lhe foram perdoadas as falhas de conduta por ter com tanta frequência visado a excelência e a novidade. Quem não é fã de Miles Davis? Quem não encontra, em uma obra tão vasta, tão variada, algo que agrade a seu ouvido? Cada um tem um disco predileto, até Barack Obama, cuja ascensão à frente dos Estados Unidos fez ressoar de modo simbólico uma história que Miles Davis relatou em sua autobiografia a respeito de um jantar na Casa Branca, para o qual foi convidado em 1987 pelo presidente Reagan. A uma senhora idosa que lhe perguntou o que ele havia feito de tão relevante para ser recebido nos importantes salões de Washington, Miles respondeu: “Mudei o curso da música por cinco ou seis vezes”. Isso bem vale uma exposição, isso bem merece este livro que o grava na memória. Queremos Miles e nunca será suficiente. Vista da Rua 52, Nova York, 1947 Foto: William P. Gottlieb 11 de saint louis À rua 52 EM BusCA de bird 1926-1948 "O que eu sei, é que no ano após meu nascimento, um furacão violento devastou Saint Louis. [...] Talvez eu ainda seja animado por seu sopro potente. É preciso sopro para tocar trompete. Creio no mistério e no sobrenatural e, se existe algo ao mesmo tempo misterioso e sobrenatural, é um furacão.” Esse furacão realmente aconteceu em 29 de setembro de 1927. Mas, mesmo que tivesse sido imaginário, o que importa é a profissão de fé que dele extraiu Miles. Nessas linhas retiradas do primeiro parágrafo de sua autobiografia, verificamos esse fascínio pelo oculto que ele constantemente desafiou até o pavor. Ele não era um homem religioso. A experiência da igreja foi a base de maior parte das vocações musicais na comunidade negra americana. No entanto, Miles não reteve dela muitas coisas, somente a decisão que tomou ainda criança de não frequentá-la, cansado de ser chamado de pecador. Quando relembrava sua experiência com as músicas negras do sul nas temporadas que passou na casa do avô no Arkansas, ele se recordava menos da igreja em si, onde ouvia cantarem os spirituals, que do caminho que tomava para ir até lá no sábado à noite, na hora dos fantasmas e das corujas. Foi aí que ele descobriu o blues. 12 2 1 3 4 5 6 13 Filho de um cirurgião-dentista (foto n°5, em roupa de formatura), Miles Davis III (n°6) cresceu em uma família relativamente abastada na cidade de East Saint Louis, em Illinois. Caçula de três filhos, ele era muito apegado a sua irmã mais velha Dorothy Mae (n°4 à direita, Pâques 1939) e a seu irmão Vernon (n°1, segundo a partir da esquerda). As relações com sua mãe, Cleota, chamada “Mama-Cleo”, foram mais conflituosas (n°3, à direita). Um ano depois do nascimento do músico, um furacão devastou a cidade e esse acontecimento deixou marcas em seu imaginário (n°2). M ILES DE PAI PARA FILHO. O Natal era importante para Miles, mas menos pela festa religiosa do que pela familiar. Miles era muito ligado à família. Um de seus primeiros luxos, assim que assinou um contrato com a Columbia em 1955, foi sempre estar em Chicago no final de dezembro, para passar o Natal na casa da irmã. No topo da pirâmide familiar, estava Miles Dewey Davis I, o avô, nascido seis anos depois da libertação dos escravos. Desde o tempo da escravidão, os Davis haviam sido músicos a serviço de proprietários brancos. Miles I proibiu que seus filhos tocassem música para evitar que frequentassem bordéis, único lugar possível para um músico negro trabalhar nos Estados Unidos branco. Nascido no estado da Geórgia, Miles I casou-se no Arkansas com Mary Frances e, depois, em segundas núpcias, com Ivy, a avó de Miles III, o futuro trompetista. Miles I se instalou nas cercanias de Pine Bluff, ao sul de Little Rock, no Arkansas, onde adquiriu uma propriedade. Ele foi guarda-livros para os fazendeiros brancos das imediações que acabaram por expulsá-lo de sua propriedade, por verem com maus olhos a ascensão desse negro recém-chegado ou por temerem suas indiscrições quanto aos conluios de que viesse a ter conhecimento. Reinstalado em Noble Lake, ao sudeste de Pine Bluff, ele cultivou cana de açúcar, melancia, milho e se especializou em piscicultura. Teve três filhas e seis filhos, mas só temos conhecimento de Frank, Ferdinand e Miles II. O primeiro foi seu guarda-costas. Ferdinand estudou em Harvard e, depois, em Berlim. Mais tarde, foi redator-chefe de Color Magazine e impressionou seu sobrinho Miles III com suas histórias de dândi, sempre às voltas com viagens e conquistas femininas. Miles II, nascido em 1900, tornou-se dentista depois de um desempenho brilhante na escola de odontologia da Universidade Northwestern. Casou-se com Cleota H. Henry, filha única de Leon e Hattie Henry, nascida em 1901. Miles II abriu um consultório odontológico em Alton, no Illinois e, em 1942, a esposa lhe deu uma filha, Dorothy Mae. Miles III nasceu em 26 de maio de 1926. Um ano depois, o doutor Davis mudou-se para East Saint Louis, onde nasceu Vernon em 1929. Os Davis estavam bem instalados na esquina da Rua 17 com a Avenida Kansas, em uma confortável casa branca com 13 cômodos e telhados vermelhos, um amplo jardim e uma garagem para o Lincoln Zephyr do doutor Davis. Depois de um início difícil e apesar da crise que se abateu sobre os Estados Unidos, a família Davis foi adotada pela elite negra de East Saint Louis, que passou a frequentar, especialmente o Charleston Club e a igreja batista de Saint Paul, mas também o Auditório Kiel de Ópera, onde ouvia a Orquestra Sinfônica de Saint Louis regida por Vladimir Golschmann (antigo aluno da Schola Cantorum) e os grandes solistas da época, como Rachmaninov e Horowitz. A senhora Davis era uma mulher elegante e altiva. Miles a associava àquela parte da sociedade negra que aspirava à integração racial através dos posicionamentos da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP – Associação nacional para o progresso das pessoas de cor) e da National Urban League (Liga urbana nacional). Por outro lado, ele associava as ideias de seu pai ao separatismo de Marcus Garvey, que defendia o retorno dos negros americanos à África. Miles II, que tinha tino para os negócios, demonstrava um desprezo 14 1 soberano diante da pobreza, para a qual não aceitava nenhuma desculpa. Ele se impunha por seu orgulho racial e sua desenvoltura social, tanto nos meios políticos quanto no jogo, em que perdeu somas consideráveis, ou ainda nos campos de golfe onde o futuro trompetista às vezes o acompanhava como caddy. O casal tinha discussões que desembocavam em brigas, por diversas vezes, violentas. As discordâncias referiam-se especialmente em relação ao futuro dos filhos; o pai respeitava as escolhas deles desde que fossem bem-sucedidos, enquanto a mãe não imaginava outra opção para eles além de serem brilhantes nos estudos, seguindo o exemplo do pai. Após o divórcio do casal, em 1944, Miles II instalou-se em uma propriedade colonial que adquiriu nas imediações de Millstadt, a 12 quilômetros ao sul de East Saint Louis, e que batizou com o nome de sua mãe, “Mary Frances Manor”. Ali ele criou porcos, vacas e cavalos. Envolvido na vida política local, disputou em vão o cargo de deputado. O destino do jovem Miles, que montava seu próprio cavalo na fazenda do avô e também na de seu pai, foi bastante singular no mundo do jazz, com forte componente popular. No entanto, aos 13 anos, ele vendia o Chicago Defender. A escolha do primeiro jornal negro americano não foi um acaso e demonstra o orgulho racial que ele herdou do pai. Miles disse também ter em comum com o pai o espírito de independência que o incitou a ganhar o próprio dinheiro, mas veremos que, em diversas épocas de sua vida, ele dependeu financeiramente do pai. Miles era franzino e, por isso, recebeu o apelido de Little Davis (pequeno Davis) ou Little Doc Davis (pequeno doutor Davis). Ele se afirmou jogando beisebol e se interessava pelo boxe, embora não o praticasse. Rejeitou o excesso de afeto da mãe, que considerava responsável pela homossexualidade de seu irmão Vernon. Ele era tímido, um traço de personalidade que o perseguiu por toda a vida e do qual ele se protegeu com uma fachada de arrogância. Escolheu trompete, porque foi inicialmente atraído pela atitude dos trompetistas. Provavelmente, ele percebeu a energia que o instrumento exige e que absorveu em sua própria postura no palco. queremos miles O SAINT LOUIS SOUND. A senhora Davis teria preferido que ele optasse pelo violino, o instrumento que ela tocava. Ela também praticava piano e Miles a surpreendia tocando blues às tardes. Foi ela quem levou o jazz para casa com dois discos: um de Art Tatum e outro de Duke Ellington. Porém, mais tarde, ela se mostrou totalmente indiferente à música de seu filho. Para Miles, o violino era uma causa perdida. Saint Louis era uma cidade de trompetes. A cidade constituía uma parada obrigatória na rota dos barcos a vapor que cruzavam o Mississipi, ao longo do qual tocadores de corneta e trompetistas de Nova Orleans difundiam a palavra divina. Em Saint Louis, desenvolveu-se uma verdadeira escola de trompete ao redor de personalidades como Charles Creath (1896-1951) e Dewey Jackson (1900-1963). Podemos citar George Hudson, Walter “Crack” Stanley, R.Q. Dickerson, Irving “Mouse” Randolph, Bobby Merrill, Sleepy Tomlin, Joe Thomas, Louis Metcalf, Ed Allen, Bob Schoffner, Levi Madison, Elwood Buchanan, Harold “Shorty” Baker, Clark Terry e, mais tarde, Lester Bowie. O trompetista inglês Ian Carr descreveu assim o som de Saint Louis: “Um som redondo, com uma bela claridade, que faz cantar o metal, projetado e que flutua no ar, com um senso melódico cheio de espírito, de caráter mordaz e picante”. Outras pessoas descreveram esse estilo como diferente do adotado por Louis Armstrong, o pai do trompete no jazz, como algo de mais sutil, de mais delicado, que poderia ser exemplificado pelo trompetista Harold “Shorty” Baker, de Saint Louis (participante das orquestras de Andy Kirk e de Duke Ellington). À esposa deste último, a pianista Mary Lou Williams, Miles confidenciou certo dia: “Se ao menos eu pudesse tocar tão suavemente quanto Harold Baker!” Ele se lembrava com emoção de Levi Madison, a respeito de quem Clark Terry disse que quando tocava tinha-se a impressão de ouvir cantar os anjos, mas a quem a loucura privou de toda fama. Quando Miles tomou consciência dessa especialidade local? A cronologia de seu aprendizado é confusa. 2 A cidade de Saint Louis foi o berço de um linhagem de trompetistas admiráveis por sua sonoridade: Charlie Creath (foto n° 1, por volta de 1922) e Dewey Jackson (n° 2, no Salão de baile Castle de Saint Louis, em 1937), 3 foram seus fundadores; Walter “Crack” Stanley, fotografado com os Singing Syncopators de Floyd Campell (n° 3, terceiro a partir da direita, 1929), foi um de seus primeiros descendentes. 1 16 2 Parece que sua vocação surgiu ao redor dos 9 anos, quando um vizinho médico, John Eubanks, amigo de seu pai, deu uma corneta a Miles. O menino estudou com o tio de Eubanks, o saxofonista e clarinetista Horace Eubanks. Com esse professor, que o fazia tocar notas presas, e com a ajuda de um método emprestado que lhe possibilitou estudar a escala cromática, ele aprendeu o bastante para tocar os sopros da época. Ele tinha 12 anos quando recebeu a incumbência de tocar o surgimento e a extinção das fogueiras em um acampamento de escoteiros durante o verão. Na época, ele escutava as transmissões de jazz até tarde da noite. E, todas as manhãs, saía de casa atrasado para a escola a fim de ouvir a transmissão de Harlem Rhythm. Seu interesse voltava-se em primeiro lugar para o trompetista branco Harry James, imitador brilhante de Louis Armstrong, de inclinação comercial e, para todos os efeitos, às vezes, exagerado. Mas essa orientação foi contrariada pelos cursos que recebeu — na escola elementar e, depois, no liceu — de um cliente e amigo de seu pai, Elwood Buchanan. Este aconselhou a compra de um trompete em vez da corneta. Esse foi o presente do doutor Davis a seu filho no seu aniversário de 13 anos. Elwood Buchanan pertenceu à escola de Saint Louis e fez carreira nos barcos a vapor. Os modelos que ele recomendava a seus alunos eram "Shorty" Baker, que ele conheceu na orquestra de Andy Kirk, e o trompetista branco Bobby Hackett, discípulo de Bix Beiderbecke, uma escola de delicadeza que contrastava com a potência e o brilho da maioria dos trompetistas da época. Por outro lado, ao incentivar Miles Davis a abandonar seu vibrato à la Harry James, Buchanan antecipou uma tendência do jazz moderno que consiste em moderar o vibrato, a velá-lo, até mesmo a suprimí-lo, para manter apenas uma leve ornamentação ao final da emissão. Miles estudou também com o primeiro trompetista da Orquestra Sinfônica de Saint Louis, Joseph Gustat, “o guru do trompete do Meio-Oeste”. As pessoas vinham de longe para consultá-lo (Bix Beiderbecke visitou-o em 1926, sendo seguido por personalidades como Dizzy Gillespie ou Buddy Childers, primeiro trompete de Stan queremos miles Kenton). Inúmeros trompetistas locais foram orientados por ele, de Levi Madison a Clark Terry, passando por Harold Baker. Todos usavam a embocadura que ele indicava e que foi criada para o fabricante Frank Holton por Gustav Heim, um dos predecessores de Gustat à frente da seção de trompetes da Sinfônica de Saint Louis em 1904 e 1905. Ela se caracteriza por um metal muito fino com pouca massa, um bocal de profundidade média, mas em forma de V (e não de C, como de costume) e um pequeno diâmetro do orifício pelo qual o sopro sai do bocal. Segundo Clark Terry, essa embocadura contribuiu para caracterizar o estilo de Saint Louis e, em especial, o de Miles Davis. De qualquer modo, ela favorece a plenitude do som em detrimento da facilidade de emissão no agudo. Miles, que a trazia constantemente consigo, mesmo quando estava sem o trompete, procurou durante toda a sua vida obter cópias da embocadura Heim. De fato, se ela causou as dificuldades que ele tinha no registro agudo no início de sua carreira, Miles também deve àquela sonoridade sedosa e cantante que fez tanto sucesso. P RIMEIROS PASSOS. Miles economizava para comprar os discos usados das jukeboxes. Ele não desprezava os músicos brancos, cujas grandes orquestras estavam em voga desde o sucesso de Benny Goodman no rádio em 1935. Apreciava Buddy Rich (virtuoso baterista branco, especialista em big bands, em plena ascensão a partir de 1938), Helen Forrest (cantora branca que sucedeu a Billie Holiday na grande orquestra de Artie Shaw em 1938, antes de passar para a de Benny Goodman). Evidentemente, ele também escutava a música negra: Louis Armstrong, sempre obrigatório, ou o maestro Erskine Hawkins, com quem aprendeu o solo de trompete com a gravação de 1939 “Tuxedo Junction”. Logo, seu 17 3 Harold “Shorty” Baker (foto n°1 em pé à extrema direita, em 1932) com os Crackerjacks do pianista Eddie Johnson, Levi Madison (n°2, na segunda fileira, terceiro a partir da esquerda, em 1936), com os Original Saint Louis Crackerjacks e o maestro George Hudson (n°3, em pé, ao centro, de terno escuro, por volta de 1945), foram alguns dos mais notáveis nomes da escola de trompete de Saint Louis. Clark Terry (n°3, agachado, terceiro a partir da esquerda) foi um dos últimos representantes e mentor de Miles Davis em sua adolescência. interesse se voltou para os músicos das planícies da região central do país (Kansas, Oklahoma, Missouri) que anunciavam a revolução bebop que surgia no horizonte nos anos 1940. O saxofonista Lester Young era o mais velho deles. Sua descontração, seu sentido de espaço e sua atenção à melodia foram uma influência determinante para Miles. O trompetista também se interessou por Charlie Christian, que revolucionou a guitarra juntamente com Benny Goodman entre 1939 e 1941. Por volta de 1938 e 1939, Miles viu tocar aquele que levou o contrabaixo de jazz à maturidade, o contrabaixista Jimmy Blanton, que Duke Ellington não demorou a recrutar quando estava de passagem por Saint Louis. No início dos anos 1940, Miles Davis começou a ouvir falar de Charlie Parker, apelidado de “Bird”, que se tornaria o líder do bebop. Dois músicos locais foram importantes em seu desenvolvimento. A partir de 1940, o trompetista Clark Terry o orientou, o acompanhou e o apresentou às jam sessions que faziam sucesso na cidade. Por volta de 1942, Miles começou a frequentar a casa do pianista Emmanuel St. Claire Brooks, apelidado de “Duke” por seu conhecimento da música de Ellington. Segundo Miles, ele já tocava como Bud Powell, futuro astro do bebop, mas outros relatos diziam que tocava também como Art Tatum e Nat King Cole — o primeiro, precursor do piano bebop; o segundo, prenúncio dos pianistas que Miles iria privilegiar nos anos 1950. Brooks deu aulas de piano e de harmonia ao trompetista. Com ele e o baterista Nick Haywood, Miles montou um trio que se inspirou no de Benny Goodman. Aos 16 anos, Miles conheceu Irene Cawthon, que se tornou sua companheira. Ela acreditou no talento dele, sustentou-o, mesmo reprovando-o por tocar com a boca do instrumento orientada para o solo, de modo a se ouvir melhor, hábito que ele manteve por toda a vida. Ela o incentivou a se associar ao sindicato dos músicos e a trabalhar com os Blue Devils de Eddie Randle, importante orquestra de Saint Louis que se apresentava no Rhumboogie. Jimmy Forrest, Jimmy Blanton, Clark Terry e Levi Madison faziam parte dela. Futuro arranjador com Count Basie, Ernie Wilkins lhes deixou algumas de suas primeiras partituras e, segundo Miles, um dos saxofonistas, Clyde Higgins, já tocava como Charlie Parker. De qualquer modo, foi com a esposa dele, Mabel Higgins, pianista da orquestra, que o trompetista aprofundou seus conhecimentos de harmonia. Com as turnês que passavam por Saint Louis, ele tocou com Lester Young e com os pioneiros do bop: os trompetistas Howard McGhee e Fats Navarro, o saxofonista Sonny Stitt e até mesmo o próprio Charlie Parker. A admiração de Miles por este último preocupou Eddie Randle e fez com que ele aconselhasse Miles a não sacrificar sua bela sonoridade pela virtuosidade que caracterizava a vanguarda da época. O chefe dos Blue Devils confiou-lhe a responsabilidade de organizar os ensaios da orquestra. Aos 16 anos, Miles era diretor musical de uma das principais orquestras da cidade. Ele ia para o trabalho ao volante do carro de seu pai, vestido com um dos dez ternos que comprou nos Brooks Brothers, inspirando-se no estilo de Fred Astaire e do duque de Windsor. Elegante, mas não necessariamente na moda! Sonny Stitt tentou, mas a Sra. Davis proibiu Miles de abandonar os estudos antes de ter obtido um diploma. Ela queria enviá-lo para a Universidade Fisk, famosa universidade negra de Nashville que mantinha um departamento musical de excelente reputação e onde já estudava sua filha Dorothy. Mas Miles só tinha um desejo: ir para Nova York. Irene, que estudava dança desde os 7 anos, tinha o sonho de dançar na companhia de Katherine Dunham, líder da escola coreográfica americana. Ela pressionou Miles para que se informasse a respeito dos requisitos de inscrição na célebre Escola Juilliard de Música. O nascimento de Cheryl em junho de 1944 colocou fim aos projetos pessoais da jovem. Dessa vez, foi o doutor Davis que se recusou a dar ao filho a autorização legal para que ele se casasse com a jovem, que vinha de família mais humilde. 18 queremos miles 19 Os Blue Devils do trompetista Eddie Randle (à direita) eram a orquestra do Rhumboogie, situado no Elks Club em Saint Louis. Embora fosse o mais jovem da formação, Miles Davis (na segunda fileira à direita) tornou-se diretor musical, encarregado de organizar os ensaios. C HEGA O BOP! No início do verão de 1944, Miles, aos 18 anos, deixou pela primeira vez Saint Louis com uma orquestra de Nova Orleans, os Six Brown Cats de Adam Lambert. Ele voltou à cidade em julho, bem a tempo de presenciar a chegada da big band do cantor e trompetista Billy Eckstine, formada por astros do bebop e que tinha Dizzy Gillespie como diretor musical, Charlie Parker, Lucky Thompson, Gene Ammons e Leo Parker na seção de saxofones, Art Blakey na bateria, assim como a cantora e pianista Sarah Vaughan. No Club Plantation, reservado aos brancos, os músicos da orquestra desobedeceram aos códigos raciais e Billy Eckstine foi obrigado a levar seu grupo para o clube negro da cidade, o Riviera. Foi lá que Dizzy Gillespie reparou em Miles, que assistia aos ensaios com o estojo de trompete à mão, e propôs que substituísse Buddy Anderson, que ficara doente. O jovem tocou a parte do trompete, mas não impressionou. Quando a orquestra partiu para Chicago, Dizzy Gillespie e Charlie Parker acabaram por convencê-lo de que seu futuro estava em Nova York. Pois, se os primeiros sinais do bebop surgiram, em parte, nas grandes cidades do Meio-Oeste americano, era em Nova York que o novo estilo estava florescendo. As preocupações que acompanharam o surgimento do bop foram variadas. O contexto social influenciou bastante. A comunidade negra preparava-se para participar de um conflito armado a serviço de uma nação que pouco reconhecera sua presença como combatentes no front da Primeira Guerra Mundial. Em 1941, o líder negro Philip A. Randolph chegou a ameaçar o governo federal com uma marcha a Washington se os negros fossem afastados da nova fonte de emprego resultante do setor de armamentos. Em um clima de fortes tensões raciais que provocaram os tumultos de Detroit e do Harlem em 1943, uma nova geração negra questionava-se sobre seu destino e sua cultura. Os Reunindo os melhores do novo estilo, a orquestra do cantor Billy Eckstine (abaixo) fez uma parada em Saint Louis durante o verão de 1944. Programada inicialmente para o Club Plantation, a big band teve de passar para um outro clube, o Riviera, depois de alguns músicos terem causado uma série de incidentes destinados a provocar a direção do clube que, como demonstram as ilustrações de caráter racista dos menus, praticava a segregação. Miles Davis conheceu assim Dizzy Gillespie e Charlie Parker (ao lado, entre Lucky Thompson e Billy Eckstine), as duas figuras principais do bebop, pelos quais ele conservou uma profunda admiração da qual encontramos um eco, quatro décadas depois, no tríptico Horn Players (1983) do pintor Jean-Michel Basquiat (página da direita). 22 Ao chegar a Nova York no outono de 1944, Miles Davis manteve contato com os principais representantes do bebop, cuja virtuosidade ele admirava, especialmente trompetistas como Howard McGhee (ao lado, em 1947). Foto: William P. Gottlieb músicos negros deixaram de desempenhar o papel de fornecedores de entretenimento para os Estados Unidos brancos. Alguns aspiravam a ser considerados como criadores autênticos e desdenhavam as estantes das grandes orquestras de baile. Eles gostavam de se encontrar na madrugada, depois de seus compromissos regulares, para experimentar um novo repertório, em que as canções da Broadway eram substituídas por melodias abstratas. Suas harmonias enriquecidas por inúmeras tensões e dissonâncias convidavam os improvisadores a inventar linhas angulosas e quebradas que relançavam permanentemente os acentos polirítmicos da bateria. À virtuosidade harmônica e rítmica unia-se uma técnica instrumental surpreendente, ilustrando a rapidez dos andamentos, a extensão dos registros e o choque de sonoridades. Ao sentimentalismo dos padrões da comédia musical, o bop opunha uma música nervosa, explosiva e sem concessões. Enquanto em Nova York os Estados Unidos descobriam uma elite artística que enfim se afastava da Europa, com John Cage, Jackson Pollock e Merce Cunningham, nos clubes do Harlem e de Manhattan (especialmente na Rua 52), os boppers ofereciam à comunidade negra sua primeira avant-garde, pela qual Miles Davis desenvolveu um verdadeiro fascínio. U M BURGUÊS EM NOVA YORK. Miles desembarcou em Nova York no final de setembro de 1944, com a ajuda do pai que sustentou seus estudos na Escola Juilliard. Uma de suas primeiras preocupações foi descobrir onde poderia cavalgar. Podemos entender por que esse jovem burguês provinciano que desembarcava na boêmia do bebop novaiorquino foi de encontro muitas vezes à incompreensão do meio. Depois de passar uma semana no Hotel Claremont, recomendado pela escola, Miles mudou-se para a Rua 149, para um conjugado encontrado pelo pai, suficientemente grande para que ele pudesse alugar um piano. Com uma mesada paterna de 40 dólares por semana, ele tinha meios para se alimentar e se deslocar de táxi. queremos miles Charlie Parker logo soube como lucrar com a generosidade desse privilegiado. Em dezembro, a Sra. Davis aceitou a guarda de Cheryl, e Miles instalou-se com Irene em um apartamento na Rua 147, alugado a Bob Bell, um guitarrista de Saint Louis. Ele e sua esposa receberam o jovem casal, convidando-os ao restaurante que dirigiam, levando-os a passear de carro e aos cursos e oferecendo um emprego de caixa para Irene. Miles dedicou-lhes “Sippin’ at Bells” de 1947. Parker dividia um quarto com o baterista Stan Levey no mesmo prédio. Por gostar da comida de Irene, ele aparecia regularmente no apartamento de Miles que, no entanto, tentava manter sua companheira afastada do estilo de vida dos boppers. Após a volta de Irene a Saint Louis no verão de 1945, Miles passou a morar com Stan Levey, que não compreendia esse jovem pedante e desempregado que usava roupas de Brooks Brothers e cujos estudos, em uma escola da qual ele nunca ouvira falar, eram pagos pelo pai. Miles falou muito mal do ensino na Juilliard. Entretanto, ele obteve bom aproveitamento nos cursos individuais de William Vacchiano, trompetista da Filarmônica de Nova York que tinha entre seus alunos Mercer Ellington, filho de Duke, entre 1938 e 1950, e muito mais tarde, Wynton Marsalis. Em Saint Louis, Miles havia adquirido o hábito de encomendar partituras e métodos instrumentais ou teóricos. Em Nova York, ele emprestava partituras de Stravinsky, de Berg e de Prokofiev e, quando ia escutar música clássica, levava a partitura para seguí-la durante o concerto. Ele também olhava com desdém a falta de cultura e de curiosidade de seus colegas negros. Mas ele percebia que a música negra não recebia a consideração merecida na Juilliard e se mantinha afastado dos alunos brancos. Progressivamente, suas notas caíram. Ao final do primeiro ano de estudos, ele deveria se matricular nos cursos de recuperação de verão, mas disse ter passado os olhos no programa em um único dia (análises do Requiem de Mozart e da Kleine Kammermusik para quinteto de metais de Hindemith). No início de 1945, ele foi a Saint Louis para explicar ao pai por que não retornaria à Juilliard. 23 Durante algum tempo chamada de Swing Street, a parte oeste da Rua 52 em Manhattan concentrava, em meados dos anos 1940, os principais clubes de jazz fora do Harlem. Divididos entre tradicionais e modernos, nem todos estavam dispostos a receber os boppers, temendo que as asperezas de sua música espantassem uma clientela que ia até lá, principalmente, para se divertir, jantar e beber. Onyx, Club Down Beat, Spotlite e Three Deuces eram os mais favoráveis à novidade do bebop. Em seguida, o Royal Roost, autoproclamado “The Bopera House” (situado na esquina da Rua 47 e da Broadway), o explícito Bop City (na Rua 49) e, a partir de 1949, o Birdland, cujo nome vem do apelido de Charlie Parker (na Rua 52), foram os templos do jazz modernos nos quais Miles Davis tocava frequentemente. Miles Davis reintegrou o quinteto que Charlie Parker (ao centro) formou em 1947, depois de sair do hospital psiquiátrico de Camarillo (Califórnia) e de voltar a Nova York. O pianista Duke Jordan (de costas), o contrabaixista Tommy Potter (à esquerda) e o baterista Max Roach (encoberto) constituíam a base desse grupo que tocava no Three Deuces, na Rua 52. 27 C HARLIE PARKER COMO PADRINHO. Desde sua chegada a Nova York, Miles percorreu a cidade, do Harlem à Rua 52. Ele reencontrou Charlie Parker e Dizzy Gillespie e conheceu Coleman Hawkins que acompanhava Thelonious Monk. Ele simpatizou com seu vizinho no prédio, o trompetista Freddie Webster, dez anos mais velho que ele, com quem reencontrou a sonoridade calorosa e macia, a frase calma dos trompetistas de Saint Louis, tudo isso transposto para a linguagem do bop. Miles compartilhou com ele aquilo que aprendera na Juilliard e Freddie Webster lhe propôs substituições. A partir de março de 1945, eles frequentavam constantemente o Three Deuces para ouvir Dizzy Gillespie e Charlie Parker, anotando as progressões de acordes que ouviam. Às vezes, Miles, apavorado, juntava-se a seus ídolos no palco. Seu pouco domínio podia irritar, mas Miles não os deixou indiferentes e, em 24 de abril 1945, com recomendações de Dizzy e de Bird, ele participou de sua primeira gravação, ao lado do cantor Rubberlegs Williams. Ele dissimulou seu nervosismo por trás de uma surdina, longe do microfone, evitando os solos, e fazendo um obligato agradavelmente sonhador que anunciava algo que apenas existia em potencial, ousando com algumas semicolcheias ao estilo de Gillespie, um pouco deslocadas no contexto com mais saltos e mais evocativo do blues que prenunciava o rock and roll. Durante essa mesma primavera, ele participou dos ensaios da big band de Dizzy Gillespie, substituiu quando necessário Joe Guy com Coleman Hawkins no Down Beat, conseguiu seu primeiro emprego oficial novaiorquino com o saxofonista Eddie “Lockjaw” Davis no Spotlite. Em outubro, Charlie Parker incluiu-o em seu quinteto, que se apresentava no Three Deuces, no Spotlite, no Minton’s Playhouse e que gravou para a Savoy em 26 de novembro de 1945. Em dezembro, um grupo de astros do bebop formado em torno de Dizzy Gillespie e de Charlie Parker foi para Los Angeles. Viajando para passar o Natal em família em Saint Louis, Miles aproveitou a passagem do saxofonista alto Benny Carter para conseguir uma posição em sua big band que ia para Los Angeles. Chegando à cidade, ele se associou novamente a Charlie Parker. Com ele, Miles gravou para o selo Dial faixas que lhe valeram o primeiro lugar como trompetista na votação “Novo Astro” do jornal Esquire para o ano de 1946. No entanto, Charlie Parker mergulhou nas drogas, o que o levou ao hospital de Camarillo de julho de 1946 a fevereiro de 1947. Miles trabalhou então com o saxofonista tenor Lucky Thompson, participou de algumas primeiras experiências orquestrais de Charles Mingus e voltou finalmente para a Costa Leste no final do outono com a big band de Billy Eckstine, para conhecer Gregory, o filho com Irene que nasceu durante sua ausência. Depois da dissolução da orquestra de Billy Eckstine, em fevereiro de 1947, Miles Davis participou da big band de Dizzy Gillespie, em que tocava ao lado de Freddie Webster, Kenny Dorham e Fats Navarro, ou seja, a nata do trompete do bebop (que logo perderia Webster, uma das primeiras vítimas da epidemia de drogas que começava a atingir o mundo do bop). Quando Charlie Parker reapareceu, Miles aceitou imediatamente sua proposta de montar um quinteto, do qual se tornou diretor musical. Max Roach foi seu principal aliado diante do pianista Duke Jordan e do contrabaixista Tommy Potter, a quem eles faziam algumas ressalvas. Eles conseguiram que Bud Powell tocasse piano em uma segunda apresentação no Savoy, em 8 de maio de 1947, na qual Miles apresentou sua primeira composição, creditada por engano a Charlie Parker: “Donna Lee”. Em 14 de agosto, ele estava de novo em estúdio e, pela primeira vez, sob seu nome, sempre com Charlie Parker e Max Roach, mas desta vez com um pianista e um contrabaixista que havia escolhido: John Lewis e Nelson Boyd. Miles permaneceu até o 28 Entre os “antigos”, o saxofonista Coleman Hawkins era um dos raros a ver com bons olhos os jovens do bebop. Ele foi assim um dos primeiros a contratar Miles Davis. Aqui no Three Deuces en 1947. Foto: William P. Gottlieb Em 1947, Miles Davis (ao fundo, segundo a partir da esquerda) fez parte brevemente da seção de trompetes da big band de seu mentor Dizzy Gillespie. Aqui, no clube Down Beat em Nova York. Foto: William P. Gottlieb 30 Admitido no círculo do bebop, Miles Davis frequentava os principais representantes do estilo. Da esquerda para a direita: Charlie Parker, Miles Davis, Allen Eager e Kai Winding, no Royal Roost, em 1948. Foto: Herman Leonard O fim de 1948 no quinteto de Charlie Parker. Em dezembro, cansado dos comportamentos extravagantes do saxofonista, Miles Davis, que acabava de montar um noneto, demitiu-se. SURGIMENTO DE UM ESTILO Aos que se surpreenderam com a associação Davis-Parker depois da dupla Gillespie-Parker, a sessão de gravação em novembro de 1945 para o Savoy forneceu uma primeira resposta. Em “Thriving on a Riff” (tema tipicamente bop que foi rebatizado de “Anthropology”), era um discípulo de Dizzy, ainda inseguro, que se abrigava atrás de Charlie Parker na exposição ao usar uma surdina. Ele articulava de modo um pouco inseguro, andava em círculos e multiplicava as repetições, com dificuldade para organizar suas frases. Havia algo de dogmático no jovem bopper que, na época, mantinha “os dedos presos nas posições correspondentes às quintas diminutas”, essas dissonâncias de que tanto gostavam os boppers. Ainda mais, o efeito da embocadura Heim era perceptível e impedia que Miles obtivesse qualquer brilho no registro agudo. Ele não se aventurava além disso sem correr riscos extremos. Limitação técnica ou sinal de personalidade musical? “Por que não consigo tocar tão alto quanto você?” perguntou Miles a Dizzy. Esse último lhe teria respondido: “Porque você não ouve tão alto. Você ouve no registro médio”. Os solos de Miles Davis nos andamentos moderados dos blues “Billie’s Bounce” e “Now’s the Time” trazem um outro esclarecimento. Entre 1945 e 1948, Miles Davis participou de diversas sessões de gravação com Charlie Parker para os selos Dial e Savoy que, a partir desse material, lançaram inúmeros discos em 78 rotações, que se transformaram em itens de coleção e, para o pintor Jean-Michel Basquiat, em objetos de fascínio. Ao lado, Bird of Paradise, 1984 34 Fats Navarro, Miles Davis e Kai Winding (no Clique Club, futuro Birdland), em janeiro de 1949. Desde o fim dos anos 40, Miles Davis propôs uma alternativa reconhecida ao trompete do bebop como o haviam personificado Dizzy Gillespie ou Fats Navarro. O crítico da Down Beat via na falta de bom gosto e nos erros de harmonia do trompetista o resultado de um fascínio exagerado da nova geração pelas acrobacias técnicas de Gillespie. Por outro lado, Boris Vian escreveu em maio de 1949, em Jazz News: “Um dos maiores momentos do bop, em minha opinião, é o coro de Miles Davis em "Now’s the Time”. Se o dogmatismo evocado acima ainda era evidente, os chorus sobre os blues parecem fruto de um trabalho intenso de planejamento de onde resultam a extraordinária construção rítmica no registro 4 de “Now’s the Time” e da clareza de ideias no registro 3 de “Billie’s Bounce”. Percebemos através desses diferentes ensaios uma personalidade ambiciosa, levemente altiva, resolvida a fugir ao comum, não por uma exibição que seus meios técnicos não permitiam, mas pelo esforço que se impunha por meio de escolhas difíceis: de notas, de colocação e também da embocadura Heim. O repertório escolhido por Miles para sua primeira sessão como líder mostra até que ponto as preocupações harmônicas dos boppers ainda estão muito focadas para ele no aspecto dogmático, em uma música carregada de cromatismos, mas cuja expressão contida contrasta com a agressividade do bebop. De novembro de 1946 até o final do ano de 1948, as gravações sucessivas confirmam a dupla evolução de Miles Davis, que domina em ritmo cada vez mais rápido o idioma bebop (como “Bird Gets the Worm” de 21 de dezembro de 1947 e “Constellation” de 18 de setembro de 1948), mas com uma sonoridade e uma delicadeza nas construções melódicas e rítmicas evidenciadas pelos andamentos moderados e lentos que já prenunciam o cool jazz (também em “All the Things You Are” e em “Embraceable You” de 28 de outubro de 1947, ou ainda em “Bluebird” de 21 de dezembro de 1947). Enquanto, no estúdio, as repetições entre uma tomada e outra denunciam uma premeditação meticulosa de cada solo, os shows transmitidos em dezembro de 1948 do Royal Roost revelam uma interação incessante entre Max Roach e o trompetista. A partir daí, o interlocutor privilegiado de Miles nas suas orquestras passou a ser o baterista. queremos miles 35 out of the 37 cool INVENÇÃO E ÓDIO A SI MESMO 1948-1955 Ao final de 1947, Miles conheceu um canadense, 14 anos mais velho, que lhe pediu autorização para fazer um arranjo de “Donna Lee”. Gil Evans era um autodidata que aprendeu a escrever para orquestras ouvindo os discos 78 rotações das grandes orquestras dos anos 30 e 40. Ele fazia arranjos para a orquestra de Claude Thornhill, um músico branco com concepções muito estranhas para a época, que bania o vibrato e o brilho do registro agudo em prol de arranjos orquestrais abafados nos quais a flauta, a trompa e a tuba se uniam às seções habituais da big band (trompetes, trombones e saxofones). Miles concordou com o pedido de Gil Evans em troca da possibilidade de consultar suas partituras. E logo, o jovem trompetista começou a frequentar o quarto de Gil Evans, um subsolo que continha uma cama, uma escrivaninha, um piano e um fonógrafo em torno do qual reuniam-se dia e noite para escutar discos de Charlie Parker e de Lester Young, mas também de Igor Stravinsky, de Paul Hindemith, de Maurice Ravel ou de Alban Berg. Ao encontrar lá alguns boppers, como Max Roach, Charlie Parker e John Lewis, Miles aproveitou também para reconciliar seu interesse pela música clássica com sua adesão à vanguarda do jazz em companhia de arranjadores como George Russell. Com o saxofonista barítono Gerry Mulligan, um dos mais assíduos, Gil Evans acalentava o plano de mon- 38 Apesar de algumas apresentações no Royal Roost, onde a formação estreou em setembro de 1948, o noneto de Birth of the Cool só existia no estúdio para o selo Capitol. Ao lado, apresentação de 21 de janeiro de 1949. Foto: Popsie Randolph. tar uma orquestra experimental a fim de concretizar as ideias que surgiam em seus encontros. Foi Miles Davis quem tomou a iniciativa e organizou os ensaios em torno das partituras de Gil Evans, Gerry Mulligan, Johnny Carisi e John Lewis. N ASCIMENTO DO COOl. As nove estan- tes rompiam com a lógica das grandes orquestras do swing. As seções de trompetes, trombones e saxofones foram substituídas por vozes individuais, distribuídas entre os instrumentos e privilegiando o conjunto dos registros médio e grave (trompa, trombone, sax barítono e tuba). Quanto ao saxofone alto, Charlie Parker recusou a proposta e Gerry Mulligan convenceu Miles Davis a não substituí-lo por seu vizinho estético mais próximo, Sonny Stitt, que poderia comprometer o projeto de sair dos caminhos batidos do bebop. Foi finalmente o saxofonista branco Lee Konitz, que tocava na Claude Thornhill Orchestra, que assumiu a posição de sax alto, trazendo uma sonoridade abafada e uma articulação descontraída que contrastava com o nervosismo e a rugosidade do bebop. Quanto a Miles, ele encontrou nesse contexto o ambiente ideal para desabrochar a herança de Saint Louis da qual ele havia começado a se apropriar através da linguagem do bop. E foi também ele quem obteve para a formação um contrato de duas semanas no Royal Roost reaberto recentemente na Broadway. Sob o nome de Miles Davis Nonet, o cartaz à entrada do clube anunciava: “Arranjos de Gerry Mulligan, QUEREMOS MILES Gil Evans e John Lewis”. Foi uma revolução: na época, não era hábito anunciar os arranjadores. Mas a música do noneto escapava a todos os critérios de entretenimento e o público, acostumado a um jazz mais dançante, mostrou-se perplexo, mesmo que Miles Davis, ao desacelerar o andamento desenfreado do bop, esperasse tornar as concepções da vanguarda mais compreensíveis. Alguns músicos negros acusaram o trompetista de trair a música negra. Count Basie, que aparece no mesmo cartaz, declarou a esse respeito: “Embora estranhas, algumas coisas lentas soam bem. Eu não compreendia o que eles faziam, mas ouvi e gostei”. Inúmeros músicos foram escutar a orquestra, inclusive o arranjador Pete Rugolo que trabalhava na época para uma nova gravadora aberta em Hollywood. Em 5 de janeiro de 1949, Miles Davis assinou com a Capitol Records e o noneto logo entrou no estúdio para a primeira de três sessões. Além de suas cores orquestrais, sua expressividade em nuances, assim como o refinamento de suas harmonias e de seus contrapontos, cuja singularidade culmina em “Moondreams”, de Gil Evans, com um andamento quase suspenso, o repertório é assinalado pelas audácias estruturais de alguns arranjos que rompiam completamente com os hábitos da época: “Jeru”, de Gerry Mulligan, com passagens breves em compasso ternário; “Boplicity”, com os efeitos de extensão que desviam o ouvinte depois do solo do barítono; “Deception”, com extensões semelhantes acentuadas pelas suspensões do movimento harmônico que prenuncia o jazz modal que Miles Davis iria adotar ao final da década seguinte. Quanto ao próprio trompetista, longe das urgências do bop, mas com um alto nível de exigência em relação às preocupações harmônicas do novo jazz, ele se exprimia com um misto de desapego e interioridade, de descontração e intensidade, de naturalidade e de angularidade melódica, por meio do qual se esboça uma personalidade já muito singular. Concebido como um laboratório de compositores, o noneto tinha em seu repertório apenas um arranjo de Miles Davis, uma adaptação de “Conception” de George Shearing (ao lado), que foi gravada sob o título de “Deception” e creditada ao único trompetista. Inicialmente publicadas sob o título de Classics in Jazz pela Capitol, essas gravações foram consideradas como a “origem do cool” devido a uma reedição em 33 rotações em meados dos anos 50. (abaixo) O saxofonista alto Lee Konitz (ao centro) e o barítono Gerry Mulligan (à direita) foram duas das principais vozes do noneto de Birth of the Cool e passaram a figurar dentre os principais músicos associados ao cool jazz. cool. AQUELE BRANQUELO No verão de 1948, eu tinha 18 anos e estava em Nova York, em férias da Universidade de Miami onde minha matéria principal era a vela. Não. Na verdade, nós tínhamos conseguido uma bolsa para tocar música ambiente na cafeteria dos alunos que ficava acima de um lago artificial. Quando tocávamos como queríamos, parecíamos Stan Kenton. Assim, isso não era diferente demais da vela. Nessa época, eu tocava trombone como um garoto que desce em uma pista de slalom, com mais coragem do que elegância. A possibilidade de que eu pudesse quebrar minha cara branca nunca passou pela minha cabeça. Uma noite, eu atravessei a ponte de Triborough para ir da casa de meus pais no Queens até o Minton’s Playhouse no Harlem, onde nasceu o bebop. Estacionei na Rua 108, entrei no clube tentando manter a aparência de autoconfiança e toquei “Walkin” com o grupo de Art Blakey, que era mais conhecido como Abdullah Buhaina. Por volta das 3 horas da manhã, Miles, que estava em um canto escuro, havia se aproximado enquanto eu guardava meu instrumento; Miles parecia sempre sair de um canto sombrio. Eu fingi parecer relaxado e muito cool. Nós usávamos óculos escuros e não podíamos ser mais cool. — O que acha de um ensaio amanhã? — perguntou-me Miles. — Não é impossível... — respondi, como se não me importasse muito. — Nola, às 16 horas. — Miles tinha deixado bem claro que eu ir ou não era a menor de suas preocupações. Ao atravessar a ponte no sentido inverso, eu tinha a impressão de ser Yves Montand ao volante de seu caminhão depois de ter entregado os explosivos no filme O salário do medo. No dia seguinte, às 16 horas, em Nola, eu me encontrei com Gerry Mulligan, Max Roach, John Lewis, Lee Konitz, Junior Collins, Bill Barber e Al McKibbon para tocar arranjos de Mulligan e Gil Evans. Nosso ponto em comum era que todos nós tocávamos atrás do tempo, sem vibrato, o que nos dava esse caráter cool. Miles era... cool. Era sua primeira experiência como líder, mas ele se remetia essencialmente a Gil para dirigir o ensaio. Foi só mais tarde que ele começou a fazer-se de duro porque nessa época ele era um jovem gentil e tímido. Cerca de metade de nós éramos brancos, mas eu nunca pensei muito nisso. Isso não me parecia nem histórico nem lendário. Quem poderia imaginar que essas duas semanas com Miles em uma boate de jazz da Broadway chamada Royal Roost fariam nascer um verdadeiro estilo? E que falaríamos disso 60 anos mais tarde? No palco, eu ficava sentado bem ao lado da estante de Max Roach. Eu falhei em diversas intervenções por estar muito absorvido pela complexidade de seu modo de tocar. Na primeira semana, estávamos no mesmo cartaz que Count Basie, com Wardell Gray no saxofone. Pela primeira vez, Basie tinha um saxofonista tenor do mesmo naipe que meu herói, Lester Young. Eu estava apaixonado pela música. Ela me obcecava. Esse amor me impedia de ver com clareza. Mas, se a música era, como disse Duke Ellington, “minha amante”, nossa história de amor tornou-se tempestuosa. Eu a enganei, eu lhe menti, eu a negligenciei, eu a espanquei. Ela era exigente. Quando ela me repreeendia, eu a abandonava; quando eu a negligenciava, ela me abandonava. Eu iria trocar muitas vezes de posição durante a minha vida. Quando me lancei no jornalismo, recebi a tarefa de entrevistar Miles. A cada vez, ele me recebia com um abraço. Um dia, eu lhe perguntei porque ele havia me chamado. “Eu gostava do seu som”, respondeu ele. Foi o melhor elogio que eu já recebi. Em sua autobiografia, sua versão dos fatos combina com isso, sem que meu nome seja citado: “J. J. [Johnson] estava preso e, então nós encontramos aquele branquelo”. No fundo, foi exatamente assim que aconteceu. MIKE ZWERIN JornalistA e mÚsico, Mike Zwerin durante muito tempo escreveu uma coluna de jazz no Herald Tribune. é autor de la tristesse de St. Louis, Swing Under the Nazis (Quartet Books, 1985). Em 1949, ele participou brevemente da orquestra que originou Birth of the Cool. 42 QUEREMOS MILES 43 Embora efêmera, a história de amor entre Juliette Gréco e Miles Davis, em Paris, na primavera de 1949, marcou profundamente o músico e contribuiu para inseri-lo na lenda de SaintGermain-des-Prés. Foto: Jean-Philippe Charbonnier s UCESSO PARISIENSE. Em para- lelo a seus últimos compromissos com Parker e a sua atividade com o noneto, Miles Davis diversificava suas colaborações: ele dirigia um quinteto com Lee Konitz e a rítmica do noneto e também participava da orquestra do contrabaixista Oscar Pettiford. Em 3 janeiro de 1949, ele acompanhou no estúdio Dizzy Gillespie e Fats Navarro, participando de um time de astros reunido pela revista Metronome. Ainda existe uma gravação na qual temos dificuldade para distinguir os estilos respectivos dos três trompetistas. Além disso, Miles estava pronto para substituir Fats Navarro na big band do pianista e arranjador Tadd Dameron. Quando esse último foi convidado para formar um quinteto para participar do Festival de Jazz de Paris, ele ofereceu a Miles a posição de trompetista. Em 8 de maio, na Sala Pleyel, ele tocou um bop mais extravagante do que nunca, ousando em semicolcheias e no registro agudo, mas também fazendo ouvir sequências bem a seu estilo, especialmente nas baladas (“Don’t Blame Me”), nos momentos de calmaria e de utilização do silêncio (“Wahoo”), na dramatização das entradas do tema (“Rifftide”) e das codas (“Don’t Blame Me”, “Good Bait”, “Ladybird”) assim como os diálogos cúmplices com o baterista Kenny Clarke (“Wahoo”). 1 2 Durante essa estada de 15 dias, ele conheceu Juliette Gréco, figura do Saint-Germain-des-Prés do pós-guerra e que ainda não havia descoberto sua vocação de cantora. Ela sabia algumas palavras de inglês, ele não sabia nenhuma de francês, mas se amaram. Essa aventura passou despercebida, mas, progressivamente, integrou-se à lenda. Para Miles, sua importância deve ser recolocada no contexto parisiense, sob o signo do maravilhamento. Pela primeira vez, ele tinha a posição de astro internacional, pois sua participação no quinteto de Tadd Dameron no palco da Salle Pleyel fazia com que ele passasse por um verdadeiro líder de orquestra. Ele descobriu no público francês uma consideração pelo jazz que nunca conhecera nos Estados Unidos e que se exprimiu sob a pena de Boris Vian. Este o apresentou à intelectualidade francesa, de Jean-Paul Sartre a Pablo Picasso, e o levou para conhecer Paris, uma fascinante capital cultural para quem vinha do Novo Mundo. Nessa cidade em que a cor de sua pele (e a beleza de sua figura) provocava apenas curiosidade, atração e fascínio, ele descobriu uma liberdade que até então lhe era desconhecida. Isso possibilitou uma relação com uma mulher branca, o que, no contexto boêmio de Saint-Germain-des-Prés, não suscitava nenhuma reprovação. O deslumbramento que lhe inspirou essa mulher, que ele apelidou de “garota cigana”, lançou em uma sombra cruel seu relacionamento com Irene, que a incompatibilidade entre a vida familiar comum e o mundo da noite parecia ter desgastado. U QUEREMOS MILES m balde d’água fria. Ao triunfo parisiense sucedeu a indiferença dos Estados Unidos mergulhados na Guerra Fria e na caça aos comunistas. Em um país entrincheirado medrosamente em seus valores, pertencer à minoria negra não era um trunfo para quem procurava sair dos caminhos batidos. O público negro se afastou do bebop, por considerá-lo complicado demais, preferindo músicas mais fáceis de dançar. Os líderes das big bands que haviam feito dançar os anos 1930 dissolveram seus grupos e se voltaram a fórmulas economicamente mais viáveis a fim de enfrentar a moda das jump bands, precursoras do rock and roll. O mundo do bebop também se deixou dizimar pelo uso de drogas pesadas. Vítimas do declínio econômico e de uma segurança policial minuciosa, os clubes da Rua 52 fecharam um após o outro. Os da Avenida Central, formidável viveiro do jazz negro em Los Angeles, tiveram o mesmo destino. O único setor criativo de jazz que se manteve foi o cool jazz, música dominada pelos herdeiros brancos de Charlie Parker, mas certamente relaxada quando comparada com o nervosismo do bop novaiorquino. Os discípulos de Lennie Tristano na Costa Leste e na Costa Oeste, os músicos saídos das big bands de Woody Herman e de Stan Kenton partiram das inovações do bebop para imaginar músicas com sonoridades macias e ângulos suaves, que tomavam de empréstimo seu gosto pelo contraponto e pelo desenvolvimento orquestral à música clássica, mas cuja descontração se inspirava em Lester Young. De certo modo, Miles era um deles. Seu estilo de trompete, embora inspirado em Charlie Parker e Dizzy Gillespie, não se distinguia de seus modelos por uma descontração totalmente lesteriana? Não tinha algo em comum com Gil Evans (que não se aproveitou da era de ouro do cool jazz), Gerry Mulligan (que logo se tornou ponta de lança do cool californiano ao lado de Chet Baker) e de Lee Konitz (discípulo de Lennie Tristano, solista de Stan Kenton)? Embora exercesse uma influência determinante sobre os músicos das orquestras que floresciam na Costa Oeste, nos conjuntos de Shorty Rogers, de Dave Pell e de Marty Paich, o noneto de Miles Davis não sobreviveu nem a seu compromisso inicial no Royal Roost, nem às três sessões de gravação para o selo Capitol. Miles logo se identificou com a amargura que penetrou na comunidade dos músicos negros de jazz e não escondeu sua fúria quando as gravações do noneto foram reunidas em 1954 em um disco de 33 rotações intitulado Birth of the Cool. 3 Convidado em 1949 a participar do primeiro festival de jazz organizado em Paris depois da guerra (documento n° 1), o quinteto de Miles Davis e do pianista Tadd Dameron (n° 3, Salle Pleyel) representava o jazz moderno, em uma programação que também incluía o trompetista Hot Lips Page, o trombonista Big Chief Moore, o clarinetista Sidney Bechet e o quinteto de Charlie Parker. (n° 2, aeroporto Idlewild em Nova York antes da partida). Boris Vian, um dos primeiros defensores de Miles Davis na França, ficou feliz ao iniciá-lo ao existencialismo e de levá-lo às boates de Saint-Germain-des-Prés durante sua temporada (n° 4). Foto n° 3: Pierre Delord. 4 Além da música que interpretava, Miles Davis personificava com sua atitude o arquétipo do jazzista cool: um misto de indolência, de distância e de elegância, imortalizado em 1950 nos bastidores do Shrine Auditorium, em Los Angeles. Foto: Bob Willoughby 1 3 2 49 Depois do fracasso comercial do noneto, Miles Davis associou-se novamente aos principais representantes do bebop, como o contrabaixista Oscar Pettiford, o pianista Bud Powell (foto n°1), o vibrafonista Milt Jackson e o trombonista J.J. Johnson (n°2). D Em setembro de 1950, Miles reencontrou alguns deles e suas contrapartes da Costa Oeste em São Francisco no Bop City, enquanto esperava julgamento por posse de heroína depois de sua prisão em Los Angeles (n°3, atrás de Dizzy Gillespie ao piano). Foto: Marcel Fleiss ESCIDA AO INFERNO. No entanto, Miles Davis per- manecia marcado pela experiência orquestral que ele buscava prolongar. Ele tentou, em vão, montar uma big band com Tadd Dameron. No Birdland, que foi aberto na Broadway, ele se colocou à frente de um sexteto com o trombonista Jay Jay Johnson, os saxofonistas Stan Getz, Wardell Gray ou Sonny Rollins, com um repertório e ideias que remetiam à continuidade do noneto e que permitiram que J. J. Johnson exercesse sua criatividade. Além disso, Miles participou de um dueto com Sarah Vaughan para a Columbia, em que ele se fez ouvir em contracantos esplêndidos. Mas sua existência seguiu o fluxo em declínio do bop. Em 1947, ele voltou a morar com Irene e seus dois filhos no Queens, na Jamaica e, depois, ao lado de Saint Albans. A frequência noturna do Harlem e de Manhattan, onde é preciso se mostrar constantemente para não cair no esquecimento, o afastava cada vez mais da vida familiar. Ele se deixou atrair também pelo inferno das drogas pesadas. Suas ausências e sua atitude cada vez mais distante alarmaram Irene, que tentou em vão fazê-lo consultar um psicólogo e que avisou ao pai dele. Para ficar mais próximo de seus locais de trabalho e de abastecimento, o trompetista instalou a família em Manhattan, onde a cantora Betty Carter concordou em dividir o apartamento com eles e em cuidar das crianças, enquanto Irene trabalhava no Brooklyn Jewish Hospital. Durante o verão de 1950, Miles confiou a família à sua mãe. Esta acabara de comprar uma casa em Chicago onde Dorothy lecionava e Vernon estudava música. Foi lá que nasceu Miles IV. Em 15 de setembro, quando havia voltado à orquestra de Billy Eckstine em Los Angeles, Miles foi preso juntamente com Art Blakey e acusado de posse de heroína. Ele conseguiu convencer o tribunal de sua inocência, mas o caso foi levado a conhecimento público pela Down Beat, em um artigo sobre drogas e jazz que citava o caso de Miles Davis e de Art Blakey. Em fevereiro de 1951, Ebony retomou o assunto, em um artigo assinado por Cab Calloway intitulado “Será que a droga está matando nossos músicos?” O cantor citava, sem mencionar nomes, o caso de um jovem trompetista que havia sido preso há pouco tempo na Costa Oeste por posse de heroína. Mesmo ele tendo sido considerado como o melhor trompetista do ano pela revista Metronome, os boatos se espalharam: Miles não era mais o mesmo, Miles tinha problemas pessoais, Miles não era mais confiável. E os contratos cada vez mais raros. M ULHERES PRESTATIVAS E o bad boy. Para suprir suas necessidades, ele acabou por penhorar o trompete e passou a tocar instrumentos emprestados ou alugados, especialmente de Art Farmer. Um dia, Clark Terry encontrou-o na rua e levou-o para sua própria casa, que Miles abandonou com muita indelicadeza, levando as roupas, o rádio e o trompete do amigo, que logo foram também penhorados. Em sua autobiografia, Miles chocou seus leitores ao contar que havia sido um cafetão. No entanto, no verdadeiro sentido da palavra, ele nunca chegou a sê-lo, embora tivesse o hábito de aceitar ajuda das mulheres, prostitutas ou não, que se interessavam por ele. Parece que ele só aceitava ajuda do pai ou das mulheres. Estas sabiam socorrê-lo nos momentos críticos de sua vida. A necessidade por mulheres e a atração que exercia sobre elas revelam todo um lado de sua personalidade. Mesmo sem relatar nada de surpreendente a respeito da beleza e do poder de sedução de Miles, um de seus biógrafos, John Szwed, destacou o fato de que as mulheres com quem ele se relacionou pertenciam aos pontos extremos da sociedade. Algumas vezes, elas ocupavam posições sociais 50 Em 1953, Miles Davis viajou com Max Roach até Los Angeles onde o baterista havia sido contratado para fazer parte da orquestra do Lighthouse, ponto de encontro na Costa Oeste. Nessa ocasião, ele encontrou Chet Baker (à esquerda) que, embora se inspirasse em seu estilo, logo o ultrapassou nas pesquisas de popularidade (à direita, o trompetista Rolf Ericson). Foto: Cecil Charles ambíguas, como Juliette Gréco, representação da elite e da boemia parisienses, ou uma outra moça branca do círculo do ator George Raft, talvez uma call-girl, que veio em seu socorro na primavera de 1946, em Los Angeles, quando ele passava por dificuldades financeiras. Na primeira metade dos anos 50, por um lado, Miles ligou-se a prostitutas que buscavam sua companhia e cuidavam dele; por outro lado, ele envolvia-se com moças de boa família, em geral brancas. Em Saint Louis, ele conheceu, em 1951, a filha de um dos donos dos calçados Buster Brown. Apesar das objeções dos pais de Miles em relação a uma amizade com uma branca, em cuja casa seu filho não era admitido, a relação durou até junho de 1955. Durante esse período, ele também manteve em Nova York uma relação assídua com uma call-girl branca, Nancy, que lhe enviou dinheiro para que seu quinteto, então completamente sem rumo, retornasse de Québec. Ele também envolveu-se com Susan Garvin ( a quem comparava a Kim Novak), que o ajudou durante os anos de depressão e à qual ele dedicou sua composição “Lazy Susan” em 1954. Ele saia com Jean Bach, personalidade emergente do rádio, que ele conheceu em 1952. Em Detroit, onde passou o inverno de 1953-1954, ele se relacionava ao mesmo tempo com uma jovem designer (que fez com que ele consultasse um psiquiatra) e com uma jovem da qual abusou muito, a ponto de precisar deixar a cidade sob ameaça de um dos gângsters que controlavam o Blue Bird onde se apresentava. Devemos ver nessa dualidade o sinal de uma personalidade fragmentada — entre suas origens burguesas e a rudeza do meio musical novaiorquino, entre seu interesse pela música erudita ocidental e sua vontade de se enraizar no território do blues? O mergulho no inferno das drogas seria o preço a pagar para ser totalmente aceito pelos músicos novaiorquinos que, por algum tempo, ficaram desconcertados por seu pedantismo e seu estilo de vida? Seu uso neurótico da gíria negra americana e também sua confissão de cafetinagem não teriam sido um modo de apagar suas origens sociais ou, talvez, apenas um modo de dissimular sua timidez e sua falta de confiança? QUEREMOS MILES R ecaídas. De qualquer modo, o boxe fazia parte de seu sistema de proteção. Iniciado em 1945 pelo baterista Stan Levey, profissional antigo que o levou para as academias de treinamento, Miles conheceu Johnny Bratton, com quem começou a lutar seriamente, em Chicago em 1950. Mas quando pediu a Bobby McQuillen que orientasse sua prática, este lhe disse que não treinava drogados. A esse constrangimento, logo somou-se a pressão do pai, que nunca deixou de suprir suas necessidades financeiras, mas que, em uma noite de dezembro de 1951, foi buscar o filho no Downbeat Club, onde ele se apresentava com Jackie McLean, para obrigá-lo a se desintoxicar em sua fazenda, primeiramente, e depois em Saint Louis sob a supervisão da Sra. Davis. Entretanto, frequentando o Barrelhouse com o saxofonista Jimmy Forrest, Miles teve uma recaída e o pai fez com que fosse preso. Ao sair da prisão, o trompetista concordou em ser levado ao Federal Narcotics Hospital de Lexington, já frequentado por muitos músicos de jazz. Mas, no momento de sua internação, ele conseguiu convencer o pai de que as duas semanas passadas sem drogas haviam sido suficientes para desintoxicá-lo. Porém, ele logo teve outra recaída. Em 1953, Irene retornou a Nova York e o seguia aos clubes na esperança de obter dele ajuda financeira para os filhos. Mas o trompetista estava cada vez menos presente nos palcos. Em junho, Max Roach humilhou-o, colocando 200 dólares em seu bolso. Foi demais. Miles ligou para o pai e pediu que lhe enviasse uma passagem de trem. Depois de uma estada na fazenda da família, ele partiu para a Califórnia com Charles Mingus e Max Roach, porém, mais uma vez, precisou pedir socorro ao pai. Em novembro, ele retornou à fazenda paterna e se isolou a fim de se desintoxicar sozinho, sem ajuda externa — o que, em inglês, é chamado de cold turkey. O episódio se transformou em lenda através dos relatos que Miles fez de seu último embate contra as drogas. A realidade foi bem outra: contratado no fim de dezembro pelo Blue Bird de Detroit, ele retomou seus maus hábitos. 52 A heroína era moeda corrente entre os músicos de jazz negros e Miles Davis não escapou à sua influência. Em seus piores momentos de dependente, ele não possuía um trompete adequado e nem sempre comparecia às sessões de gravação. Ao lado, no estúdio para Blue Note, março de 1954. Foto: Francis Wolff U M NOVO INÍCIO. No meio tempo, dois acontecimentos importantes o abalaram. Ícone do cool jazz, um jovem branco chamado Chet Baker tomou o lugar de melhor trompetista do ano em 1953 e, em Detroit, ele ouviu o trompetista negro em ascensão, Clifford Brown. Em março de 1954, Miles Davis retornou a Nova York, determinado a voltar aos palcos e a mostrar a todos que iria recomeçar sobre novas bases. No entanto, o futuro permanecia incerto e, com seu trompete novamente penhorado, ele tocava com o de Art Farmer, que sempre o acompanhava a fim de ter certeza de que seu instrumento não desapareceria. Felizmente, Blue Note e Prestige logo deram a Miles a oportunidade de provar o que dizia. Não foi a primeira vez que ele gravou para as pequenas gravadoras dedicadas ao jazz. Em 17 de janeiro de 1951, ele passou de uma sessão com o quinteto de Charlie Parker para Verve a uma sessão sob seu nome em sexteto (com Jay Jay Johnson, Sonny Rollins, John Lewis, Percy Heath e Roy Haynes) para Prestige, selo com o qual assinou um contrato de um ano. Alguns belos ecos do noneto se destacam em seu solo em “Down”, prenunciando seu renascimento em 1954, mas também muitos sinais de fadiga que caracterizariam suas gravações nos três anos seguintes. QUEREMOS MILES Destacamos sua breve contribuição em “Yesterdays” dirigida por Lee Konitz (Prestige, 8 de março de 1951) e a longa série de chorus sobre “Bluing” (Prestige, 5 de outubro de 1951) tirando partido dos LPs, cuja invenção recente permitia gravações de longa duração. “Yesterdays” e “Dear Old Stockholm” (Blue Note, 9 de maio de 1952) constituíram igualmente marcos importantes, bem como “Kelo” de Jay Jay Johnson, que contribuiu para a evolução da herança do noneto em direção de uma expressão mais dinâmica (Blue Note, 20 de abril de 1953). Enfim, em 19 de maio de 1953, para Prestige, “Tune Up” e “When Lights Are Low” fizeram soar um estilo cheio de segurança que anunciava os anos que viriam. Por outro lado, esquecemos a sessão para Prestige, realizada em 30 de janeiro de 1953 com Charlie Parker no saxofone tenor, que ilustra bem demais a decadência do trompetista e do meio do bebop. Assim, em 6 de março de 1954, Miles retornou em quarteto aos estúdios para Blue Note. Como nas sessões anteriores, Percy Heath tinha um contrabaixo que respondia às exigências desse jazz moderno que logo se distinguiu do primeiro bebop com o nome de hard bop. Os dois líderes que surgiriam nesse novo gênero, Art Blakey e Horace Silver, ocupavam respectivamente a bateria e o piano. A respeito do segundo, Miles declarou: “Eu gostava de seu modo de tocar, desse lado funky. Ele arrebentava atrás de mim e, com Art na bateria, não era possível amolecer; era preciso tocar do mesmo modo”. Horace e Miles moravam no Hotel Arlington, e o trompetista ia muitas vezes ao quarto de seu novo colega para usar seu piano de armário e discutir suas ideias: “Eu o fiz tocar como Monk”. Quanto de verdade existe nessa afirmação de Miles? É incontestável que o Horace Silver desses anos foi muito marcado por Thelonious Monk e que, por outro lado, Miles Davis, a partir dessa época, não deixou de especificar a seus pianistas os acordes, as inversões e as progressões que queria ouvir (como confirmam as fotos tiradas nos ensaios). Esse fato inspirou Jackie McLean a cunhar a expressão “Universidade Miles Davis”. NO ESTÚDIO COM miles davis No início de 1951, Miles voltou de Detroit. Então, eu trabalhava para a gravadora Prestige. Eu estava de serviço nos estúdios Apex em 17 de janeiro, no dia em que Miles gravou sua primeira sessão para o selo (publicada em Miles Davis and Horns). Na verdade, eu até tinha dado título a dois dos temas gravados naquela noite. Em 17 de dezembro de 1951, a noite de meu vigésimo terceiro aniversário, me tornei produtor para a Prestige. Mas não trabalhei com Miles até 1953. Ele não havia gravado para a Prestige desde outubro de 1951. Essa sessão de 30 de janeiro se anunciava especial, pois Charlie Parker faria parte do sexteto de Miles e não tocaria o saxofone alto, mas o tenor, pois tinha contrato de exclusividade com Norman Granz. Prestige raramente organizava ensaios: os grupos que gravavam eram, em geral, já existentes, nos quais os músicos tocavam juntos em clubes e cujo repertório conheciam. Essa sessão, contrariamente ao costume, deveria incluir duas novas partituras, escritas para os três instrumentos de sopro: assim, eu havia organizado um ensaio uma semana antes, para o qual havia alugado um saxofone tenor para Bird. Ele foi o único a comparecer... Era preciso decifrar essas peças no tempo de estúdio. A sessão deveria começar às 14 horas. Bird pediu gim. Eu havia comprado uma garrafa de Gordon e uma dúzia de cervejas para serem divididas entre os seis músicos e eu. Miles, em pleno período de uso de drogas, estava atrasado. Bird, que tentava não tocar em heroína, aproveitou o atraso de Miles para tomar duas doses generosas de Gordon, quase esvaziando a garrafa. Ele tirou dois cochilos, mas passou a maior parte do tempo aquecendo-se no tenor que, às vezes, soava como um barítono. Finalmente, Miles chegou. O engenheiro com quem eu costumava trabalhar nos estúdios WOR, Doug Hawkins, não estava disponível naquele dia e eu só havia trabalhado uma vez com Bob Lee, que o substituía. O conjunto precisou de um certo tempo para se familiarizar com os arranjos e, quando nós finalmente começamos a gravar as fitas, as interrupções se multiplicaram, certamente devido aos guinchos de Miles. O relógio corria e não havia progresso. Não me lembro exatamente o que me motivou, mas provavelmente pensei que, se provocasse Miles, poderia obter uma descarga de energia. Sai da cabine de controle e lhe disse: “Miles, você não está tocando nada!” A reação não se fez esperar. Miles foi em direção ao estojo para guardar o trompete, dizendo bem alto: “Esse cara acha que eu não toco nada!” Vi meu trabalho sair pela mesma porta que Miles. Em sua autobiografia, ele afirmou que foi Bird quem o convenceu a ficar. Na verdade, fui eu. Pedi desculpas: “Não era isso realmente o que eu queria dizer. Só queria dizer algo para incentivar você a se envolver realmente”. Sabia que não tínhamos gravado o suficiente e que não havia outros arranjos para ensaiar. Eles tinham ensaiado “Well You Needn’t”, de Monk, mas deixamos essa música de lado depois de várias tentativas infrutíferas. Tentava pensar o mais rápido possível quando, às 17 horas, Bob Lee anunciou que teria de ir embora. O engenheiro de som que continuou o trabalho informou que o estúdio fecharia às 18 horas. Eu não podia acreditar em meus ouvidos. Habitualmente, se quiséssemos ficar mais tempo do que previsto (três horas), pagávamos um extra. Tive a ideia de tocar “Round Midnight”: o andamento lento nos daria um período longo. Bird e Miles se entrelaçaram na exposição da melodia, no início e no final do tema. Sonny Rollins fez as duas ligações. Depois do coro de Bird, Miles fez um solo que, conforme o costume, desembocou no final escrito por Dizzy Gillespie, que fazia parte integrante desse clássico de Monk. Essa interpretação é carregada com uma beleza dolorosa que fala muito a respeito dessa tarde. A gravação terminou exatamente no instante em que o ponteiro marcava 18 horas. Na esteira das atribulações e do triunfo desse 30 de janeiro, veio a sessão de 19 de fevereiro. Como Weinstock (dono da Prestige) queria algo que saísse do comum, ele pediu que John Lewis e Al Cohn escrevessem duas composições cada um para uma formação dirigida por Foto: Esmond Edwards. Miles e que incluía Lewis, Cohn e Zoot Sims. Depois de dois ensaios, Lewis não estava satisfeito com o modo em que suas partituras estavam sendo interpretadas. Sugeriu que Cohn incluísse duas outras composições no lugar delas. O trompetista Jerry Lloyd (Jerry Hurwitz era seu nome verdadeiro) estava naquele dia nos estúdios Beltone, no centro de Manhattan, talvez para servir de reserva para Miles. Fiel a seus hábitos dos anos de drogado, Miles estava atrasado. Quando ele apareceu, eu havia decidido fazer um disco Cohn-Sims no qual Lloyd tivesse ao menos um solo. Miles parecia preferir o trompete de Lloyd ao que tinha consigo e perguntou se Jerry aceitaria emprestá-lo para a gravação, mas Jerry já estava saindo, depois de receber o pagamento pela gravação. Miles foi o único solista em “Tasty Pudding”, capturando a essência dessa bela queixa, encontrando uma ligação com ela e sustentando seu clima de um modo muito pessoal. Em “Willie the Wailer” ficou evidente que seus lábios não estavam em sua melhor forma quando ele não quis encadear dois chorus. Sugeri que Al e Miles se alternassem em quatro chorus, o que funcionou bem. Em seu livro, Miles revelou que Zoot e ele se empenharam durante essa gravação, mas nenhum dos dois deixou que isso transparecesse. Miles só tinha elogios a fazer às composições e aos arranjos de Al. Em 19 de maio, voltamos à WOR. Essa sessão foi a antítese da realizada em 30 de janeiro. Doug Hawkins havia retomado os comandos e tudo que ameaçava dar errado foi imediatamente realinhado pelo que nos parecia ser uma feliz coincidência. A seção rítmica desse quarteto dirigido por Miles Davis era constituída por três quartos do Modern Jazz Quartet: John Lewis, Percy Heath e Kenny Clarke. Todos chegaram na hora, com exceção de “Klook”, como era apelidado Kenny, que costumava ser confiável. Eu não consegui contatá-lo e nunca soube por que ele não apareceu. No momento em que a situação parecia desesperadora, Max Roach atravessou a porta. Pura sorte! Ele estava visitando alguém em um dos muitos estúdios dessa grande estação de rádio e talvez tenha visto o nome de Miles escrito no quadro de planejamento do dia. Miles sugeriu que aproveitássemos o tempo que ele levaria para buscar sua bateria para irmos ao bar mais próximo. Era um esplêndido dia de primavera e ao chegar a nosso destino, Miles me apresentou ao gim boilermaker, que preparamos com uma dose de gim em uma caneca de cerveja. Nós tomamos dois cada um, o que, sem nos embriagar, nos deixou bastante alegres. Não foi preciso mais de uma tomada para colocar cada uma das quatro faixas na gravação. Quando John Lewis precisou partir por causa de um compromisso (o tempo previsto fora ultrapassado por causa do atraso inicial), aconteceu de Mingus estar no estúdio, pois Miles iria gravar “Smooch”, de Mingus. Foi assim que o compositor pode sentar-se ao piano... A última vez em que vi Miles aconteceu por acaso, no final dos anos 80, quando ele fora visitar alguém que morava no mesmo prédio que eu. Nós nos abraçamos e ele me disse: “Como você vai, meu velho?” Ira Gitler Ex-redator chefe da revista Down Beat, Ira Gitler escreve a respeito de jazz desde 1951. No início dos anos 1950, ele supervisionava as sessões de gravação para o selo Prestige, dentre as quais algumas dirigidas por Miles Davis. 56 QUEREMOS MILES 57 Os discos que Miles Davis gravou no início dos anos 50 o associam aos principais representantes do hard bop. Dentre eles, o saxofonista Jackie McLean e o trombonista J. J. Johnson (página da esquerda, maio de 1952), os irmãos Jimmy e Percy Heath, saxofonista e contrabaixista (à esquerda; à direita, o pianista Gil Coggins, abril de 1953). Fotos: Francis Wolff. 58 QUEREMOS MILES 59 O pianista mais emblemático do hard bop, artesão de um retorno às influências do gospel e com um estilo verdadeiramente funky, Horace Silver gravou várias vezes com Miles Davis em 1954, para Prestige e para Blue Note (ao lado, sessão de 6 de março de 1954). Os dois chegaram a fazer algumas apresentações juntos (abaixo). Foto: Francis Wolff. à BEIRA DA RENOVAÇÃO NEGRA. Em 15 de março, depois de Miles ter assinado um contrato de três anos com Prestige, o mesmo quarteto gravou uma verdadeira obra-prima intitulada “Blue Haze” (névoa azul), cujo clima dramático, e até de angústia, foi obtido apagando-se as luzes do estúdio, depois de várias tentativas terem falhado. Em 3 de abril, Miles substituiu Kenny Clarke com Art Blakey, cujas varreduras apreciava, pois queria utilizar a surdina (uma surdina-copo e não a surdina Harmon, de som áspero, com a qual ele veio a se habituar depois). Para Prestige, ele gravou notadamente “Solar”, obraprima de improvisação temática (a partir de variações sobre temas melódicos que dão origem uns aos outros). Mas a sessão principal do mês de abril foi a do dia 29, em sexteto, com a mesma rítmica, o trombone de J. J. Johnson e o sax tenor de Lucky Thompson, com quem ele havia morado em Los Angeles em 1946. Porém, nesse dia, ao chegar ao estúdio, Miles confessou que não tinha um trompete e foi com um instrumento em mal estado, que pertencia a um funcionário da Prestige, que ele gravou “Blue’n’Boogie” e “Walkin’”. “Eu queria levar a música para o fogo, para as improvisações do bebop, para o que Diz e Bird haviam iniciado. Mas eu também queria levar a música adiante, para um blues mais funky, para aquilo que Horace nos conduziria.” Do mesmo modo como “Blue Haze” remete ao clima sombrio e deprimido do blues primitivo, “Walkin’” retoma os fundamentos da cultura negra, mas superpõe à forma do blues uma atmosfera mais positiva que evoca o gospel e essa dimensão mais churchy que foi uma constante do hard bop. Funky, churchy, hard bop: esses foram os novos nomes dados ao novo bop. Um bop duro! Uma música profundamente negra, considerada uma reação ao cool. Não há muito engano nisso, já que o hard bop foi uma reação ao próprio bop, a suas acrobacias harmônicas, a suas melodias impossíveis de cantar e a seus ritmos impossíveis de dançar que fizeram fugir o público popular e, em especial, o público negro, para o rhythm and blues. A invenção do LP é acompanhada pela generalização do uso da capa do disco, o que dá lugar a uma criatividade gráfica sem igual. Muitas vezes, os selos independentes deixam o campo livre para os artistas gráficos que encontram no quadrado da capa dos LPs de 33 rotações um espaço de experimentação. Entre 1951 e 1956, Miles Davis gravou muitos discos, essencialmente para o selo Prestige, mas também para Blue Note e Debut (fundado por Charles Mingus), dando origem a álbuns que são tão famosos por sua capa quanto pela música que contêm. 62 Miles Davis tinha ideias precisas sobre o tipo de acompanhamento que deseja ouvir por trás de seus solos e não hesitava a demonstrar isso ao piano, como na foto ao lado, em que toca para o contrabaixista Oscar Pettiford e o pianiste Gil Coggins, durante uma gravação em 9 de maio de 1952 para Blue Note. Foto: Francis Wolff. A geração de Clifford Brown aprendeu a negociar as harmonias do bop com uma facilidade que tornou suas melodias, mesmo as mais loucas, novamente acessíveis. O foco se deslocou e a complexidade harmônica não era mais um motor necessário para a inventividade. Antes de preparar o jazz modal que Miles veio a adotar no final da década, o hard bop retomou as raízes da música negra, com o blues e o gospel. Ele se tornou funky, conforme uma gíria afro-americana que significa “fedorento”, em relação aos odores corporais. Dito de outro modo, o hard bop se apresentava como se usasse uma lingerie harmônica mínima, sem cosméticos, suando abundantemente no transe desses ritmos bamboleantes nos quais se confundem a mensagem sensual do rhythm and blues e a dimensão sagrada do gospel. Em “Walkin’”, de Miles, esse tempo pesado e inexorável marcado pela bateria, esse contrabaixo dançante, esse hino melódico recuperavam o apelo solene e triunfante do despertar da comunidade negra que o soul e o jazz de então lançavam em uníssono, respectivamente pela voz de Ray Charles e dos Jazz Messengers fundado por Art Blakey e Horace Silver. Com o fim dos anos sombrios do macartismo, eles anunciavam o vislumbre da luta pelos direitos civis dos negros, concretizada no ano seguinte pelo boicote dos ônibus de Montgomery, iniciado por Rosa Parks e apoiado por Martin Luther King. As coisas nunca são simples e nem todo o hard bop era funky ou churchy. Muitos músicos considerados como parte do hard bop permaneceram fiéis ao espírito inovador do bop inicial. Miles Davis, em especial, manteve-se à distância. A cada nova etapa da história do jazz que parece iniciar (cool jazz, hard bop, modal, jazz-rock), ele se mantinha à margem da agitação. Nesse momento, ele continuou sua busca, enquanto os membros de sua rítmica participavam de outros projetos: Horace Silver e Art Blakey em Jazz Messengers, Percy Heath e Kenny Clarke no Modern Jazz Quartet. Ele se associou a Philly Joe Jones com quem tocou de cidade em cidade, com o baterista conquistando seu lugar como músico para o trompetista. De 14 de agosto a 2 de outubro, este último retornou ao Blue Bird de Detroit. QUEREMOS MILES Ali, a heroína era de qualidade tão ruim que, durante essa temporada, Miles conseguiu por fim livrar-se da dependência. Entretanto, ele continuou a ser um consumidor regular de cocaína. O S SILÊNCIOS DE MONK. Em 24 de dezembro de 1954, o dono da Prestige, Bob Weinstock, reuniu ao redor de Miles Davis um grupo de astros formado por Milt Jackson, Percy Heath e Kenny Clarke (ou seja, três dos quatro membros do Modern Jazz Quartet) e também por Thelonious Monk. Desde sua chegada ao estúdio, Miles demonstrou sua insatisfação por ter de tocar com Monk. Ele não demorou a pedir ao pianista que não tocasse durante seus solos. Por que ele se comportou assim? Desde as sessões de gravação dirigidas por Charlie Parker, que sempre se desenrolavam em um ambiente caótico, teria ele se acostumado ao clima tenso que provocava no estúdio ao longo de sua carreira, incitando o mal-estar e deixando os músicos literalmente fora de si com comentários humilhantes ou enigmáticos? Para dizer a verdade, os acompanhamentos de Monk eram tão imprevisíveis que até 1954 ele não havia ainda encontrado parceiros à sua altura. A maioria dos músicos o considerava impraticável. Por outro lado, Miles tinha o hábito de mostrar aos pianistas o que desejava deles. Bom, sabemos que ele era tímido e também um grande admirador de Monk. Como em tantas outras vezes, Miles, fragilizado, adotou a única defesa que conhecia: a agressividade. Daí resultou uma das sessões mais lendárias da história do jazz e o episódio do famoso “vazio” de Monk, durante o qual o pianista se calou depois de se perder com as discrepâncias rítmicas sobre o tema de “The Man I Love”. Foi preciso que Miles interviesse e lhe indicasse com o som do trompete em qual ponto do trecho se encontrava para que o pianista pudesse continuar. Mas com uma interjeição insistente, Miles lhe mostrou que a brincadeira havia acabado. A história foi recontada inúmeras vezes e suscitou as interpretações mais variadas. Não se pode esquecer de 63 65 Em 17 de julho de 1955, o aparecimento de Miles Davis no festival de Newport (ao lado, entre Percy Heath e Gerry Mulligan) causou sensação e convenceu o produtor George Avakian a contratar o músico para a Columbia. Foto: Herman Leonard. observar o essencial que se encontra na exposição de Miles e em seu coro de improviso: a maturidade do trompetista, o esplendor de sua sonoridade (que se expressa com o instrumento aberto ou fechado pela surdina Harmon), a naturalidade de sua expressão melódica que, daí em diante, estava totalmente liberta do dogmatismo da harmonia do bop, seu sentido de espaço, do silêncio, do mistério e do drama. Em um primeiro momento, porém, uma outra faixa foi publicada, “Bags’ Groove”, com um solo de Thelonious Monk sobre um blues cuja abstração foi igualmente comentada. U M GRANDE CONTRATO. Embora Miles Davis estivesse recuperando a confiança dos especialistas (ele assumiu, juntamente com Dizzy Gillespie, o primeiro lugar na votação dos críticos da Down Beat em 1955), sua situação financeira continuava precária. No início de 1955, ele foi preso, depois das providências tomadas por Irene para conseguir pensão alimentícia. Foi na prisão que ele soube da morte de Charlie Parker, que lhe foi comunicada pelo advogado Harold Lovett. Este conseguiu libertar Miles depois de três dias e se tornou, ao mesmo tempo, seu empresário e seu homem de confiança. Ele chegou a convencer Charles Mingus e Max Roach a ajudar Miles, convidando-o para gravar para seu selo, Debut. O contrabaixista convocou, portanto, o trombonista Britt Woodman, o vibrafonista Teddy Charles e também o baterista Elvin Jones, no dia 9 de julho, para uma sessão com arranjos do próprio Mingus e de Teddy Charles, antigo aluno da Juilliard. O disco resultante, Blue Moods, foi indicado pelo Livro do Ano de 1957 de Metronome como um dos melhores discos lançados em 1956. Um pouco esquecido atualmente, ele testemunha as relações tumultuosas entre Charles Mingus e Miles Davis. Durante uma entrevista dada a Nat Hentoff para Down Beat, em novembro de 1955, Miles passou uma grande parte do jazz contemporâneo pelo crivo de suas críticas, desqualificou o disco que havia acabado de gravar para a Debut e considerou deprimentes os arranjos de Teo Macero e de Mingus. Este último conservou uma profunda amargura e deu sua resposta por meio de uma carta aberta que se tornou famosa. Antigo aluno da escola Julliard e colaborador assíduo de Mingus, Teo Macero, a quem Miles igualmente questiona, viria a ter ao longo dos anos um papel fundamental na carreira de Miles como produtor. Por sua vez, ele faria com que um outro personagem entrasse em cena, George Avakian, diretor artístico da Columbia. Fundada em 1888, a marca Columbia Records foi uma das três empresas que controlavam o mercado de discos até o aparecimento de numerosas gravadoras pequenas no fim da década de10. Estas foram pioneiras no domínio das gravações de jazz, mas a Columbia, que não tardaria em se interessar pelo sucesso dos “race records”, destinado ao público negro, tomou o controle da maioria destas gravadoras independentes. Depois dos anos de crise, em que a Columbia constantemente mudou de dono, na década de 40, a empresa divide com a RCA e a MCA a maior parte do patrimônio gravado do jazz clássico. Em 1948, ela produz o primeiro long play (LP), que permite uma duração superior a 78 sulcos graças à velocidade de 33 rotações por segundo e de uma impressão mais refinada (o microgroove, ou microsillon, foi permitido pelo recurso do ploricloruro de vinil). São as gravadoras independentes que testemunham o aparecimento e o desenvolvimento do bebop. Até1955, a obra de Miles Davis se limita ainda aos catálogos das pequenas gravadoras: Savoy, Dial, Capitol, Prestige e Blue Note. Mas a partir da década de 50, o novo chefe do departamento de música popular de Columbia implementou uma política dinâmica de contratação de artistas do jazz: Dave Brubreck em 1953, Louis Armstrong em 1955, Duke Ellington em 1956, Charles Mingus em 1959, Thelonious Monk em 1962. No dia 17 de julho de 1955, Avakian assiste a apresentação de Miles Davis no festival de Newport em meio a um grupo de estrelas formado por Gerry Mulligan, Zoot Sims, Thelonius Monk e o conjunto rítmico do Modern Jazz Quartet. Sua interpretação de “Round Midnight” causou sensação, para grande perplexidade do próprio Miles Davis, que não se lembrava de ter tocado de forma diferente da habitual. Isso não impediu que, dois dias mais tarde, em 19 de julho, Miles Davis, Harold Lovett e George Avakian almoçassem juntos. O resultado foi um contrato com a mais poderosa gravadora de jazz do momento, um pagamento adiantado de dois mil dólares e a aquisição de um agente, Jack Whittemore. Foto: Carole Reiff. 67 miles ahead em estÚdio pAra a columbia 1955-1959 Quando Miles Davis assinou com a Columbia no verão de 1955, ele ainda estava sob contrato com a Prestige por dois anos. Ele também convenceu Bob Weinstock, fundador da Prestige, do interesse em liberá-lo para a Columbia: o apoio promocional que acompanharia o lançamento dos primeiros discos da Columbia beneficiaria certamente os gravados pela Prestige. Assim, houve um acordo entre as duas gravadoras: a Columbia poderia começar a gravar com Miles, mas só lançaria os discos após o término do contrato em março de 1957. Nesse meio-tempo, a Prestige podia continuar a gravar com o trompetista. Em 7 junho de 1955, Miles já havia dado ao selo de Bob Weinstock uma nova gravação com Red Garland, Oscar Pettiford e Philly Joe Jones, lançada sob o título The Musings of Miles. Não foi a primeira vez que Miles Davis gravou com Oscar Pettiford, que foi o primeiro verdadeiro contrabaixista bop e continuou a ser um dos mais importantes. O interesse que lhe foi dedicado, no momento em que Miles acabara de perder o apoio de Percy Heath, demonstrava a exigência do trompetista na escolha de seus contrabaixistas: ele sempre teria os melhores. Na verdade, ele sempre teria as melhores rítmicas, rodeando-se de contrabaixistas que demonstravam uma grande desenvoltura em relação à profundidade do som, à colocação rítmica e à qualidade de expressão harmônica, além de bateristas que sabiam manifestar uma grande cumplicidade com o solista. O grupo que Miles Davis formou com o saxofonista tenor John Coltrane, o pianista Red Garland (abaixo), o contrabaixista Paul Chambers (à esquerda) e o baterista Philly Joe Jones entrou para a história sob o nome de “Premier Quintette”. Ele se tornou um sexteto a partir de 1958 com a entrada do saxofonista alto Cannonball Adderley (página da direita, entre Miles Davis e John Coltrane). Fotos: Dennis Stock E M BUSCA DA BOA RÍTMICA. O espaço e o silêncio que estão no cerne dos solos de Miles participam, na verdade, de uma polirritmia que exige um diálogo constante com o baterista. Deve-se ver aqui a herança de Charlie Parker. Em 1954, o compositor e musicólogo André Hodeir, em sua obra Hommes et problèmes du jazz, analisou o papel do saxofonista sob esse ponto de vista: “Tocando um instrumento monódico, Parker apenas podia sugerir esse aspecto de seu pensamento [polirrítmico]; sua acentuação se esforça para isso. A tarefa de realizar isso de forma mais completa cabia a seus parceiros. “Foi introduzindo o silêncio, que os músicos de jazz chamavam de ‘espaço’, ventilando suas frases, que Charlie Parker permitiu que seu baterista “desenvolvesse com toda liberdade seu contraponto rítmico”. Em outras palavras, Max Roach não se contentava em acompanhar Parker, mas se integrava a uma arquitetura polirrítmica complexa. Prova disso foi a surpreendente cumplicidade entre Max Roach e Miles Davis durante as apresentações do quinteto de Charlie Parker no Royal Roost no outono de 1948. Miles o resume a seu modo elíptico: “Quando fazemos pausas, é para permitir que a bateria se expresse completamente”. Desse modo, a escolha de Philly Joe Jones não foi por acaso. Figura de primeiro plano dentre os grandes continuadores da revolução bop realizada por Kenny Clarke nos anos 1940, ele acentuava a independência dos diferentes elementos da bateria. Além disso, sua concepção do andamento estava em plena sintonia com a de Miles. O que o fez dizer sobre o baterista: “Eu não podia perdê-lo jamais e ele nunca me perdia. Eu sempre sabia onde ele estava e ele sempre sabia onde eu estava”. Quanto a Red Garland, sua escolha veio do interesse que Miles tinha em relação à música de Ahmad Jamal. Ele ouviu este último pela primeira vez em 1953, ao telefone, enquanto sua irmã telefonava da cabine do Persian Lounge QUEREMOS MILES de Chicago onde o pianista se apresentava com seu trio. Não se tratava ainda do famoso trio de 1958 com o baterista Vernell Fournier, mas de uma associação piano-guitarra-contrabaixo do tipo daquele que Nat King Cole havia tornado moda no início dos anos 40. Miles logo se interessou pelo pianista, “por sua concepção do espaço, pela leveza de seu toque, por sua discrição, seu modo de frasear as notas, acordes e traços”. Alguns elementos próprios à música de Ahmad Jamal iriam se tornar preocupações permanentes para Miles. Em primeiro lugar, a característica de seus acordes e de suas inversões vai no sentido de uma simplificação da harmonia segundo uma arte do subentendido e da ambiguidade que se impunham então no jazz e da qual Miles foi um dos expoentes. A concepção de orquestra que distingue Ahmad Jamal é polirrítmica, a ponto de questionar o jazz como uma simples sucessão de chorus acompanhados, a favor de uma instalação coletiva do groove, de um clima rítmico, de uma progressão dramática e de um senso de suspenso que deixam o público sem fôlego. Pode-se dizer que Jamal toca mais o trio do que simplesmente o piano. A partir de 1955, as instruções do trompetista a seu novo pianista, Red Garland, foram nesse sentido. Por sua vez, Red Garland contribuiu com suas sugestões para enriquecer o repertório de Miles, além dos empréstimos tomados diretamente ao trio de Jamal. Alguns usos são retomados deste, como o toque em dois tempos (o baixo tocando apenas os tempos fortes, como fez Paul Chambers na exposição de “If I Were a Bell” e de “All of You”) ou o rimshot, golpe seco sobre o círculo metálico da caixa clara, com o qual Philly Joe Jones gostava de destacar o quarto tempo do compasso e que ele disse ter aprendido com o guitarrista do trio de Jamal, Ray Crawford (ele dá um exemplo durante o solo de Red Garland em “If I Were a Bell”, do álbum Relaxin). No final do verão de 1955, o jovem contrabaixista Paul Chambers substituiu Percy Heath. Como esse último, ele aprimorou a postura da mão esquerda na corda, o que prolonga a duração da nota. Ele valoriza assim o teor melódico do walking bass, o que nele é uma conduta excepcional, e apresenta uma virtuosidade inédita nos solos (nos quais ele chegava mesmo a usar o arco) e igualmente um modo de ornamentar ou mesmo transgredir a walking bass. Ou seja, a plenitude de sua sonoridade amplia a qualidade de seu andamento, em perfeita conivência com seus parceiros do novo quinteto. J ohn Coltrane, O CUBISTA. Para tentar se desintoxicar, Sonny Rollins se afastou do cenário novaiorquino. Miles Davis voltou-se então para o saxofonista alto Cannonball Adderley que causou sensação como sucessor incontestável de Charlie Parker, mas ele estava retido na Flórida, onde ensinava. Depois de um ensaio sem continuidade em Chicago com o tenor John Gilmore, Philly Joe Jones apresentou John Coltrane a Miles. Este o havia visto tocar com Sonny Rollins com muita convicção por volta de março de 1951, durante uma jam session que ficou na memória. Depois de esperarem em vão o retorno de Sonny Rollins, Miles fez com que Coltrane viesse de Baltimore para um contrato que começou em 27 de setembro de 1955. Logo, os clubes novaiorquinos — Birdland, Café Bohemia, Basin Street — começaram a disputar o quinteto e, em 26 de outubro, este gravou as quatro primeiras faixas para a Columbia. No entanto, John Coltrane não tinha unanimidade. Sua participação no quinteto de Miles foi a ocasião para um verdadeiro nascimento para No Café Bohemia, em Nova York, em 1956, Marvin Koner imortalizou uma soberba foto vermelha — que se encontra na capa do primeiro disco de Miles Davis para a Columbia, ‘Round About Midnight — a arrogância do músico que se escondia cada vez mais frequentemente atrás de óculos escuros. À direita, no alto, no palco com o loquaz Cannonball Adderley; embaixo, com o taciturno John Coltrane. Fotos: Marvin Koner; Carole Reiff (no alto, à direita) Também conhecido com o nome de The New Miles Davis Quintet, o álbum Miles, da Prestige, marcou a estreia em disco do primeiro quinteto, grupo que brilhou em ‘Round About Midnight, o primeiro álbum de Miles Davis para a Columbia. esse músico que multiplicou as ocasiões de enriquecer seu vocabulário, mas que até então havia vegetado nas orquestras de rhythm and blues. Durante o ano seguinte, nós o vimos alçar voo e desenvolver uma linguagem de intensidade desconcertante. O crítico Ira Gitler falava de “camadas de som” para designar esse novo estilo de improvisação. Coltrane lançou-se na harmonia bebop multiplicando as proposições e os ângulos para revelar as ambivalências, como os pintores cubistas que buscavam reproduzir um objeto ao observá-lo de todos os lados ao mesmo tempo. Em um primeiro momento, a energia não fluiu entre Coltrane e Davis. Embora tivesse visões claras em sua mente, o trompetista não tinha facilidade para formular o que desejava e ficou desconcertado com esse homem sério que não parava de lhe fazer perguntas e diante do qual ele não dissimulava sua irritação. No entanto, ele percebeu confusamente esse potencial que ajudou a desabrochar: “Eu lhe mostrei muita coisa [...]. Eu lhe dizia: “Veja os acordes, mas não os toque sempre dessa maneira, entende? Você os ataca ao meio e pode tocá-los em terças... Você tem 18 ou 19 coisas diferentes para tocar em dois compassos”. [...] Trane era o único músico capaz de tocar os acordes que eu lhe mostrava sem que eles parecessem acordes”. O QUEREMOS MILES QUINTETO EM ESTÚDIO. Depois de uma gravação para a Columbia, veio a vez da Prestige receber o novo quinteto em 16 de novembro. Dessa gravação resultou o álbum The New Miles Davis Quintet. Trata-se de uma música sem ornamentos, sem arranjos especiais para os dois instrumentos de sopro, na qual Miles faz a maior parte das exposições, sendo que a interpretação da melodia foi sua única contribuição em “There Is no Greater Love”. Esse modo de agir, que passou a ser frequente na música de Miles, demonstrou o interesse do trompetista pelas músicas e por seus intérpretes, o que testemunhou em especial muita admiração por Frank Sinatra (que, conforme ele mesmo disse, influenciou seu fraseado) e por Blossom Dearie (que o impressionava pelo modo de exigir silêncio de seus ouvintes). Em 1961, Miles insistiu em que Shirley Horn partilhasse o cartaz do Village Vanguard com ele. A partir dos anos 50, a canção passou a ocupar um lugar especial no repertório de Miles. Ele interpretava as baladas com a surdina Harmon mais fechada para trompete, que aproximava ao máximo do microfone para obter um timbre afabafado, rouco, anasalado, muito próximo do timbre de sua voz após uma cirurgia de pólipos da laringe em outubro de 1955 e não distante do timbre de voz de Billie Holiday. Um de seus biógrafos, Jack Chambers, comparou sua interpretação das baladas às cantadas por Billie Holiday: “É desolado, doloroso, mas nunca com pena de si mesmo”. Aí se situa, provavelmente, a principal diferença entre o romantismo de Chet Baker e a distância adotada por Miles, que acentua seu sentido do silêncio, sua capacidade de remodelar as melodias, e até de retalhá-las em temas altivos, incisivos e no limite da abstração. Em apenas duas sessões de gravação (11 de maio e 26 de outubro de 1956), o quinteto deu ao selo Prestige material para os quatro discos que ainda faltavam para cumprimento do contrato. A gravação foi feita em um clima de urgência e 12 músicas foram gravadas, encadeadas uma após a outra, como se o quinteto se apresentasse em um clube. Os ruídos do estúdio entre as faixas foram mantidos no disco. Ouvimos Miles dizer “OK, ficou bom” no final de “When Lights are Low” e “Como ficou, Bob?” no fim de “It Could Happen to You”. Bob Weinstock pergunta o que ele acha de um novo registro no final de “Woody’n You” e Coltrane pede um abridor de garrafas. O início de “You’re My Everything” chega a ser interrompido por Miles que indica a Red Garland como introduzir o trecho. Ouve-se muitas vezes a voz de Miles nesses discos, especialmente no começo e no fim de Miles Smiles, e também em alguns trechos durante Em 1956, para cumprir o contrato com o selo Prestige, Miles Davis gravou com seu quinteto, em apenas dois dias, o material para quatro álbuns que foram publicados sob títulos que evocam o work in progress dessas sessões de gravação sem interrupções: ’Cookin’, Relaxin’, Steamin’ e Workin. o período elétrico dos anos 1969-1974, quando ele dirigia os músicos passando de um a outro para fazer sugestões. Já com Monk, em 24 de dezembro de 1954, quando o pianista se enganou no início do primeiro take de “The Man I Love”, provocando reclamações de seus companheiros que tinham pressa de acabar, Miles chamou o engenheiro de som, Rudy Van Gelder, e pediu que deixasse tudo na gravação. Devemos ver aqui uma vontade de deixar aparecer o som do estúdio, a música em processo de ser feita. Sua voz chegou mesmo a ser gravada para, no fim de sua carreira, ser recolocada aqui e ali em sua música. Se o título do primeiro álbum resultante dessas gravações, Cookin’, faz referência ao gosto de Miles pela culinária, ele também sugere a ideia de work in progress que estava no cerne das preocupações do músico nos anos 70. Esse gosto pela urgência e pelo risco no estúdio pode ser atribuído à falta de preparo das sessões de gravação do quinteto de Charlie Parker. Porém, podemos notar que Parker gostava de repetir os registros, enquanto Davis se cansava logo desse exercício, frequentemente dando o melhor de si no segundo ou terceiro take. Durante as sessões de gravação de Prestige em 1956, os primeiros takes foram encadeados uns com os outros. O caráter espontâneo dessas sessões de gravação foi comentado muitas vezes. De fato, as melodias eram expostas por Davis em solo ou em uníssono com Coltrane. No entanto, os modos de toque da rítmica inspirados em Ahmad Jamal demonstram um senso de detalhe na distribuição dos papéis e na organização dos cenários. Para se convencer disso, basta ouvir as entradas e saídas do piano em “Wood’n You” e mais ainda em “Oleo”. Entretanto, foi outro o clima que reinou nos estúdios da Columbia em 5 de junho e 10 de setembro de 1956 (‘Round About Midnight). Cada trecho foi objeto de um trabalho de pós-produção que permitiu escolher os melhores solos nos diferentes takes de um mesmo trecho para fazer uma montagem. ‘ROUND MIDNIGHT Miles Davis e eu nos tornamos amigos em 1946, um pouco depois de eu voltar da guerra no Pacífico. Eu gostava não só de seu modo de tocar, mas o considerava um rapaz muito agradável, gentil e de conversa interessante. Enquanto nossa amizade se desenvolvia, eu seguia o progresso de sua carreira e fiquei decepcionado ao ver que, depois de voltar de Paris, em 1949, tudo indicava que ele estivesse envolvido com as drogas. Seu toque se degradou, ele deixou de se preocupar com sua aparência e com seu som — certamente, esse não era mais o Miles que eu conhecera. Se não me engano, foi em 1951 que ele se tornou tão instável na capacidade de honrar seus compromissos que ficou praticamente sem trabalho durante todo o ano, mesmo que, como de costume, tivesse terminado em posição muito boa nas votações das revistas dedicadas à música. Pouco depois, Miles tentou me convencer a contratá-lo. Ele certamente soubera que eu tinha recrutado talentos em ascensão como Dave Brubeck e Erroll Garner, que começaram gravando para selos pequenos e, graças à força da Columbia, desabrocharam rapidamente e se tornaram grandes astros. Depois de me informar junto ao sindicato dos músicos para me certificar de que ele não estivesse sob contrato com outra gravadora, lhe disse que isso estava fora de questão: ele tinha um contrato válido, com algum tempo ainda, com os discos Prestige. (De todo modo, eu não tinha nenhum desejo de lidar com um artista que usasse drogas, pois já tivera esse tipo de experiência.) Dois anos se passaram e Miles voltou a me procurar. Havia passado a morar a poucas quadras de meu apartamento, em Manhattan e, de vez em quando, me convidava a visitá-lo — a vida não ia bem e ele se sentia um pouco só. Durante o inverno de 1953-1954, costumava ir tocar nas noites de portas abertas, às segundas-feiras, no Birdland, na Broadway. Nessas noites aconteciam principalmente jam sessions que não custavam quase nada à direção e permitiam que o estabelecimento ficasse aberto em uma noite em que quase todos os clubes fechavam. Eu tinha o hábito de ir até lá para ouvir os novos talentos. Depois de duas segundas-feiras, percebi que Miles tocava novamente bastante bem o que, estou certo, explica que ele sentisse coragem suficiente para me fazer uma proposta incomum. “Você sabe, George”, disse ele, “você acabou de me ouvir tocar e sabe que me livrei das drogas. Por que você não liga para Bob Weinstock, da Prestige, e lhe diz que tem a intenção de assinar um contrato comigo assim que o dele terminar? Por que não lhe diz que se você gravar a partir de agora, poderá lançar um disco da Columbia assim que o contrato dele comigo expirar? Bob se beneficiará Miles Davis e o produtor George Avakian no estúdio da Columbia, 1956. Foto: Carole Reiff. com a promoção que a Columbia poderá fazer de imediato, sem esperar quatro ou cinco meses para que um disco fique pronto. Ele terá todos os meus LPs para vender, enquanto você, por outro lado, terá apenas um disco para focar sua campanha publicitária”. Tive de admitir que a ideia era original e astuciosa, mas ainda fiquei reticente, até assistir ao festival de Newport em 1955 com meu irmão, Aram. Miles apresentou-se no contexto de uma substituição que não fora anunciada, em companhia de Zoot Sims, Gerry Mulligan, Thelonious Monk, Percy Heath e Connie Kaye. Eles tocaram três temas. No fim do segundo (‘Round Midnight, de Monk), Aram voltou-se para mim: “Você sabe que Miles parou tudo e, agora, depois desse concerto, todos irão cortejá-lo”. Fomos até os bastidores depois da apresentação e eu disse a Miles que viesse me ver na segunda-feira. Esbocei, em linha amplas, o plano que tinha começado a elaborar: Miles devia montar um sexteto permanente que eu gravaria, mas não lançaria antes do final do contrato com a Prestige, no início de 1957. Por outro lado, ele devia não só ficar limpo, mas também restaurar sua imagem como artista que tanto se havia deteriorado nos anos anteriores. O único agente que ainda confiava um pouco nele era um bom amigo meu, Jack Whittemore, da Shaw Artists. Prometi-lhe que Miles e eu forneceríamos o produto musical anunciado, no palco e nos discos, acompanhado de um apoio promocional que lhe permitiria recolocar Miles em sua posição. Para minha grande alegria, Miles não só aceitou como me disse também que já havia começado a montar um quinteto com Sonny Rollins, Red Garland, Paul Chambers e Philly Joe Jones. Quando o grupo estivesse pronto, disse ele, eu agendaria a gravação do primeiro disco que seria chamado ‘Round Midnight, em homenagem ao show em Newport que me havia levado a essa decisão. Jack agendou os primeiros compromissos e as coisas pareciam ir bem até que alguém propôs a Sonny Rollins a direção de um grupo em Chicago. Miles logo encontrou um substituto excelente, um músico em ascensão: Cannonball Adderley. Mas Cannon teve de confrontar uma escolha decisiva para sua carreira: renunciar a seu cargo de professor titular na Flórida ou se engajar na aventura da vida de um músico itinerante em período integral... A prudência venceu nesse dia e ele optou pela segurança. Então, Miles iniciou as audições para encontrar um substituto para o saxofone. “Não se apresse”, eu lhe disse. “O importante é montar um grupo que seja estável e sólido”. No início de setembro, Miles me telefonou: “Acho que encontrei. Venha no próximo fim de semana e, se o grupo lhe agradar, poderemos gravar assim que eu voltar a Nova York”. O saxofonista que Miles havia encontrado era John Coltrane. Nem Miles, nem Trane, nem eu conseguimos lembrar depois se eu fui ouvir o novo quinteto na Filadélfia ou em Baltimore. Por outro lado, todos lembramos que, na última música, Trane fez um longo solo que deixou todos sem ar e apagou minhas últimas dúvidas: havia chegado a hora de organizar a primeira sessão de gravação do conjunto. Esse primeiro álbum foi um sucesso. A próxima etapa foi imaginar uma maneira nova e empolgante de apresentar Miles que impulsionasse sua popularidade além da pequena formação com a qual o público o vira desde sua chegada ao circuito. Encontrei o modo de fazer isso de uma maneira completamente inesperada. Meu colega de longa data, Gunther Schuller, havia decidido construir uma teoria musical que chamava de third stream (terceira corrente), que se baseava na aproximação da música clássica (primeira corrente) e do jazz (segunda corrente) a fim de formar uma nova disciplina musical. O meio escolhido para apresentar essa sintese foi uma orquestra formada por músicos das duas correntes, criada em 1956 por Gunther para interpretar obras compostas por ele para o clássico contemporâneo e por John Lewis, J. J. Johnson e George Russell para o jazz. Quando o concerto estava próximo, foi cancelado quando o regente Dimitri Mitropoulos inscreveu a composição de Schuller no programa de um concerto da Filarmônica de Nova York. Gunther propôs rapidamente que a orquestra, que havia ensaiado cuidadosamente, gravasse as quatro obras para a Columbia, com Mitropoulos regendo a Symphony for Brass and Percussion de Schuller de um lado, e Gunther regendo as outras peças do outro lado. Esse novo conceito musical foi, desse modo, gravado com muita eficácia e menos custo em duas tardes. Mas como Miles Davis se envolveu nessa história? As composições do lado jazz incluíam três solos para trompete ou cornetim, e Gunther pensou que poderiam ser tocados por Miles, que acabara de assinar o contrato com a Columbia. Miles aceitou meu convite e assistiu à primeira sessão de gravação, durante a qual foi gravada a obra de Schuller. A participação de Miles na segunda sessão de gravação, na posição de solista em uma formação de 19 músicos colocados sob a batuta de Gunther, deu-me a ideia para o segundo disco de Miles para a Columbia. Eu havia visualizado esse som como um desenvolvimento do noneto de Miles para a Capitol, que fora um fracasso comercial — mesmo assim, eu adorava essa música. Miles seria o único solista; os únicos arranjadores e regentes possíveis seriam Gunther (que havia tocado de cor durante as sessões de gravação na Capitol) ou Gil Evans. Miles escolheu Gil Evans porque já havia trabalhado de modo mais próximo a ele — o resto é parte da história. Eu já tinha escolhido o título do álbum: Miles Ahead, querendo dizer “Miles is forging ahead, miles ahead of everyone else” (“Miles está na frente, milhas na frente dos demais”). O diretor artístico, Neil Fujita, propôs uma imagem a partir do título: um barco a vela, que poderíamos imaginar como um participante de uma corrida, mas “milhas à frente”, sem nenhum adversário à vista. Todos os elementos se encaixaram. O álbum foi arrastado na esteira do sucesso do primeiro disco de Miles para a Columbia (‘Round About Midnight, pois o editor insistiu que usássemos o título exatamente como registrado) e decolou como trilha sonora de um filme de Frank Sinatra. Miles não ficou contente com a “branquela” sentada no barco que aparecia na capa e pediu que eu a trocasse. “Coloque a Frances”, disse-me ele. Frances era sua namorada e dançava na Broadway no grande sucesso da época, West Side Story. Eu lhe expliquei que, se interrompêssemos a produção, ele perderia milhares de vendas. Miles Ahead foi produzido no contexto de nosso plano de expedição “express”: imprimir as capas em grande quantidade era relativamente um bom negócio; nós imprimíamos dezenas de milhares e, à medida que os pedidos chegavam, a fábrica prensava os discos que eram expedidos dentro de 24 horas. Além disso, a capa havia sido encomendada aos fornecedores e, agora que o conceito do álbum fora formado, a única modificação possível seria utilizar uma foto de Miles para “destacá-lo” como uma personalidade. Miles aceitou, escolheu a foto e nós escoamos as capas originais restantes sem nenhuma interrupção nas vendas. Na Europa, em especial na França, Miles Ahead foi também um enorme sucesso. Ele colocou Miles como um importante artista do jazz para o resto do século XX, de modo permanente e, até hoje, quase duas décadas depois de sua morte. George Avakian GEORGE AVAKIAN TRABALHou PARA DIFERENTES SELOS (COLUMBIA, WORLD PACIFIC, RCA VICTOR, WARNER BROS) e PRODUZIU, EM ESPECIAL, OS DISCOS DE LOUIS ARMSTRONG E DE DUKE ELLINGTON. EM 1985, ELE ARTiculou O CONTRATO DE MILES DAVIS COM A COLUMBIA. Na turnê Birdland All Stars, em 1956, Miles Davis dividiu o palco com um dos ídolos de sua adolescência, o saxofonista tenor Lester Young. Eles tocaram em várias cidades europeias (abaixo, em Amsterdam). Fotos: Ed van der Elsken O saxofonista tenor Sonny Rollins, com quem Miles Davis gravou em algumas ocasiões (ao lado, no palco, em 1957), por diversas vezes ocupou o lugar de John Coltrane no quinteto do trompetista. Foto: Bob Parent A LTOS E BAIXOS DO QUINTETO. O Miles Davis Quintet tornou-se um dos principais conjuntos dos palcos contemporâneos e o trompetista aproveitou esse sucesso e também o apoio de seu advogado Harold Lovett para se tornar cada vez mais exigente, reduzindo suas apresentações nos clubes para três e depois para duas sessões, em vez das cinco costumeiras. Em público, ele adotou um comportamento imprevisível, altivo, até mesmo arrogante, chegando na última hora, recusando-se a anunciar as músicas, voltando as costas ao público. Ele deixava o palco assim que parava de tocar, às vezes depois de apenas algumas notas. Entre as sessões, ele evitava o público e desencorajava qualquer tentativa de aproximação. Ele rompeu assim com a convivência nos clubes, como se buscasse separar o jazz de sua função de divertimento. Ele transformou sua timidez em agressividade e passou a agir de modo intimidante, dissimulando seu olhar por trás de óculos escuros e adotando atitudes de bad boy. Ele usava roupas caras, ia para o clube ao volante de sua Mercedes 300 SL azul e morava em um apartamento espaçoso no número 881 da 10ª Avenida onde, aos fins de semana, recebia os filhos, que moravam no Brooklyn com Irene, e onde organizava recepções, para as quais costumava cozinhar. Ele mantinha uma ligação com Jean Bach, a quem alertou contra seus próprios músicos, pouco respeitáveis. De fato, assim que pareceu sair da sarjeta, ele se afastou totalmente dos membros de seu quinteto que enfrentavam graves problemas de dependência de drogas. John Coltrane muitas vezes adormecia no palco e se vestia de um modo 81 negligente que contrastava com a elegância de Miles. Este tinha constantemente de manter Philly Joe Jones afastado do bar. Paul Chambers e Red Garland desapareciam, às vezes, no momento de subir ao palco. Em outubro de 1956, no Café Bohemia, Miles chamou Sonny Rollins para substituir John Coltrane, que abandonou seu lugar em meio às apresentações. Em novembro, o trompetista dissolveu temporariamente seu conjunto para participar da turnê europeia do Birdland All Stars. O cartaz apresenta o Modern Jazz Quartet, com Bud Powell em solo, Miles Davis e Lester Young, sendo estes dois últimos acompanhados pelo trio francês do pianista René Urtreger, com Pierre Michelot e Christian Garros. Ao voltar da França, Miles alterou o quinteto, mas logo anunciou sua intenção de deixar os palcos. Ele se dizia desgostoso do trabalho, cansado do jazz e mencionou ofertas de emprego que teria recebido como diretor musical de uma gravadora e como professor na Universidade Howard em Washington D.C. Tocando quase que permanentemente no Café Bohemia, seu quinteto sofreu uma verdadeira “dança das cadeiras” musical culminando, no final do verão de 1957, com a saída do grande baterista Art Taylor em meio a uma apresentação, exasperado com as críticas que recebia de Miles. Sonny Rollins, que substituiu John Coltrane, afastou-se para montar seu próprio grupo, deixando o lugar para o belga Bobby Jaspar, até que Cannonball Adderley aceitou a oferta de Miles. R EENCONTRO COM GIL EVANS. Enquanto o quinteto se desfazia, um novo projeto tomava forma. Ele se situava no contexto de uma corrente, então emergente, que favorecia a aproximação do jazz e da música clássica. Seus líderes eram dois antigos companheiros do noneto de Miles, o pianista e arranjador John Lewis, cofundador do Modern Jazz Quartet, e o trompista, compositor e teórico Gunther Schuller. Antes mesmo de ser batizada como third stream (terceira corrente) por Gunther Schuller, em 1957, essa corrente tomou corpo com a gravação para a Columbia, em 1956, de uma série de peças ambiciosas, em especial “Three Little Feelings” de John Lewis e “Poem for Brass” de J. J. Johnson, na qual Miles Davis participou como solista no cornetim, um instrumento que ele ainda não conhecia. Essas obras deram a George Avakian a ideia de um novo projeto para Miles, sob o mesmo formato orquestral. Foi a oportunidade para que o trompetista se reencontrasse com Gil Evans. George Avakian deu carta branca aos dois homens, com a condição que o disco tivesse uma composição com o título que ele escolhera para o álbum: Miles Ahead. O trompetista propôs que retomassem “The Duke”, de Dave Brubeck, novo astro do catálogo da Columbia, e “New Rhumba”, de Ahmad Jamal. Gil Evans trouxe a canção “I Don’t Wanna Be Kissed” (tornada famosa por Doris Day e já regravada por Ahmad Jamal), “Springsville”, de Johnny Carisi (que a escrevera para o noneto), “My Ship” de Kurt Weill. “The Meaning of the Blues” e “Lament”, fundidos um no outro, são respectivamente de Bobby Troup e de J. J. Johnson; “The Maids of Cadiz” é de Léo Delibes e “Blues for Pablo” foi inspirada em Tricorne de Manuel de Falla e em músicas populares mexicanas. Para tirar partido da duração do LP de 30 centímetros, Gil Evans decidiu encadear as peças em uma longa sequência por meio de breves transições sonoras. Além das partes solistas de cornetim, que depois foram regravadas por Miles, a orquestra inspirou-se com a trompa e a tuba de Claude Thornhill, com um único saxofone entre os diversos instrumentos de sopro (clarinetas, flauta, oboé). A rítmica não comportava piano. O contrabaixista e o baterista eram os mesmos do quinteto de Miles — Paul Chambers e Art Taylor —, e reencontramos aqui o sentido do detalhe, que caracterizava as pequenas formações do trompetista, em combinação com a riqueza orquestral e os desenvolvimentos de Gil Evans. Em 1957, Miles Davis escolheu Gil Evans para arranjar e dirigir um disco em grande formação para a Columbia, que foi lançado sob o título de Miles Ahead (ao lado, tocando cornetim, durante as sessões de gravação). Ele exigiu a mudança da capa do álbum quando descobriu que teria a foto de uma jovem branca (abaixo). Foto: Don Hunstein A scensor para o cadafalso. Em 1957, Miles Davis conheceu, no Birdland de Beverly Bentley, uma atriz que havia acabado de filmar Um rosto na multidão (A face in the crowd), de Elia Kazan. Por intermédio dela, ele se interessou pelo teatro e pelo cinema, e lhe deu discos de Aram Khatchaturian, Ernest Bloch, Claude Debussy e de Maurice Ravel. Ela o recomendou para compor a música de A grande chantagem (The big knife) de Carrie Bliss, mas ele recusou a proposta. Foi uma outra mulher que o persuadiu a levar seu trompete para o cinema, Jeanne de Mirbeck, irmã do pianista René Urtreger. Ele a reencontrou em novembro de 1956, na noite da primeira apresentação do Birdland All Stars na Salle Pleyel de Paris, e eles tiveram um relacionamento amoroso. Quando, em outono de 1957, o produtor Marcel Romano propôs a Miles uma nova turnê europeia em quinteto, com o trio de René Urtreger, a perspectiva de reencontrar Jeanne juntou-se, talvez, ao desânimo que ele sentia diante dos problemas de seu próprio quinteto. Dessa vez, foi Kenny Clarke, antigo companheiro de Miles, que assumiu a bateria e Marcel Romano acrescen- QUEREMOS MILES tou ao quarteto seu jovem protegido, o saxofonista Barney Wilen. Mas a turnê não teve o sucesso previsto, exceto algumas grandes apresentações em salas europeias (Amsterdam, Stuttgart, Bruxelas e Paris, no Olympia e na Salle Gaveau). Em Paris, sem ter mais nada a fazer senão ir à noite ao Club Saint-Germain onde se apresentava com o quinteto francês, Miles se encontrava como se estivesse em férias, longe das preocupações de sua vida novaiorquina. O Club Saint-Germain era, na época, frequentado por Alain Cavalier e François Leterrier, dois assistentes de Louis Malle, que acabara de rodar Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud) e não tinha uma música tema. Marcel Romano, que cultivava a ideia de produzir um making of da turnê, filmada por François Reichenbach, não havia conseguido a verba necessária. A ideia tomou a forma de propor ao trompetista que escrevesse uma música para o filme de Malle. Sem conseguir convencê-lo, Romano e Malle pediram então a Jeanne de Mirbeck que intercedesse junto a Miles Davis, e ela conseguiu levar seu amante a uma projeção em relação à qual ele não fez nenhum comentário. Mais tarde, no mesmo dia, ao sair do banho em seu quarto no hotel Windsor, ele pediu a sua jovem companheira que lhe desse a corneta que acabara de ganhar da Maison Couesnon e começou a tocar a famosa linha de contrabaixo que acompanha a caminhada desesperada de Jeanne Moreau ao longo do filme. Na noite de 4 para 5 de dezembro, ele levou seu quinteto francês para o estúdio do Poste Parisien e, partindo de frases que havia começado a experimentar com os músicos no piano do Club Saint-Germain, ele improvisou a música de Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud), que contribuiu para o sucesso do filme. No ano seguinte, Louis Malle propôs a Miles que escrevesse a música para Os amantes, mas as exigências do trompetista (gravação em Nova York com uma orquestra de 20 músicos) não couberam no orçamento do filme. Gravada em uma única noite, a música de Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud), cuja atriz principal foi Jeanne Moreau, contribuiu para o sucesso do filme de Louis Malle (no alto, à esquerda). Miles Davis e seus músicos a improvisaram direto no estúdio enquanto viam as imagens. Fotos: Vincent Rossel (no alto, à esquerda); Gérard Landau (página à direita) 86 Durante 1958, o sexteto com John Coltrane e Cannonball Adderley impôs-se nos principais festivais americanos como um dos melhores grupos do jazz moderno. Foto: Bob Parent. O SEXTETO. Ao sair de Paris e voltar a Nova York em 20 de dezembro de 1956, Miles encontrou uma outra mulher e uma nova orquestra. Em 1953, durante sua estada em Los Angeles, ele fora apresentado a uma bailarina da companhia de Katherine Dunham, Frances Taylor. Ele a reencontrou em Nova York, onde ela dançava no espetáculo de Sammy Davis Jr., apresentado na Broadway em 1956, Mr. Wonderful. Em processo de divórcio do bailarino Jean-Pierre Durand, com quem ela tinha um filho igualmente chamado Jean-Pierre, ela estava no elenco de West Side Story. Miles assistiu à criação do espetáculo no Winter Garden em setembro de 1957 e ia vê-la com frequência. Ele logo a instalou em seu apartamento da 10ª Avenida e, demonstrando ciúmes crescentes, lhe pediu que deixasse a companhia para se dedicar totalmente a ele, a proibindo até de participar da filmagem, apesar dos pedidos insistentes do coreógrafo Jerome Robbins. No que se refere à música, depois de sua volta aos Estados Unidos, Miles Davis reuniu seu antigo quinteto e acrescentou Cannonball Adderley. John Coltrane havia parado de se drogar desde sua expulsão do Café Bohemia em abril de 1957. Thelonious Monk, que havia visto Miles atacar Coltrane, comoveu-se e propôs ao saxofonista contratá-lo. Os dois gravaram alguns dias depois do incidente e tocaram juntos no Five Spot durante várias semanas consecutivas, continuando a trabalhar juntos até o final do ano. Ao lado do pianista — ou em sua ausência, quando ele saia do palco e o deixava sozinho com o contrabaixo e a bateria —, Coltrane encontrou novas soluções para sua abordagem caleidoscópica à harmonia bop. Miles, que ia ouvi-los frequentemente, começou a se arrepender. Quando o sexteto QUEREMOS MILES A Columbia utilizou o talento dos fotógrafos Roy De Carava e Dennis Stock para realizar as capas dos discos Porgy and Bess e Milestones (acima). Ao alto, fotos da gravação do álbum Milestones. Fotos (ao alto): Dennis Stock. QUEREMOS MILES foi formado, alguns se surpreenderam ao ver esse inovador associado a Cannonball Adderley, então considerado um novo Charlie Parker, ou seja, um guardião da tradição. Miles respondia simplesmente que essa combinação fornecia um contexto perfeito para sua música. Seu fascínio por Coltrane é indissociável de seu interesse pelo enraizamento de Cannonball Adderley na tradição do bop e do blues e, às vezes, ele se divertia mostrando a um o exemplo do outro. Sua satisfação com Cannonball na época era tal que ele aceitou participar do disco deste para a Blue Note, Somethin’ Else, comportando-se como um verdadeiro diretor artístico e deixando ali, além da marca de seu trompete, um arranjo de Autumn Leaves visivelmente inspirado no trio de Ahmad Jamal. Mas nesse início de 1958, as sessões de gravação de seu próprio sexteto para a Columbia é que foram um acontecimento. Ouve-se aí o grande Miles à frente do grupo que se reconecta com a potência de “Walkin’”, cuja versão modernizada é “Sid’s Ahead”. Graças a sua técnica, o trompetista se aventura com facilidade acima do alcance habitual. Sua sonoridade atingira a plenitude, mas ele não se privava de efeitos dramáticos de timbre. No andamento extremo de “Dr. Jackle”, ele alternava passagens rápidas, com articulações de leitura esplêndida e notas longas que planavam sobre as ondas rítmicas. Nas exposições arranjadas com eficácia prodigiosa, seu grupo demonstrou um som maciço que diminuía no fogo das intervenções dos solos, que se alternavam em um contraste entre o voo fascinante de Coltrane e os traços agitados de Adderley. Davis demonstra uma confiança total em seu contrabaixista, que garantia ao grupo um groove impecável mesmo tomando liberdades constantes. Miles lhe confiou solos na maioria das faixas. Os diálogos com a bateria em “Sid’s Ahead” e a alternância que Miles Davis passava a Philly Joe Jones em “Dr. Jackle” testemunham também a cumplicidade entre os dois. Por outro lado, Red Garland bateu a porta no momento de gravar a última faixa, “Sid’s Ahead” , desgostoso pelos poucos solos atribuídos ao piano e pelos silêncios que lhe eram impostos no plano de fundo dos solistas, de vez em quando. C om e sem piano. O trompetista já havia pedido a Thelonious Monk que se retirasse durante seus solos durante a sessão de gravação de 24 de dezembro de 1954. O que poderia parecer um estratagema para se proteger dos acompanhamentos estranhos de Monk era, no entanto, um dos hábitos de Miles. No solo final de “Solar”, em 3 de abril de 1954 (Walkin’), ele fez Horace Silver se calar. No mesmo ano, em “Oleo”, ele não permitiu que o piano o acompanhasse, exceto no início da faixa. Na versão de 1956, ele parece mesmo ter proibido a Red Garland que fizesse acompanhamentos com a mão esquerda no solo que lhe foi confiado. Essas limitações ao piano e esses solos em single notes, sem mão esquerda, correspondiam inicialmente a instruções precisas: “Cada novo pianista”, explicou Wynton Kelly — futuro pianista de Miles — “ficava completamente perdido porque Miles lhe dizia para tocar e, depois, para não tocar”. Mais tarde, Wynton Kelly e Herbie Hancock integraram esse hábito que passou até serem objeto de iniciativas espontâneas. As primeiras experiências de tocar sem piano ocorreram em 1947, com os dois primeiros chorus de trompete em “The Hymn” ao lado de Charlie Parker e, em 1949, com “Moondreams” de Gil Evans, que mais tarde não usou o piano em sua colaboração com Miles. Este último tomou consciência do interesse dessa fórmula em 1952 (no mesmo momento em que, na Costa Oeste, Chet Baker e Gerry Mulligan experimentavam o quarteto sem piano). Miles Davis participou então de uma turnê com uma formação sem piano que incluía Milt Jackson, Percy Heath e Kenny Clarke. “Se algum de nós quisesse o piano, um de nós o tocaria [...]. Se ninguém o desejasse, aquele que estivesse tocando poderia vaguear, tocar aquilo que quisesse, acompanhado simplesmente pela bateria, o baixo e o espaço vazio deixado pelo piano. Não seria preciso nada além de recorrer à própria imaginação. É como descer por uma rua, em um dia luminoso, ensolarado, sem nada nem ninguém em seu caminho. Tocar sem piano liberta a música. Descobri então que, às vezes, o piano se atravessava no caminho.” A partir de meados dos anos 50, Miles Davis iniciou o hábito de mandar personalizar seus instrumentos. Desde 1957, ele usava um trompete recoberto por um verniz azulesverdeado — “kind of blue”, portanto — que foi o primeiro de uma longa série de instrumentos coloridos. Foto: Don Hunstein A música Modal. Miles Davis desenvolveu assim uma desconfiança em relação às restrições harmônicas impostas pelo piano que o levou a se interessar pela música modal. Simplificando, um modo (ou, por aproximação, uma escala) é uma escala melódica que deve ser representada como uma verdadeira espiral na qual o número de graus e o espaço entre eles é definido pela natureza de cada modo. No mundo, encontramos uma grande diversidade de escalas: heptatônicas (com sete graus) como nossa escala maior, hexatônicas (com seis graus) ou pentatônicas (com cinco graus). Nas músicas tradicionais, cada peça baseia-se, em geral, em um único modo, segundo uma estabilidade harmônica encarnada por um bordão (nota presa ou repetida) ou por fórmulas repetidas (ostinatos). Se a música ocidental clássica conhece apenas um número restrito de modos — nossa famosa escala maior e suas equivalentes menores — ela inclui, por outro lado, uma dupla mobilidade. O primeiro tipo de mobilidade, chamado cadência, baseia-se na harmonia funcional segundo a qual a melodia vê-se limitada a evoluir apoiando-se em certos graus do modo e, depois, em outros, que lhe dão um caráter ao mesmo tempo estável e instável quando se encontra alguma dissonância, para depois retomar a estabilidade. O outro tipo de mobilidade ou progressão harmônica consiste em aproveitar um momento de instabilidade para passar de uma escala a outra, em geral idêntica, mas cujo primeiro grau se situa mais agudo ou mais grave do que o da escala precedente. Baseando-se nesse sistema harmônico, o bop exacerbou o princípio de mobilidade. Os acompanhantes (pianistas e contrabaixistas) multiplicavam as restrições, obrigando o solista a acelerar os movimentos de cadências e progressões harmônicas e até mesmo a tomar atalhos. De início, Miles Davis se apaixonou por essa ginástica, que levou ao extremo na primeira sessão de gravação em que seu nome foi citado, em 14 de agosto de 1947, com músicas como “Little Willie Leaps” e “Sippin’ at Bells”. Em seguida, ele atingiu um fluxo meló- 91 dico natural que pouco cedia a esses panos de fundo esportivos e criou o hábito de remodelar as harmonias das músicas conforme lhe fosse conveniente. A partir do final dos anos 40, ele se mostrou muitas vezes tentado pelo imobilismo. Em seu arranjo da composição de George Shearing, “Conception”, reintitulada “Deception”, para o noneto, ele expandiu a tonalidade original e suspendeu momentaneamente o movimento harmônico. Ele multiplicou essas suspensões durante os anos 50, sob a forma de interlúdios, especialmente em “Dear Old Stockholm” (tema tradicional sueco cuja natureza folclórica não é secundária aqui), em “The Leap”, “Take off” e “In Your Own Sweet Way”, etc. Além disso, os fragmentos cadenciais foram colocados em loop, como no final dos solos de “If I Were a Bell”. No arranjo de “Autumn Leaves” para o álbum Somethin’ Else de Cannonball Adderley, ele tirou partido do ostinato emprestado a Ahmad Jamal para estender uma coda interminável, cujo imobilismo harmônico lembra o caráter contemplativo das músicas orientais. As sequências improvisadas diante das imagens de Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud) adotaram de modo ainda mais radical essa estética monocromática do clima e quando, no ano seguinte, participou da gravação de Legrand Jazz, ele lamentou a sobrecarga das orquestrações de Michel Legrand. Enquanto um primeiro “Milestones”, composto em 1947, impunha aos solistas percursos muito sinuosos, a peça “Milestones” (marco quilométrico), do álbum de mesmo nome gravado em 1958 pelo sexteto, utiliza indicações. Reintitulada “Miles” na segunda prensagem do disco para evitar confusão entre esses dois temas antinômicos, ela apresenta como única limitação ao solista que toque em um modo e, depois, em um outro. Encontramos essas preocupações no cerne da adaptação que Gil Evans fez da ópera Porgy and Bess para Miles: “Quando Gil escreveu o arranjo de “I Love You Porgy”, ele me indicou apenas uma escala a tocar. Você não tem de se preocupar com a mudança de acordes e pode se exprimir muito mais a partir do tema. Isso se transformou em um desafio: o de ver até que ponto você é melodicamente inventivo”. B ill Evans E A INFLUÊNCIA CLÁSSICA. No fim dessa década, o conceito modal estava, portanto, no ar, com a teoria do compositor George Russell em seu Lydian Chromatic Concept of Tonal Organisation. Foi ele quem aconselhou Miles Davis a convidar o pianista Bill Evans para substituir Red Garland no sexteto. O recém-chegado apresentou ao trompetista o quarteto de Ravel e o Concerto en sol na versão recente de Arturo Michelangeli. Eles escutaram juntos Rachmaninov e Khatchaturian, interessados pelo modo em que os compositores do início do século utilizaram os modos para fecundar os antigos hábitos harmônicos da música clássica e abrir novas vias de progressão harmônica. O baterista Jimmy Cobb havia tomado o lugar de Philly Joe Jones e o toque delicado, as harmonizações mais abstratas e o gosto muito sutil de Bill Evans pelo improviso afetaram profundamente a música de Miles durante a sessão de gravação de 26 de maio de 1958, na qual dominaram as baladas tocadas com surdina e os andamentos médios. As faixas live testemunham, no entanto, uma música de natureza totalmente diferente, na qual Bill Evans realizou uma pontuação e uma articulação vigorosas que animavam o novo sexteto. Mesmo assim, o universo harmônico do grupo abriu-se consideraveImente. Miles, ao contrário do habitual interveio muito pouco para mostrar ao pianista o que esperava dele. Por outro lado, mostrou-se muito crítico em relação ao toque de Cannonball Adderley que considerava datado: “Por que tocar todas essas notas que não querem dizer nada?” No entanto, ao final de uma apresentação no Village Vanguard em novembro de 1958, Bill Evans deixou a orquestra. Foto: Don Hunstein. 95 O pianista Bill Evans chegou ao grupo de Miles Davis com uma bagagem clássica que contribuiu para ampliar os horizontes harmônicos da orquestra e teve uma influência decisiva sobre o desenvolvimento do uso dos modos musicais. Foto: Chuck Stewart Único branco em uma das principais orquestras de música negra, ele deve ter sido alvo de inúmeros comentários e o próprio Miles, apesar da admiração profunda que lhe votava, não o poupava, apelidando-o de “Branquelo”. É verdade também que havia chegado a hora de Bill Evans se ocupar da própria carreira em trio. Q Ue TIPO DE BLUE? No início de 1959, Miles estava orgulhoso de seu novo pianista, Wynton Kelly, em quem via uma combinação de Red Garland e de Bill Evans. Ele apreciava especialmente sua capacidade de prever as ideias do solista. Em 2 de março, ele estava no estúdio com o resto do sexteto para gravar “Freddie Freeloader”, destinado ao futuro álbum Kind of Blue. No entanto, quando da gravação da segunda faixa, “So What”, que retomava o princípio bimodal de Milestones, Bill Evans foi convidado a sentar-se ao piano. A presença deste último acabou mesmo por dominar o conjunto do álbum — acabado em uma segunda sessão de gravação em 22 de abril —, a ponto de roubar um pouco de Miles aquela que continua a ser uma de suas maiores obras-primas. No início, na mente do trompetista, Kind of Blue devia ser uma dupla homenagem, às raízes do blues e do gospel, por um lado, e à África, por outro. O blues, ele ouviu quando criança na casa do avô no Arkansas, a 100 km ao oeste do berço do gênero, o delta do Mississípi (um triângulo estreito ao sul de Memphis, que não deve ser confundido com a foz do rio). Ele não perdeu de vista essa música e John Lee Hooker lembrava-se de ter visto Miles Davis entre seu público durante sua estadia em Detroit, durante o inverno de 1953-1954. O gospel, por outro lado, deixou uma lembrança muito forte em Miles, que sempre se manteve afastado de qualquer forma de religião: “Ainda tenho comigo a música que ouvia no Arkansas, na casa de meu avô, sobretudo aos sábados à noite, na igreja. Eu devia ter seis ou sete anos. Nós saíamos de noite pelas estradas escuras do campo e, imediata- mente, essa música parecia surgir do nada, dessas árvores inquietantes sobre as quais todos diziam que eram assombradas por fantasmas. Logo, nós estávamos à beira da estrada, com meu tio ou meu primo James, alguém começava a tocar guitarra como B. B. King, um homem e uma mulher cantavam. Esse tipo de coisa não me deixou mais, compreende? Esse som, esse lado blues, igreja, esse funk das estradas, essa sonoridade e esse ritmo rural do Sul, do Meio-Oeste. Foi ao cair da noite, nas pequenas estradas secundárias assombradas do Arkansas, quando as corujas saíam ululando, que esse som se misturou ao meu sangue.” Como “ Moanin’”, de Art Blakey, ou “The Preacher”, de Horace Silver, “So What” e “All Blues” baseiam-se no jogo de perguntas e respostas entre a linha de frente dos sopros e a rítmica, mas, como já havia feito Gil Evans em “Prayer” em Porgy and Bess, Miles Davis se destaca do brilho e do fervor da música churchy, então na moda, e a introdução arrepiante de “So What” e os trêmolos do piano de “All Blues” evocam seus fantasmas nas lembranças das pequenas estradas do campo na hora das assombrações. R OTA FALSA PARA A ÁFRICA. Quanto à Àfrica, Miles disse tê-la descoberto durante uma apresentação do balé africano da Guiné a que foi levado por Frances Taylor. Ele ficou muito impressionado com a polirritmia musical e coreográfica: “Não escrevi toda a música de Kind of Blue, simplesmente delineei a tela. Eu queria muita espontaneidade no toque, como a que constatei na interação entre os dançarinos, tambores e quem tocava sanza no balé africano.” O que resta da África em Kind of Blue ? Talvez o ritmo da sanza (instrumento africano percurtido com os dedos), talvez o compasso 6/8 adotado no último momento em “All Blues”, inicialmente escrita em 4/4. Por ainda não Kind of Blue foi gravado em 1959 no estúdio que a Columbia possuía em Nova York na Rua 30. O pianista Bill Evans (acima) que havia deixado o grupo, voltou para essa ocasião e o titular, Wynton Kelly, participou apenas de uma faixa. Os solos de John Coltrane e de Cannonball Adderley contribuíram para o sucesso desse disco que se impôs, meio século depois, como o álbum de jazz mais famoso da história. Fotos: Don Hunstein Redigido pelo pianista Bill Evans, o texto do encarte de Kind of Blue (manuscrito abaixo) tentava explicar ao ouvinte a natureza do improviso no jazz e detalhava a estrutura das diversas faixas. Foi uma intenção didática que contribuiu para familiarizar inúmeros músicos de jazz com o uso possível da música modal. Kind of Blue foi gravado em duas sessões, em 22 de março e em 2 de abril de 1959 (página à esquerda, uma das folhas da sessão). Os memorandos manuscritos do produtor Irving Townsend (em cima) revelam que algumas faixas não tinham títulos no momento da gravação, em especial “Flamenco Sketches”, designada como “Spanish”, e “All Blues”, “African”, denominações que revelam as fontes de inspiração do trompetista. Um erro nessas anotações provocou uma inversão de títulos na primeira prensagem do álbum. Foto: Don Hunstein Foto: Vernon Smith. 101 Terceiro álbum realizado em conjunto por Miles Davis e Gil Evans (ao lado, durante as sessões de gravação em novembro de 1959), voltado para a Espanha e o flamenco, Sketches of Spain contém, em especial, a famosa adaptação do Concierto de Aranjuez de Joaquín Rodrigo. Foto: Vernon Smith ter título, Irving Townsend, produtor do álbum, escreveu “African” nas anotações da sessão de gravação. Mas é preciso admitir que a influência africana não é evidente e Miles o confessa em sua autobiografia: “Estávamos embebidos em Ravel (em especial em seu Concerto para a mão esquerda) e em Rachmaninov (Concerto n° 4).” Provavelmente ainda não havia músicos capazes de aceitar tal desafio e seria preciso chegar aos anos 70 para que isso ocorresse. Bill Evans lembra-se de ir à casa de Miles a convite deste: “Ele pensava que eu poderia dar indicações aos músicos a fim de concretizar seu conceito”. Foi a partir de um acorde sugerido por Miles Davis que Bill Evans compôs “Blue in Green”. Quanto a “Flamenco Sketches”, ele é o desenvolvimento de uma de suas músicas, “Peace Piece”. Nessa peça, gravada solo alguns meses antes para o álbum Everybody Digs Bill Evans, enquanto a mão esquerda repete incansavelmente a mesma figura harmônica, ao estilo dos músicos indianos que improvisam sobre o bordão contínuo de uma nota sustentada, a mão direita explora um único modo. Miles Davis propôs a Bill Evans que partisse desse modo para construir um cenário. Os dois se puseram ao piano a fim de visualizar as diferentes possibilidades e decidiram acrescentar outros quatro modos ao primeiro e submetê-los aos solistas do quinteto. Nada estava escrito para essa faixa, exceto os cinco modos e a ordem em que cada solista devia percorrê-los. Um desses modos, sobre o qual cada um dos músicos tendeu a se demorar, é o modo frígio, característico do flamenco. A faixa obtida recebeu o título de “Flamenco Sketches”. O flamenco. Essa não foi a primeira vez em que Miles Davis visitou a música espanhola. Já em Miles Ahead, a Espanha estava presente por meio de “The Maids of Cadix”, de Léo Delibes, e em “Blues for Pablo”, inspirada por Manuel de Falla, a partir de um tema tradicional mexicano. O flamenco havia sido um campo de exploração muito estimulante para os compositores na passagem do século XIX para o XX, enquanto a música clássica europeia era atravessada por uma corrente dupla voltada para as expressões regionais e para a linguagem modal. No entanto, foi na própria fonte, graças a George Avakian, que Gil Evans descobriu o flamenco. O produtor estava encarregado de um programa de publicação de músicas étnicas coordenado pelo etnomusicólogo Alan Lomax e teve a intenção de levar Gil Evans a trabalhar sobre esse tema. Por sua vez, em 1958, Miles havia ganho de Beverly Bentley um conjunto de três discos intitulado Antología del cante flamenco que muito ajudou a difundir esse gênero. Ao voltar de um espetáculo de flamenco ao qual fora com Frances Taylor, ele parou em uma loja de discos para comprar tudo o que encontrasse a respeito. Quando Miles Davis apresentou Gil Evans ao Concierto de Aranjuez de Joaquín Rodrigo, no início de 1959, Evans decidiu fazer uma adaptação para trompete e orquestra a partir do tema do adágio. Compôs também “Will o’the Wisp” (inspirado em “El Amor Brujo” de Manuel deFalla), “The Pan Piper” (inspirado em um solo de flauta de Pan gravado por Alan Lomax em 1952 na província espanhola da Galícia), “Saeta” (inspirada em uma saeta tradicional interpretada por Lolita Triana e Ramon Montoya no álbum Antologia del canto flamenco) bem como “Solea”, prodigiosa extrapolação do canto jondo andaluz. Entretanto, alguns novatos de jazz sentem até hoje verdadeira ojeriza pelo Concerto de Aranjuez. Nem a adaptação que fez dele Gil Evans, ou o resto desse programa espanhol são uma unanimidade. É verdade que não é a primeira vez que o arranjador se aventurou nas fronteiras do kitsch, mas sempre se manteve no limite, pela graça iconoclasta de suas harmonias e orquestrações, que instauram um mistério protetor. Além disso, com elegante retidão, extrema concisão e natural recato perante qualquer páthos, Miles Davis constituiu a melhor garantia contra o kitsch com que Gil Evans gostava de flertar. Com exceção de “Song of our Country”, inspirado em Villa-Lobos, que permaneceu inédita até 1981, todas essas obras foram lançadas em 1960, com o título de Sketches of Spain. Enquanto isso, John Coltrane deixou Miles. MILES DAVIS GIL EVANS Eddie Lang – Joe Venuti ; Django Reinhardt – Stéphane Grappelli; Duke Ellington – Billy Strayhorn; Charlie Parker – Dizzy Gillespie; Bill Evans – Scott LaFaro... Não faltam na história do jazz esses pares mitológicos. Inegavelmente a dupla formada por Miles Davis e Gil Evans faz parte da lenda. No entanto, essa associação não tinha nada de previsível considerando-se as diferenças de idade (quatorze anos), de cor da pele, de brilho instrumental e de personalidade. A história bem poderia ter deixado cada um em seu próprio lado. Muito se falou do famoso quarto de Gil Evans, na Rua 55, no qual todos se reuniam em 1948, tanto de dia como de noite. Miles Davis realmente fazia parte dos frequentadores, mas não era dos mais assíduos a essas reuniões informais. A experiência conhecida como Birth of the Cool aconteceu, do ponto de vista de sua relação, como um experimento (ensaio). Gil Evans assinou apenas dois arranjos, “Boplicity” (uma composição de Miles Davis) e “Moondreams” (uma terceira, “Why Do I Love You ?”, só foi publicada mais tarde.) Olhando retrospectivamente, compreendemos que, por mais bemsucedidos e inovadores que pudessem ter parecido na época, eles eram apenas um esboço daquilo que sua colaboração deveria produzir mais tarde. Comentários de Miles Davis: “Ele gostava do modo como eu tocava e eu gostava do modo como ele escrevia”. E de Gil Evans: “Nós tínhamos algo, um som, em comum. Não necessariamente os detalhes; a primeira coisa que se ouve quando alguém toca ou escreve coisas, ou mesmo quando fala, é o som, a forma da onda. E ter isso em comum tornou possível a colaboração”. Sua aventura em comum foi, no entanto, interrompida prematuramente, devido a um sucesso que todos esperavam ainda maior. Os dois homens tinham então uma vida própria a levar e essa vida os separou. Miles Davis iniciou uma longa descida ao inferno da heroína, do qual só sairia vários anos depois. Gil Evans, por sua vez, entrou em um dos túneis que deram ritmo a sua carreira. Ele era um desses artistas sujeitos a eclipses, que desapareciam do palco e, depois, retornavam, no caso dele, com uma certa regularidade. Ele vivia, não se sabe como, um momento de concluir sua aprendizagem, de deixar morrer um estilo que ainda estava por vir. Mesmo que os dois músicos não tenham se perdido totalmente de vista, o verdadeiro reencontro só ocorreu em 1956. Nesse ano, Gil Evans trabalhava para a cantora Helen Merrill, que falou bem do arranjador para Miles Davis. Sobre a versão de “‘Round Midnight” gravada por Miles, Evans arranjou ao menos três compassos de transição entre a exposição do tema do trompete e o solo de John Coltrane (talvez também o restante). Nesse mesmo ano, Davis assinou o contrato com a Columbia que lhe deu novos meios para desenvolver sua música e sua fama. Essa estratégia se organizava ao redor do quinteto do trompetista com Coltrane, mas incluía também a ideia de uma gravação com grande orquestra. Vários arranjadores foram lembrados, mas finalmente Gil Evans foi o escolhido. O álbum era Miles Ahead, gravado em 1957, o primeiro de uma série milagrosa de quatro álbuns lançados sob o nome do trompetista, à qual se juntaram Porgy and Bess (1958), Sketches of Spain (1959-1960) e Quiet Nights (1962). Os quatro formam um conjunto de excepcional coerência, mesmo que sua temática seja muito diferente. Pode-se até mesmo falar de álbuns-conceitos pioneiros. Gil Evans e Miles Davis não se perdiam de vista, mesmo que não colaborassem em álbuns inteiros mas, mesmo assim, eram anunciados frequentemente e sempre esperados. Vários projetos foram examinados — a música de uma peça de teatro, Time of the Barracudas, uma Tosca —, mas nenhum foi concretizado. Em 1968, foi gravada uma música, “Falling Waters”, que só foi lançada em 1996, mas ela foi apenas um esboço de um trabalho que não chegou a ser concretizado. A pergunta sobre uma nova colaboração foi feita mil vezes a Gil Evans, até o final de sua vida. Ele respondia a ela, virando-se para outra pessoa: “Diga a ele para entrar para o clube.” No entanto, ouvimos o eco de Gil Evans aqui e ali nas gravações de Miles Davis, às quais ele assistia, muitas vezes com um lápis na mão. A introdução de “So What”, por exemplo, em Kind of Blue (só o soubemos bem depois do lançamento). A composição de “Petits Machins” em Filles de Kilimandjaro (que Gil Evans gravou com o título original “Eleven”) e, talvez até mesmo todo o álbum. Talvez ainda, “Circle in the Round” com o guitarrista Joe Beck. Alguns fragmentos melódicos de We Want Miles e em Star People. E, provavelmente, muitas outras colaborações que nunca foram creditadas. Afinal o que se passou entre eles? Uma coisa única, que vai além do “estojo perfeito” que um arranjador inspirado oferece a um solista único, cada um valorizando a qualidade do outro em sua diferença e em sua complementaridade. Algo da ordem do inefável, do qual falou Vladimir Jankélévitch, ocorreu (talvez como sempre em casos como esse). É necessário, sem dúvida, citar o que disse Miles Davis em sua autobiografia, quando Gil Evans havia acabado de morrer: “Uma semana depois de sua morte, eu falei com ele, e tivemos a seguinte conversa: eu estava em meu apartamento em Nova York, sentado em minha cama, olhando o retrato dele que estava na mesa diante da cama, perto da janela. As luzes dançavam e atravessavam o vidro. De repente, uma pergunta a Gil surgiu em minha mente. Eu lhe perguntei: “Gil, por que você morreu, como sabe, lá no México?” E ele me respondeu: “Esse era o único modo, Miles. Era preciso que eu fosse ao México”. Eu sabia que era ele, reconheceria sua voz em qualquer lugar. Seu espírito acabava de me falar”. Tudo estava ali: um retrato sobre uma mesa, luzes dançando através de um vidro, um diálogo entre um vivo e um morto, coisas que não se deve fazer, uma voz que se reconhece em algum lugar, um espírito que fala. Em resumo, todos os ingredientes para uma música eterna. Laurent Cugny COMPOSITOR E REGENTE FRANCÊS, LAURENT CUGNY FUNDOU A BIG BAND LUMIÈRE E DIRIGIU A ORQUESTRA NACIONAL DE JAZZ. EM 1987, ELE COLABOROU ESTREITAMENTE COM GIL EVANS, AO QUAL DEDICOU UMA BIOGRAFIA, LAS VEGAS TANGO (P.O.L. 1990). Foto: Vernon Smith. Miles reencontrou o sorriso: Os jovens músicos que o acompanhavam em meados dos anos 60, como o saxofonista Wayne Shorter, contribuíram por renovar o interesse de Miles Davis pela música e o tiraram de uma rotina. Em Berlim, em setembro de 1964. Foto: Jan Persson QUEREMOS MILES 105 miles smiles a liberdade contrOlada 1960-1967 Em 1960, Miles Davis parecia um homem realizado. Saído do inferno, ele havia acabado de assinar em sequência quatro das maiores obrasprimas da história do jazz: Miles Ahead, Milestones, Porgy and Bess e Kind of Blue. Suas colaborações com Gil Evans lhe permitiram ampliar seu público além da esfera do jazz. A revista Life apresentou-o como um modelo de sucesso na comunidade negra. Em 1962, ele deu uma longa entrevista para a revista Playboy. Suas apresentações em Nova York eram frequentadas por celebridades como Marlon Brando, Ava Gardner, Richard Burton, Elizabeth Taylor e Paul Newman, cujo estilo de vida compartilhava. Sua Mercedes foi trocada por um Jaguar e, depois, pela primeira de uma longa série de Ferraris. Ele comprou e reformou uma antiga igreja ortodoxa russa no número 312 da Rua 77 Oeste em Manhattan; um prédio de cinco andares. Dez apartamentos foram alugados ou reservados aos filhos de Miles (Cheryl, Gregory, Miles IV) e também a Jean-Pierre, o filho de Frances. Ele mudou-se com sua nova companheira para um duplex luxuosamente mobiliado, equipado com uma rede de alto-falantes ocultos nas paredes e incluindo, no térreo, uma sala de música com um piano e, no subsolo, uma academia. 107 Em 26 de agosto de 1959, Miles Davis foi vítima de violência policial na porta do Birdland, que foi capa de jornais. Ele percebeu que não estava protegido do racismo latente na sociedade americana, principalmente das leis de segregação. À esquerda, pouco após sua prisão; à direita, com seu advogado Harold Lovett e um policial. Fotos: Bild Ullstein (à esquerda); Fred Klein (à direita). G OLPES E FERIMENTOS. O casal Miles-Frances investiu muito nessa relação. Miles estava apaixonado por sua companheira, a ponto de se mostrar violentamente enciumado, mesmo que continuasse a ver Beverly Bentley assiduamente, chegando a lhe propor casamento quando ela se afastou dele. Mas foi com Frances que ele se casou em dezembro de 1960. Porém, não deixou de ver Beverly até ela se casar com o escritor Norman Mailer ao final de 1963. Apesar da complexidade de suas relações, Miles mostrava-se sociável. Seu humor era apreciado, embora pudesse se tornar agressivo quando não se sentia confiante. Sabemos que tinha uma tendência à melancolia, até mesmo à depressão, que o levava a se fechar em si mesmo. As relações raciais constituíam um assunto permanente de preocupação e um incidente doloroso contribuiu para reforçar sua importância. Na noite de 26 de agosto de 1959, no Birdland, o sexteto havia terminado uma apresentação gravada para o serviço das Forças Armadas. Miles aproveitou o intervalo para fumar um cigarro. Neste momento, um policial pedia à multidão parada na entrada do clube que circulasse para não bloquear a calçada. Quando ele se voltou para o músico, este lhe disse que não havia motivo para que circulasse, pois trabalhava no clube. A tensão aumentou rapidamente e intervieram três detetives que espancaram Miles violentamente. Na delegacia de polícia, onde ele chegou coberto de sangue, um médico precisou fazer uma sutura com cinco pontos. Considerado culpado de desordem na via pública e violência contra um agente policial, ele perdeu sua “carteira de cabaré” sem a qual não podia tocar em Nova York. No dia seguinte, quando Miles foi libertado sob fiança, o caso foi manchete de primeira página nos jornais. Depois de duas audiências, as acusações contra ele foram retiradas e sua prisão foi julgada ilegal, mas o trompetista ficou profundamente marcado pelo episódio, convencido que a agressividade do policial devia-se ao fato de tê-lo visto acompanhar uma mulher branca até um táxi imediatamente antes do incidente. Além disso, em um momento em que sua comunidade travava a batalha pelos direitos civis em um clima de extrema violência, ele estava consciente do fato de que havia sido inocentado apenas graças à sua fama, ao seu círculo social e à sua fortuna. Compreende-se então sua perturbação quando, durante um show de apoio à African Research Foundation, realizado em 19 de maio de 1961, com a orquestra de Gil Evans no Carnegie Hall, seu velho amigo Max Roach invadiu o local com um grupo de manifestantes para denunciar a natureza colonialista da fundação. Para piorar mais as coisas, Miles, que sofria há vários anos com dores crescentes no lado esquerdo do quadril e na perna, descobriu ser portador de uma condição hereditária, a drepanocitose, doença das hemácias que dá origem a acidentes vasculares, anemia, dores articulares, distúrbios cardiopulmonares, infecções e todo tipo de afecções como a pneumonia. C OMO SUBSTITUIR COLTRANE? No plano musical, o sexteto, muito ativo durante todo o ano de 1959, foi abandonado pelos companheiros de Miles Davis. Depois de Bill Evans, foi Cannonball Adderley que se afastou no início do outono. Quanto a John Coltrane, ele avisou que deixaria o grupo ao retornar aos Estados Unidos, depois de uma grande turnê pela Europa. De 21 de março a 10 de abril de 1960, o quinteto visitou 20 grandes cidades europeias. As gravações realizadas durante a turnê trazem um Davis às vezes à beira da abstração na exposição de baladas, com um timbre, uma entonação, uma articulação e uma formulação de melodias frequentemente “desajeitadas”. Em andamentos rápidos, ele privilegiava o diálogo com Jimmy Cobb, tocando com o espaço, a extensão e a interjeição 108 Miles Davis casou-se com a bailarina Frances Taylor em 21 de dezembro de 1960 (ao lado, em Londres, em setembro do mesmo ano). Alguns meses depois, ele impôs ao selo Columbia que colocasse o retrato dessa “beleza negra” na capa do álbum Someday My Prince Will Come em vez de uma vulgar playmate branca. de fórmulas lapidares, enquanto o piano multiplicava as entradas e saídas improvisadas. Mas foi Coltrane que provocou comoção. Apesar das reações violentas de algumas plateias, em especial no Olympia de Paris, em relação às longas durações, ele se lançou com força em peças como “So What”, misturando as frases, saturando-as com ideias que se chocam umas contra as outras, com uma fúria que anunciava sua evolução futura. Na primavera de 1959, o saxofonista concluiu a exploração da harmonia bebop no álbum Giant Steps. Daí em diante, ele tomou a liderança da exploração do domínio modal de um modo que Miles Davis, que havia iniciado essa tendência, não sabia como segui-la e por sem Bill Evans e sem “Trane”. Tinha consciência de ser incapaz de se aventurar sozinho. Wayne Shorter poderia ajudá-lo a superar esse obstáculo. Quando Coltrane sugeriu que Wayne o substituísse durante a turnê europeia de 1960, Miles rejeitou violentamente a proposta. Depois de Coltrane deixar o sexteto, Miles arrependeu-se dessa decisão. Mas já era tarde demais. Shorter estava então bem integrado nos Jazz Messengers. Finalmente, o pioneiro do bop Sonny Stitt foi quem sucedeu a Coltrane e, quando o novo quinteto se apresentou novamente no Olympia no outono, o contraste foi surpreendente. No início de 1961, Miles contratou Hank Mobley, hard bopper tranquilo que havia se destacado nos Jazz Messengers. Com ele, Miles iniciou, em 7 de março de 1961, a gravação de um novo disco, durante o qual tentou alternadamente continuar o trabalho de Kind of Blue e desistir dele. “Drad-Dog” é uma extensão de “Blue in Green”, mas não tem a mesma magia nem a mesma audácia formal. Por outro lado, “Pfrancing” (também conhecida sob o nome de “No Blues”) é um blues riff tipicamente churchy, na tradição do hard bop. Esse título enigmático é um jogo de palavras (prancing, dancing, frantic que significam, respectivamente “fogoso”, “dançante”, “frenético”) em homenagem à Frances, cujo rosto apareceu na foto da capa do álbum Someday My Prince Will Come. QUEREMOS MILES U M DIA MEU PRÍNCIPE VIRÁ. É a célebre canção de Branca de Neve no filme de Walt Disney que deu nome ao álbum. Miles Davis explicou: “Comecei a exigir que a Columbia colocasse negros nas minhas capas. [...] Afinal de contas, era o meu disco e eu era o príncipe de Frances”. A canção foi gravada em 20 de março. Depois dos solos de trompete, de saxophone e de piano, Miles expunha novamente o tema ao estilo de um crooner, quando John Coltrane surgiu no estúdio com o sax tenor na mão. De repente, foi como se o sol se erguesse em um manhã nebulosa. Descobrindo os acordes da música na partitura, ele se lançou em um solo de descontração, invenção e construção vertiginosas. Em dois chorus, tudo foi dito em uma prodigiosa curva de oratória e Miles repetiu a exposição mais uma vez, antes de deixar longamente soar o piano com um pedal de contrabaixo, como uma invocação ao tempo para que suspendesse seu voo. Mas Coltrane só estava de passagem. No entanto, ele voltou no dia seguinte e tomou o lugar de Hank Mobley em “Teo” (chamada “Neo” em público), que é um tipo de versão valseada de “Flamenco Sketches”. O solo de Coltrane nessa música demonstra a extensão de sua linguagem no terreno do jazz modal e a distância que já colocara entre ele e seus companheiros. Será que Miles estava prestes a tomar a rota que levou Trane para o free jazz? A experiência que teve com o que chamava ainda de new thing (coisa nova) ao escutar o quarteto de Ornette Coleman, em novembro de 1960 no Five Spot, só deixou-lhe sarcástico. ELE ERA ALGUÉM Miles Davis afirmou ter transformado o jazz quatro ou cinco vezes; isso está longe de ser falso. Ele era também um mestre do palco, da representação, que modificou o olhar que as pessoas tinham sobre o jazz e a origem racial. Davis transformou o palco dos clubes em um espaço teatral, revelando seu potencial de expressão e de drama. Ele se recusava a agradecer quando era aplaudido, não queria se dirigir ao público, virava as costas muitas vezes, tornando-se assim um adepto do “Método” definido por Constantin Stanislavski e utilizado no Actor’s Studio. Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift; eles também haviam rompido com os costumes e adotado um jogo íntimo, carregado de emoção, improvisado, que dava uma impressão de realismo. Seus personagens eram agitados, mal-educados, incapazes de se comunicar. Sua atitude era percebida como uma forma de rebelião e seu descontentamento como uma incapacidade de se integrar à sociedade de sua época. Por trás de uma máscara inexpressiva, espiava uma inteligência impossível de ser posta em palavras. Seus gestos, sua falta de desembaraço, seu distanciamento misturavam-se a elementos do cool, uma postura estética vinda da África Ocidental, na qual a beleza e o caráter se fundem em uma forma de sangue-frio. Essa forma não deixa de lembrar a concepção baudelairiana do dândi, boêmio aristocrático cuja frieza encontra sua fonte na oposição e na revolta. Miles Davis nunca usou a carta do espetáculo, nunca permitiu que se visse nele apenas um músico negro. Ele chegava a se apresentar com uma arrogância real ou a se impor como um artista cuja violência baseava-se em princípios. Ele podia dominar o público com um olhar, um gesto, com esse sentido calculado do subentendido que é próprio aos mímicos. Miles era o Marcel Marceau do jazz. Nos anos 50, os Estados Unidos tomaram consciência que as linhas que delimitavam as relações sociais e entre os sexos estavam mudando. Os sociólogos falavam da era da conformidade, do enfraquecimento do superego e de comportamento gregário. Temíamos que uma economia nova criasse uma sociedade na qual as pessoas estivessem excessivamente bem integradas e fechadas ao exterior. Acreditava-se em uma crise da masculinidade, temendo que os homens se enternecessem, que se tornassem excessivamente emotivos, em resumo, que se afeminassem. E foi em meio a essa ansiedade exacerbada e a essas revindicações desmesuradas em relação à identidade masculina que Miles surgiu: singular e individualista ao extremo, com as aspirações materiais de um playboy e uma sede de expressão pessoal digna dos poetas beat. Alguns viram nele um existencialista natural, segregado devido a sua cor, mas em busca de liberdade, subindo aos palcos todas as noites e se arriscando em todos os solos. A ousadia encarnada. Seus grupos foram discutidos com a paixão dos aficcionados por esportes; as evoluções de sua música foram dissecadas como os grandes movimentos da arte pictórica; buscou-se sentido no menor de seus gestos. Um discurso foi construído ao redor dele, que não considerava levianamente a questão racial — histórias relativas a seus demônios, a seus sofrimentos e a sua ambição. Quando ele se permitia um tempo para descansar e desaparecia, surgiam os rumores: ele estava ferido, doente ou morto; ele não conseguia mais tocar. Mas ele sempre ressurgia, sempre mais inovador do que seus fãs poderiam suportar. Ele era alguém. John Szwed PROFESSOR EMÉRITO DE ANTROPOLOGIA NA UNIVERSIDADE DE YALE. É O AUTOR DE UM LIVRO CONSAGRADO A SUN RA, SPACE IS THE PLACE: THE LIVES AND TIMES OF SUN RA (DA CAPO PRESS, 1998), E TAMBÉM DE SO WHAT (SIM ON & SCHUSTER, 2002), A BIOGRAFIA MAIS RECENTE DE MILES DAVIS. Foto: Leigh Wiener. Em abril de 1961, a Columbia aproveitou uma temporada de duas semanas no Black Hawk de San Francisco para gravar Miles Davis e seu grupo ao vivo. Um álbum de dois volumes foi lançado a partir das apresentações nesse clube. Foto: Leigh Wiener 114 Os projetos com grandes orquestras de Miles Davis com Gil Evans perderam o ímpeto no início dos anos 60. A apresentação de maio de 1961 no Carnegie Hall em Nova York, praticamente o único exemplo de uma apresentação conjunta dos dois músicos, foi transformada em disco (o saxofonista de Miles Davis era, na época, Hank Mobley — embaixo à esquerda). No ano seguinte, o álbum Quiet Nights foi concluído pelo produtor Teo Macero, do modo que lhe foi possível, a partir de uma montagem de faixas que não haviam sido totalmente concluídas pelos dois músicos (em baixo, à direita, durante as sessões de gravação realizadas em agosto). Fotos: Vernon Smith (à esquerda); Don Hunstein (à direita). Ele não tinha o mesmo ponto de vista sobre a evolução de John Coltrane, mas o confronto o afetou. Ele passou a demonstrar uma animosidade crescente em relação a Hank Mobley e o desânimo tomou conta dele: “Não gosto de tocar com Hank, é isso; ele não estimula minha imaginação. No Black Hawk de San Frascisco, em que Miles Davis apresentou-se em abril de 1961, foram feitas gravações ao vivo nos dias 21 e 22 tendo em vista um álbum em dois volumes, com capas idênticas (na qual vemos Frances ao lado de Miles), intitulados Miles Davis in Person at the Black Hawk, San Francisco, com subtítulos respectivos Friday Night e Saturday Night. Ele se apresentou em plena forma, apoiado por uma rítmica luxuosa que ronrona como o potente motor de uma limusine, mas tem-se a impressão de que o criador que sempre foi até Kind of Blue renunciou e que ele não é mais que um imenso estilista que, daí em diante, iria se repetir de show a show. No final do ano, Hank Mobley foi substituído por Rocky Boyd, discípulo desconhecido de John Coltrane e que teve uma carreira efêmera; depois, em 1962, Miles contratou Sonny Rollins e J. J. Johnson, reconstituindo assim o sexteto que havia dirigido depois da dissolução do noneto nos anos 50. QUEREMOS MILES P ONTO MORTO. Na mesma época, ele trabalhou em um novo projeto com Gil Evans que foi levado pela onda brasileira. Parece que, de fato, este conheceu a música brasileira antes de 1962, por meio do encarte internacional do catálogo da Columbia. Ele chegou mesmo a indicar gravações de Tom Jobim e de João Gilberto para o produtor Creed Taylor, antes que esse último produzisse o famoso Jazz Samba de Stan Getz e Charlie Byrd que alimentou o interesse pela bossa nova. Mas as gravações de seu novo disco com Miles arrastavam-se. “Corcovado”, de Tom Jobim, e “Aos Pés da Cruz”, de Marino Pinto e José Gonçalves, foram gravadas em 115 116 Na primavera de 1963, Miles Davis reuniu a seu redor uma nova seção rítmica que, com o pianista Herbie Hancock, o contrabaixista Ron Carter e o jovem baterista Tony Williams, fez sua primeira aparição no disco Seven Steps to Heaven. Ao lado, em Berlim, em setembro de 1964 Fotos: Jan Persson 27 de julho de 1962, “Song n°1” (creditada a Miles e Gil, mas inspirada em “Adelita”, do compositor e violonista Francisco Tarrega) e “Wait till You See Her”, de Richard Rodgers, foram gravadas em 13 de agosto, “La Valse des lilas” (“Once upon a Summertime”) de Michel Legrand e “Song n°2” (a partir de uma canção folclórica mexicana) foram gravadas em 6 de novembro de 1962. Nesse meio-tempo, a Columbia preparava um álbum natalino intitulado Jingle Bells Jazz, reunindo vários artistas do jazz que tinha em seu catálogo. “Qual bobagem eles querem que eu toque? ‘Natal branco’?” perguntou Miles ao cantor Bob Dorough, referindo-se à canção “White Christmas”. Com este último, ele gravou um “Blue Xmas”. No final de 1962, as sessões de gravação com Gil Evans estavam em ponto morto. Sonny Rollins deixara o quinteto e fora substituído por Jimmy Heath. Depois foi a vez de Wynton Kelly e de Paul Chambers saírem do grupo, obrigando Miles a pagar indenizações aos organizadores que o haviam contratado para o início de 1963. Em maio de 1962, depois da morte do pai, ele descobriu uma carta que havia deixado de lado e na qual este lhe anunciava sua morte iminente. Sua moral se degradou e os efeitos da drepanocitose surgiram, muitas vezes impedindo-o de trabalhar. O álcool e a cocaína, que ele nunca havia deixado totalmente de consumir, passaram a ser uma parte importante no arsenal médico destinado a tranquilizá-lo, mas o levaram a se fechar um pouco mais em si mesmo. s QUEREMOS MILES EVEN STEPS TO HEAVEN E ATAQUE DE fúria. Em abril de 1963, tentando reunir um novo quinteto para uma série de apresentações na costa oeste, Miles Davis testou jovens músicos vindos de Memphis, dentre os quais manteve George Coleman, saxofonista tenor recomendado por John Coltrane. Como contrabaixista, ele contratou Ron Carter, músico vindo de Detroit e recomendado por Paul Chambers, muito solicitado em Nova York. Por fim, Jackie McLean emprestou-lhe um jovem prodígio da bateria de apenas 17 anos: Tony Williams. Este acompanhou o sexteto a Nova York, mas não estava disponível para a Califórnia. No dia 16, ao entrar no estúdio para dois dias de gravação em Los Angeles, Miles confiou as baquetas a Frank Butler, baterista negro que tocava com todos na Costa Oeste e, para completar o quinteto, chamou Victor Feldman, jovem pianista de origem britânica que morava na Califórnia. Miles já o havia citado como exemplo de um bom artista de jazz não americano e confiava muito nele. Ele reteve sua composição “Joshua”, compôs uma outra em parceria com o pianista (“Seven Steps to Heaven”) e aceitou a sugestão de uma música de dois compositores britânicos (“So Near, so Far”). As outras peças foram baladas tocadas em quarteto, sem saxofone. “Summer Night” e “Fall in Love too Easily” poderiam ter sido influenciadas por Shirley Horn que dividira com Miles o cartaz do Village Vanguard no ano anterior. “Baby Won’t You Please Come Home” e “Basin Street Blues” foram emprestadas do repertório do jazz tradicional, anterior ao swing. Por trabalhar para os estúdios de Hollywood, Victor Feldman recusou a proposta de acompanhar Miles Davis. Ao voltar a Nova York, este contatou Herbie Hancock, então com 23 anos. Miles o convidou, e também George Coleman, Ron Carter e Tony Williams, para ensaiar na sala de música. Durante dois dias, Miles se contentou em supervisioná-los por meio da rede de alto-falantes espalhados em seu apartamento. No terceiro dia, ele apareceu rapidamente e marcou um encontro com eles no dia seguinte, 14 de maio, no estúdio da Columbia. Nesse dia, eles gravaram “Seven Steps to Heaven”, “So Near, so Far” e “Joshua”, que ficaram mais fluentes e substituíram as versões de Los Angeles no álbum lançado sob o título de Seven Steps to Heaven. Ornamentado por um contracanto que se parece muito com os hábitos melódicos de George Coleman, “So Near, so Far” passou da métrica de quatro tempo para 6/8 permitindo, em vários momentos, adivinhar a métrica anterior como se fosse uma transparência, como um jogo de ilusões que, a partir de então, passou 118 119 Estimulado pelos jovens músicos que o acompanhavam, Miles Davis questionou os próprios hábitos e se ligou a eles com uma cumplicidade que era visível no palco. Ao lado, com Herbie Hancock, em Berlim, em setembro de 1964. Foto: Jan Persson a ser a assinatura do quinteto. O álbum foi gravado em julho e inclui esses três títulos, complementados por três outros escolhidos entre aqueles que haviam sido gravados um mês antes em Los Angeles. Não aproveitada, a faixa “Summer Night” foi lançada alguns meses depois, em dezembro de 1963, complementando as últimas gravações “brasileiras” com Gil Evans, que o produtor Teo Macero tomou a iniciativa de lançar, provocando o furor de Miles. Saxofonista, Teo Macero estudou composição e praticou eletroacústica na Juilliard de 1948 a 1953. Em seguida, ele colaborou com Charles Mingus e contribuiu com partituras ambiciosas para o surgimento da third stream. Contratado pela Columbia em 1957, em uma época em que a empresa era pioneira no domínio da engenharia e montagem sonora, ele participou da pós-produção de Porgy & Bess e, depois, substituiu Irving Townsend durante a produção de Kind of Blue. Seu nome foi creditado pela primeira vez no verso de Someday My Prince Will Come, no qual ele realizou um audacioso trabalho de montagem. Quando Quiet Nights foi lançado, Gil Evans e Miles Davis sentiram-se traídos, pois suas gravações de 1962 ficaram inacabadas. As manipulações de Teo Macero não foram suficientes, na opinião deles, para torná-las publicáveis. Miles decidiu ignorar os estúdios da Columbia. D O TERNÁRIO AO BINÁRIO. Ele concentrou toda a sua atenção no novo quinteto e pediu a seu agente que multiplicasse as apresentações. A idade dos músicos que ele contratara não era um fator pouco importante. O mais jovem, Tony Williams, tinha quase 20 anos a menos que Miles. Grande admirador de Philly Joe Jones e do sexteto de 1958, ele demonstrava um entusiasmo contagiante. Ele incentivou Miles a retomar seu repertório dos anos 1950. Curioso por natureza, ele ouvia o free jazz atentamente e convenceu Herbie Hancock a tocar com Eric Dolphy. Mais tarde, seu interesse pelo rock contribuiu para a evolução do grupo. Seu toque baseia-se em uma virtuosidade aritmética da divisão do tempo, comparável ao trabalho realizado por Elvin Jones no quarteto de John Coltrane. A aritmética ternária de Elvin Jones decompunha sua frase em tercinas, isto é, em três colcheias iguais, que ele distribuía por todos os elementos da bateria. Tony Williams praticava a mesma distribuição, mas tendia a decompor o tempo em duas colcheias iguais ou em quatro semicolcheias. Ao mesmo tempo que contribuiu para aproximar o jazz e as músicas populares dos anos 60 (rock, soul) que privilegiam essa distribuição binária, ele usava a ambiguidade entre os dois modos rítmicos, sobrepondo-os e misturando-os, com um senso da cor que participa da grandeza do que hoje chamamos de o “segundo quinteto” de Miles. “Tony me fez tocar de tal modo”, disse o trompetista, “que eu até esquecia as dores nas articulações que tanto me preocupavam”. C QUEREMOS MILES ORRENDO RISCOS. Herbie Hancock era um jovem prodígio do piano, que assimilou a literatura clássica do instrumento praticado em nível muito alto desde tenra idade, além de assimilar o estilo funky de Horace Silver, injetando ambos na música de seu primeiro empregador, o trompetista Donald Byrd. Ele adicionou ao conjunto de Miles os sabores picantes da música negra e a delicadeza que Bill Evans soube introduzir no jazz. Em especial, ele era de uma geração que, por ser posterior à de Bill Evans, estava familiarizada com o vocabulário dos modos, reinventando assim a linguagem da progressão harmônica que parece, repentinamente, atingir a quarta dimensão. Fator de estabilidade, Ron Carter foi o herdeiro de Paul Chambers, tanto no plano do timing (a qualidade do tempo interior) quanto no que se refere à imaginação, à riqueza do vocabulário e ao virtuosismo. Ele encarnava a persistência da tradição por meio de sua ancoragem ao tempo, mas as novas lógicas desenvolvidas por seus dois cúmplices não tinham nenhum segredo para ele. Desse modo, ele participou com gosto dos jogos de ilusões e das armadilhas que criavam o pianista e o baterista por trás dos solos de George Coleman, assim que Miles dava-lhes as costas. O saxofonista não era totalmente cúmplice desses toques arriscados que, às vezes, beiravam à insensatez. Sob a capa de uma grande elegância, ele resistia às travessuras de seus colegas que transpunham para o terreno da livre iniciativa e do improviso os cenários precisos que anteriormente Miles ditava à sua rítmica. Enquanto os demais músicos passavam as noites nos quartos do hotel conversando sobre o que tinham tocado e imaginando outras loucuras para o dia seguinte, o saxofonista trabalhava incansavelmente em seus futuros solos. Miles chegou a repreendê-lo: “Eu não o contratei para tocar em seu quarto de hotel, mas no palco!” Por outro lado, ele logo pediu a sua rítmica que acompanhasse seus solos com a mesma intensidade que os de Coleman. Dito e feito: “No primeiro dia, ele se atrapalhou um pouco”, contou Herbie Hancock a Laurent de Wilde para a revista Jazz Magazine, “no segundo dia, um pouco menos e no terceiro dia, eu é que tive dificuldade para acompanhá-lo. Quatro dias depois, a situação estava invertida. Ele não só entrou na brincadeira, como a dominou. E seu toque ficou diferente depois disso. É assim que Miles funciona. Ele reúne em um todo aquilo que extraiu de uns e outros”. U M STRIPTEASE PRODIGIOSO. Miles Davis havia deixado os estúdios depois da discussão com Teo Macero e foram as gravações ao vivo que permitiram ter ideia da dimensão dessa orquestra, em especial a apresentação no Philharmonic Hall de Nova York, realizada em 12 de fevereiro de 1964 121 Em 12 de fevereiro de 1964, Miles Davis fez uma apresentação no Philharmonic Hall de Nova York (ao lado) cuja gravação foi publicada em dois volumes. As interpretações de My Funny Valentine e de Stella by Starlight tornaram-se referências. A parte dos clássicos no repertório, enquanto isso, diminuía progressivamente com a substituição de George Coleman (à direita) por Wayne Shorter em setembro do mesmo ano. Fotos: Vernon Smith (publicada em dois volumes, My Funny Valentine e Four & More). Quando, no momento de entrar em cena, Miles revelou que os cachês seriam revertidos em benefício da campanha em andamento pela inscrição dos negros nas listas eleitorais dos estados do sul dos Estados Unidos, irrompeu nos bastidores uma acirrada discussão entre os músicos. Para Miles, a tensão resultante contribuiu para o caráter excepcional da música tocada naquela noite. Ao ouvir “Stella by Starlight” temos uma ideia das liberdades insensatas tomadas pelo grupo. Depois de uma introdução de Herbie Hancock que lembrou Bill Evans, Miles Davis lançou as duas primeiras notas do tema que deixava adivinhar um andamento médio (cerca de 120 semínimas por minuto ou 120 a semínima), o trompetista continuou a exposição em rubato (sem pulso) em duo com o pianista. Quando entrou o contrabaixo, este tocou brevemente a tempo e um ouvinte atento dispunha de uma medida para compreender que o andamento era a metade daquele sugerido (ou seja, 60 a semínima). Depois disso, o contrabaixo não enunciou mais o tempo, mas ornamentou o pulso, enquanto Miles submetia a melodia a todo tipo de efeitos de variação, de compressão ou de extensão que contribuíam para confundir o ouvinte. O desenho da melodia revelava-se ao ouvinte por meio de fragmentos sucessivos e por transparência, como em um striptease prodigioso. O erotismo da situação chegava ao auge e ouviu-se um uivo na sala; respondendo ao impulso de Miles Davis, Herbie Hancock instalou a batida a 120, ilusão que Tony Williams manteve em seguida enquanto as harmonias da peça continuavam a ocorrer a 60, com numerosas suspensões e outras ilusões rítmicas e harmônicas que brincavam com o desejo do ouvinte. O isolamento de George Coleman e as queixas dos membros da rítmica em relação a ele provocaram sua partida. Miles Davis continuava a pensar em Wayne Shorter, que continuava a tocar no Jazz Messengers. Tony Williams tocava com Eric Dolphy, mas essa figura ambígua (da vanguarda recebeu críticas nada elogiosas por parte de Miles (“Ele toca como se alguém tivesse pisado no pé dele”). O trompetista deixou-se finalmente convencer por seu baterista a contratar Sam Rivers para o verão. Músico discreto, já com 41 anos, ou seja, três anos a mais que Miles, ele também crescera com o bebop, mas demonstrava um interesse intenso pelo free jazz do qual se tornaria um dos padrinhos. Quando apresentou-se em Tóquio, em 14 de julho de 1964 (Miles in Tokyo, lançado em 1969), essa tendência foi perceptível em seu fraseado e em sua sonoridade, o conteúdo de sua frase, bastante clássico em “My Funny Valentine”, permanecendo relativamente conforme à estrutura harmônica original. Embora mais angular, descontínuo ou saturado, às vezes abrupto em “So What”, ele parecia relativamente estranho às propostas da rítmica e chegava mesmo a paralisá-la. Isso o incitou, nas entrevistas posteriores, a qualificar a música do quinteto de “bebop”. Wayne Shorter não tinha a mesma abordagem e foi por isso que Miles e seus companheiros lhe suplicaram que se juntasse a eles assim que, ao voltar do Japão, souberam que saíra dos Jazz Messengers. P LANO B. O mal-entendido entre Rivers e a rítmica de Miles ilustra a cisão que atravessava então o jazz moderno. Surgindo no final dos anos 50, ao redor de alguns líderes de banda como Cecil Taylor e Ornette Coleman, um novo gênero impôs-se durante a década seguinte, inicialmente denominado new thing (coisa nova) e, depois, free jazz (jazz livre), conforme o título de uma obra experimental de Ornette Coleman gravada em 1960. Os músicos que a adotaram, em sua grande maioria, contornaram as exigências técnicas do bop com que tiveram contato durante uma aprendizagem realizada na prática, em Miles Davis atento, Sala Pleyel, em Paris, 1 de outubro de 1964 Foto: Philippe Gras 123 geral no universo do rhythm and blues. Eles realizavam uma verdadeira tabula rasa, denunciando de maneira radical os contextos em que a música negra pode se impor à sociedade americana (ritmo regular destinado à dança, contornos melódicos e leveza de expressão com finalidade de entretenimento). Eles rejeitaram completamente os elementos que o jazz moderno pegou emprestado da música erudita europeia para conquistar uma aparência de respeitabilidade (complexidade harmônica e formal, virtuosidade instrumental). Se os músicos free não eram indiferentes às pesquisas da música contemporânea europeia, eles se afastaram pela vontade de se reconectar com o jorro espontâneo e com a expressão bruta da tradição negra americana no que ela poderia ter de mais africano, segundo um caminho que os levou a se interessarem, de modo então muito inocente, pelo conjunto das tradições extraeuropeias. A variação melódica se exacerbou até o grito; a improvisação se desembaraçou da sintaxe harmônica em prol dos contrapontos livres; o desenho melódico, o perfil rítmico e a plasticidade do som explodiam e se desagregavam; as formas musicais e seus percursos impostos se dissolveram a favor da livre vagabundagem coletiva. Há tantas características que é necessário estabelecer nuances caso a caso, pois o free jazz está longe de ser uno e uniforme. Espetacular em seus questionamentos, ele monopolizava ainda mais a atenção por acompanhar, de modo mais ou menos consciente, a luta política dos negros. A luta não violenta liderada por Martin Luther King confrontou uma resistência brutal e criminosa por parte da comunidade branca nos estados do sul dos Estados Unidos, estendeu-se aos estados do norte em um clima de extrema tensão que iria se multiplicar em rebeliões a partir de 1965 e que levou à radicalização do movimento em suas facções estudantis. Com o surgimento do partido dos Black Panthers, com vocação revolucionária anti-imperialista, aberto às teorias marxistas e solidário aos movimentos de libertação que apareceram em todo o mundo, novos slogans como Black Power e Black is beautiful ressoaram como um eco das posições estéticas do free jazz. A OUTRA LIBERDADE. Mesmo permanecendo ao largo dos acontecimentos (mas os artistas free também estavam minoritariamente envolvidos), Miles desprezava profundamente o free jazz. Sua família era, além disso, baseada em uma concepção menos espetacular da liberdade e dos riscos do que a concepção subjacente ao free jazz. Fala-se às vezes de jazz modal para designar o que não se originava, então, nem do jazz clássico, nem do bop, nem do free jazz, mas esse rótulo era restritivo demais. Os músicos do segundo quinteto de Miles foram os representantes mais significativos desse movimento indefinível por ser tão singular. Eles tinham em comum a vontade de assimilar tudo que passava a seu alcance. Na época, as ferramentas que Bill Evans emprestou dos compositores clássicos para avançar a utilização dos modos, o vocabulário de Coltrane, a aritmética de alta precisão desenvolvida por Elvin Jones e Tony Williams encontravam-se no cerne desse trabalho de assimilação que se abriu progressivamente ao outros domínios (músicas populares negras, rock, world music). Se a tabula rasa raramente era total do lado do free — alguns músicos se encontravam no limite dos dois mundos, como Charles Mingus, Eric Dolphy, Andrew Hill e Sam Rivers —, observamos nos músicos free uma abordagem mais intuitiva, menos preocupada com a técnica e a teoria, menos voltada à ideia de acabamento e de domínio do que à urgência da expressão. 124 Transformado em astro de fama internacional, Miles Davis retornou, a partir de meados de 1960, às grandes salas de concerto das capitais europeias. Ao lado, sua chegada ao aeroporto de Orly, em 6 de novembro de 1967. Foto: Christian Rose. Os músicos de Miles Davis lhes opõem o conceito de controlled freedom (liberdade controlada), herança de uma aprendizagem na qual se combinavam o espírito da disciplina que atravessa a história do jazz improvisado, de Louis Armstrong a John Coltrane, e da obtida por meio do ensino institucionalizado. Herbie Hancock foi inicialmente um jovem prodígio do piano clássico. Ron Carter diplomou-se na Manhattan School of Music. Único a ter um interesse marcante pelo free jazz, Tony Williams estudou com Alan Dawson, professor da famosa Berklee School of Music de Boston. A música que eles produziram assim que Wayne Shorter juntou-se a eles correspondia perfeitamente ao conceito de controlled freedom, mesmo que, em muitos casos, suas audácias os levassem à beira da perda de controle. A isso se junta uma capacidade de reação ao que tocam os outros músicos que provém daquela qualidade de escuta evidenciada pelo trio de Bill Evans sob o nome de interplay (interação). N QUEREMOS MILES O LIMITE DA RUPTURA. Wayne Shorter ocupava, no entanto, um lugar um tanto ambíguo nesse cenário. Portador de diploma universitário, ele foi discípulo de John Coltrane, talvez o primeiro e o mais próximo, pois eles tocaram juntos por volta de 1958, quando Coltrane aperfeiçoava o sistema harmônico de “Giant Steps”. No entanto, ele parece não ter encontrado em Coltrane aquilo que buscava. Mesmo dotado de um vocabulário incomparavelmente mais estruturado que o de Sam Rivers em 1964, na máquina de swing dos Jazz Messengers de Art Blakey, do qual era diretor musical, ele não impunha sua técnica aos que o rodeavam e, assim, estes podiam questionar seu andamento, sua exatidão e a precisão de sua articulação. Shorter era também estranho a essa tipo de culturismo musical ao qual, às vezes, se assemelhava o hard bop. Muitas vezes, ele parecia esperar pacientemente pelo momento em que a música vinha até ele, como sugerem seus títulos que evocavam a mística zen. Livre das restrições dos Jazz Messengers e em contato com Miles, ele passou por um renascimento: “Subitamente, senti-me como um violoncelo, uma viola. Meus solos ficaram mais fluidos e jorravam de modo intermitente, com um fraseado hifenizado como uma mensagem em código Morse. As cores começaram a surgir.” No outono de 1965, a nova formação do “segundo quinteto” fez uma turnê pelas grandes cidades europeias. Miles in Berlin causou sensação ao ser lançado em 1969, mas ainda muito maior foi a emoção dos fãs quando a Sony publicou, em 1976, no Japão, algumas faixas gravadas nas duas semanas em que o quinteto se apresentou no Plugged Nickel de Chicago, a partir de 21 de dezembro de 1965. Mas foi a publicação integral dessas faixas (The Complete Live at the Plugged Nickel 1965) pela Columbia que nos mostrou os riscos prodigiosos assumidos pelo grupo e que passaram despercebidos na época. Esse conjunto de oito CDs apresenta três gravações realizadas na noite de 22 de dezembro e quatro gravações feitas no dia seguinte. Ele permite assim comparar diversas versões de um mesmo tema tocadas com algumas horas de intervalo. Com andamentos no limite da ruptura (“Walkin’”,“Milestones”, “So What”, “Agitation”, “All Blues”), em uma bruma sonora onde às vezes eles mesmos parecem se perder — reencontrando-se por meio dos sinais que enviam uns aos outros sob a forma, por exemplo, de lembretes temáticos —, os músicos entregam-se a um trabalho de distorção das formas harmônicas e rítmicas que, de vez em quando, tomam ares dramáticos. Especialmente em “Stella by Starlight”, Tony Williams divertia-se dobrando e redobrando a batida e terminou por fazer o grupo deslizar no andamento médio que, na versão 1964, 126 No final de dezembro de 1965, Miles Davis era anunciado no Plugged Nickel. As gravações realizadas nesse clube de Chicago revelam a ousadia dos músicos de seu “segundo quinteto”. era apenas sugerido. Essa prática ainda era relativamente inédita no jazz. Miles já havia tentado fazer isso em Kind of Blue contraindo os dez compassos da estrutura de “Blue in Green” em cinco compassos para o primeiro solo de piano e o solo de saxofone e, depois, em dois compassos e meio para o segundo solo de piano. Em 1965, ele tinha os músicos necessários para retomar a experiência. Isso ocorreu de modo fortuito ou voluntário? Se “Blue in Green” surgira da experimentação cuidadosa, era agora no fogo da ação, com a corda no pescoço, que os cinco músicos assumiam o desafio. M ILES SMILES. Miles Davis aceitou a contragosto a gravação realizada no Plugged Nickel. Nela, ele não está no melhor de sua forma. Durante os sete meses anteriores, sua saúde o manteve afastado dos palcos. A articulação esquerda de seu quadril exigiu um enxerto ósseo em abril de 1965. Mal recuperado, ele quebrou a mesma perna e, em agosto, teve de se submeter a nova cirurgia para refazer o enxerto ósseo. O uso contínuo de analgésicos combinados com a cocaína lançou-o em uma profunda paranoia. Sem suportar seus ciúmes, as infidelidades, a violência conjugal e os comportamentos imaturos ou mesmo loucos, Frances deixou-o no final de 1965. No mês de janeiro seguinte, Miles ficou acamado durante três meses devido a uma inflamação do fígado. Durante seus passeios no Riverside Park durante o período de convalescência, Miles conheceu a atriz negra Cicely Tyson, que contribuiu para sua subsequente recuperação. QUEREMOS MILES Entre 1965 e 1968, Miles Davis deu nome a álbuns que se transformaram em clássicos do jazz moderno. Em alguns deles, ele fez figurar o rosto de suas companheiras: Frances Taylor em E.S.P, a atriz Cicely Tyson em Sorcerer e a cantora Betty Mabry em Filles de Kilimanjaro. Wayne Shorter e Herbie Hancock contribuíram intensamente para renovar o repertório de Miles Davis. Suas composições revelam práticas e exigências harmônicas e rítmicas que não eram mais compatíveis com a forma dos padrões tradicionais. Ao lado, as partituras do trompete em “E.S.P.”, “Capricorn”, “Pinocchio” e “Dolores” manuscritas por Wayne Shorter, e de “Little One” manuscrita por Herbie Hancock, assim como a partitura do baixo de “The Sorcerer” deste último. Quatro décadas depois de sua colaboração com o trompetista, Herbie Hancock e Wayne Shorter nunca deixaram de relembrar o quanto eles deviam a Miles Davis. Ao lado, no estúdio para a Columbia, provavelmente em 1968. Foto: Corky McCoy Até o início dos anos 70, ele manteve a forma física praticando boxe e natação, o que teve efeitos inegáveis sobre seu modo de tocar trompete, o qual se equiparou, em termos de fraseado e de sonoridade com os pontos altos do final dos anos 50. Na primavera de 1966, ele voltou à estrada com o quinteto, no qual, Ron Carter, sempre muito solicitado, às vezes era substituído por Richard Davis, Gary Peacock ou Reggie Workman. Cansado de tocar em clubes onde o álcool e as drogas eram tentações permanentes, Miles passou a dar preferência aos shows nas universidades. Depois do verão, foi com disposição renovada que ele reuniu seu conjunto no estúdio e reencontrou Teo Macero, com quem não trabalhava há três anos. O álbum se chama Miles Smiles. Esse disco seguiu-se a uma primeira série de sessões de gravação do quinteto com Wayne Shorter, em janeiro de 1965 em Los Angeles, durante as quais a veia de Kind of Blue parece ter sido reencontrada, embora explorada muito mais anteriormente. Seu conteúdo foi lançado com o título enigmático de E.S.P., nome de uma música composta por Davis e Shorter, em cuja capa figura pela última vez Frances sob o olhar ansioso de Miles. Será que as três letras do título E.S.P. (abreviação de extra sensory perception “percepção extrasensorial” em inglês) se referem ao estado de telepatia necessário para praticar a improvisação coletiva? Era bem esse o espírito do quinteto, como demonstra a pressa com que Miles Smiles foi gravado em 24 e 25 de outubro de 1966. Encontradas pelos músicos ao chegarem ao estúdio, as partituras foram apenas lidas rapidamente e depois registradas em um único take, com um frescor que lembraria as sessões de gravação para a Prestige de 1956, caso não se tratassem de partituras originais, de natureza pouco comum. A espontaneidade dessas sessões de gravação e a felicidade que os músicos sentiam ao tocar era destacada pelas aproximações das estantes, às vezes até com arrastes audíveis no disco e também pelas interpelações e exclamações que Miles deixava escapar no final das músicas. QUEREMOS MILES U M REPERTÓRIO ORIGINAL. Em E.S.P., como em Kind of Blue, Miles Davis deixou de lado os clássicos, preferindo um repertório original. Mas, dessa vez, ele valorizou os talentos de seus músicos como compositores. Tony Williams começou a gravar seu próprio repertório na Blue Note (Life time). Herbie Hancock tornou-se conhecido com o sucesso “Watermelon Man”, em seu primeiro disco para a Blue Note (Takin’ off) e, depois, gravou outros quatro. Ron Carter também compunha. Quanto a Wayne Shorter, depois de Introducing Wayne Shorter (1959), composto quase que exclusivamente por ele, tornou-se um dos principais fornecedores de partituras dos Jazz Messengers e, em dois anos, tinha suas músicas gravadas em sete álbuns para a Blue Note que contam com grande número de obras-primas. Ele viria a assinar outras, especialmente nas sessões de gravação com Miles Davis, em maio de 1967, a partir das quais foi lançado o álbum Nefertiti, e nas de junho (Sorcerer), sem falar nas faixas ineditas reveladas em Water Babies de 1976. 131 O novo repertório se afastava radicalmente dos padrões. Nele, se destacava uma cor que provém do uso recorrente do intervalo de quarta. Isso ocorre nas melodias (as três primeiras notas de “E.S.P.”, são duas quartas descendentes, e as quatro primeiras notas de “Hand Jive”, são uma quarta ascendente seguida por uma descendente). O intervalo de quarta também está presente nos acordes (“Eighty One”), em que substitui o intervalo de terça, mais comum conferindolhes uma natureza estranha, nem menor, nem maior. Muitas vezes, os acordes são distorcidos, alterados, híbridos, não-funcionais, criando uma atmosfera de agnosticismo diante do monoteísmo harmônico do bebop ou de ateísmo — muitas vezes mais declarado do que real — do free jazz. As sequências de modos inauguradas com “Flamenco Sketches” estão de volta graças a músicos capazes de interpretá-las com uma liberdade que, em “Agitation” ou “Riot”, demarca-se radicalmente do desenvolvimento cauteloso e previsível das primeiras tentativas do gênero. As estruturas, quando não movediças (“Circle”), são insólitas («RJ»), “Dolores”, “Limbo”) e podem sofrer efeitos de contração (“Iris”). A frase ternária deixa de ser a regra. Em “Eighty One” alternam-se as colcheias iguais do rock e as desiguais do swing, mas, quase sempre, o baterista brinca com a superposição e a ambiguidade, enquanto a métrica sofre alterações estruturais (“Black Comedy”, “Limbo”) ou improvisadas (ambiguidades permanentes ao longo de “Footprints”). N ovas regras do jogo. Nisso, a atuação da dupla Ron CarterTony Williams é imprescindível. Miles Davis conserva, porém, uma influência determinante pela forma como adapta e “encena” as composições de seus colegas. Pode modificar a natureza ao incentivar a “interpretação” mais solta (como ilustra a comparação de “Footprints” na versão de Wayne Shorter no seu próprio álbum Adams’s Apple com a do Miles Davis Quintet em Miles Smiles) ou ao inverter os papéis (como em Nefertiti em que pede para o saxofone e o trompete repetirem o tema ad infinitum, acompanhando improvisações coletivas da seção rítmica). Mas é comum ele intervir no próprio conteúdo, modificando a métrica (“Madness”, composta por Herbie Hancock como uma balada de três tempos, adquire no estúdio uma forma mais abstrata, reduzida ao seu trecho final e abrindo para uma linha flutuante de ritmo triplo). Costuma limpar a partitura de complicações e supérfluos, reduzindoa a sequências estáticas que deixam o solista à vontade. “Não quero mais tocar na base de acordos”, costuma declarar, enquanto proíbe Herbie Hancock de usar as “notas amanteigadas”, ou seja, o “mau colesterol” da linguagem harmônica. É frequente Hancock deixar o acompanhamento e, quando improvisa, é muitas vezes pura melodia, sem a mão esquerda. Time, no changes (“O andamento, sem alterações”): é assim que os músicos nomeiam sua música. Sem sombra de dúvida, Ornette Coleman, que Miles Davis tanto criticou, já está se aproximando, e Miles acabará reconhecendo que, como o tempo, sua música aproxima-se da de Don Cherry (o trompetista de Ornette). Durante os shows da turnê europeia de 1967, em que as composições originais praticamente substituíram os clássicos, os membros do quinteto parecem desafiar as leis da gravidade, sem outra rede de segurança além da sua capacidade de criação e interação. música desafia o entendimento e, no ano da morte de Miles, em 1991, as biografias publicadas na imprensa evitavam falar desse segundo quinteto, sempre incompreendido, mencionando-o apenas entre o primeiro com Coltrane e as bandas elétricas dos anos 70. Entretanto, sob muitos aspectos, esse quinteto dos anos 60 representa para o jazz daqueles últimos quarenta anos aquilo que o Hot Five de Louis Armstrong foi para o jazz dos quarenta anos que antecederam. Durante os anos 60, o sucesso de Miles Davis repercutiu em um nível de vida alto, do qual a compra de uma Ferrari 275 GTB foi o símbolo mais explícito. Participando de uma certa aristocracia do show business, o músico atraía a atenção da mídia e foi entrevistado pela revista Playboy em 1962). Fotos: Hank Parker (página da esquerda ao alto); Baron Wolman (página da direita, ao alto); Corky McCoy (embaixo). 134 Foto: Lee Friedlander. QUEREMOS MILES 135 miles elétrico A DISTORção do rock 1968-1971 1968 foi um ano divisor de águas. Uma crise de valores sem precedentes surgiu das tensões extraordinárias que afetavam a juventude ocidental: mercado motor da sociedade de consumo, ela explodiu sob a dupla pressão da velha sociedade capitalista repressiva e da indústria de entretenimento que exacerbava seu potencial imaginário. Ao mesmo tempo, novos pensadores começaram a revelar a alienação pelo consumo, a passagem da lógica colonial à imperialista e os limites do crescimento em termos ecológicos. Liberação sexual e uso de drogas, igualdade social, renovação espiritual, direitos das mulheres, recusa ao recrutamento militar e rejeição à urbanização dos modos de vida foram algumas das linhas de força dessa revolta que se cristalizou nos Estados Unidos na recusa ao serviço militar no Vietnã e na questão dos direitos civis. Depois do assassinato de Martin Luther King, os guetos negros se incendiaram e o movimento negro se isolou antes de tender progressivamente a uma radicalização extrema e à fragmentação em grupos cada vez menores. 136 R OMANCE E NEGÓCIOS. Para Miles, o ano de 1968 tomou a forma de uma nova mulher, alguém muito importante. Betty Mabry, que ele conheceu na primavera, era uma jovem negra, de 23 anos, onipresente na Nova York ramificada do final dos anos 1960. Autora de “Uptown”, música interpretada pelos Chambers Brothers; modelo para Ebony, Glamour, Jet e Seventeen, coproprietária do Cellar, uma boate para adolescentes, ela apareceu no programa de TV Dating Game e iniciou uma carreira de cantora. Ela levou Miles a trocar as gravatas e os ternos cinzentos pelo exotismo colorido inspirado pelo movimento hippie que ele descobriu nas lojas do Village. Logo, ele a acompanhou adotando um penteado afro. Por intermédio dela, ele conheceu o melhor da música negra em plena ascensão, especialmente Sly Stone e Jimi Hendrix. Betty casou-se com Miles em 30 de setembro e deixou-o quase que com a mesma velocidade, atravessando a vida dele como um furacão. Mas outros fatores também estavam em jogo. A revolta ocidental foi acompanhada pelo surgimento de novas correntes QUEREMOS MILES Sob a influência de Betty Mabry (à esquerda), com quem se casou em 1968 e que, sob o nome de Betty Davis ficou conhecida como cantora ácida e sex symbol, Miles mudou de estilo e prestou atenção ao rock. A Columbia o apoiou nessa mudança e lançou o álbum Miles in the Sky — cujo título foi visivelmente inspirado nos Beatles — com uma ilustração psicodélica na capa. Foto: Baron Wolman. musicais cujos diversos territórios (Londres, São Francisco, Los Angeles Chicago, Nova York, Memphis) e diferentes componentes (rock e blues psicodélicos, folk-rock, soul e rhythm and blues) estavam representados no palco do Monterey Pop Festival de 1967. Clive Davis, partidário de um novo gênero na Columbia, percebeu o tamanho do fenômeno e começou a reorientar seu catálogo. Enquanto se multiplicavam os contratos com artistas do rock, a gravadora se desfazia dos artistas do jazz (Thelonious Monk, Duke Ellington, Dave Brubeck). Astro do catálogo de jazz e beneficiário de adiantamentos muito altos sobre os direitos, Miles Davis foi conservado, mas ao custo de pressões crescentes. Clive Davis assumiu a liderança de uma campanha publicitária agressiva a favor da aproximação entre o jazz e o pop que beneficiou a grupos de rock com metais, como Chicago e Blood, Sweat & Tears. Ele incentivou Miles nessa direção a fim de rejuvenescer seu público. Por seu lado, Herbie Hancock e, ainda mais, Tony Williams se apaixonaram pelas novas músicas e mantiveram Miles Davis informado sobre suas descobertas. Quando o jornalista Leonard Feather visitou o trompetista em seu quarto de hotel, surpreendeu-se ao vê-lo rodeado por discos de rock de artistas brancos, do soul e do funk. N A DIREÇÃO DE UM SOM DE GUITARRA. No final de 1967, Miles Davis iniciou uma nova série de gravações durante as quais retomou o controle do repertório dominado pelas partituras de seus músicos. Ele as substituiu por simples esboços que foram dispersos no álbum Miles in the Sky (cujo título foi inspirado pela música psicodélica dos Beatles, “Lucy in the Sky with Diamonds”) e em compilações tardias de inéditos, “Directions” e “Circle in the Round”. “Circle in the Round” é o título da música mais antiga, gravada em 4 de dezembro de 1967. Foto: Guy Le Querrec. 138 Miles Davis em casa, em junho de 1969. Em seu luxuoso apartamento na Rua 77 Oeste em Nova York, a decoração era composta por muitos elementos arredondados e evocativos da África e da beleza negra. Foto: Don Hunstein QUEREMOS MILES 139 140 As partituras de Filles de Kilimanjaro revelam um trabalho de preparação minuciosa do álbum que Miles Davis realizou com Gil Evans, mesmo que este não tenha recebido crédito explícito. Disco de transição no qual o piano elétrico assumiu o lugar do acústico, ele revela a influência latente de Jimi Hendrix e de James Brown. Pouco depois, o material escrito desapareceu, dando lugar a um trabalho elaborado de modo oral e informal diretamente no estúdio. Ela tomou a forma de uma montagem de quase meia hora a partir de sequências sobre um material mínimo de “notas-pedal” alternadas, de exposições incansavelmente repetidas e de solos esparsos, que funcionavam mais como uma roupagem do que como discurso, sobre um contínuo rítmico a partir do qual a bateria surgia aqui e ali como a solista principal. Um instrumento até então ausente da obra de Miles foi incluído: a guitarra. Vários guitarristas foram testados durante os meses seguintes sem, no entanto, cair nas graças de Miles (os brancos Joe Beck e Bucky Pizzarelli, o negro George Benson). Quanto a Herbie Hancock, ele foi convidado a tocar celesta e, depois, teclados elétricos de diferentes marcas (Wurlitzer, Hohner, Fender Rhodes). Em maio de 1968, em uma das músicas incluídas em Miles in the Sky, Ron Carter trocou seu contrabaixo por um baixo elétrico. Um mês depois, o piano acústico e o baixo elétrico estavam lado a lado para as primeiras sessões de gravação do álbum Filles de Kilimanjaro, assim intitulado em referência às ações compradas por Miles na empresa Kilimanjaro African Coffee. Durante o verão de 1968, Ron Carter e Herbie Hancock foram substituídos por dois músicos brancos, o contrabaixista inglês Dave Holland, observado em uma temporada londrina, e Chick Corea, que havia acabado de lançar uma das obras-primas do jazz em trio, Now He Sings, Now He Sobs. Nessas duas faixas, que completaram Filles de Kilimanjaro em setembro, o contrabaixo acústico foi usado novamente, mas Chick Corea recebeu um piano elétrico. “Frelon brun” foi inspirado em James Brown. Quanto a “Mademoiselle Mabry”, que Miles gravou na presença da mulher com quem iria se casar alguns dias depois, ele iniciou com as primeiras notas da música de Jimi Hendrix, “The Wind Cries Mary”. Entretanto, não se trata de modo algum de uma cópia, e as visões que esses dois modelos inspiraram a Miles continuam a ser tão originais quanto as que, anteriormente, foram inspiradas por Ahmad Jamal, pelo gospel e o flamenco. Na capa, a menção “Directions in music by Miles Davis” indica que ele é o único compositor da obra e relativiza o papel, ainda assim bastante importante, do produtor Teo Macero. Esqueceu-se Gil Evans que, desde dezembro de 1967, era onipresente no estúdio, dando ideias QUEREMOS MILES 141 e conselhos, fornecendo até a partitura de “Eleven”, que se tornou “Petits machins” sob a assinatura de Miles Davis. Este último estava acostumado a fazer isso. Ele já se apropriara de “Four” e “Tune up” (de Eddie “Cleanhead” Vinson), “Solar” (que é “Sonny” de Chuck Wayne), “Blue in Green” (de Bill Evans), etc. John Scofield viveria, nos anos 1980, desventuras semelhantes. A partir de novembro, começou um novo ciclo de gravações durante o qual Miles Davis recorreu a dois ou mesmo a três teclados (piano elétrico e órgão Hammond), e Herbie Hancock e Joe Zawinul se juntaram ao quinteto, algumas vezes com Jack DeJohnette na bateria e, outras vezes, com Tony Williams. Em fevereiro de 1969, entrou em cena um novo guitarrista: John McLaughlin. Jazzista convicto, ele trabalhou muito em gravações de musica pop e frequentava um palco inglês no qual as fronteiras entre jazz, rock e blues eram muito permeáveis. Ele havia participado de diferentes experiências free e acabara assinar um primeiro disco em quarteto ao lado do saxofonista John Surman, Extrapolation. Descobrimos um guitarrista de sonoridade saturada, herdada dos blues de Chicago, e com um fraseado violentamente articulado cuja abundância se aproxima das camadas sonoras de Coltrane, até então reservadas aos saxofonistas. Foi Tony Williams quem, por sugestão de Dave Holland, fez com que ele saísse de Londres para integrar-se ao novo grupo, Lifetime. Depois de ouví-lo em uma jam session na noite de sua chegada a Nova York, Miles pensou ter encontrado o guitarrista que procurava: “Eu evoluí para um som de guitarra porque ouvi James Brown e adorei o uso que faz da guitarra. Sempre gostei do blues, gosto de tocá-lo. Senti nascer um desejo de mudar. Eu sabia que isso tinha algo a ver com a guitarra. Portanto, me interessei pelo que os instrumentos elétricos poderiam me trazer. Quando ouvi Muddy Waters em Chicago, eu soube que devia integrar em minha música algumas coisas que ele fazia. Sabe, o som dos tambores de 1,50 dólares, a gaita e o blues com dois acordes. Eu queria voltar a isso porque aquilo que estávamos fazendo havia se tornado realmente abstrato demais. Eu queria retornar à minha origem”. 142 In a Silent Way marcou a chegada significativa da guitarra na música de Miles Davis e sua eletrificação crescente, com a substituição do piano pelos teclados tocados por Joe Zawinul, Herbie Hancock e Chick Corea. No palco, o trompetista passou a usar vestimentas que mais lembravam roqueiros do que jazzistas. Foto: Jean-Pierre Leloir U MA VEIA PASTORAL. A multiplicação dos teclados correspondia em parte à vontade de reencontrar o som da música popular negra, na qual muitas vezes a linha de acompanhamento entra em rivalidade com a melodia principal e é tocada simultaneamente pelo baixo, os teclados e a guitarra. Essas duplicidades já estavam presentes no uníssono de piano e contrabaixo de “Frelon brun” ou de “Dual Mr. Anthony Tillman” e passaram a ser uma constante da música de Miles Davis. A referência ao blues “de dois acordes” confirma seu desejo de se libertar do jugo harmônico que tomou um rumo obsessivo durante os seis anos seguintes. John McLaughlin soube integrar na música de Miles o sustain saturado dos guitarristas de blues e o arranhão rítmico abrasivo das guitarras de James Brown. No entanto, durante as sessões de gravação de fevereiro de 1969, Joe Zawinul apresentou uma partitura muito diferente das intenções declaradas de Miles. A serviço da música funky dos irmãos Adderley desde 1962, ele foi o pioneiro do piano elétrico no jazz. Adepto da música descritiva, ele deu vazão a suas lembranças da infância, durante uma estadia em seu país de origem, a Áustria. As partituras resultantes alimentaram uma das orientações de Miles, que atingiu o auge durante 1969 e que, às vezes, é denominada de “pastoral”, derivada sonhadora da arte da balada na qual os climas e as cores superam progressivamente o discurso e o ritmo. Nessa categoria, QUEREMOS MILES que não é exclusiva de Miles, podemos incluir “Flamenco Sketches” (inspirada por Bill Evans), “Mood” (de Ron Carter), “Circle” e “Tout de suite” (de Miles Davis), “Vonetta”, “Sweet Pea”, “Nefertiti”, “Fall”, “Sanctuary” e “Feio” (de Wayne Shorter), “Guinnevere” (emprestada por Miles no final de 1969 do cantor de folk-rock David Crosby) assim como toda uma série de peças de Joe Zawinul (em especial “Ascent”, “In a Silent Way”, “Orange Lady” e “Gemini”), às quais sucederam em 1971 algumas partituras do compositor brasileiro Hermeto Pascoal (“Nem um Talvez”, “Selim”, “Little Church”). Ao conhecer uma delas, “In a Silent Way”, Miles Davis decidiu simplificar o movimento harmônico. Como muitas vezes, o trompetista usou o enigma para dar instruções e pediu a McLaughlin que tocasse como se não soubesse tocar. Este fez então o primeiro acorde que um guitarrista aprende a tocar e arpejou-o, ornamentando as notas do tema de Zawinul. Foi essa exposição tateante, gravada sem que ele o soubesse, que foi utilizada no disco. Depois disso, Shorter (no sax soprano, que preferia desde novembro de 1968) e Davis reexpuseram o tema, cada um por sua vez,. Essas exposições foram montadas no início e no final de uma gravação extraída da mesma sessão, um tipo de jam session intitulada “It’s about that Time” sobre uma série de ostinatos dirigidos por Miles, que se deslocava no estúdio para sussurrar instruções aos músicos. Diferentes fragmentos foram extraídos e colados uns aos outros por Teo Macero para formar um segundo lado do LP intitulado In a Silent Way. Segundo o mesmo procedimento, o outro lado foi constituído por partes de um longo improviso sobre uma única nota-pedal em ré, de um ostinato minimalista de hi-hat e de um tipo de borrão harmônico realizado pelos três teclados. O solo de Miles que abre essa suite intitulada “Shhh/Peaceful” foi reutilizado no final, como se fosse um tema. O álbum assim obtido formou um tipo de azul monocromático de onde emergia subitamente, no segundo lado, o avermelhado de um breve tutti da rítmica. 143 144 Apesar das relações tumultuosas, a longa colaboração entre Miles Davis e Teo Macero (ao lado, em 1970) foi uma das mais frutíferas que se conheceu entre um artista e seu produtor. Muito a par de técnicas de estúdio, Macero realizava a montagem e, às vezes, o retratamento sonoro do material bruto gravado no estúdio, dando sua forma a uma música que, mais relaxada no palco, algumas vezes deixava o público perplexo (abaixo, no Ronnie Scott’s em Londres, em novembro de 1969). Fotos: Don Hunstein (ao alto) David Redfern (embaixo). QUEREMOS MILES 145 s ESSÕES EM CLIMA DE GUERRA. Quando o quinteto saía em turnê, especialmente durante os festivais de verão, uma música totalmente diferente era tocada em um repertório no qual os clássicos não apareciam mais a não ser sob a forma de frases fugidias. O grupo se aproximava furiosamente do free jazz já que o trompetista, depois do primeiro solo, abandonava o palco a Wayne Shorter e, sobretudo ao trio Corea-Holland-DeJohnette que mergulhava em um turbilhão sonoro improvisado, fora das restrições harmônicas e, até mesmo, rítmicas. Ao entrar no estúdio, em agosto, Miles Davis retomou a direção, partindo sempre de restrições minimalistas para enquadrar o toque de seus músicos. Ele os rodeou com um grupo maior que, dependendo do lugar, incluiu John McLaughlin, Joe Zawinul e Larry Young nos pianos elétricos, Bennie Maupin no clarone, Harvey Brooks no baixo elétrico, Jack DeJohnette, Don Alias e Lenny White na bateria, Jumma Santos na percussão. Miles aproveitou para levar um pouco mais longe a experiência de In a Silent Way, ampliando a paleta de cores sonoras, estruturando os cenários a partir de frases melódico-rítmicas distribuídas no último momento, reescutando as faixas para acrescentar partes feitas em regravação. Se a menção “Directions in music by Miles Davis” figurava normalmente no álbum Bitches Brew, o trabalho de pós-produção de Teo Macero era tão fundamental quanto o de um montador de cinema, que, a partir das tomadas feitas por um diretor, corta, cola, formata e edita. Partindo de faixas gravadas continuamente durante jam sessions dirigidas, mas relativamente informais, Macero imaginava uma estrutura, isolando às vezes uma breve sequência para reproduzi-la em loop ou reinseri-la em diferentes pontos, como um elemento temático. Se as relações entre os dois homens eram agitadas, algo frequente, a tensão fazia parte da estratégia mais ou menos consciente de Miles Davis. “Penso que devemos Bitches Brew a uma discussão violenta”, contou Teo Macero, citando as ofensas que trocou na cabine de controle com Miles durante a gravação. “Saia da minha frente com esse trompete filho da puta e seus músicos viados!” disse ele a Miles, que entrava no estúdio para cancelar a sessão. Surpreso ao vê-lo pegar o trompete, o produtor fez rodar o gravador. E o conjunto começou a tocar enquanto insultos e gestos obscenos eram trocados através do vidro, Miles desafiando o produtor a se unir a eles. “Finalmente, eu disse: ‘Estou indo’. Sai da cabine, acomodei-me ao lado dele e nós não nos mexemos. E ele gravou faixas fantásticas. [...] Eu lhe disse: ‘Seu filho da puta, você devia ser sempre assim, malvado e abominável’.” Essas gravações renderam um álbum duplo, formato muito em voga desde o lançamento, em 1966 de Blonde on Blonde de Bob Dylan e de Freak out de Frank Zappa. Em 1968, foi a vez dos Beatles com o famoso Álbum Branco, de Jimi Hendrix com Electric Ladyland e de Cream com Wheels of Fire. Nos anos 70, Miles Davis lançou 10 álbuns duplos. A recepção a Bitches Brew não teve nuances e foi ou negativa ou entusiasmada, mas nos dois casos baseou-se em um mal-entendido. Os críticos que viam na direção tomada por Miles Davis uma postura comercial não levavam em conta o fato de que ele gravava uma 146 As visões oníricas do díptico do pintor surrealista Mati Klarwein (1932-2002) que ilustraram o álbum Bitches Brew (no alto) contrastavam com o visual corrente do jazz. Miles Davis usou novamente seu talento em Live-Evil QUEREMOS MILES (abaixo). Em 1969, o trompetista foi capa da revista de rock Rolling Stone, comprovando que sua fama ultrapassava em muito os círculos do jazz. 148 Apaixonado pelo boxe, admirador de seus grandes campeões, em especial de Sugar Ray Robinson (ao lado, à direita), Miles Davis gravou em 1970 a trilha sonora original de um documentário dedicado a Jack Johnson, primeiro campeão mundial peso-pesado afroamericano da história. “Johnson encarnava a Liberdade”, escreveu Miles na capa. Fotos: Corky McCoy (à esquerda); Thierry Trombert (à direita) música muito abstrata com durações que eram impeditivas no circuito habitual das músicas de sucesso. A imprensa do rock, que se interessava por ele desde o lançamento de Miles in the Sky, saudou uma revolução com Bitches Brew, sem ver que a música dos últimos álbuns era a concretização de uma lenta progressão que ia de “Flamenco Sketches” a “Spanish Key”. Enquanto o grupo do palco se radicalizava, Miles continuava a exploração da veia pastoral durante as sessões de estúdio no inverno de 19691970, incorporando novos músicos, como o percussionista brasileiro Airto Moreira ou os membros do que ele chamava de seu “salão indiano”, o citarista Khalil Balakrishna e o tablista Bihari Sharma. O QUEREMOS MILES CHAMADO DO FUNK. Em meados de fevereiro, uma nova série de sessões mostrou Miles sistematizando uma orientação funk audível desde “Stuff” (Miles in the Sky), “Frelon brun” (Filles de Kilimanjaro) e as sessões de gravação de novembro de 1968 (“Splash”, “Splashdown”). Ele não parava de mostrar as gravações do baterista de rhythm and blues Buddy Miles para Jack DeJohnette, que não desejava renunciar ao toque muito livre que praticava no palco em cumplicidade com Dave Holland e Chick Corea. Miles ouvia também os ritmos funk das músicas populares negras nas quais James Brown se impôs como líder e Sly Stone se apresentava como um novo messias. Elas se baseiam em uma polirritmia repetitiva herdada da África. Falava-se então menos de swing que de groove para designar essa rítmica cujo papel não consistia mais em colocar um tapete confortável e estimulante sob os pés do solista, mas a marcar seu discurso em uma engrenagem rítmica intensamente sincopada, na qual cada elemento (guitarra, teclado, baixo, bateria) constitui um dos mecanismos. Quando entrou no estúdio para gravar a música de um documentário sobre o boxeador negro Jack Johnson, Miles Davis deixou momentaneamente de lado seus acompanhantes habituais e chamou Michael Henderson (baixista elétrico habituado a conjuntos do soul, especialmente ao grupo de Stevie Wonder) e Buddy Miles. Este último não estava disponível e foi substituído por Billy Cobham. Herbie Hancock, que fez uma visita inesperada ao estúdio, foi convidado por Miles a sentar-se a um órgão elétrico que os técnicos tiveram de conectar às pressas, pois a gravação já havia começado. Mas, no início, Miles não havia previsto nenhum teclado, estando a parte harmônica confiada apenas a John McLaughlin por sua capacidade de participar com toques sincopados do groove do baixo e da bateria. A sessão começou enquanto McLaughlin usava um ritmo de boogie para se aquecer. Por sorte, as fitas já giravam e Miles Davis saiu da cabine de gravação onde conversava com Teo Macero para se unir a uma longa jam session. O restante do disco foi feito com uma montagem de diferentes sessões na qual se reconhece em especial uma frase repetida extraída da canção “Sing a Simple Song” de Sly Stone. Daí resultou um disco importante, A Tribute to Jack Johnson, que teve apenas um sucesso tardio por a Columbia não ter reconhecido sua importância e feito uma promoção mais intensa. N OS TEMPLOS DO ROCK. Na época, o dono da Columbia, Clive Davis, pressionou Miles Davis a se apresentar em palcos de rock e a abrir shows. Miles recusou-se, em um primeiro momento, a tocar para esses grupos de garotos brancos de cabelos longos. Ele aceitou fazer concessões, desde que se dirigisse a um público negro. Acusando a Columbia de privilegiar o rock branco, Miles ameaçou assinar com a Motown, a principal a dançA de jack johnson São os 20 últimos segundos de Yesternow. Uma voz se superpõe a acordes estranhos com um toque felino e, ao som do trompete distorcido por um halo de reverberação diz: “Eu sou Jack Johnson, campeão mundial de peso-pesado. Eu sou negro e eles nunca me deixaram esquecer isso; está bem, eu sou negro e nunca deixarei que esqueçam isso!” Áspera e tonitruante, a voz que pronunciou essas palavras foi a do humorista Brock Peters que, no documentário de William Cayton, emprestou sua voz a Jack Johnson, primeiro campeão mundial de boxe negro da história (1908) na categoria peso-pesado. Miles Davis gravou a trilha sonora desse filme em 1970; Teo Macero, que a montou, incluiu essas palavras fustigantes no final do álbum. Não é difícil substituir o nome do famoso boxeador pelo de Miles Davis. O mesmo orgulho, a mesma luta. A importância do boxe na vida de Miles Davis é evidente. Ele o praticou e esse esporte o fascinava. Miles declarou ao baterista Art Taylor, que realizou entrevistas com os artistas de jazz que conhecia, que seu único hobby era o boxe, além de “zombar dos brancos que aparecem na televisão”. Ele recebeu jornalistas e fotógrafos nas salas de treino, exigiu que seu empresário encontrasse um ginásio em pudesse praticar em cada parada de suas turnês. Alguns dos músicos que lhe eram próximos partilhavam o mesmo gosto por esse esporte: o baterista Stan Levey, com quem Miles dividiu o aluguel de um apartamento quando chegou a Nova York, e o pianista de seu primeiro quinteto, Red Garland, eram ambos ex-profissionais. Joe Zawinul contou muitas vezes que Miles e ele passavam mais tempo comparando os méritos dos campeões do que discutindo a música que faziam. Em 1983, um jornalista japonês entrou na limusine do astro para atravessar Nova York: durante todo o trajeto, Miles assistiu em uma televisão embutida no carro às imagens de uma vitória de Sugar Ray Robinson por nocaute. Conforme uma ideia comumente partilhada na comunidade negra americana, o esporte e a música eram, no contexto racial dos Estados Unidos, os únicos domínios em que um negro poderia triunfar. O boxe era, na opinião de Miles Davis, o esporte que mais se aproximava do jazz. Ele apreciava a individualidade dos estilos, o domínio dos homens sobre seu talento, a disciplina física e mental requerida pelo desempenho. Sobretudo, ele via no boxe uma escola de exigências cujos fundamentos — precisão do gesto e reatividade instantânea — necessitavam de uma longa aprendizagem, mas de nada valiam sem a liberdade da inspiração, o golpe de gênio e o trunfo secreto. Miles praticava o boxe com regularidade. Em 1952, no período em que sua dependência de drogas o derrubou, às vezes, para o mais baixo possível, a humilhação suprema aconteceu quando, sem disfarçar o desgosto que sentia, Bobby McQuillen recusou-se a ser seu treinador. Alguns meses mais tarde, trancado voluntariamente em um imóvel de seu pai, Miles livrou-se da dependência de um modo intenso, uma desintoxicação dita “a seco”. Ele a suportou, segundo disse, graças ao exemplo de Sugar Ray Robinson, modelo de disciplina, excelência e integridade, “um dos raros ídolos que cheguei a ter”. Miles deu-lhe um de seus trompetes como homenagem. Ele admirava esse homem que, símbolo de êxito e de orgulho, devia seu sucesso apenas a sua inteligência, vontade e força de seus punhos. Como Sugar Ray, Miles tinha seu “Soldier”, um homem de confiança, o alter ego oculto, o treinador não-oficial, o único a cuja opinião ele dava valor: Gil Evans. O boxe marcou a ressurreição do músico. Sua prática liberta o corpo, delineia a silhueta, acentua o controle da respiração e vemos que Miles desenvolveu no palco um gestual de ombros, de inclinações felinas, de movimentos de pernas, do tronco e de pescoço que acompanham o desenrolar de seus solos, tornando manifesta a articulação entre o pensamento musical e sua expressão. Miles movia-se como um boxeador, mas, para não prejudicar sua carreira, nunca pôde lutar no ringue. Nos ginásios, todos sabiam que era preciso não atacar seu rosto. Miles estava confinado ao saco de pancadas, à punching-ball, ao boxe em sombra, a dançar no ringue contra um adversário invisível. No início dos anos 70, sua música parece ter se beneficiado com uma transferência de energia, como se os golpes que ele não podia dar e a prática assídua do esporte encontrassem um canal de liberação no palco ou no estúdio. Em faixas muito longas, sobre tramas repetidas incansavelmente, a música dava a impressão de girar em círculos antes que o trompete interferisse, cortando o espaço saturado com frases que são menos longos discursos do que um encadeamento de breves sequências atiradas com um punch temível e uma precisão extrema. David Liebman, saxofonista do grupo nessa época, comparou o cinzelado de sua divisão rítmica a séries de ganchos. Um caso de pulsação de timing, de ritmo, de potência dominada. O próprio Miles, em sua autobiografia, lembrou que, no estúdio, sua obsessão se resumia a uma imagem : “Jack Johnson dançaria lá em cima?” A dança do campeão tornou-se a medida de sua própria pulsação. Vincent Bessières vincent bessiÈres É JORNALISTA e REDATOR CHEFE ADJUNTO DA REVISTA JAZZMAN. ELE É CURADOR DA EXPOSIÇÃO WE WANT MILES, ORGANIZADA PELA CITÉ DE LA MUSIQUE EM PARIS Fotos: Corky McCoy. 152 Com o apoio dos dirigentes da Columbia, Miles Davis foi chamado a se apresentar nas duas grandes salas de rock da época, a Fillmore East, em Nova York e a Fillmore West, em São Francisco, entre 1970 e 1971 e a partilhar vários cartazes psicodélicos com astros pop, como o Grateful Dead. O selo lançou álbuns com algumas das apresentações. Foto (página da direita): Fred Lombardi. gravadora da música negra. Embora exigisse não ser mais vendido com o rótulo de jazz, ele aceitou fazer abertura nos templos do rock branco que eram Fillmore East e Fillmore West (cujos shows eram gravados e montados por Teo Macero sob a forma de álbuns duplos), e também no festival da ilha de Wight. As percussões variadas de Airto Moreira coloriram dali para a frente a música do grupo no palco. Wayne Shorter foi substituído por Steve Grossman (no saxofone soprano mais do que no tenor, a fim de melhor ultrapassar a parede sonora formada pela rítmica) e, depois, por Gary Bartz (nos saxofones alto e soprano). No final da primavera, Keith Jarret recebeu convite para contrapor um órgão barato aos efeitos eletrônicos que Chick Corea passou a acrescentar no Rhodes. A disposição dos dois teclados de cada lado do palco, bem como a sonorização sofrível adquirida por Miles, levaram os dois homens ao desentendimento. O que resultou daí foi um caos sonoro amplificado pelas escapadas libertárias de Dave Holland (a partir daí, sempre no baixo elétrico) e de Jack De Johnette. Logo, Corea e Holland retiram-se para criar o quarteto Circle com um dos principais renovadores do movimento free, o saxofonista Anthony Braxton. Só nos teclados, Keith Jarret contribui para tornar mais límpido o som da orquestra com uma interpretação ora mais rítmica, aparentando-se aos riffs de violão do funk ou aos acentos estáticos do gospel e do soul, ora mais lírico, mas sempre com grande liberdade de improvisação. Embora com bela mobilidade melódica, as linhas da guitarra baixo de Michael Henderson, fortemente arraigadas no ritmo, deixam de ser cúmplices das veleidades free do baterista Jack De Johnette. Miles Davis aproveita para aceitar uma gravação, em dezembro de 1970, no Cellar Door de Washington, convidando no último dia John McLaughlin, a fim de apimentar as gravações, que serão compiladas com várias faixas de estúdio daquele ano no álbum duplo Live-Evil. 153 154 QUEREMOS MILES 155 Em agosto de 1970, Miles Davis participou de dois grandes eventos do rock da época: o festival da ilha de Wight no Reino Unido (página anterior, nos bastidores com Betty Davis) e o festival de Tanglewood nos Estados Unidos (abaixo com Gary Bartz). Foto: Amalie R. Rothschild 156 Foto: K. Abe. QUEREMOS MILES 157 ON THE CORNER A PULSAção Do FUNK 1971-1979 Os músicos que participaram das primeiras experimentações elétricas de Miles Davis formaram conjuntos segundo o modelo dos grupos de rock e tomaram a liderança do jazz-rock: Lifetime de Tony Williams, Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, Weather Report de Wayne Shorter e Joe Zawinul, Return to Forever de Chick Corea. Eles faziam músicas muito amplificadas, levadas pelo martelar potente do baixo elétrico e da bateria, baseadas em uma técnica instrumental demonstrativa e coloridas pela diversificação das sonoridades elétricas, em especial graças aos sintetizadores. Essas sonoridades se inspiravam nas músicas de outras culturas do mundo, no funk e nas tendências mais progressivas do rock. Enquanto o free jazz estava em ascensão, sua mensagem positiva expressava-se em grandes festivais e chamava a atenção principalmente de um público branco desmobilizado para o qual os exotismos espirituais e as preocupações ecológicas tomavam progressivamente o lugar dos ideais revolucionários dos anos 60. Miles Davis desdenhava desse jazz-rock bem intencionado para cujo surgimento havia contribuído, mas que, com o apoio da Columbia, encontrava um sucesso comercial ao qual sua música mais radical não poderia aspirar. O afro-funk sombrio e vingativo para o qual ele se orientou não deixava de fazer eco à repressão A partir de 1970, cansado de tocar para um público principalmente composto por jovens hippies brancos, Miles Davis manifestou o desejo de reforçar a ancoragem de sua música na cultura negra do rhythm and blues e do funk, o que resultou na vinda do baixista Michael Henderson (página da direita), que trabalhou para o selo Motown, e pela adoção de um corte de cabelos ao estilo afro. Foto: Corky McCoy (à esquerda); Jean-Pierre Leloir (à direita). brutal que se abateu então sobre o movimento negro, favorecendo as divisões que atravessavam seus ramos extremistas. Sua música parecia tomada pelo ressentimento violento da comunidade negra. Para se exprimir sem rodeios, numerosos cantores negros se libertaram da tutela das gravadoras e tomaram a produção de suas obras nas próprias mãos: When the Revolution Comes dos Last Poets, The Sun Never Shines on the other Side of the Town de Curtis Mayfield (1970), What’s Goin’ on de Marvin Gaye, Respect Yourself dos Staple Singers, There’s a Riot Goin’ on de Sly Stone, The Revolution will not be Televised de Gil Scott - Heron (1971). Para Miles, eram muitos os motivos de amargura. Depois de se divorciar de Betty Mabry, em 1969, ele saía simultaneamente com duas jovens tranquilas, Marguerite Eskridge (que vemos na capa de At Fillmore) e Jackie Battle. Ambas tentam fazê-lo partilhar suas preocupações espirituais e seu estilo de vida. Elas o encorajaram a seguir regimes diferentes e o incitaram a uma abstinência relativa. Mas o temperamento das duas mulheres era pouco compatível com a vida movimentada de seu companheiro. Em 9 de outubro de 1969, enquanto Miles acompanhava Marguerite Eskridge a sua casa, um carro parou ao lado de sua Ferrari e cinco tiros foram disparados através da porta. Chegando ao local, a polícia começou a revistar o carro e afirmou ter encontrado maconha... que Miles nunca consumira. Ele foi levado à delegacia com sua amiga, mas beneficiou-se pela declaração de improcedência do tribunal. Alguns meses mais tarde, interpelado pela polícia porque sua Ferrari não estava regularizada, ele passou uma noite na delegacia por porte ilegal de arma depois de ter deixado cair do bolso um soco americano que carregava desde a agressão sofrida em outubro. Marguerite deixou-o em 1971, enquanto estava grávida de Erin, o último filho de Miles, que nasceu em 29 de abril. O uso combinado de cocaína e de álcool ficou mais intenso, enquanto o trompetista acumulava problemas de saúde: úlcera estomacal, cálculos renais, dores articulares. QUEREMOS MILES U M CONJUNTO SOB ALTA TENSÃO. Airto Moreira e, depois, Jack DeJohnette deixaram o grupo durante 1971 e, quando Miles Davis partiu para a Europa em outubro, a bateria foi assumida por Leon “Ndugu” Chancler e duas cadeiras de percussionistas foram confiadas a Don Alias e James Foreman (apelidado de Mtume), que tomaram uma parte importante no groove, no qual Airto Moreira tinha um papel mais de coloração. Desde a entrada Gary Bartz em cena, uma tensão crescente se instalou no conjunto, culminando com a chegada de Mtume. Gary Bartz foi o fundador da NTU Troop, uma orquestra que tentava reconectar-se com as raízes africanas da música negra. Michael Henderson vinha do universo do rhythm and blues e do funk e não tinha afinidade particular com o jazz. Mtume era um africanista radical. No outro extremo, apesar de seu penteado afro, Keith Jarrett era o único branco no grupo. Embora sua música não fosse desprovida de elementos funky e do soul, sua experiência com a música clássica e a linguagem harmônica da comédia musical o ligavam claramente à cultura branca. Ele detestava os instrumentos elétricos e, como um concertista clássico, exigia que o administrador do grupo providenciasse a afinação de seu Fender Rhodes todas as noites. Ele aceitou participar do grupo por causa de 160 QUEREMOS MILES 161 Miles Davis em sua casa, em Nova York, em 1971. Fotos: Anthony Barboza 162 Miles Davis compareceu, em setembro de 1970, ao enterro de Jimi Hendrix em companhia de Betty Davis (à direita) e de Jackie Battle (à esquerda), uma de suas companheiras da época. A morte prematura do guitarrista colocou um término brutal ao projeto de colaboração que os dois músicos acalentavam vagamente. Foto: Bob Peterson Miles, mas não dissimulava sua aversão pela música atual que este tocava nem seu desprezo pelos outros membros do grupo que retribuíam seu sentimento. E Davis empenhava-se em jogar uns contra os outros, proibindo Henderson de se deixar levar por Jarrett: “Quando Keith começar a tocar aquela bobagem de escola católica, deixe isso de lado, não o siga”. No entanto, ele era fascinado pelo pianista e por sua capacidade de improvisar a partir do nada. Mas sabia exatamente o que esperava de cada um, comprazendo-se em aumentar os contrastes e as tensões dentro do grupo. Os clássicos e as composições originais do segundo quinteto desapareceram definitivamente do repertório, cujas peças não eram mais identificáveis a não ser pelos ostinatos do baixo que se sucediam sem pausa entre as diferentes sequências. Estas formavam um vocabulário de fórmulas minimalistas no qual Miles Davis demorou-se até 1975 para constituir o esqueleto das longas sequências improvisadas. Mais tarde, essas fórmulas seriam catalogadas precisamente pelo musicólogo Enrico Merlin sob o nome de “code phrases”. A forma canônica do blues em 12 compassos foi abandonada. Enquanto o rock saqueava o patrimônio do blues, Miles declarava a seus músicos: “Deixemos isso aos brancos”. No entanto, a cor do blues e de suas blue notes eram onipresentes. O próprio Miles tocava apenas o trompete elétrico, com som geralmente deformado por um pedal wah-wah que aproximava seu fraseado e sua sonoridade do universo de Jimi Hendrix. Com as costas voltadas para o público, virado de frente para os músicos, ele dirigia com o olhar ou com o gesto as mudanças de tempo, as entradas e as saídas dos instrumentos, indicando as transições com chamadas de trompete. Entretanto, sua música tinha dificuldade em se renovar. No início de 1971, dominado pela depressão, ele falou novamente em se aposentar. Ele não pisava em um estúdio desde junho de 1970, e suas apresentações não eram gravadas ao vivo desde dezembro desse ano. Não tendo sido indicado para os Grammy Awards no início de 1971, ele acusou a indústria discográfica de estar 99% nas mãos dos brancos QUEREMOS MILES 163 164 165 Em sua casa, Miles Davis tinha uma sala de música na qual escutava as faixas gravadas no estúdio e preparava seus discos (ao lado). Foi ali que, em 1972, com o jovem arranjador inglês Paul Buckmaster, ele lançou as bases do álbum On the Corner, no qual se fazem ouvir as influências entrelaçadas de Sly Stone, de Stockhausen e da música indiana. O interesse de Miles se manifestou na integração em seu grupo do sitarista e percussionista Badal Roy (embaixo). Fotos: Mark Patiky (ao alto); Urve Kuusik (abaixo). e declarou à revista Jet que iria se associar aos Mammies for Black Recording Artists, que militavam junto aos disc-jockeys negros para que apoiassem a música negra. No entanto, ele não conseguiu despertar o interesse do público afro-americano jovem. Em 26 de novembro de 1971, durante uma apresentação no Philharmonic de Nova York, Miles dedicou a metade de seu cachê à distribuição de lugares gratuitos nos bairros negros. Em março de 1972, ele contratou Ramon “Tiki” Fulwood, baterista dos grupos de funk mais inventivos do momento, Funkadelic e Parliament. No mês seguinte, os cálculos renais o obrigaram a dissolver o conjunto e a passar por uma cirurgia. U M GROOVE LUXURIANTE. Um novo personagem, inesperado, contribuiu para reanimar sua energia criativa. Encontrado em 1969, Paul Buckmaster era um violoncelista de formação clássica que navegava entre o rock experimental e a música pop. Ele deixou com Miles Davis uma gravação na qual figuras abstratas se desenvolviam sobre uma base rítmica fixa. O trompetista convidou-o a hospedar-se em sua casa em maio de 1972. Apaixonado pela música de Karlheinz Stockhausen, Buckmaster abriu novos horizontes a seu anfitrião. Os discos de James Brown, de Jimi Hendrix e de Sly Stone que o trompetista ouvia durante o dia em seu apartamento passaram a se alternar com Gruppen e Mixtur do compositor alemão. Do mesmo modo que Stockhausen mistu- rava instrumentos tradicionais e música eletrônica, os dois músicos planejavam associar os ritmos do funk às formas abstratas. Miles escutava também com interesse seu hóspede tocar a primeira suite para violoncelo de Bach. O desenvolvimento e a imbricação das ideias rítmicas e harmônicas chamaram sua atenção para a música de Ornette Coleman que, a princípio, ele havia rejeitado violentamente. Ele afirmou até mesmo sentir-se próximo de Don Cherry, o trompetista do quarteto histórico de Coleman que se tornou pioneiro das aproximações entre o jazz e as tradições orientais. Em 1 de junho de 1972, Miles entrou no estúdio, com os cenários musicais imaginados por Buckmaster que também evocavam as instruções minimalistas distribuídas pelo trompetista desde Kind of Blue. O conjunto musical definido pelo compositor lembrava também os grupos com que Miles Davis se rodeava nos estúdios em 1969. Ele incluía três teclados (Chick Corea no sintetizador, Herbie Hancock no piano elétrico e Harold Ivory Williams no órgão), uma guitarra (John McLaughlin), um baixo elétrico (Michael Henderson), um baterista (Jack DeJohnette) e dois percussionistas (Don Alias nas congas, Billy Hart nos pequenos instrumentos de percussão), além dos membros do “salão indiano”, Colin Walcott no sitar elétrico e Badal Roy nas tablas. Os músicos foram escolhidos no último momento e o jovem saxofonista David Liebman foi contatado no próprio dia, durante uma consulta médica. Chegando ao estúdio em meio à sessão de gravação, ele ouviu apenas um estranho ruído sonoro além das percussões, pois o som elétrico dos outros instrumentos passava diretamente pelo console. Miles colocou-o sem demora diante de um microfone e murmurou em seu ouvido: “Mi bemol”. E David Liebman começou a tocar. Assim começou a confusão dessa primeira sessão, durante a qual as instruções de Paul Buckmaster foram rapidamente deixadas de lado. 166 QUEREMOS MILES 167 Em busca de manifestar sua intenção de se aproximar da comunidade afroamericana, Miles Davis pediu a seu amigo, o desenhista Corky McCoy, que ilustrasse as capas de seus álbuns. As personagens foram inspiradas nas figuras que populavam as calçadas do Harlem e matavam o tempo on the corner, na esquina das ruas. Em sua publicidade, a Columbia ecoava essa vontade (página da esquerda). 168 Miles Davis equipou seu trompete com um dispositivo elétrico que lhe permitia modular a sonoridade usando um pedal wah-wah idêntico ao utilizado pelos guitarristas. QUEREMOS MILES As sonoridades obtidas lhe permitiam reconectar-se com uma certa expressividade vinda do blues. Aqui, em Paris, em novembro de 1973. Fotos: Christian Rose. 169 170 QUEREMOS MILES 171 Exceto Get up with It, os últimos álbuns gravados por Miles Davis antes de se afastar dos palcos, Dark Magus, Pangaea e Agharta, foram gravações de apresentações e se constituem em longas sequências de uma selva sonora cujos contornos são difíceis de perceber. O mistério da música é reforçado pelo caráter esotérico dos títulos dados a posteriori e que as ilustrações impenetráveis da capa contribuem para deixar mais denso. A música gravada nesse dia, e nos cinco dias depois com uma equipe ligeiramente diferente, foi lançada no álbum On the Corner. As personagens na capa, desenhadas por Corky McCoy, são figuras típicas do Harlem e destacam claramente a vontade que Miles sentia de se aproximar do público negro. Mas o álbum foi mal recebido ao ser lançado. Vinte anos depois, ele se transformou em um disco cult nos círculos do jazz eletrônico e do drum’n bass dos quais antecipou numerosas variações. Ainda mais que Bitches Brew, que já havia marcado os pioneiros da ambient music como Brian Eno e Jon Hassell, lidamos aqui com uma textura sonora inextrincável da qual só podem ser extraídos motivos repetitivos que não têm sentido algum a não ser ligados uns aos outros. Levados por uma pulsação inexorável, esses motivos formam um groove luxuriante no qual as linhas improvisadas se perdem no anonimato do discurso coletivo. Além disso — como já fizera no passado para evitar os preconceitos da crítica — Miles manteve em segredo os nomes dos músicos que participaram no disco. Nessa época, o trompetista tinha o costume de dizer a seus companheiros: “Não termine a sua ideia, deixe que eu a prossiga”. Ele levou assim ao extremo a lógica polirrítmica aprendida junto a Charlie Parker e reduziu a uma abstração o groove herdado de James Brown. Acabando com a dedicação a um instrumento durante as sessões de gravação esparsas de 1972, ele nem mesmo tocou trompete em “Rated X”, música na qual tocou acordes sustentados em um sintetizador enquanto o engenheiro de som cortava periodicamente os canais da rítmica segundo um princípio conhecido como off-on, duas palavras que encontramos dos dois lados da capa de On the Corner. Esse princípio, também chamado de stop and go, estava implicitamente presente em sua obra anterior, a partir de 1968, mas Miles Davis tomou consciência disso durante suas conversas sobre Stockhausen com Paul Buckmaster e passou a aplicá-lo a sua música como era tocada nas apresentações. M AGIA NEGRA. Em um primeiro momento, foi sem grande sucesso que Miles tentou gravar suas músicas de palco. Disso resultou um novo álbum duplo gravado ao vivo, Miles Davis in Concert, gravado em setembro no Philharmonic Hall de Nova York. Em janeiro de 1973, ele conseguiu convencer David Liebman a se unir a seu grupo regular. Esse discípulo de John Coltrane estava apenas parcialmente convencido pelo que ouvia, mas sentia de modo confuso que algo estava acontecendo. Por isso, ele participou intensamente. O mesmo aconteceu com Al Foster, que permaneceu como o baterista regular de Miles até 1984. Formado na escola do swing, do bop e do hard bop, ele conseguia transformar as marteladas da bateria funk com um misto de potência e flexibilidade que era só seu. Um novo guitarrista apareceu na primavera: como outros antes e depois dele, Pete Cosey foi convidado a subir ao palco sem ensaio. Ele não era um novato: era guitarrista da Chess, o principal selo de blues de Chicago, para o qual ele acompanhara Etta James, Howlin’ Wolf e Muddy Waters; ele dera seu toque pessoal ao disco deste último, Electric Mud, que mistura o blues de Chicago e a música psicodélica. Além disso, ele era membro da AACM, a associação da vanguarda negra de Chicago. Rompendo com as atitudes guerreiras ou eróticas dos heróis da guitarra, ele aparecia no meio do grupo de Miles, sentado atrás de uma mesa onde ficavam dispostas pequenas percussões, efeitos eletrônicos e também um pequeno sintetizador. Recorrendo a afinações alternativas, ele restituiu os aspectos mais ásperos da música instrumental de Jimi Hendrix, enquanto a guitarra de Reggie Lucas alimentava as síncopes da seção rítmica. Miles Davis e David Liebman (ao alto), Mtume (embaixo, à esquerda) e Reggie Lucas (à direita). Fotos: Corky McCoy no Palco com miles davis Foi em uma noite de sexta-feira, 12 de janeiro de 1973, que subi pela primeira vez ao palco ao lado de Miles Davis no Fillmore East. Eu estava totalmente ligado (todos os meus instrumentos, meu saxofone tenor, o sax soprano, a flauta estavam equipados para serem amplificados), mas eu não conhecia ninguém no conjunto, exceto Badal Roy, o tablista com quem eu tocara na gravação de “My Goals Beyond” com John McLaughlin em 1972, e o baterista Al Foster, que participara de algumas jam sessions em meu apartamento. Dizer que eu não tinha a menor ideia do que tocava nem do que se passava no palco naquela noite seria um eufemismo. A energia, o volume a densidade absoluta das texturas, tudo isso era esmagador. Depois do show, fui para o Vanguard, chegando bem a tempo de terminar a primeira apresentação e cumprir o compromisso que tinha com o baterista Elvin Jones. Eu tinha a impressão de ter voltado do futuro para o presente, de ter passado do século XXI ao século XX durante a noite mais importante de minha vida profissional. Antes que Miles reduzisse o tamanho do conjunto, o grupo contava tablas, sitar elétrico, guitarra, órgão, bateria, congas, baixo, eu e Miles. Tomando parte, principalmente, nos shows e em apresentações relativamente curtas, eu não tinha meios para realmente ouvir o que se passava naquela música e compreender qual era meu lugar nela. Era preciso que eu encontrasse meu lugar sozinho. Não havia partituras escritas e, tanto quanto eu podia perceber, Miles não dizia quase nada a respeito da música, nem a mim nem a ninguém. Com esse grupo, o essencial era tocado diretamente no palco. Miles encarnava a quintessência do verdadeiro músico de jazz, confiando cegamente no momento presente, investindo a fundo nele e saboreando-o completamente – em outras palavras, a espontaneidade dominava. Podemos considerar o período em que toquei com ele (1973-1974, até o início de 1975, ano em que tive um “período sabático”) como um aprofundamento na direção de sempre mais abstração em relação às inovações anteriores, o que destaca a velocidade incrível em que ocorriam as mudanças naquela época: um uso cada vez maior dos recursos eletrônicos (pedal wah-wah no trompete; uso do órgão Yamaha; efeitos de chorus e de delay no meu saxofone; bateria eletrônica de Mtume, instrumentos de percussão de Pete Cosey), que teve como consequência reforçar e variar a densidade das texturas; muita dissonância harmônica “acidental” (dois e, em alguns momentos, até três guitarristas tocando juntos; acordes não-tonais tocados por Miles no órgão); uso ainda menor dos instrumentos de composição formais, das estruturas e da exposição das melodias substituído pelo apoio quase que total sobre simples repetições de acordes (que podiam se repetir, de modo geral, por toda uma apresentação), que se combinavam com a tendência de Miles para as transições ininterruptas entre as faixas; um embasamento rock/funk reforçado no qual os ritmos se superpunham e eram divididos entre os diversos instrumentos da seção rítmica (segundo o conceito de Sly Stone); solos que eram menos desenvolvimentos do que exposições, breves e episódicas. Embora preservasse, no essencial, os principais ingredientes da base de seu estilo, o toque de Miles mudou de modo espetacular. O uso do pedal wah-wah e de um microfone preso ao trompete faziam com que a marca tão única e incrivelmente característica que Miles tinha com seu instrumento – sua sonoridade – se transformasse e que se extraísse algo de inédito desse processo. Quer tenha sido uma consequência do modo em que ele ouvia a si mesmo através do pedal ou quer fosse devido a outros fatores, o caráter rítmico de seu toque ficou mais pronunciado, centrado no meio do tempo, no coração da batida. (Os melhores músicos de jazz mantêm uma relação frouxa e flexível com a pulsação, eles tocam antes ou depois do tempo, como lhes convêm. Sempre pensei que a relação de Miles com a pulsação era uma das mais precisas que havia entre todos os músicos de jazz, de todas as épocas). Esse estilo percussivo, essencialmente rítmico, era ornamentado por rajadas de notas nas quais se combinavam subidas indiscerníveis para o agudo e longas notas sustentadas, mais raramente lançadas na batalha. Todos esses procedimentos estilísticos eram executados em um contexto sonoro despojado, sem reverberação nem delay, que sempre evidenciava a natureza aguçada da abordagem rítmica de Miles. Em relação às notas, suas escolhas iam de frases cantantes, muito diatônicas ou na tonalidade, combinadas a motivos da gama do blues, até desvios totalmente fora da tonalidade. É claro que tudo isso que saía de seu instrumento não deixava de conservar um contorno melódico, às vezes até com a inserção de melodias próximas ao espírito das cantigas infantis. O todo, como sempre quando se tratava de Miles, realizado com um élan [em francês no texto original], uma ousadia e um sentido de espaço e tempo únicos que se tornaram historicamente os aspectos mais distintivos de seu estilo considerado globalmente. Não tenho nenhuma dúvida de que, durante esse período, Miles pensava em sua abordagem do trompete com parâmetros bem precisos em mente. Os anos anteriores viram-no fazer um solo, sair do palco, voltar e retomar a palavra muitas vezes em meio ao discurso de um outro músico (em geral, no solo do piano). Durante minha passagem por seu grupo, a força da presença de Miles no palco se exercia sem cessar, afetando seus companheiros. Ele não apenas permanecia no palco, mas ficava de costas para o público, olhandonos por trás de seus gigantescos óculos escuros! Marcando o tempo com o corpo, ordenando a um de nós com um movimento de cabeça que fizesse um solo, ele também podia fazer abruptamente um sinal para que o conjunto marcasse pausas irregulares em meio a uma frase, uma técnica retomada a estilos de jazz mais antigos. Ele também tinha um órgão Yamaha, que era um tipo de precursor de toda a tecnologia dos teclados: Miles equilibrava acordes e tríades quando desejava, orquestrando assim ainda mais a interpretação diretamente. Mas, mesmo que a forma de nossas apresentações pudesse parecer relaxada, era difícil prever o que iria acontecer e a música podia mudar consideravelmente de uma noite para outra. Em resumo, a força que Miles exercia no palco era real e palpável, quer ele tocasse ou não. Quando ele entrava em cena, passado e futuro não existiam mais, não havia nada além do momento presente, a essência da verdadeira improvisação, e aquilo por que nós, músicos de jazz, lutamos cotidianamente ao tocar. Tenho contado muitas vezes a alunos ou a entrevistadores até que ponto Miles se concentrava nos instantes que antecediam nossa entrada no palco. Calmo, absorto, aparentemente mergulhado em seus pensamentos, todo grupo percebia suas vibrações antes de sair dos bastidores. Era menos solene do que penetrante e podíamos sentir que algo de sério iria começar. Isso foi uma escola para mim. Aprendi a me apropriar do instante e a confiar nele, dois aspectos intangíveis que tentei integrar a minha própria personalidade musical. Miles tinha uma confiança absoluta no menor de seus gestos, quer se tratasse de seu próprio toque ou da regência do conjunto. Nunca percebíamos a menor hesitação. Isso implicava que todos que estivessem tocando podiam, por osmose, fazer passar a força da convicção e a segurança de Miles em seu próprio toque. Nessa época da minha vida, eu, às vezes, duvidava de mim mesmo, mas com a energia que ele irradiava, era impossível pensar nisso. Isso era ainda mais verdadeiro no estúdio. Quando a luz ficava verde, percebíamos que tudo que tocássemos poderia ser ouvido em toda parte, em qualquer momento – um verdadeiro juízo final! Essa relação da gravação com a posteridade pode facilmente provocar uma experiência de nervosismo dependendo da personalidade de cada um. Porém, com Miles Davis, bastava se concentrar e permanecer no momento, de ouvidos atentos, prestes a se lançar na música quando chegasse seu momento. Precisei de 10 anos, ou mais, para assimilar as lições aprendidas ao lado de Miles. Essas lições me influenciaram em todas as áreas: as técnicas instrumentais que integrei ao saxofone soprano depois de observar o estilo de Miles no trompete, em especial no domínio rítmico; a aptidão para “viver no momento presente”; a capacidade de concentrar a energia dos outros músicos como um elemento chave para dirigir um grupo; sem esquecer o fato de encontrar em si a confiança necessária para permitir que os acontecimentos musicais ocorressem de modo espontâneo e regular. Nos anos 1980, eu chegava a me pegar pensando em Miles em meio a um solo, o que, às vezes, podia provocar uma mudança ou me inspirar em uma nova direção. Assim como Miles me relembrou um dia, de modo espetacular, o fato de estar a seu lado me fez participar, de certa maneira, dessa linhagem do jazz que vem de Louis Armstrong. Em consequência, tenho tentado conservar a integridade e a honestidade que pude observar durante minhas experiências com Miles Davis e Elvin Jones. Recebi a melhor formação que se poderia desejar, uma aprendizagem de natureza grandiosa com dois mestres da arte — o imperador, Jones, e o príncipe das trevas, Miles Davis —, um privilégio e uma honra que aceitei com a consciência da responsabilidade que permanece no tempo que me for permitido estar neste planeta. Serei eternamente grato pela chance que tive. DAVID LIEBMAN A CARREIRA DE DAVID LIEBMAN ESTENDEU-SE por QUATRO DÉCADAS, A PARTIR DO INÍCIO COMO SAXOFONISTA NOS GRUPOS DE ELVIN JONES E DE MILES DAVIS NOS ANOS 1970. ELE PARTICIPOU DE CERCA DE 300 GRAVAÇÕES, DAS QUAIS DIRIGIU OU CODIRIGIU QUASE 100. NO PLANO PEDAGÓGICO, LIEBMAN É UM CONFERENCISTA FAMOSO E AUTOR DE VÁRIAS OBRAS MARCANTES: SELF PORTRAIT OF A JAZZ ARTIST, A CHROMATIC APPROACH TO JAZZ HARMONY AND MELODY E DEVELOPING A PERSONAL SAXOPHONE SOUND. 176 Houve várias tentativas de fazer Miles Davis voltar ao estúdio enquanto ele se encontrava afastado. Abaixo, a equipe da sessão de 15 de março de 1978, na qual foi gravada apenas uma música, ainda inédita. Foto: Don Hunstein QUEREMOS MILES 177 Em 30 de março de 1974, enquanto a Columbia deslocava uma equipe para gravar no Carnegie Hall (Dark Magus), Miles Davis fez subir ao palco, sem ensaio prévio, dois músicos: o saxofonista Azar Lawrence, que não permaneceria no grupo, e o guitarrista Dominique Gaumont, que permaneceu por alguns meses, acrescentando uma voz solista suplementar, herdeira direta de Jimi Hendrix. A guitarra elétrica afastou definitivamente o piano europeu e os teclados só permaneceram sob a forma do órgão Yamaha YC45, que era usado pelo próprio Miles de um modo minimalista. Apenas o saxofonista Dave Liebman representava ainda a herança instrumental e harmônica europeia por sua formação dupla, como músico erudito e discípulo de Coltrane. Embora ele tenha assimilado rapidamente as lições de Miles em matéria de dinâmica, fraseado, energia e efeitos dramáticos, sua virtuosidade e seu apego às virtudes discursivas do jazz o distinguem do coletivo polirrítmico das percussões, das guitarras e do baixo. E, quando em junho de 1974, Miles Davis prestou uma homenagem a Duke Ellington, que falecera algumas semanas antes, com uma peça estática, que se alongava por 32 minutos sobre as notas sustentadas do órgão elétrico, David Liebman demonstrou uma perplexidade que confirmava seu isolamento no grupo. Assim, o saxofonista afastou-se para formar seu próprio grupo, no qual se combinaram as influências de Miles Davis e de John Coltrane. Ele foi substituído por Sonny Fortune, saxofonista negro especializado nos sax alto e soprano e também na flauta, que explorava a veia pós-Coltrane de modo mais linear do que seu predecessor. Mas o discurso individual perdera quase que toda a importância naquela selva sonora meio que luxuriante e em decomposição que foi documentada em dois álbuns duplos, Agharta e Pangaea, gravados em Osaka durante duas apresentações dadas no mesmo dia de fevereiro de 1975. A música não passa de uma matéria orgânica de densidade inextrincável, levada por um enorme groove interrompido aqui e ali por um gesto do líder, segundo o princípio do off-on. A partir de abril, na segunda parte de uma apresentação em Boston, Miles Davis con- vidou a subir ao palco um jovem saxofonista tenor em quem ele acreditava ter reencontrado a chama de Coltrane, Sam Morrison. Sonny Fortune não demorou a fazer as malas. No entanto, a atividade do trompetista no palco tornou-se esporádica. Em outubro de 1975, ele cancelou todas as apresentações e só voltou a fazê-las na primavera de 1981. A RECLUSÃO. Nada ia bem na vida de Miles. No plano musical, talvez ele tivesse chegado ao final da rota que empreendera. Exasperado pelo sucesso do jazz-rock branco, ele fracassou em seu objetivo de atrair o público negro apesar da radicalização de sua música na direção do funk. Seus relacionamentos conflituosos com os filhos Miles IV e Gregory fizeram-no encarar seus fracassos pessoais e ele entrou em uma depressão profunda. Os incidentes de saúde se multiplicaram, agravados pelo consumo de drogas, analgésicos e álcool. Em 9 de outubro de 1972, ele bateu com sua Lamborghini em um guard-rail e fraturou os tornozelos. Durante vários meses, teve de andar com muletas, com gessos que davam pouco suporte a seu quadril doente. Em 1973, ao escalar o muro de seu jardim durante uma crise de paranoia, ele quebrou novamente um tornozelo. Em 1975, seu quadril havia se deteriorado a ponto de provocar várias luxações e ele teve de colocar uma nova prótese em dezembro. A isso se acrescentavam diabetes, inflamação das articulações, úlcera estomacal, pneumonias frequentes e novos nódulos nas cordas vocais. Miles levava uma vida errática, repleta de incidentes. Em 1972, ele foi acusado de sequestro por uma de suas locatárias. Em fevereiro de 1973, ele foi preso por porte de arma automática. Durante 1973, Jackie Battle terminou o relacionamento com ele. Miles adoeceu progressivamente em casa, em uma grande desor- 178 QUEREMOS MILES 179 Recluso em seu apartamento na Rua 77 Oeste, Miles Davis vivia com as cortinas fechadas, afastado do mundo e saindo apenas raramente. Ao lado, fotografado em casa, pouco antes de ressurgir em público. Foto: Teppei Inokuchi dem e em semi-escuridão, tendo como única luz a televisão permanentemente ligada. Apenas alguns amigos, cada vez mais raros, companheiros de passagem, aproveitadores, traficantes e ratos quebravam a solidão e o tédio cada vez maiores. Enquanto o consumo de cocaína lhe custava 500 dólares por dia, seu contrato com a Columbia chegou ao fim. A companhia outorga-lhe uma pensão - privilégio até então reservado ao pianista Vladimir Horowitz -, na esperança de vê-lo voltar aos estúdios. Mas Miles deixou de praticar e de ouvir música e perdeu contato com a atualidade musical. Quando incentivado a voltar a tocar, costuma responder: “Tocar o quê? Já toquei tudo.” Alguns autores destacaram os exageros da autobiografia escrita em parceria com Quincy Troupe. Como fez em relação aos anos 50, Miles se compraz em dramatizar sua descida ao inferno. Assim, Mark Rothbaum, seu empresário, declara: “A casa não era tão suja, e quando estava, recebia uma faxina. E as histórias sobre as mulheres eram pura fanfarronice. Miles não transou com dezenas de mulheres. Ele estava com a Trixy, com a Loretta, e estava doente.” Enquanto isso, a Columbia continua publicando álbuns – a maioria, duplos – compilando inéditos: em 1974, Big Fun e Get up with It reúnem faixas do período elétrico gravadas desde 1970; em 1976, Walter Babies revela algumas joias desconhecidas dos anos 1967 e 1968; Circle in the Round (1979) e Directions (1981) resgatam o catálogo da Columbia dos anos 1955 a 1970. Gil Evans consegue, quanto a ele, reacender o interesse de Miles por um antigo projeto sobre a Tosca de Puccini, embora sem nenhum resultado concreto. Foram organizadas várias sessões entre 1975 e 1978, mas, quando Miles aceita cooperar, só toca teclado e nada será aproveitado pela Columbia. A partir de 1978, o novo vice-diretor do departamento de jazz, George Butler, passa a visitar Miles diariamente. No dia do seu aniversário, em 1979, Butler mandou entregar um piano na casa de Miles. Foi preciso fazer uso de diplomacia para ele aceitar abrir a porta. À noite, ligou para Butler, disse “Obrigado” e desligou. Foto: Anton Corbijn. queremos miles 181 star people O Icone planetário 1980-1991 A eletricidade foi cortada no apartamento de Miles Davis, que vivia somente à luz de vela e sem ar condicionado na atmosfera sufocante do verão de 1979. O violoncelista e arranjador inglês Paul Buckmaster assistiu a esta decadência. Miles o fez vir à Nova York na esperança de repetir a experiência de 1972, que resultou em On the Corner. Buckmaster passou longos períodos na casa de Gil Evans, que já havia falhado duas vezes na tentativa de reviver a carreira de Miles e que rapidamente perdeu o interesse pelo assunto. O violoncelista tentou por duas vezes reunir uma orquestra. Em vão: Miles não apareceu nos ensaios. Logo depois, observando a condição degradante do trompetista, Buckmaster soou o alarme e Dorothy, irmã de Miles, veio de Chicago para restaurar a ordem na casa de seu irmão. Ela pediu ajuda a Cicely Tyson. Desde seu romance em 1966-1967, Miles e Cicely permaneceram bons amigos. Possessiva ou protetora – o mínimo que poderia ser – Cicely consertou a vida de Miles. Eles se casaram em outubro de 1981. Afastado, Paul Buckmaster retornou a Londres. Mas outro personagem fez uma entrada decisiva na vida do trompetista: Vince Wilburn, filho de Dorothy, que o tirou de se sua “aposentadoria”. 182 O homem do trompete. Dorothy deixou claro para No drummer, no band (“Sem baterista, sem banda”) se tornou o lema seu irmão que era hora de dar um impulso para este jovem, que ele incentivou a tocar bateria quando tinha apenas seis anos. O jovem Vince Young se apresentou nos palcos de Chicago, entre funk, soul e jazz fusion, sobretudo com grupo AL7, o que Miles ouviu ensaiar ao fundo durante uma conversa telefônica com Dorothy. Ignorando o conjunto formado por Pete Cosey a seu pedido, Miles convocou o AL7 a Nova York em abril de 1980, às custas da Columbia. Ele acompanhou por telefone os ensaios do grupo, cuja música se assemelhava mais aos sucessos musicais do momento que às abstrações sonoras experimentadas por Miles durante seus últimos dez anos de atividade. O grupo era composto pelo tecladista Robert Irving III, o guitarrista e cantor Randy Hall, o baixista Felton Crews e Vince na bateria. No lugar do saxofonista Glenn Burris, bop demais para o seu gosto, Miles impôs um estudante de David Liebman chamado, assim como o pianista de Kind of Blue, Bill Evans. Ao unir-se ao grupo em estúdio, constatou, quando se digna a usar seu trompete, a perda de seus meios técnicos. Em junho, o grupo retornou a Chicago, antes que Miles fosse capaz de gravar a parte que lhe cabia. Fez uma nova tentativa em janeiro de 1981, mas acabou julgando ter de mudar de direção. Esta foi a primeira das muitas reviravoltas que pontuaram os dez anos finais de sua vida. À véspera de seu retorno ao palco, Miles hesitou em adotar a bubble gum music (como ele a nomeou em sua autobiografia), dos amigos de seu sobrinho. Ele lhes cedeu tempo para amadurecerem e, mais cedo ou mais tarde, os fez retornar e assumir posições decisivas na sua orquestra. Sua indulgência foi criticada pelos amigos próximos - que inclui David Liebman, Al Foster, Cicely Tyson e o jovem Bill Evans, que tornou-se seu confidente. Com o seu novo saxofonista, o guitarrista Barry Finnerty e o percussionista Sammy Figueroa, ele reconstruiu uma banda em torno de Al Foster. queremos miles do Miles, que contou com seu velho amigo dos anos 1972-1975. Bill Evans lhe sugeriu Marcus Miller, baixista e multi-instrumentista com educação musical extensa, que desempenhou um papel importante nos anos seguintes. As sessões retomaram desta vez dentro de um espírito mais aberto, longe do formato das anteriores, jam sessions simples a partir de fragmentos melódicos. No entanto, estava longe da confusão de sons dos anos 70, como se Miles tivesse tomado consciência do impasse em que se encontrava às vésperas de sua aposentadoria em 1975. Com exceção de uma concessão ao jazz clássico em “Ursula”, acompanhado por um walking bass e de um “chabada” mal disfarçado, a música se sustentava ainda pela batida intensa da bateria, e a síncope violenta do baixo, mas ela estava mais alerta, menos sombria, mais legível, com solos bem distribuídos, arejada, melódica, controlada e distribuída em formatos mais curtos que no passado. Ao longo das sessões, o toque do trompete ficou mais seguro e os jovens companheiros de Miles o convenceram a abandonar o pedal wah-wah, através dos quais dissimulava suas fraquezas. Antes de gravar uma última faixa, que abriu o álbum The Man with the Horn, o trompetista recrutou um novo guitarrista que David Liebman apresentou a Bill Evans: Mike Stern, um ex-aluno da prestigiada Berklee College of Music em Boston. U MA AMÉRICA MUDADA. O lançamento de The Man with the Horn, no outono de 1981, constituiu um grande evento midiático, neste início de década, num mundo em mudança. Desanimado pelas crises da ideologia comunista, a contestação se calou. As elites intelectuais e artísticas do mundo ocidental foram seduzidas pelos valores do dinheiro e da comunicação, incentivando a criação de um liberalismo selvagem, patrocinada por Ronald Reagan, eleito presidente dos Estados Unidos em 1980. Reagan relan- Em 1981, Miles preparou o sua volta aos palcos em sua casa, cercado por jovens músicos que o acompanharam (o baixista Marcus Miller, o guitarrista Mike Stern, o percussionista Mino Cinelu e o saxofonista Bill Evans çou os programas militares em detrimento dos programas sociais, ampliando o fosso entre as classes populares e as superiores. Os negros pobres foram os primeiros atingidos, enquanto a ação afirmativa impulsionou a burguesia negra, que se aproximava do poder, com a conquista da prefeitura de Atlanta, em 1982, por Andrew Young, e a nomeação de Colin Powell como Chefe de Gabinete em 1989. Ensinado de maneira acadêmica no mundo inteiro, o jazz experimentou um recuo em suas ambições vanguardistas, que favoreceu o renascimento comercial e a renovação de seu prestígio em termos de imagem, especialmente para os publicitários que solicitavam Miles Davis em diversas ocasiões. Aparentemente mais midiático, somos tentados a dividi-lo em dois setores. Por um lado, o legado de fusão jazz-rock ofereceu uma música fácil de escutar por sua clareza melódica e seus ritmos atraentes. Tocado em estações de rádio FM, sob o nome de smooth jazz (jazz suave, doce), alimentado de exotismos do Caribe, do Brasil ou da África, era também marcado pelos aspectos mais demonstrativos do funk (especialmente seus contrabaixistas virtuosos, que praticavam a técnica percussiva dos slap) e técnicas de produção que se desenvolveram nos estúdios da soul, a música pop e a disco. Aproveitando-se dos avanços da música eletrônica em termos de diversificação e de sons robóticos (sintetizadores, drummachines, sequencers), geralmente era elaborada em estúdio, instrumento por instrumento, ao custo de uma certa frieza. No outro lado de uma fronteira estética que estava longe de ser permeável, os jovens estudantes de escolas de jazz continuavam a praticar os instrumentos acústicos do jazz clássico e a explorar, com mais ou menos ousadia, as possibilidades de improvisação interativa através de um conhecimento técnico e instrumental e um conhecimento teórico sem precedentes. Esta nova ciência da improvisação combinava o potencial da harmonia europeia clássica, da politonalidade e das tradições modais, ao mesmo tempo que ampliava as conquistas dos anos 60, apoiando-se no quádruplo legado de John Coltrane, de Bill Evans (o pianista), do segundo quinteto de Miles assim como o seu velho amigo, o baterista Al Foster, mais velho). Como em muitas vezes no passado, Gil Evans (centro) assistiu à estas sessões de trabalho. Fotos: Teppei Inokuchi. Davis e até mesmo de Ornette Coleman. Em meio a esta mudança, os jovens jazzmen negros se uniram, a partir de um reflexo comunitário, em torno de um hard bop renovado e rebatizado como neobop, que eles apresentaram como sendo a música clássica de seu povo. Alguns dentre eles fizeram desta um modelo que opunha às tentações da música pop destinada aos brancos e ao hip hop, expressão da miséria e da violência em que mergulhavam os guetos negros. U MA RETOMADA PRECÁRIA. Miles Davis, que saiu da cena musical por quase cinco anos, se viu diante desta nova realidade: por um lado, o smooth funk, praticado pelos seus jovens protegidos de Chicago, a versão soft da música do gueto e, por outro, os jovens improvisadores profissionais que foram recomendados por David Liebman e seu discípulo, Bill Evans. Estes foram os dois pólos de atração que dividiram sua música na primeira metade da década de 80, enquanto ele imediatamente se diferenciou da postura dos neoboppers, que ele considerava retrógrada elegendo o seu líder, o trompetista Wynton Marsalis, como um de seus alvos favoritos, que retribuiu o favor. O álbum The Man with the Horn podia parecer ter pouca unidade. As duas únicas composições retidas da banda de Chicago abriram a música de Miles Davis para uma novo público, que o fez triunfar ao longo dos anos 80 e atraíram críticas de fãs do jazz sem indulgência. Aqueles que apreciavam a sua música dos anos 70 preferiram o lado mais improvisado aos outros trechos, que pareciam um pouco adocicados, em comparação com as tempestades elétricas e os ritmos de Agharta. Eles se deixaram seduzir pelo solo 184 queremos miles 185 Sob a influência de Cicely Tyson (direita, acima, antes da partida do trompetista para o concerto no Kix Boston em junho de 1981), Miles Davis adotou um estilo de vida inspirado em dietas vegetarianas de medicina chinesa e prática de natação (página à esquerda), o que lhe permitiu recuperar a saúde após anos agonizantes. Fotos: Anthony Barboza (à esquerda) e Teppei Inokuchi (à direita) 186 Gravado entre 1980 e 1983, os álbuns da retomada foram marcados pela importância legada à guitarra de Mike Stern (ou John Scofield (página da direita, assim como pelo fascínio crescente de Miles Davis pelos sintetizadores, tocados por ele mesmo no palco. Foto: Didier Ferry. especialmente desenfreado de Mike Stern na faixa de abertura “Fat Time”. Mas a interpretação demasiadamente rock do guitarrista não foi nenhuma unanimidade entre os que se alegravam ao ouvir Miles reconectar-se com o lirismo e, por vezes, com um swing (“Ursula”), do qual tinha se desviado durante seu período rock. Estas ambiguidades deram o tom das primeiras aparições públicas que a Columbia tem o cuidado de gravar entre 26 e 29 junho de 1981 no Kix , um clube de Boston e, no Lincoln Center em Nova York no dia 5 de julho. O grupo tinha um novo percursionista, o martinicano Mino Cinelu, e os ensaios informais deixaram alguns músicos desamparados, mas no palco, a música rapidamente tomava forma. O repertório incluiu duas canções de The Man with the Horn (os acordes solenes da guitarra saturada na introdução de “Back Seat Betty” abriram os próximos shows de Miles Davis), além de “Kix” e “My Man’s Gone now” de George Gershwin. O primeiro surpreendeu pela sua natureza rítmica híbrida entre swing, reggae e funk, enquanto o segundo, dominado por um rítmico swing, ressaltava o retorno à melodia, mesmo com a linha original habilmente disfarçada. Outra mudança ocorreu na atitude cênica de Miles: tendo instalado em seu trompete um microfone sem fio, ele pode mover-se no palco livremente enquanto tocava. Durante a turnê de verão, uma nova música lúdica levou o publico a alegrar-se, “Jean-Pierre”, replay matizado de blue notes e de síncope funk da cantiga de ninar “Dodô l’enfant do”, que ele ouviu na década de 50 por Jean-Pierre, o filho caçula de Frances Taylor. Pode-se detectar a sua prefiguração de fórmulas colocadas aqui e ali nestas improvisações desde 1958. Gravado no Japão, essa música foi o hit do álbum ao vivo lançado no verão de 1982, We Want Miles, que também incluiu gravações de concertos no Kix e no Lincoln Center. As turnês evidenciavam a fragilidade física de Miles, vítima de várias pneumonias e afetado pela diabetes. queremos miles Quando Cicely Tyson se ausentou em janeiro de 1982 para gravar um filme na África, Miles mergulhou na cocaína, no tabaco e no álcool. Hospitalizado, ele logo sofreu um derrame que deixou sua mão paralisada. Segundo seus médicos, ele não tocaria de novo. Cicely retornou imediatamente e o apresentou a um médico chinês que o submeteu a uma série de sessões de acupuntura, uma medicação à base de plantas e uma dieta rigorosa. Ela o levou para nadar todos os dias e o encorajou a exercitar os movimentos de suas mãos num teclado. Aos poucos, Miles retomou o trompete. Em abril, ele viajou para Europa, onde apareceu em um estado de extremo cansaço. C hromatic Funk E SINTETIZADORES. Para o próximo disco, Star People, cuja gravação se estendeu do verão de 1982 ao mês de fevereiro de 1983, o baixista Marcus Miller foi substituído por Tom Barney e o guitarrista John Scofield veio ajudar Mike Stern, que enfrentava problemas de drogas. Scofield foi outro aluno da Berklee College, e fez parte do quinteto de David Liebman dois anos antes. Sua prática de improvisação era mais sábia que a de Stern, e sua relação com o rock era menos evidente. Ele foi, entre outras coisas, um maravilhoso intérprete de blues, gênero cujo retorno foi notado no repertório de Miles Davis em “Speak”, na grande tradição enaltecida pelo trompetista em Blue Haze em 1954 e “Star People” inspirado no bluesman Lightnin’ Hopkins. “Come Get It”, que incluiu a introdução de acordes de abertura “Back Seat Betty”, foi uma fervente jam session em um baixo 187 188 Metralhadora ou pistola na mão, Miles Davis aparece na capa do álbum You’re Under Arrest (1985), com a postura de bandido, roupas chamativas e trompete gravado com seu nome, prenunciando uma imagem que, desde então, se tornou a norma no gangsta rap. Fotos : Anthony Barboza. ostinato, inspirado por Otis Redding. O biógrafo dos anos elétricos de Miles, Paul Tingen, usou a expressão relevante cromatic funk (funk cromático) para descrever uma parte desse repertório de contornos melódicos virtuosos, angulares cromáticos e muito distante das inclinações de Miles para as novas músicas populares negras. Foram muitas vezes fragmentos de solos colocados no papel por Gil Evans, de volta ao estúdio. Eles foram retomados em uníssono novamente pela guitarra e pelo saxofone, tais como “Star on Cicely”, um trecho de solo de Mike Stern, ou “Speak” e “It Gets Better”, extraídos de solos de John Scofield. Os músicos reclamaram da edição, que julgam datada de Teo Macero, assinando aqui a sua última produção para Miles Davis. Mas os sons muito adulterados da bateria e as partes de sintetizador de Miles pareciam igualmente incongruentes. Ambas as faixas gravadas ao vivo (“Come Get It” e “Speak”), no entanto, provocaram lamentações de que a Columbia nunca tenha lançado os concertos da época, que destacavam a influência de John Scofield, e sua relação muito natural com o blues, a angularidade do seu toque e sua colocação ritmicamente estimulante. Em Decoy, gravado durante o verão de 1983 e lançado em maio de 1984, Scofield estava agora sozinho na guitarra, oferecendo novamente três interpretações de solo como tema, incluindo “That’s What Happened” extraído de “Speak” do álbum precedente. Miles Davis também reatou com a primeira equipe de The Man with the Horn: Darryl Jones no baixo e Robert Irving III nos teclados, que também era diretor musical e coprodutor, em parceria com o sobrinho de Miles, Vince Wilburn. A excessiva presença da percussão e o som muito metálico de Darryl Jones fortaleceram e modernizaram a coloração funk do baixo. Pelo conhecimento de diversos instrumentos e de sua programação, Robert Irving III deu mais credibilidade aos sintetizadores, mas ele puxou o álbum para o pop. Enquanto Miles retomou o controle total de suas faculdades, Decoy se situou exatamente entre esta abordaqueremos miles gem e as abstrações cromáticas de funk incorporados pelas linhas de Scofield. Se a faixa-título, o interlúdio “Robot 415” assim como “Code M.D.” mostrou que Irving havia absorvido as ideias harmônicas de Miles e sua tendência para a angularidade, os papéis desempenhados pelas máquinas (sintetizadores e bateria eletrônica) ameaçavam a coesão do álbum. No entanto, o álbum durava apenas quarenta minutos — parte do material gravado foi considerado, segundo George Butler, insuficientemente comercial para ser lançado. Num paradoxo, tendo em vista a falta de material, foi ainda necessário incluir duas faixas gravadas em concerto para completar os trechos retidos em estúdio. U MA GUINADA HESITANTE. Bill Evans reclamava que a música se tornou muito carregada e que não havia mais espaço para improvisação. De fato, no palco, o saxofonista parecia ter sido deixado de lado. Em setembro, Branford Marsalis estava em estúdio e foi encarregado de belas partes de improvisação em Decoy (“Decoy” e “That’s Right”). Miles Davis tentou, em vão, levá-lo para a orquestra, e em novembro de 1983, Bill Evans tirou suas conclusões. Ele se afastou, ao mesmo tempo em que Mino Cinelu cedeu seu lugar a Steve Thornton. O repertório tomou um rumo cada vez mais pop na gravação do álbum You’re Under Arrest, onde sintetizadores e bateria eletrônica tornaram-se ainda mais presentes. O projeto inicial foi um álbum de versões de músicas que estavam na moda, com arranjo de Gil Evans. Iniciada no outono de 1983, a gravação foi interrompida por uma nova operação nos quadris de Miles, seguida de pneumonia. As sessões retomaram em janeiro de 1984, mas Gil Evans parecia ter perdido toda a motivação. Miles Davis aproveitou a chegada do saxofonista Bob Berg em maio para gravar uma série de jam ses- 189 sions informais em funk cromático e abandonar as baladas. Das cerca de quarenta músicas gravadas, apenas ficaram “Something on Your Mind” da associação Disco D -Train, “Human Nature”, escrito por Steve Porcaro para o grupo Toto, mas popularizado por Michael Jackson, e “Time After Time” da cantora pop Cyndi Lauper, que marcou o retorno de baladas e foi para o Miles dos anos 80 o que “Autumn Leaves” significou para o de 60. Exceto essa última, as outras duas baladas foram regravações, porque no final de 1984, Miles decidiu refazer em poucos dias tudo novamente. Ele retomou um outro trecho do solo de John Scofield para a faixa principal, “You’re Under Arrest”, substituiu algumas músicas de Al Foster pelas de seu sobrinho, chamou John McLaughlin para “Ms. Morrisine” e “Katia”. Abrindo o álbum, “One Phone Call Street Scenes” era uma montagem narrativa curiosa evocando as numerosas passagens de Miles pela polícia, incluindo as vozes de Sting, Marek Olko (promotor de eventos polonês que tentou trazer Miles para cantar na Rússia) e de Miles em pessoa, ao que se acrescentam sirenes, rugido de pneus, apitos, cheiradas de cocaína e tilintar das algemas. O disco terminou com um grand finale: a cantiga de ninar “JeanPierre”, que segue uma outra de caixa de música acompanhada por vozes de crianças logo encobertas pelo som de uma explosão nuclear. Enquanto os sinos dobravam, ouvia-se Miles dizer: “Ron, eu lhe disse para apertar o outro botão”. Será que se tratava de Ron Lorman, engenheiro de som, ou de Ronald Reagan, que tinha sido reeleito após lançar o projeto “Star Wars”? Na capa do disco lançado no outono de 1985. Miles estava desconfiado, segurando uma metralhadora de brinquedo na mão. Demagogia à deriva, falta de coerência e abuso de sintetizadores digitais com sonoridade chamativas e bateria eletrônica levaram Al Foster a pedir demissão em janeiro de 1985, após doze anos de lealdade. John Scofield faria o mesmo no verão seguinte. I NTERVALO, RUPTURA E DECEPÇÂO. Se You’re Under Arrest foi um sucesso imediato, o mundo do jazz estava preocupado com o futuro do trompetista. O acaso da vida lhe daria algumas esperanças. No dia 14 de dezembro, Miles recebeu em Copenhague o prêmio da fundação Sonning, criado pela viúva do escritor dinamarquês Carl Johann Sonning. Para a ocasião, o trompetista dinamarquês Palle Mikkelborg compôs uma suíte orquestral, encomendado pelo big band da rádio dinamarquesa. Concebida em sete movimentos, um para cada cor do arco-íris, a peça foi intitulada “Aura” em referência à aura pessoal de Miles. Palle Mikkelborg, que reivindicava ser influenciado por Miles Davis, Gil Evans, Charles Ives e Olivier Messiaen, atribuiu à cada letra do alfabeto um valor da escala cromática, compondo em função do nome de Miles Davis e dos vencedores anteriores - entre os quais Igor Stravinsky, Leonard Bernstein, Isaac Stern e Olivier Messiaen. Lisonjeado, o trompetista concordou em tocar sobre o último movimento, “Violet” e até tomou a iniciativa de uma longa jam session. Em meados de Janeiro de 1985, avisou a Palle Mikkelborg que ele queria gravar a obra. Ele voltou a Copenhague em 31 de janeiro com Vince Wilburn e aproveitou a vinda à cidade para trazer John McLaughlin para o projeto. Desta vez, ele estava decidido que tocaria a totalidade dos movimentos, exceto “Indigo”, um tributo ao seu segundo quinteto que valorizava o piano e despertava no trompetista a sua aversão às referências ao passado. Apesar da inadequação da bateria elétrica, as suntuosas partituras de Palle Mikkelborg reconectaram sem nostalgia a criatividade ambiciosa dos grandes álbuns de Miles Davis e Gil Evans. No entanto, a Columbia iria esperar quatro anos até lançar o álbum, que saiu quase despercebido. O trompe- 190 191 Em 1985, em Copenhagen, Miles Davis gravou “Aura”, uma longa suíte composta por trompetista dinamarquês Palle Mikkelborg como um tributo à aura do musico. Pela primeira vez em mais de 20 anos, ele retomava a posição de solista em um grande conjunto orquestral. Foto: Kirsten Malone. tista guardou mágoa. Por conta disso, ele assinou com a Warner. Miles Davis ainda criticava a Columbia por tê-lo negligenciado em favor da nova estrela no trompete, Wynton Marsalis, e de ter comprometido o seu sucesso com o público mais jovem, continuando a vendê-lo sob o rótulo de contemporary jazz. Mas Miles tinha outras preocupações. Tendo se tornado altamente intrusiva, Cicely Tyson causou a saída de Chris Murphy, road manager de Miles desde 1973, e de Mark Rothbaum, seu empresário desde 1978. Ela colocou os negócios de seu marido nas mãos de dois advogados que Miles logo acusaria de incompetência. A ruptura foi onerosa e ele precisou vender a famosa casa da Rua 77 Oeste que ele acabara de renovar inteiramente conforme a vontade de Cicely. O casal tinha um alto padrão de vida entre os dois apartamentos em Nova York e uma luxuosa casa de praia em Malibu, na Califórnia. Miles precisava de dinheiro e seu novo empresário, David Franklin, obteve para ele um contrato com a Warner de um milhão de dólares. Mas o músico não demorou muito tempo para se queixar de seu novo contrato. A discordância era a respeito dos direitos de edição. Ele declarou que não iria mais escrever música, deixando para aos outros a tarefa de compor seu repertório. Seu descontentamento poderia ter um outro motivo: ele rapidamente compreendeu que, se a sua nova gravadora estava disposta a promover a sua música com os recursos destinados ao pop, isso lhe custaria a liberdade. Os dirigentes da Warner se opuseram, na verdade, a qualquer tomada de riscos e esperavam de Miles Davis música de entretenimento destinada as estações de rádio FM, seguindo o modelo do esquecido smooth jazz. P ROJETOS abandonaDOS. Em setembro de 1985, seu novo produtor na Warner, Tommy LiPuma, rejeitou abertamente que houvesse sessões com a banda com a qual ele se apresentava ao vivo, e que esta não constaria mais em seus discos. Muitos de seus projetos não tiveram seguimento: com o iniciador de On the Corner, Paul Buckmaster, com o baixista Bill Laswell, que produziu dois anos antes Future Shock de Herbie Hancock, com Steve Porcaro do grupo pop Toto, para o qual Miles já reprisara a canção “Human Nature “. Ele retomou contato com um dos colegas de seu sobrinho, Randy Hall, que havia assinado os dois eventuais sucessos de radio do The Man with the Horn. Tendo se tornado um cantor e produtor de sucesso, Hall trabalhava com o produtor e multi-instrumentista Zane Giles. Ambos começaram a compor para Miles Davis no mesmo espírito do produtor britânico Trevor Horn, que fez seu nome nos discos de bandas Frankie Goes To Hollywood e Art of Noise, com uma utilização massiva e ultrajante de novas máquinas musicais. Um número grande de convidados foi convidado, de Al Jarreau a Prince, passando por Chaka Khan. O novo projeto, chamado Rubberband (em homenagem a uma canção por Hall e Gilles), deu origem a um intenso trabalho de estúdio em Los Angeles, do qual participou Zane Gilles (guitarra, baixo, bateria, baterias eletrônicas, teclados), Randy Hall (guitarra e programação), Adam Holzman, Neil Larsen e Wayne Linsey (teclados), Cornélio Mims (baixo) Glenn e Burris Mike Paolo (sax), Steve Reid (percussão), 192 Concebido sob medida para acomodar o som de Miles Davis, o álbum Tutu foi realizado através da técnica de multipista por Marcus Miller (abaixo à esquerda) e correspondeu às expectativas do produtor da Warner, Tommy LiPuma, (de costas ao lado, durante as sessões de gravação, em 1986). Fotos: Teppei Inokuchi Vince Wilburn (bateria eletrônica) assim como Mike Stern (guitarra). Entusiasmado, Miles Davis estava prestes a sair em turnê com este grupo. Mas o projeto foi repentinamente cancelado sem explicação. Miles Davis não teceu nenhum comentário sobre esse fato em sua autobiografia. Dos dez trechos gravados entre outubro e final do inverno de 1985, apenas “Rubberband”, “Wrinkle”, “Carnival Time” e “I Love What We Make Together” (rebatizada de “Al Jarreau” , o nome do cantor para quem foi escrita) surgiriam sob a forma de reprise cênica pelo grupo oficial de Miles. A queremos miles VOLTA DE MARCUS MILLER. Assim como as sessões de Rubberband não satisfizeram os amantes do jazz, elas foram, ao que parecem, também muito ousadas para conquistar o mercado visado pela Warner. Um novo projeto surgiu por acaso, entre janeiro e março de 1986. Miles Davis fez uma encomenda ao pianista George Duke, acompanhada de uma gravação do grupo Irakere, que mistura música cubana, jazz e rock. O pianista lhe retorna três títulos, incluindo “Backyard Ritual”, em uma fita demo realizada com a ajuda de máquinas. Miles decidiu usá-la como está, incluindo um solo de saxofone falso (“A stupid little saxophone”, como diria Duke), sem que fossem regravados por músicos de verdade, com exceção da percussão e uma parte de baixo adicionado por Marcus Miller. Este último tinha uma longa trajetória, desde The Man with the Horn e We Want Miles, e às suas habilidades como baixista e multi-instrumentista, ele acrescentou bons créditos como produtor, compositor e arranjador, ao lado de David Sanborn, de Aretha Franklin e de George Benson. Assim, ele propôs começar a trabalhar em novas músicas para Miles no Capitol Studio, em Los Angeles. Com o auxílio do programador de sintetizador Jason Miles, Marcus Miller construiu uma série de orquestrações compostas por máquinas as quais ele acrescenta seus próprios instrumentos (baixo, guitarra, sax soprano, clarone, bateria), além de percussões aqui e ali de Paulinho da Costa e de Steve Reid, a bateria de Omar Hakim na faixa “Tomaas” e o violino elétrico de Michal Urbaniak em “Don’t Lose Your Mind”). Uma vez que as músicas estavam terminadas, Miles Davis se juntou a ele no estúdio para gravar sua parte de trompete em uma só tomada sobre uma música que ele ouviu pela primeira vez. O resultado, Tutu, muitas vezes grandioso pela amplitude que os arranjos conferem a estas melodias, embora minimalistas, (“Tomaas”, “Splatch”), culminando com a faixa de abertura homônima e “Portia”, um maravilhoso tributo ao Gil Evans de Sketches of Spain. Em uma linha diferente, a música “Perfect Way”, emprestada do grupo pop Scritti Politti, ilustrava a dificuldade que Miles conheceu em “Human Nature”. Na verdade, a força destas paradas de sucesso encontrava-se frequentemente em seus arranjos, que permaneceram quase de acordo com as originais nas versões do trompetista, substituindo-se a voz pelo instrumento para repetir a melodia com algumas variações. Certamente, quando interpretava as baladas dos anos de 50, era muitas vezes com pose de crooner, mas sabia disfarçá-las através de suas visões de arranjador minimalistas. Poderia ter sido o motivo para que Prince rejeitasse a um projeto de colaboração que já estava bem avançado. Miles Davis, Jason Miles e Paulinho DaCosta já tinham acrescentado suas partes à música “Can I Play With U?” enviada pelo cantor durante as sessões de Rubberband. 193 194 Com imagens do fotógrafo Irving Penn, Tutu foi um grande sucesso comercial. Foto: Guy LeQuerrec (à esquerda) Irving Penn (à direita). queremos miles 195 196 P RINCE E OS OUTROS. Miles era fascinado por Prince, que ele comparou a Duke Ellington pelas cores e a Thelonious Monk pelo ritmo. Prince declarou deter gravações de jam sessions com Miles Davis, e conhecer imagens não divulgadas de um concerto beneficente dado para a noite de Ano Novo 1987-1988 em Paisley Park Studios de Minneapolis, durante o qual o trompetista tocou, com a orquestra de Prince durante alguns minutos “Full Nelson”, que encerrava o álbum Tutu, e aproximava-se demasiadamente da estética de Prince. Mas no passado, Miles sempre conseguira ficar longe de seus modelos, fossem eles Charlie Parker, Ahmad Jamal ou James Brown. Ele nunca tinha procurado encontrar em estúdio Jamal ou Brown. Uma sessão com Jimi Hendrix tinha sido programada, mas a má vontade de Miles — e de Tony Williams — havia feito tudo ir por água abaixo. Observava-se outra mudança nos hábitos de Miles Davis. Ele que, desde que havia deixado o quinteto de Charlie Parker, não tinha mais aceitado, com poucas exceções, colocar-se a serviço dos outros músicos, começou a gravar como sideman e, ainda, para cantores. Eles certamente tinham um lugar importante em sua imaginação, mas, em sua orquestra, o cantor era ele mesmo. Em 1985, ele se misturou à nata do showbiz no álbum de Sun City dos Artists Against Apartheid. Ele o fez certamente por uma boa causa, como ele toma emprestado o queremos miles título de Tutu do bispo negro da África do Sul, Desmond Tutu . No final de 1985, ele gravou um instrumental com o grupo pop Toto, “Don’t Stop Me Now”, de Steve Porcaro. Em 1987, ele deixou-se convidar pelo grupo Scritti Politti na canção “Oh Patti”. Em 1988, ele gravou com Cameo, uma de suas bandas funks favoritas, com o cantor italiano Zucchero e com sua amiga, a cantora de soul Chaka Khan (incluindo “Sticky Wicked” de Prince). Em 1989, o trompetista ainda gravou duas músicas do álbum Prisoner Of Love de seu saxofonista Kenny Garrett, participou do regravação de “Birdland”, hit de seu amigo Joe Zawinul no álbum Back on the Block de Quincy Jones. Ele estava presente em oito músicas de Mystic Jazz, de um obscuro tecladista italiano, Paolo Rustichelli. Em 1990, ele homenageou a cantora Shirley Horn, a quem apadrinhou no começo da carreira, em Nova York cantando com ela a faixa homônima do álbum You Won’t Forget Me. Com Marcus Miller, Miles Davis reencontrou o caminho para os estúdios de cinema em 1987, trinta anos depois de Ascensor para o cadafalso, em Siesta um filme de Mary Lambert. O roteiro, que se passava na Espanha, levou o baixista a escrever na sequência com Gil Evans de Sketches of Spain, algumas bonitas sequências com as ferramentas técnicas de Tutu. Com Robert Irving, Miles já havia gravado no final de 1985, a música do episódio “Prisoners” da série de televisão Alfred Hitchcock Presents e do filme Street Smart, de Jerry Schatzberg, em 1987. Depois de aparecer na televisão em um episódio de Miami Vice (no papel de um gerente de bordel) e na série Crime Story, ele interpretou um trompetista no filme Dingo, de Rolf de Heer, e compartilhou as partes de solo de trompete com Chuck Findley nas composições de Michel Legrand, que trouxe Miles pela primeira vez, a sua música na década de 50. Finalmente, se ele refez seus passos na trilha sonora do filme Hot Spot - um local muito quente de Dennis Hopper, menos uma abordagem nostálgica e mais um comovente tributo aos pais do blues; ao lado de John Lee Hooker e Taj Mahal. 197 Tornando-se um ícone midiático e figura do showbiz chamativa da década de 80, Miles Davis foi convidado para aparecer em comerciais (canto inferior direito, para as vespas da Honda), para apoiar grandes causas (acima, SunCity, contra o apartheid ) para participarem discos (Cameo, Chaka Khan, Scritti Politti ou o primeiro álbum de Kenny Garrett) e até mesmo para interpretar papéis, como na série Miami Vice (centro inferior) e nos filmes Os Fantasmas Contra-Atacam e Dingo (em cima). Concessão à moda ou ao desejo de reprise de canções pop como Time forjar novos standards o repertório After Time, um hit. (Cyndi Lauper dos anos de 80 foi marcado pela acima) 198 R OTINAS E dança DAS CADEIRAS. Enquanto isso, a banda de Miles Davis continuava em turnê. De 1985 até 1988, apesar da fragilidade física persistente, Miles esteve constantemente na estrada. Então foi de se admirar que a Warner tenha deixado de lado as várias gravações de shows que ela mesma tinha mandado fazer. Ela parecia até tê-las esquecido ou perdido, quando, em 1996, cinco anos após a morte do trompetista, a multinacional atende finalmente às demandas dos empresários de Miles para realizar uma compilação de gravações ao vivo (um simples e não um duplo como havia sido sugerido). Foi preciso então recorrer às fitas que o engenheiro de som trabalhava à partir da mesa de sonorização por noites seguidas, a pedido de Miles, que gostava de ouvir cada concerto para comentá-los com os seus músicos. Foi como se os dirigentes da Warner temessem publicar uma música que escapasse de seu controle, demasiadamente fora de norma para obter os retornos sobre o investimento que eles buscavam. No entanto, para muitos fãs do jazz, o grupo se instalava em uma rotina. De um repertório formatado para os padrões da música pop, estagnado em grooves imutáveis, enclausurados em arranjos sobrecarregados de sintetizadores. Aqueles músicos que tinham talento para a carreira solo foram-se um a um: os guitarristas Mike Stern e Bobby Broom, os saxofonistas Bob Berg e Gary Thomas, o pianista Kei Akagi, o percussionista Mino Cinelu. Todos se queixavam de, noite após noite, repetir os arranjos de Tutu ou dos álbuns pop e funk para os quais Miles emprestava parte de seus repertórios. A improvisação não tinha mais espaço e, quando cabia a Miles o momento de solo, este sofria de falta de interação com a rítmica. A banda parecia se dividir em dois: de um lado, os jazzmen, amantes da liberdade, de outro, os músicos da rítmica, que vêm do funk e soul, executantes perfeitos que, quando saíssem da sombra de Miles Davis, se queremos miles 199 Na segunda metade da década de 80, os shows se tornaram verdadeiros espetáculos, com efeitos de miseen-scène tais como estes painéis nos quais figuravam os nomes dos músicos e que Miles Davis erguia ao fim de cada solo. Abaixo, no Zenith de Paris, em novembro de 1989. Foto: Annie Delory desvaneceriam para a posição de segundo plano de cantores em voga em funções de acompanhadores ou produtores. De 1985 até a morte do trompetista, a rítmica vivia como um jogo das cadeiras permanente, sem trazer à banda grandes alterações. Fora Benny Rietveld, que veio do entorno de Prince, foram os músicos próximos ao sobrinho de Miles que se sucediam no baixo: Angus Thomas, Felton Crews, Darryl Jones e Richard Patterson. A partir de outubro, a banda tinha duas estantes de partitura de teclado (além de Miles), onde desfilaram Bobby Irving, Adam Holzman, Joey DeFrancesco, John Beasley e Kei Akagi, que viu-se sozinho ao final de 1989, antes de dar lugar em 1991 para Deron Johnson. O set de percussão dobrou quando Steve Thornton foi acompanhado por Marilyn Mazur, entre outubro de 1985 e junho de 1986. Mino Cinelu cedeu o seu lugar em 1987 e o seguiram Ruby Bird, Marilyn Mazur novamente, Munyungo Jackson, John Bigham (nas percussões eletrônicas) e, de junho a novembro de 1990, o filho de Miles e Margaret Eskridge, Erin Davis. Depois disso, o lugar permaneceria vago até a morte de Miles Davis. Finalmente, durante alguns meses, a estante de saxofone seria igualmente duplicada por um segundo tenor, o de Gary Thomas. O S ÚLTIMOS cÚMPLICES. Depois de ter gostado do espírito solista do guitarrista Robben Ford, especialista em um blues mais pronunciado do que o de Scofield, o trompetista se lançou em uma corrida para encontrar um guitarrista, agora olhando mais para os músicos negros. Em outubro de 1987, ele finalmente consegue por as mãos no que procurava. Usuário de um híbrido entre baixo elétrico e a guitarra batizada lead bass, José “Foley” McCreary assumiu aqui e ali um papel de solista em uma veia blues-rock pós-Hendrix, mas ele sabia, acima de tudo, integrar-se na polirritmia orquestral no modelo das guitarras de Prince ou de James Brown. Anteriormente, a banda havia sofrido uma alteração significativa com a substituição, em fevereiro de 1987, de Vince Wilburn por Ricky Wellman. Miles emprestou este último do Soul Searchers de Chuck Brown, criador em Washington, na década de 70, do gênero em resposta à onda disco, a go-go music, que misturava elementos variados do funk, da música latina, de jazz e de música africana. O virtuosismo de Ricky Wellman, a extensão de seu vocabulário, seu senso de espaço e de nuance garantiram uma fluidez à música de Miles Davis, confirmada pela chegada de Foley. Ambos manteriam uma grande cumplicidade com o trompetista. Um outro personagem adquiriu a confiança de Miles, o saxofonista Kenny Garrett, que, exceto pela substituição por Rick Margitza no tenor, durante o verão de 1989, ocupou lugar de destaque; um cargo fixo em sua estante de música à partir de fevereiro de 1987. Ao contrário de seus colegas jazzmen, Kenny Garrett se sentia à vontade na banda de Miles Davis, que ofereceu-lhe um lugar privilegiado para a improvisação. O saxofonista percorreu a tradição do jazz ao mais alto nível na Duke Ellington Orchestra, sob a direção de Mercer Ellington e no Jazz Messengers de Art Blakey. Miles tinha conhecimento de jazz contemporâneo, mas também era impregnado de funk, assim como dominava a relação com o público. Ele improvisava longos chorus de uma forma que não se assemelhava em nada com as graves efusões pós-Coltrane. Pintura e desenho tomaram um papel crescente na vida de Miles Davis, que estampava suas obras em seus discos, em particular na capa do Amandla. Ele reuniu as viravoltas suaves e incisivas do alto bop com o toque hiper-rítmico dos saxofonistas de James Brown, cujas estruturas baseadas em níveis ascendentes se apoiavam no aparecimento periódico de fórmulas giratórias destinadas a realimentar a inspiração do solista e a reconquistar a atenção do público. Assim, muitas vezes foi ele que concluía a música ou foi convidado para um solo, como se fosse impossível sucedê-lo. Mais do que qualquer outra coisa, ele se prestou ao jogo de perguntas e respostas ao qual Miles teve o hábito de dedicar-se desde o início de 80. No palco, o trompetista circulava entre os músicos ora elogiando-os, ora fazendo propostas às vezes enigmáticas, distribuindo elogios ou incentivos e, em alguns casos, criando armadilhas e até os desqualificando. Mais do que nunca, ele conduzia a banda com o olhar, sinalizando por trás de seu trompete com objetivo de prepará-la para uma mudança de 200 Junto no palco, em 1987, com o guitarrista Foley e o saxofonista Kenny Garrett, dois de seus músicos favoritos nos últimos anos. À esquerda, o baixista Darryl Jones. Foto: Guy Le Querrec 201 Em fevereiro de 1987, Miles Davis participou de um desfile de moda no Club Tunnel, em Nova York para o estilista japonês Kohshin Satoh, de quem elogiou a roupa. Também convidado, Andy Warhol (à direita) foi o cicerone de Dark Magus. Foto: Susumu Shirai. 202 Pintura e desenho tomaram um papel crescente na vida de Miles Davis, que estampava suas obras em seus discos, em particular na capa do Amandla. N direção inesperada, remodelando o jogo coletivo de um concerto para o outro, ouvindo todas as noites o concerto dado para poder alterá-lo no dia seguinte. A ESTRADA COM MILES. A apreciação da música de Miles Davis, neste momento, se diferia de acordo com o testemunho recolhido, seja esse dos solistas John Scofield e Bob Berg ou dos membros da rítmica. Estes mostraram outra maneira de ouvir o trabalho orquestral dando uma atenção detalhada à estas mecânicas de precisão que constituíam os grooves no lugar das tomadas de riscos do fluxo narrativo improvisado. Durante todo o concerto, a banda, coroando a encenação e refinando as nuances, adquiria uma perfeição na sua área, mostrando as capacidades divinatórias do trompetista. Seus músicos lembraram-se de um Miles muito diferente da lenda: afetuoso, carinhoso, atencioso, alegre e bem -humorado. O homem certamente apreciava o sabor da volta à vida, ao sucesso, à riqueza. Sem dúvida, ele desfrutava da companhia de jovens músicos de quem faz-se pigmalião. Notava-se uma mistura de paternalismo e maiêutica na atenção equilibrada que lhes presta. Ele desprendia uma aura que fazia com que se esquecesse o outro lado da moeda, em certas ocasiões, quando ele se mostrava arrogante, rude, cruel, impiedoso, capaz de violência física, sempre disposto a intimidar, seduzido por seu persona de bad boy. Mas tocar com Miles Davis continuava sendo uma escola como nenhuma outra. queremos miles Os músicos, muitas vezes descobertos por aqueles próximos a Miles, eram convidados a aprender o repertório, ouvindo as gravações disponíveis. Os felizardos assistiam aos ensaios que precediam as turnês. Ensaios organizados pelo diretor artístico do grupo (Adam Holzman e Robert Irving) com as novas músicas, às vezes, na presença de Miles. Mas muitas vezes, eles entravam em palco sem ter ensaiado e encontravam o trompetista, que os julgava, antes de mais nada, por suas vestimentas. Miles Davis, que durante muito tempo se recusou a dar atenção ao público, entregando a sua música descompromissada, agora levava sua banda como um verdadeiro entertainer. Envolvido em todos os tipos de jogos de cena, apresentava seus músicos com cartazes, respondia a perguntas do público, sorria e fazia caretas, notando as meninas bonitas da primeira fila. A magnitude das mangas e pernas de seus figurinos extravagantes, desenhados por estilistas como Issey Miyake, Gianni Versace e o seu protegido, o designer japonês Kohshin Satoh, escondiam a silhueta diminuta de um homem que estava com os dias contados. Esta paixão pela alta costura era associada ao seu interesse por desenho, que ele praticava a cada momento quando estava em turnê. Foi Cicely Tyson que o incentivou durante a sua convalescença, em 1982, e seus primeiros desenhos apareceram na capa de Star People. Seu relacionamento com Cicely se desfez até o divórcio em 1989. Em 1984, outra mulher apareceu em sua vida. Jo Gelbard, que se tornou sua professora de pintura e sua parceira em 1988. Quando mudaram-se para um novo apartamento com vista para o Central Park, Jo o decorou com mobiliário de Memphis Group, fundado em Milão pelo designer Ettore Sottsass. Foi sob a influência desta escola que eles começaram a pintar juntos e faziam projetos para decorar o dispositivo cênico dos shows. Quando Jo chama a atenção de Miles sobre o pintor afro-americano Jean-Michel Basquiat, vemos aparecer diversos materiais integrados 203 O a abstrações pintadas onde Miles dissimulava máscaras e totens de inspiração africanas. No outono de 1989, na capa do álbum Amandla, aparecia marcado: “Cover art by Miles Davis and Jo Gelbard”. S PARADOXOS DE AMANDLA. Com exceção de João Bighame e de George Duke que assinaram uma faixa, Marcus Miller foi, como em Tutu, o autor de quase todo o repertório de Amandla, cuja gravação se estendeu de junho de 1987 à janeiro de 1989. Observamos uma relativa recuada dos robôs musicais em favor dos verdadeiros músicos. A música não era gravada ao vivo, mas, em partes, instrumento por instrumento. Miles estava mais presente que em Tutu, mesmo que, às vezes contentava-se em dar sua opinião por telefone, uma prática que havia sido sistematizado desde Decoy. Assim evitava que passasse longos dias no estúdio e caiu como uma luva à política de produção do estúdio Warner, muito rígida. Miles cedeu, e só vem na hora marcada para gravar e regravar a sua parte até que ela fique perfeita. Em Amandla, com exceção de Kenny Garrett, onipresente, os membros do grupo (Foley, Wellman, De Francesco) constavam apenas como visitantes ocasionais. A volta ao último baterista do grupo Weather Report, Omar Hakim, assim como as diversas percussões ressaltavam a sua vontade de afastar-se do jazz em benefício da diversidade da música rítmica da África e da diáspora negra. No entanto, o interesse especial de Miles pelo zouk demonstrava uma falta de distância para uma área então em plena expansão, a da música internacional que ele só conseguia vislumbrar através do prisma do sucesso comercial. Assim, não tirou muita vantagem da presença do guitarrista Jean-Paul Bourelly, que poderia ter aberto os seus olhos sobre a atualidade das músicas, prospectiva com as quais Miles parecia ter perdido todo o contato. De fato, desde as primeiras notas improvisadas no estúdio, o guitarrista percebeu que, para o produtor Tommy LiPuma, ele era um intruso indesejado. A volta do piano nas mãos de Joe Sample na balada “Amandla” conciliou Miles Davis temporariamente com o seu público de jazz, exceto para aqueles fãs que viam isso como uma renúncia. Em “Mr. Pastorius”, Marcus Miller conseguiu fazer o trompetista tocar sem surdina numa época em que sua tendência era esconder sistematicamente suas fragilidades por trás da Harmon. Além disso, um acontecimento inesperado ocorreu durante a gravação das bases: uma balada refinada, para a qual Miles forneceu uma sequência simplificada na tradição do blues, funk para permitir que Miles improvisasse de acordo com seus hábitos de então, sem restrição harmônica. No início de seu solo, o trompetista deixa a entender ao baixista e compositor que ele quer tocar em cima das harmonias originais do tema tocado à moda antiga em walking bass, como nos tempos de Paul Chambers. Bastou Miles Davis sair do estúdio para que Marcus Miller trouxesse Al Foster para que ele acrescentasse um bom e velho swing chabada que o baterista executou com lágrimas nos olhos. O resultado foi atraente, mas contribuiu para que Amandla fosse um disco certamente agradável, mas menos coerente e intenso que Tutu. Uma faixa pouco notada pelos críticos, “Jilli” chama a atenção de João Bigham, autodidata multi-instrumentista que o trompetista manteve algum tempo sob a sua proteção. Davis teria composto outras músicas para ele, que infelizmente não tiveram a sorte de agradar ao produtor Tommy LiPuma. 204 queremos miles 205 Os figurinos extravagantes, desenhados pelo estilista Kohshin Satoh, contribuíram para a imagem de um artista que não temia livrar-se das normas. Em show em Tokyo em 1988. Fotos: Shigeru Ushiyama 206 Concessão ou mudança? O homem que, antigamente, tocava de costas para o público, agora o cumprimentava após shows. Ao lado, no Festival “Jazz surson 31” em Toulouse, no dia 20 de outubro de 1987. Foto: Guy Le Querrec J azz retrô e hip hop. Depois de sua conva- abrangendo diferentes campos da arte. No plano musical o hip hop lescença, resultado de pneumonia no inverno de 1988-1989, as turnês se tornaram menos frequentes. Mesmo tentando estar à altura, Miles Davis era um homem diminuído pela doença, os remédios e a paranoia, que afetou seu relacionamento com Jo Gelbard. Ele falava em se aposentar assim como fez seu pai anteriormente, que vivia como um gentleman farmer, com os cavalos que possuía na Costa Oeste. Mas também evocava a perspectiva de um disco com Prince, de quem inscreve várias músicas em seu repertório na primavera de 1991. Em 8 de julho do mesmo ano, ele se prestou a um projeto que ia contra a sua natureza, aceitando tocar novamente os arranjos de Gil Evans, em Montreux, sob a pressão amigável de Quincy Jones, para que ele conduzisse uma orquestra de grandes dimensões. Ele o fez a contragosto, ensaiando com má vontade e deixando Wallace Roney tocar em seu lugar na maior parte do repertório, que não correspondia nem mais à sua linguagem, nem às suas capacidades técnicas. No entanto, dois dias depois, na Grande Halle de la Villette para o Festival JVC em Paris, ele tomou a iniciativa de um concerto de retrospectiva, intitulada “Miles and Friends”. Num repertório que voltava à Dig (1951), desfilavam os músicos que foram associados à sua carreira: Jackie McLean (o veterano), Wayne Shorter, Herbie Hancock, Chick Corea, Dave Holland, Joe Zawinul, John McLaughlin, Steve Grossman, Al Foster, Bill Evans (sax), John Scofield e os componentes de sua orquestra regular. Alguns viram este momento como uma despedida. No entanto, Miles estava envolvido na gravação de um novo disco produzido por Easy Mo Bee. Ainda incapaz de atingir ao público jovem negro, Miles Davis não podia retardar a aproximação com o mundo do hip hop, uma cultura de rua nascida nos guetos da década de 70 e queremos miles se apoiava na dupla MC (master of ceremony) e DJ (discjockey). A primeira praticava a arte verbal, o rap, o segunda previa o acompanhamento musical de um par de toca-discos e uma coleção de LPs, do qual ele extraía breves passagens usadas como ritmos breakbeats ou que ele executava em movimentos rápidos, de vai e vem sob a agulha, para obter ritmos (scratch). O trabalho nos toca-discos foi gradualmente combinado com o uso de bateria eletrônica, de teclados eletrônicos e de sampler eletrônico, que permitiu armazenar qualquer som ou sequências de som para desviá-los. Sequenciadores concluíram o equipamento do DJ, oferecendo-lhe a possibilidade de formar ostinatos sob forma de ondas sonoras chamadas de loops. No início de 1989, Miles Davis participou de gravações do álbum de Quincy Jones, Back on the Block, uma super-produção envolvendo figuras históricas do jazz e as novas estrelas do funk, do soul e do hip hop. Ele comentou com o cofundador da marca Def Jam, Russell Simmons, sobre as condições de produção de rap, música da “patota” com um orçamento pequeno, que ele não deixava de comparar com os enormes custos de Amandla. Ele ambicionava a um modo de produção menos pesado, onde ele seria mais envolvido. Tendo tido recomendações dos artistas de hip hop pelos dirigentes de Def Jam, ele reteve Easy Mo Bee (OstenS Harvey Jr), rapper e produtor de 26 anos, e associou seu agente, Gordon Melzer, como coprodutor, visivelmente seduzido por este grupo desprovido de qualquer formação acadêmica de música. Mas outros colaboradores estavam previstos: o tecladista oficial, Deron Johnson, que deveria garantir a coesão dos trechos concebidos por Easy Mo Bee, John Bigham, a quem Miles Davis encomendou músicas e Prince, que enviou canções. Ele também estava em contato com outras figuras do rap como Flavor Flav e Chuck D. do grupo Public Enemy e Nikki D. A gravação de Doo-Bop, preconcebidas como um álbum duplo, começou em julho de 1991. Easy Mo Bee estabelecia a base de cada 207 MILES em SEU ATELIÊ Quando eu me encontrei em sua casa, em Manhattan, quarta-feira, 5 de junho de 1991 às 11h00, a primeira coisa que eu vi foi um ateliê. O resto da história todos conhecem. Após quatro dias intermináveis de espera, Miles Davis me recebe em três tempos: primeiro round, duro, feroz (segurar, aguentar, deixar passar os golpes, prever, boxe normal). Segundo round, o desaparecimento: ele desce e me deixa só. Eu penso que já era, adeus entrevista, perguntas e respostas, vacas, porcos, galinhas, eu sei de cor a lista dos caras bem mais espertos do que eu que ele rejeitou sem sequer dizer adeus. Terceiro round: ele se trocou, ele mudou, iniciam-se alguns dos dias mais intensos de minha vida. Por quê? Eu não tenho a menor ideia. Ele está morto agora. Ele queria que nos revêssemos durante todo o mês de agosto. Que eu me instalasse por lá um tempo. A primeira coisa que eu vi foi um ateliê. Telas pousadas em cavaletes, óleos abertos, moldura encostada nas paredes, algumas ferramentas – lápis, pastel, tinta, sem material visível para o óleo – plantas verdes, uma mesa feita de madeira preciosa, a tigela com frutas frescas, além de dois trompetes: o primeiro envernizado de tinta vermelha, a que conhecemos, o segundo em cristal, um presente de aniversário, ou uma brincadeira, eu não me lembro. Não, eu não toquei nos trompetes. Nenhuma mancha no chão ou proteções para os móveis. Ateliê seco, impecável, sem sequer um vestígio do trabalho. Os músicos que pintam, desenham, fotografam, etc. É difícil levá-los a sério. Não é necessariamente inteligente: as fotos de Milt Hinton merecem mais do que uma visão distanciada. Quem não se derreteria diante das colagens minuciosa exuberância de Satchmode? Você já viu como são engraçadíssimos os pássaros desenhados por Michel Portal? Por fim, Django, entre viagens de pesca, pintava. Louis Sclavis expôs suas fotos do momento. A abstração acrílica de Daniel Humair é por sua vez reconhecida pelos pintores... Em cada um de seus gestos diferidos, ocorre um impulso que, na maioria dos casos, para proteger-se, sem dúvida, é considerado com simpatia. Melhor dizer com a elevação, desdém afetuoso, um que de condescendência sem malícia, enfim com desprezo. O primeiro desenho que Miles Davis me dá, uma bola de gude preta no fundo branco, silhuetas de mulheres africanas, datado de uma quarta-feira de 3 de julho de 1985. Uma capa de disco (Qual? Eu terei que procurar) é de seu gosto. Corpos e cabeças de mulheres africanas, callipyges e cabelos muito curtos. Miles despacha esse desenho em pé, com uma caneta altamente automática, ele assina. A cena acontece em Lyon, rápida ida e volta para uma breve entrevista. Ele fala do blues, ele volta ao assunto, com essa agressividade discreta dos que têm medo. Medo que você não ouça, que não retenha, que não compreenda a importância. No próximo 14 de julho, em Montreux, eu vejo um após o outro os seus dois concertos (16 e 20 horas). Sim, é a época do auge quando se lamenta que não toque mais, ou que toque de costas. O segundo desenho, pastel, representa uma máscara africana ou um ser vivo. Miles tinha esboçado de pé em sua casa, na entrada, logo antes de nos separarmos em junho de 1991 nas costas de um convite. Convite que anunciava a exposição de suas telas na Galeria Nerlino, 96 Greene St. Desenho de um personagem flutuando sobre um fundo preto e algumas palavras escritas entre os espaços: “FORUS / WAIT TO YOUR HEAR / WHAT PRINCE WROTE” 5 de junho, flashback, 11h00. Miles Davis: em sua casa, atrasa. Ele quer o momento certo. Ele não quer nada mais ou tão pouco nada menos. Antes que ele desça, a governanta se comporta como é exigido pela sua categoria. Instalo todos os meus apetrechos num canto, gravador, aparelhos, fichas, colas. Estou pronto. Ele desce. Mostra-se frio, hostil, fala em dinheiro, me testa. Eu aguento. Enfim, golpe de sorte, ele não duvidou por um segundo que eu sei exatamente o que me espera, com relação ao idioma Inglês. Que seja dito em minha defesa, ele tinha um jeito muito estranho de praticá-lo. Aí eu fico quase bobo, ele escolheu o canto oposto, o da janela, o mais incômodo para mim. Tiro o meu chapéu, o artista! Ring. Astúcia de boxeador. Eu admiro. Eu vejo o meu material do outro lado, dane-se, é inútil. Estou nu. Seu canto, ele o ocupa num primeiro momento como um menino mal educado. Ele tem onze anos e, às vezes, tem onze mil anos. Tem exatamente sessenta e cinco anos. Miles, em sua casa, é como o Miles em cena. No palco, na última década, ele reúne pequenas trupes, assim como músicos relaxados entrariam no estúdio. Ofertas, convites, partilha. Ela vai de um a outro, daí a reputação desejada de vê-lo tocar “de costas”. De costas para quem exatamente? Não é para seus bateristas, com certeza. Miles em sua casa, caminha e leva o outro no papo. Como em cena. Ele nos leva consigo. De quadro em quadro. Ele leva você na conversa. Ele arrasta a perna. Todas estas cirurgias de quadril. Ele parece um adolescente ferido, um cadáver que reconhece a terra. Tem os olhos animais mais humanos do mundo, ligeiramente cercados de azul. Fino círculo sob fundo de porcelana luminoso. Quando ele finalmente resolve acabar com a sua representação voluntária, o seu round de observações, ele é o que é, exatamente ele: tímido, elegante, delicado, extremamente educado, rude. No começo, ele só fala de pintura. Descreve cada obra. Suas telas são figurativas, carregadas de sentido, transportadas por uma espécie de fúria de pintar que nem sequer nos perguntamos se ela se justifica. Meu gravador dorme no outro Foto: Shigeru Ushiyama. extremo da sala. Eu tento fixar o que ele diz. Eu faço o que posso. Ele, nenhuma colher de chá. Ele é grosso, cortês, amável, difícil, bem educado, delicado. Suas mãos dançam como pássaros. Ele se mexe, ele desenha, ele fala com sua voz rouca. Cada som de sua voz soa como a sua música. Poderíamos dizer: como o blues. É verdade. Ele sabe que ele o toca. – Você já pintou um auto-retrato? – Pelo amor de Deus! Já chega a minha cara. – Mas eu vi um, não é? – Não, é de Jo, Jo Gelbard, minha esposa Eu pinto com ela, ela me desenha o tempo todo. Você tá vendo esse olho? Esse é o meu olho... – Seu rosto, você diz... – O quê? – ... mudou no decorrer de sua vida. – Está sempre mudando. Tenho quarenta rostos diferentes. Meu corpo está mudando. O corpo se lembra de tudo. Mudo quando nado. Ele se torna assim ou assado. Eu não quero mais ele assim. O clima é muito melhor na Califórnia, mas a energia é em Nova York que você a encontra. Eu quero pintar cada vez mais a forma e a cor que me vêm. – Você desenha mulheres? Qual parte do corpo você prefere? – A bunda, as nádegas, você também, não? ( ele está tocando em um teclado). Eu odeio esses acordes de merda. Gil sempre dizia que o acorde está perdido. O acorde é muito solitário. Até que o próximo seja tocado, qualquer acorde soa estranho. O seguinte entra em consonância, é ótimo, podemos finalmente pensar em começar a tocar, é uma coisa muito delicada, sabe? Como pintar. Entendo. Bruxo tímido. Passados os ritos de observação, ele muda. Ele desaparece (telefone, conversa, a senhora wasp traz suco de laranja, o tempo passa, fico pensando nessa entrevista que se limitará a conversas sobre pintura). Troca de roupa. Ele troca frequentemente de figurino. Tem mil roupas. Desce de novo. Escada, Moulin Rouge, o rosto cinquenta anos mais novo, camisa de seda preta sobre peito nu, calça de couro. Um turbante prende o cabelo remendado. Está com mil anos. Parece com a mãe, desaparecida há muito tempo. Ele é quem diz. Acaba de renascer. Parece ter dezesseis anos. Podemos conversar. As telas em volta nos encaram. Entrevista infinita. FRANCIS MARMANDE CRONISTA dO jornal LE MONDE E dA REVISTA JAZZMAN, FRANCIS MARMANDE É PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, AUTOR DE “LA CHAMBRE D’AMOUR” (ED. DU SCORFF) E DE “L’INDIFFÉRENCE DES RUINES” (PARENTHÈSES), ENTRE OUTROS 210 queremos miles 211 Miles Davis deixa o Zénith de Paris numa limousine, em 20 de setembro de 1986. Foto: Claude Gassian. 212 Miles Davis deixa o Zenith de Paris em limusine, no dia 20 de setembro de 1986. Foto: Claude Gassian Eterno rapaz furioso ou gênio apaziguado pelos anos? Retrato Miles “pouco importa a idade”. Foto: Annie Leibovitz trecho à partir da caixa de ritmo e da amostragem, o trompetista tocava por cima, e Deron Johnson acrescentava o sintetizador assim como linhas de baixo. Até a morte de Miles, em setembro, apenas seis títulos foram gravados; “Mystery”, “The Doo-Bop Song”, “Chocolate Chip”, “Blow”, “Sonya” e “Duke Booty”. Eles foram completados com uma reprise de “Mystery”, ligeiramente encurtado e remixado, assim como dois solos de Miles retirados de Rubberband do inverno de 1985-1986, reabilitados por Easy Mo Bee. U m FIM DE VIDA . O que teria sido Doo-Bop se Miles Davis tivesse vivido mais tempo? Presumivelmente, ele estaria operando uma virada decisiva. Após as escolhas radicais que ele tinha feito em 1964-1975, sua música tinha se tornando cada vez mais formatada, como se estivesse se rendendo a frivolidade dos anos 80. Um desenvolvimento para o qual Miles parecia ser o espectador, cedendo aos poucos às ordens daqueles que tinham tomado o seu destino em mãos, até a reprise a contragosto do repertório de Gil Evans no festival de Montreux. Algumas semanas antes de sua morte, Doo-Bop tenderia a romper com esta situação. O hip hop é uma arte crua, uma arte de recuperação, e o som deste último álbum era permeado da lembrança de velhos teclados vintage, já procurados na época pelo acid jazz, e da música que surgiria até a virada do século. Será que Miles, se tivesse vivido na década de 90, teria sido capaz de ouvir o progresso do rap freestyle, o surgimento do drum n’ bass e da jungle, de investir em esferas mais criativas da música eletrônica? Teria ele visto o impacto imediato de sua música dos anos 80 dar lugar a profunda e persistente influência do segundo quinteto e às inúmeras bandas dos anos 70 tocando a música da virada do século? Em 1980, Miles era um homem à margem do mundo como podemos constatar no olhar desamparado – observado pelo jornalista Claude Carrière – quando conduzido para fora do palco no festival de Nice por um esquadrão de seguranças, o trompetista encontrava-se frágil, o velho amigo Clark Terry, que está tentando alcançá-lo. Desde meados da década de 70, ele se manteve a par da vida musical por intermediários. Foi Francesca queremos miles Spero, que ficou encarregada em lhe transmitir sugestões de Def Jam em matéria de hip hop. Em relação ao hip-hop, Def Jam lembra que foi poupado das produções mais radicais para mostrar-lhe o que havia de mais melódico e jazzy. Esse depoimento corrobora o de Branford Marsalis, que recriminou Miles por querer apropriar-se de uma realidade musical muito distante dele. Para David Liebman, ao voltar ao palco, no final dos anos 70, Miles não sabia aonde ir porque tinha deixado de ter contato com a cena musical criativa e não viu surgir os músicos que poderiam tê-lo ajudado a dar um desdobramento frutífero à sua música dos anos 70: “Deveria ter escolhido gente como Blood Ulmer, Shannon Jackson ou Vernon Reid”. Os dois primeiros acompanharam a adoção por Ornette Coleman do “funk harmolódico”, o terceiro foi fundador, por volta de 1985, da Black Rock Coalition. O ÚLTIMO ATO DE FÚRIA. No início do mês de setembro, Miles Davis foi internado no Saint John’s Hospital de Santa Monica por causa de pneumonia, vindo a falecer em 28 de setembro de 1991, aos 65 anos de idade. Vários boatos espalhados por uma imprensa sedenta por escândalos fizeram dele uma vítima da AIDS, pois passou a desenvolver pneumonias e infecções periódicas logo após o surgimento da epidemia. Ter sobrevivido tanto tempo aos estragos conjugados da anemia falciforme e da toxicomania é um verdadeiro milagre. Mas, até que ponto esse assunto é relevante? Não traz nada decisivo nem sobre o artista, nem sobre a obra, nem sobre a lenda. Após questionar-se sobre as causas da morte, o biógrafo inglês Ian Carr foi taxativo. Deu a seguinte interpretação dos últimos momentos de Miles: recusando-se a se deixar entubar na sua última hospitalização, Miles debateu-se e a fúria provocou um forte derrame, que o levou ao coma. Assim teria morrido Miles Davis, com fúria, como vivera, marcado desde muito cedo pelo terrível furacão que devastou St. Louis em 1927. 213 Miles Runs the Voodoo Down The Sorcerer, Prince of Darkness, Dark Magus. Miles Davis é o anjo negro do jazz, repleto de uma aura de mistério fascinante, inacessível, tendo provado os extremos. Ele se estabelece como uma força oculta alquimista que se transmuta em música-presságio do futuro do jazz, mestre vodu iniciando o jazz ao mundo paralelo. Miles Runs The Voodoo Down. Em 1969, o ano da virada elétrica, obviamente fascinado pelo Voodoo Child de Jimi Hendrix, Miles ressalta em uma faixa o lado dark de sua música. A música de Miles Davis é negra não porque ela canta uma negritude, mas porque ela absorve e rejeita um certo brilho que o jazz carrega desde o início. Da irradiação, solar e magistral de Louis Armstrong, a pulsão alegre do swing de Count Basie, a obra serena e majestosa de Duke Ellington, todos aqueles que o precederam, Miles Davis coloca em oposição uma arte que procura entender os campos obscuros, transforma o tocar em um drama e perverte as regras conscientemente. Ao contrário do que já se ouvia, ele imprime em sua música o frescor do cool, a dramaturgia flamenca, a disfunção medida das formas, as misturas que desagradam, as pulsações que açoitam. Com um empenho decididamente autêntico que consegue acarretar aqueles que os acompanham. A maioria destes - com algumas notáveis exceções (John Coltrane, Bill Evans, Wayne Shorter) – parece, uma vez afastados de seu controle, escapar a este lado obscuro e recuperar o território mais iluminado. Miles, por sua vez, continua a se orientar em direção ao que não existe, o que não tem lugar, o que não é legítimo: ele acredita na capacidade do jazz de se metamorfosear. Embora sempre retornando a ele, Miles Davis se recusou a dialética do blues, o sofrimento transmutado em lamentos, a condição dolorosa ultrapassada pelo canto. Na Juilliard School, ele zomba de uma professora, explicando que ele, filho de boa família, a quem nunca faltou nada, pode muito bem tocar o blues. Ele tem esse orgulho de pensar que o jazz não para nos portões de sua comunidade e se queremos miles Vincent Bessières recusa o considerar como uma linguagem acabada, uma ginástica virtuose, uma arte que tem seus códigos fechados. Ao longo de sua carreira Miles foi atravessado pelo desejo aparentemente contraditório de não afastar-se de sua origem musical e a angústia de encontrar-se nela enclausurado. Para ele, a genialidade caracteriza-se na invenção constante de novas perspectivas e, por isso, Miles Davis, retorna ao jazz. Ele mostra o seu avesso como em um jogo de espelhos em que domina o que deles se reflete. Quando a música tende para a repetição, ele busca a sua oposição. Criança, ele cresceu ao som da formação swing, mas com a adolescência, passa a sonhar com o frenesi do bebop. Fortalecido por Bird e Dizzy Gillespie, constrói uma orquestra que surpreende pela doçura de sua sonoridade e a leveza de seus arranjos. O cool floresce? Ele afunda na bruma do w, abraça a música áspera de Thelonious Monk, vai procurar os tenores loucos de Sonny Rollins e de John Coltrane. As linhas do jazz tradicional o enfadam, os caminhos “normais” e pré-definidos o chateiam, ele tenta evitá-los, utiliza os padrões modais como forma de erguer-se acima da multidão. Ele abandona o Rolls Royce da rítmica pelo nervosismo de uma Ferrari que não perdoa erros de pilotagem. O segundo quinteto é esta enorme bola de fogo através da qual Miles encontra o gosto pelo risco e a emoção que isso traz. E, no entanto, as liberdades e as iniciativas desta atitude dão lugar a um caldo sulfúrico, com músicas de climas saturados de eletricidade e dilacerados por guitarras distorcidas. Mais uma vez, Miles oscila. A pulsação do funk volta a tornar-se o coração palpitante da música, envolvido nos ritmos da diáspora africana em um entrelaço sonoro que Miles atravessa com seu trompete ligado na wah-wah. O que fazer depois de tanto barulho? Miles opõe o silêncio à avalanche de som. Quando ele retorna, é para tocar cantigas e canções. Ele acredita em sintetizadores e máquinas, depois de ter tido os melhores músicos ao seu lado, Marcus Miller prova-lhe que não está 215 necessariamente errado. E quando o pop começa a tomar conta, ele vai se conectar com o som da rua antecipando assim a reconciliação do jazz com o hip hop. Miles Davis impõe o movimento ao jazz o que é para ele tanto sorte quanto acaso, pois invalida qualquer noção de “tradição” em favor de uma única crença: o jazz nunca deve voltar atrás, a não ser na hora da sua morte. Essa ideia não é do agrado de todos. É a antítese do conforto, da rotina, das pequenas satisfações. Por isto, poucos atingem a sua grandeza. Este é o seu drama. Miles acostumou o jazz à revolução. Miles Davis fornece um exemplo ainda pior, uma vez que persiste como inesgotável. Sua sombra paira sobre o jazz do século XXI, perpetuado por aqueles que o conheceram e que são agora grandes figuras da nossa época, mas também por todos os músicos que trazem consigo uma parte de seu patrimônio artístico. Multíplice, a sua música irradia o campo do jazz uma vez que os caminhos que ele abriu são muitos e frutuosos. As percepções de uma obra no noneto de Birth of Cool modelaram os arranjos para uma formação média e permitiram que instrumentos até então ausentes das orquestras de jazz fossem integrados. O disco Prestige é uma bíblia para todos aqueles que continuam, meio século depois, a explorar as virtudes das normas e cultivam a expressividade nos arquétipos da forma. Kind of Blue abriu passagem para além dos horizontes do jazz, a moda de sua utilização é agora comum. Favorecendo a sugestão, a economia, a escolha das notas, o domínio do tempo e do espaço, o intérprete de canções que foi Miles, deu a sua legitimidade a uma linha “alternativa” da do trompete, recusando a ostentação e o brilho que eram o padrão que dominava aos que tocavam este instrumento. As cores da orquestra de Gil Evans transformaram a forma de se escrever para a big band, dissimularam os contornos, ampliaram a paleta, distenderam a harmonia. A “liberdade controlada” do segundo quinteto tornou-se referência para o jazz contemporâneo que na prática, individual e coletivamente, em função das personalidades desse grupo era reconhecido pelo seu justo valor. Além disso, ela deu origem a um nova possibilidade do jazz, a conversão de Miles para a eletricidade impôs aos trompetistas a ambivalência de seu instrumento, tanto que a maioria sente-se no dever de mostrar as duas faces, uma acústica, outra “ligada”. As sobreposições de polirritmias dos anos afro-funk antecipam uma cultura cujas medidas complexas não podem ser dissociadas do groove, que alimenta parte da reflexão sobre as formas de trabalho no jazz de hoje, enquanto o uso do wah-wah aplicado ao trompete inspirou músicos, nas fronteiras do jazz e da eletrônica, para quem a frase conta menos que a textura ou o modelo das sonoridade totalmente transformado pela eletricidade. As reprises dos anos pop introduziram a idéia de ir buscar no repertório ao redor novos sucessos e demonstrar que as máquinas poderiam ser usadas para orquestrar todo um universo de som. Embora não findado, o encontro com o hip hop antecipou uma tendência natural para uma aproximação com o jazz, que desde então resultou em muitas tentativas de hibridação. É claro, Miles Davis não é o único herói do jazz, nem a figura titular de uma música que continua a ser partilhada entre o seu passado glorioso e o desejo de inventar-se um futuro. Mas é o exemplo que logo volta quando o conservadorismo e as dúvidas se instalam. Todo mundo gosta do Miles; pode-se, mesmo, não gostar de tudo do Miles. Além do arquetípico do músico cool, distante, elegante, sem concessão, Miles incorpora um modelo de audácia e de invenção. Miles Davis é o jazz. Miles Davis é uma lenda. Ambos se contemplam há quase três quartos de século. Um não caminha sem o outro, não é concebível sem o outro. No mais intimo do que é o jazz, o confronto de vozes individuais na meada do século, Miles Davis afirmou uma singularidade, que além das emoções que ela nos traz, é exemplar. Mas Miles Davis, é um e múltiplo, personalidade dupla como gostava de enfatizar, assunto nunca esgotado, sua percepção foge sempre aos que tentam circunscrevê-lo. A exposição We want Miles não é exceção. Só pode ser uma homenagem entre tantas a um artista. 216 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Todos os direitos reservados para os documentos cuja proveniência não pode ser identificada. Os fotógrafos e/ou detentores dos direitos que não conseguimos identificar, apesar das pesquisas realizadas, são convidados a contatar o editor. Capa Miles Davis fotografado por Anton Corbijn, Montreal, Canadá,1985 @ANTON CORBIJN p. 4 Miles Davis, festival d’Antibes-Juan-les-Pins, julho de 1969. Foto de Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir p. 10 Vista da Rua 52, Nova York, 1947. Foto de William P. Gottlieb. p. 12 *N° 1: Miles Davis (à direita) e seu irmão Vernon (2º à esquerda), Pâques 1939. © Cortesia de Anthony Barboza Collection. *N° 2: Vista de uma rua de Saint Louis depois da passagem de furacão, Saint Louis, Missouri, 1927. © Historical Manuscript Collection, Universidade do Missouri. *N° 3: Miles Davis, sua irmã Dorothy Mae, seu irmão Vernon e sua mãe Cleota H. Henry Davis, Pâques 1939. *N° 4: Dorothy Mae (à direita), irmã de Miles Davis. *N° 5: O pai de Miles Davis, com a roupa de formatura da escola de odontologia da Universidade Northwestern, Evanston, Illinois. *N° 6: Miles Davis aos 8 ou 9 anos, Pâques 1939. Cortesia de Anthony Barboza Collection. p. 14 *Charlie Creath e seus Jazz-O-Maniacs, Saint Louis, por volta de 1922 (da esquerda para a direita): Sammy Long (saxofone alto), Willie Rollins (saxofone em ut), Marge Creath (piano), Charlie Lawson (trombone), Charlie Creath (corneta), Alexandre Lewis (bateria). © Frank Driggs Collection. p. 15 Ao alto: *O conjunto de Dewey Jackson, Castle Ballroom, Saint Louis, 1937 (da esquerda para a direita): Willie Rollins (saxofone alto e barítono), Bradford Nichols (saxofone tenor), Clifford Batchman (saxofone alto e barítono), Eugene Phillips (guitarra), Earl Martin (bateria), Dewey Jackson (trompete), Wendell Black (trompete, humorista), Robert Parker (piano), Singleton Palmer (contrabaixo). © Frank Driggs Collection. Embaixo: *Floyd Campbell’s Singing Syncopators, Saint Louis, Missouri, 1929 (da esquerda para a direita): Clifton Byrdlong (saxofone alto), Sammy Long (saxofone alto), Harvey Lankford (trombone), James Barlow (contrabaixo, tuba), Floyd Campbell (bateria, voz), Gus Perryman (piano), Walter “Crack” Stanley (trompete), William Calloway (banjo), Cecil Thornton (saxofone tenor). © Frank Driggs Collection. p. 16-17 *N° 1: Eddie Johnson’s Crackerjacks, Saint Louis, Missouri, 1932 (da esquerda para a direita): Freddie Martin (saxofone alto), Singleton Palmer QUEREMOS MILES (tuba), Ernest “Chick” Franklin (saxofone tenor), Walter Martin (saxofone alto), Lester “Spareribs” Nichols (bateria), Benny Jackson (banjo), Winfield Baker (trombone), James Talphy (trompete), Harold “Shorty” Baker (trompete) e, sentado, Eddie Johnson (piano). *N° 2: Original Saint Louis Crackerjacks, 1936 (da esquerda para a direita): Elmer Ming (trompete), William “Bede” Baskerville (guitarra, arranjos), Levi Madison (trompete), Freddy Martin (saxofone alto), Nick Haywood (baterista), Austin Wright (cantor), Kermit Haynes (tuba, contrabaixo), Chick Finney (piano), George Smith (trompete), Ernest “Chick” Franklin (saxofone tenor), Walter Martin (saxofone alto). *N° 3: O conjunto de George Hudson, Saint Louis, meados dos anos 1940 (da esquerda para a direita): Jimmy Britton (cantor), Singleton Palmer (contrabaixo), Robert Parker (piano), John “Bones” Orange (trombone), Earl Martin (bateria), Clark Terry (trompete), Ed Batchman (trompete), Paul Campbell (trompete), George Hudson (trompete), Cyrus Stoner, Sr. (trompete), Fernando Hernandez (trombone), Bill “Weasel” Parker (saxofone tenor), Robert Horne (trombone), Cliff Batchman (saxofone alto), Willie Rollins (saxofone barítono), Edgar Hayes (saxofone tenor), Tommy Starks (saxofone alto). © Frank Driggs Collection. p. 18 *Rhumboogie Orchestra de Eddie Randle, Club Rhumboogie, Elks Club, Saint Louis, Missouri, dezembro de 1943 (da esquerda para a direita): não identificado (bateria), Tommy Dean (piano), Irvin “Broz” Woods (trompete), Miles Davis (trompette), não identificado (saxofone tenor), não identificado (saxofone alto), Walter Martin (saxofone alto), não identificado (saxofone tenor), Eddie Randle (trompete). © Frank Driggs Collection. p. 24-25 Ao alto (da esquerda para a direita): Souvenirs de clubes de jazz da Rua 52 em Nova York: souvenir do Three Deuces, por volta de 1950; souvenir do The Onyx, 1937-39 ; menu do The Hickory House; souvenir do Famous Door; folheto do clube Bop City; cartaz anunciando um concerto de apoio a “Wild” Leo Parker, organizado em 20 de fevereiro de 1949 no Royal Roost; programa de inauguração do Birdland, 1949; menu do Club Samoa; caixa de fósforos do Three Deuces; souvenir do Jimmy Ryan’s; souvenir do Kelly’s Stable (em vinhetas, os proprietários Ralph Watkins et George Lynch); caixa de fósforos do Royal Roost; souvenir do Club Downbeat. © Collection Norman Saks. p. 26 *O quinteto de Charlie Parker, Three Deuces, Nova York, 1947 (da esquerda para a direita): Charlie Parker, Miles Davis e Max Roach (oculto), Duke Jordan (de costas). © Frank Driggs Collection. p. 28 *Coleman Hawkins e Miles Davis no palco do Three Deuces, Nova York, 1947. Foto de William P. Gottlieb. p. 29 *A big band de Dizzy Gillespie, Club Downbeat, Nova York (provavelmente em 1947). Foto de William P. Gottlieb p. 30 *Charlie Parker, Miles Davis, Allen Eager, Kai Winding, no palco do Royal Roost, Nova York, 1948. Foto de Herman Leonard. © Herman Leonard Photography LLC/CTSIMAGES.com. p. 19 Cartaz para os Blue Devils de Eddie Randle, por volta de 1940. © DR. p. 32 Conjunto de etiquetas de 78 rotações da marca Dial Records e Savoy Records. coleção particular. DR. p. 20 Ao alto: *Lucky Thompson, Dizzy Gillespie, Charlie Parker e Billy Eckstine, no palco, 1944. Foto de Charles “Teenie” Harris © 2004 Carnegie Museum of Art, Charles “Teenie” Harris Archive. Embaixo, à esquerda: Menu e leque do Club Plantation, Saint Louis.© DR Embaixo, à direita *O conjunto de Billy Eckstine em uma apresentação, 1944. Foto de Charles “Teenie” Harris © 2004 Carnegie Museum of Art, Charles “Teenie” Harris Archive. p. 33 Sans titre (Bird of Paradise), 1984. Quadro de JeanMichel Basquiat. coleção Stéphane Samuel e Robert M. Rubin. © Espólio de Jean-Michel Basquiat – ADAGP, Paris 2009. Foto de Robert McKeever. p. 21 Horn Players 1983. Quadro de Jean-Michel Basquiat. The Broad Art Foundation, Santa Monica. © Espólio de Jean-Michel Basquiat – ADAGP, Paris 2009. Foto de Douglas M. Parker Studio. p. 23 *Howard McGhee e Miles Davis, Nova York, N.Y., por volta de setembro de 1947. Foto de William P. Gottlieb. p. 34-35 *”Fats” Navarro, Kai Winding, Miles Davis, Clique Club, Nova York, janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection. p. 36 Miles Davis, por volta de 1950. © DR. p. 39 Ao alto: *O noneto de Birth of the Cool em sessão de gravação para a Capitol (da esquerda à direita): Junior Collins (trompa), Bill Barber (tuba), Kai Winding (trombone), Max Roach (bateria, atrás de um biombo), Gerry Mulligan (saxofone barítono), Miles Davis (trompete), Lee Konitz (saxofone alto), Al Haig (piano), Joe Shulman (contrabaixo). Nova York, 21 de janeiro de 1949. Foto de William “PoPsie” Randolph. © 2009 Michael Randolph/www.PoPsiePhotos.com Embaixo, à esquerda: Miles Davis, partitura original de “Deception” (parte do trompete). Collection Miles Davis Properties LLC. Embaixo ao centro Classics in Jazz, primeira edição 33 rotações de gravações conhecidas sob o título de Birth of the Cool, Capitol, anos 1950. © Archives Cohérie Boris-Vian. Embaixo, à direita *Capa original do álbum Birth of the Cool, Capitol, por volta de 1955. coleção particular. DR. p. 40 *Miles Davis, com Lee Konitz e Gerry Mulligan durante as sessões de gravação de Birth of the Cool, Nova York, 21 de janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection. p. 42-43 Juliette Gréco e Miles Davis, Paris, maio de 1949. Foto de Jean-Philippe Charbonnier. © Jean-Philippe Charbonnier/Rapho. p. 44 À esquerda: Programa do Festival International de Jazz em Paris, maio de 1949. Ilustração de Charles Delaunay. © BNF. À direita: *Hot Lips Page, Tommy Potter, não identificado, “Big Chief” Moore, Sidney Bechet, Al Haig, Charlie Parker, Max Roach, Miles Davis, Kenny Dorham, Aeroporto Idlewild, Nova York, maio de 1949. coleção Jazz Magazine. DR. p. 45 Ao alto: *Miles Davis, James Moody, Tadd Dameron (oculto), Barney Spieler e Kenny Clarke, Sala Pleyel, Paris, maio de 1949. Foto de Pierre Delord. © Pierre Delord/ Midiateca de Villefranche-de-Rouergue. Embaixo: *Miles Davis, Boris Vian e Michèle Léglise-Vian, Paris, maio de 1949. © DR. p. 46-47 *Miles Davis, nos bastidores do Shrine Auditorium, Los Angeles 15 de setembro de 1950 (apresentação de Billy Eckstine organizada por Gene Norman na série “Just Jazz”). Foto de Bob Willoughby. © Bob Willoughby. p. 48 Ao alto, à esquerda: *Oscar Pettiford, Miles Davis e Bud Powell, Clique Club, Nova York, janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection. Ao alto, à direita: *Milt Jackson, Oscar Pettiford, Graham Forbes, Miles Davis e J. J. Johnson, Club Downbeat, Nova York, 1952. Foto de Marcel Fleiss. © Marcel Fleiss. Embaixo, à direita: *Atrás, da esquerda para a direita: Roy Porter, Specs Wright, Bernie Peters, Jimbo Edwards (proprietário do clube Bop City), “Pat”(sobrenome?) (bateria), Betty Bennett (voc), Kenny Dorham, Dizzy Gillespie (ao piano), Miles Davis, “Don” (Lanphere?). No primeiro 217 plano: Ernie Lewis, Sonny Criss, Milt Jackson, Carl Perkins, Jimmy Heath, Henry “Cowboy” Noyd, Oyama Johnson, Percy Heath, clube Bop City, São Francisco, setembro de 1950. coleção Jazz Magazine. DR. p. 51 Chet Baker, Miles Davis e Rolf Ericson, Lighthouse Cafe, Hermosa Beach, Los Angeles, agosto/setembro de 1953. Foto de Cecil Charles. © Cecil Charles ctsimages.com p. 53 *Miles Davis em sessão de gravação para a Blue Note, estúdio Rudy Van Gelder, Hackensack, New Jersey, 6 de março de 1954. Foto de Francis Wolff. © Mosaic Images LLC. p. 55 *Miles Davis diante da entrada da loja de discos Prestige, Nova York, por volta de 1955. Foto de Esmond Edwards. © Esmond Edwards/ctsimages. com p. 56 *Jackie McLean, J.J. Johnson e Miles Davis em ensaio para a Blue Note, maio de 1952. Foto de Francis Wolff. © Mosaic Images LLC. p. 57 *Jimmy Heath, Percy Heath, Miles Davis e Gil Coggins, em sessão de gravação para a Blue Note, WOR Studio, Nova York, 20 abril de 1953. Foto de Francis Wolff. © Mosaic Images LLC. p. 58 *Miles Davis e Horace Silver em sessão de gravação para a Blue Note, estúdio Rudy Van Gelder, Hackensack, New Jersey, 6 março de 1954. Foto de Francis Wolff. © Mosaic Images LLC. p. 59 Folheto de uma apresentação de Miles Davis no Open Door, Nova York, 1954. coleção Institute of Jazz Studies, Newark. p. 60-61 Conjunto de capas de discos de 33 rotações de Miles Davis (da esquerda para a direita; de cima para baixo): Blue Haze, Prestige LP 7054; Miles Davis and Horns, Prestige LP 7025; Walkin’, Prestige LP 7076; Bags’ Groove, Prestige LP 7109; Conception, Prestige LP 7013; Dig, Prestige LP 7012; Miles Davis Volume 1 Blue Note LP 1501; Blue Moods, Debut Records 120; Miles Davis and the Modern Jazz Giants, Prestige LP 7150; Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet, Prestige LP 7034; The Musings of Miles, Prestige LP 7007; Miles Davis Volume 2, Blue Note BLP 1502; Collectors’ Items, Prestige 7044. coleção particular. DR. p. 63 *Miles Davis, Oscar Pettiford e Gil Coggins em sessão de gravação para a Blue Note, WOR Studio, Nova York, 9 de maio de 1952. Foto de Francis Wolff. © Mosaic Images LLC. p. 64 *Percy Heath, Miles Davis e Gerry Mulligan, Newport Jazz Festival, Rhodes Island, 17 de julho de 1955. Foto de Herman Leonard. © Herman Leonard Photography LLC/CTSIMAGES.com. *Miles Davis e Lester Young em apresentação, Amsterdã, novembro de 1956. Fotos de Ed van der Elsken. © Ed van der Elsken/Nederlands Fotomuseum Rotterdam, cortesia Annet Gelink Gallery, Amsterdã. p. 66 *Miles Davis nos estúdios da Columbia em 1956. Atrás, Philly Joe Jones e Paul Chambers. Foto de Carole Reiff. © Carole Reiff Photo Archive. p. 80 *Miles Davis e Sonny Rollins, 1957. Foto de Bob Parent. © Bob Parent. p. 68 Ao alto: Da esquerda para a direita: Red Garland, Miles Davis, Paul Chambers e Cannonball Adderley, Columbia Studio, Nova York, 1958. Foto de Dennis Stock. © Dennis Stock/Magnum Photos. Embaixo: Miles Davis e Red Garland, Columbia Studio, Nova York, 1958. Foto de Dennis Stock. © Dennis Stock/ Magnum Photos. p. 69 *Miles Davis, Cannonball Adderley e John Coltrane, Columbia Studio, Nova York, 1958. Foto de Dennis Stock. © Dennis Stock/Magnum Photos. p. 70 *Miles Davis, Café Bohemia, Nova York, 1956. Foto de Marvin Koner, © Marvin Koner/Corbis. p. 71 Ao alto: Miles Davis e Cannonball Adderley, Café Bohemia, Nova York, abril de 1955. Foto de Carole Reiff. © Carole Reiff Photo Archive. Embaixo: *Miles Davis, Café Bohemia, Nova York, 1956. Foto de Marvin Koner. © Marvin Koner/Corbis. p. 72 Da esquerda para a direita: *Capa do álbum Miles (também chamado The New Miles Davis Quintet), Prestige LP 7014. coleção particular. DR. Capa do álbum ‘Round About Midnight, Columbia.CL 949, lançado em 4 de março de 1957. coleção particular. DR. p. 73 *Conjunto de capas de discos de 33 rotações de Miles Davis: Cookin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige LP 7094; Relaxin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige LP 7129; Steamin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige LP 7200; Workin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige LP 7166. coleção particular. DR. p. 75 *Miles Davis e George Avakian, Columbia Studio, Nova York, 1956. Foto de Carole Reiff. © Carole Reiff Photo Archive. p. 78-79 p. 82 *Primeira e segunda versões da capa do álbum Miles Ahead, Columbia CL1041. coleção particular. DR. p. 83 Gil Evans e Miles Davis (ao cornetim) durante a gravação de Miles Ahead, Columbia Studio, maio de 1957. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 84 À esquerda: *Louis Malle e Miles Davis durante a gravação da música de Ascensor para o cadafalso, Le Poste parisien, Paris, dezembro de 1957. Foto de Vincent Rossell. © Vincent Rossell/Cinémathèque française. À direita: *Miles Davis com Jeanne Moreau, Paris, dezembro de 1957. © Rue des Archives/AGIP. p. 85 Reconstituição para a transmissão Cinepanorama (ORTF) de Miles Davis improvisando diante de uma projeção do filme Louis Malle Ascensor para o cadafalso, Paris, 13 de dezembro de 1957. Foto de Gérard Landeau. © Institut National de l’Audiovisuel. p. 87 Miles Davis e, ao fundo, John Coltrane e Cannonball Adderley, provavelmente, 1957. Foto de Bob Parent. © Bob Parent. p. 88 À esquerda: *Retrato de Miles Davis, por volta de 1958. DR. À direita: *Capa do álbum Porgy and Bess, Columbia, CS 8085 (estéreo), 1958. coleção particular. DR. Capa do álbum Milestones, Columbia.CL 1193, lançado em 19 de março de 1958. coleção particular. DR. p. 89 *Imagens tiradas da sessão de fotos para a capa do álbum Milestones, fevereiro de 1958. Fotos de Dennis Stock. © Dennis Stock/Magnum Photos. p. 90 *Miles Davis, Columbia Studio, Nova York, julho de 1958. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 92-93 *Miles Davis durante a gravação de Porgy and Bess, Columbia Studio, Nova York, verão de 1958. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 94 *Bill Evans e Miles Davis no palco, 1958. Foto de Chuck Stewart. © Chuck Stewart. p. 96 *Miles Davis fumando um cigarro durante uma das sessões de gravação de Kind of Blue, Columbia Studio, Nova York, 22 de abril de 1959. John Coltrane, Cannonball Adderley, Miles Davis e Bill Evans durante a gravação de Kind of Blue, Columbia Studio, Nova York, 22 de abril de 1959. Miles Davis durante a gravação de Kind of Blue, Columbia Studio, Nova York, 22 de abril de 1959. Fotos de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 98-99 Da esquerda para a direita, de cima para baixo Anotação da sessão de gravação datada de 2 de março de 1959 (primeira sessão) correspondendo às faixas “Freddie Freeloader” (92290), “So What” (62291) e “Blue in Green” (62292). © The New York PublicLibrary for the Performing Arts, Fundo Teo Macero. Duas notas manuscritas do produtor Irving Townsend: uma recapitulando os títulos das faixas do álbum, sua ordem e duração, abril de 1959, e outra indicando a divisão dos títulos por lado com o número da matriz. © The New York Public Library for the Performing Arts, fundo Teo-Macero. *Miles Davis, Paul Chambers e Bill Evans durante uma das sessões de gravação de Kind of Blue, Columbia Studio, Nova York, 22 de abril de 1959. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. Bill Evans, manuscrito do texto de capa de Kind of Blue, 1959. © The New York Public Library for the Performing Arts, fundo Teo-Macero. *Capa do álbum Kind of Blue, Columbia CL CL1355, lançado em 17 de agosto de 1959. coleção particular. DR. p. 100 Miles Davis e Gil Evans durante a gravação de Sketches of Spain, Columbia Studio, Nova York, 19591960. Foto de Vernon Smith. © Vernon L. Smith. p. 101 *Capa do álbum Sketches of Spain, Columbia, CS 8271 (estéreo), 1960. coleção particular. DR. p. 103 Miles Davis e Gil Evans no estúdio durante uma sessão de gravação de Sketches of Spain, Columbia Studio, novembro de 1959. © Vernon L. Smith. p. 104 Miles Davis e Wayne Shorter no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/ Lebrecht Music & Arts. p. 106 Ao alto, à esquerda: 218 *Miles Davis com uma algema no punho, pouco depois de ser agredido pelos policiais na frente do Birdland, Nova York, 26 de agosto de 1959. © Ullstein Bild/Roger-Viollet. Diversos recortes de jornais, 1959. DR. Embaixo, à direita: Miles Davis e seu advogado Harold Lovett, na saída da prisão, Nova York, agosto de 1959. Foto de Fred Klein. Bettmann/Corbis ©. p. 109 *Capa do álbum “Someday My Prince Will Come”, Columbia, CS 8456 (estéreo), lançado em 1961. coleção particular. DR. Miles e Frances Davis, Londres, 25 de setembro de 1960. © Rue des Archives/AGIP2. p. 111 Miles Davis de capa de chuva, São Francisco, 1961. Foto de Leigh Wiener. © Leigh Wiener. p. 112 Capas dos álbuns In Person at the Blackhawk, Friday Night (vol. 1), Columbia LE10018, e In Person at the Blackhawk, Saturday Night (vol. 2), Columbia P17384, 1961. coleção Paris Jazz Corner. DR. p. 113 Fachada do clube The Black Hawk com Miles Davis no letreiro, São Francisco, abril de 1961. Foto de Leigh Wiener. © Leigh Wiener. p. 114 De cima para baixo: *Capa do álbum Miles Davis at Carnegie Hall, Columbia CL 1812, lançado em 1962. Capa do álbum Quiet Nights, Columbia CL2106, lançado em 1962. coleção particular. DR. Hank Mobley (saxofone tenor) e Miles Davis com a orquestra de Gil Evans, Carnegie Hall, Nova York, 19 de maio de 1961. Foto de Vernon Smith. © Vernon L. Smith. p. 115 *Miles Davis e Gil Evans durante uma das sessões de gravação do álbum Quiet Nights, agosto de 1962. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 117 Ao alto: Miles Davis e Tony Williams no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/ Lebrecht Music & Arts. Embaixo, à esquerda: *Capa do álbum Seven Steps to Heaven, Columbia CS8851, lançado em julho de1963. coleção particular. DR. Embaixo, à direita: Miles Davis e Ron Carter no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/Lebrecht Music & Arts. p. 118 Miles Davis, Herbie Hancock, Tony Williams e Ron Carter no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/Lebrecht Music & Arts. p. 120 QUEREMOS MILES Da esquerda para a direita: *Miles Davis, Philharmonic Hall, Nova York, 12 de fevereiro de 1964. Foto de Vernon Smith. © Vernon L. Smith. Capa do álbum My Funny Valentine/In Concert, Columbia CL 2306 ouCS 9106, lançado em fevereiro de 1965. coleção particular. DR. *Miles Davis e George Coleman, Philharmonic Hall, Nova York, 12 de fevereiro de 1964. Foto de Vernon Smith © Vernon L. Smith. p. 122 Miles Davis, Sala Pleyel, Paris, 1964. Foto de Philippe Gras. © Philippe Gras. p. 125 Miles Davis, aeroporto de Orly, 6 de novembro de 1967. Foto de Christian Rose. © Christian Rose. p. 127 *Fachada do clube Plugged Nickel anunciando Miles Davis no letreiro, Chicago, dezembro de 1965. © Cortesia da Sony Music Entertainment. p. 128-129 (Da esquerda para a direita) Ao alto: Capa do álbum Sorcerer, Columbia CS 9532, lançado em 1967. coleção particular, DR. Wayne Shorter, “E.S.P.”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente 1965. © Miyako Music (Irving Music Inc.); Herbie Hancock, “Little One”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente 1965 © 1981 Hancock Music; Wayne Shorter, “Capricorn”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente 1967, © Miyako Music (Irving Music Inc.). coleção Miles Davis Properties, LLC. Ao meio *Capa do álbum Miles Smiles, Columbia CS9401, lançado em 1967; capa do álbum E.S.P., Columbia, CS9150, 1965. coleção particular, DR. Wayne Shorter, “Pinocchio”, partitura manuscrita, sem data, provavelmente 1967, © Miyako Music (Irving Music Inc.). coleção Miles Davis Properties, LLC. Embaixo: *Capa do álbum Nefertiti, Columbia, CS 9594, lançado em 1968; capado álbum Filles de Kilimanjaro, Columbia CS9750, lançado em 29 de janeiro de 1969. coleção particular. DR. Herbie Hancock, “The Sorcerer”, partitura manuscrita (parte do baixo), sem data, provavelmente 1967 © 1982 Hancock Music; Wayne Shorter, “Dolores”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente 1966, © Miyako Music (Irving Music Inc.). Collection Miles Davis Properties LLC. p. 130 *Miles Davis, Herbie Hancock e Wayne Shorter em ensaio para a Columbia, por volta de 1967-1968. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 132 Ao alto: Miles Davis no festival de Randalls Island, sem data. Foto de Hank Parker. © Cortesia de Sony Music Entertainment. Embaixo: Capa da Playboy, setembro de 1962. © Playboy Magazine. p. 133 Ao alto: *Miles Davis ao volante de sua Ferrari, 1969. Foto de Baron Wolman. © Baron Wolman. Embaixo: *A Ferrari 275 GTB/4 de Miles Davis em um estacionamento. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 134 *Miles Davis em sua casa, retrato extraído da série realizada para a capa do álbum In a Silent Way, Nova York, 1969. Foto de Lee Friedlander. © Lee Friedlander, Fraenkel Gallery, São Francisco. p. 136 À esquerda: *Miles e Betty Davis em 1969. Foto de Baron Wolman. © Baron Wolman. À direita: *Capa do álbum Miles in the Sky, Columbia CS 9628, lançado em 1968. coleção particular. DR. família Klarwein. Embaixo, à direita: Mati Klarwein, Evil, quadro que ilustrou (verso) o àlbum Live-Evil, 1971. Galeria Albert-Benamou. © família Klarwein. p. 147 Revista Rolling Stone, datada de 13 de dezembro de 1969. © Rolling Stone Magazine p. 148 À esquerda: *Miles Davis e o boxeador Sugar Ray Robinson, em roupa de transpiração, 1969. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy. À direita: Capa do álbum A Tribute to Jack Johnson, Columbia KC 30455, lançado em 24 de fevereiro de 1971. coleção particular. DR. p. 149 Miles Davis, Antibes, 1969. Foto de Thierry Trombert. © Thierry Trombert. p. 137 Miles Davis na Sala Pleyel, Paris, 1969. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le Querrec/Magnum Photos. p. 151 Miles Davis treinando, por volta de 1969. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 138-139 *Miles Davis em sua casa na Rua 77 Oeste em Nova York, junho de 1969. Foto de Don Hunstein © Courtesy of Sony Music Entertainment. p. 152 Ao alto: Cartaz anunciando as apresentações do Grateful Dead e de Miles Davis no Fillmore West, São Francisco, de 9 a 12 de abril de 1970. Wolfgang’s Vault p. 140-141 Partituras de “Frelon Brun” (da esquerda para a direita e de cima para baixo): partituras de Miles Davis, Wayne Shorter, Herbie Hancock e Tony Williams, sem data, provavelmente 1968. © Jazz Horn Music Corp. Collection Miles Davis Properties, LLC. p. 142 *Capa do álbum In a Silent Way, Columbia CS 9875, lançado em 30 de julho de1969. coleção particular. DR. p. 143 Miles Davis, festival d’Antibes-Juan-les-Pins, julho de 1969. Foto de Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir. p. 144-145 Ao alto: *Miles Davis e Teo Macero, Columbia Studio, Nova York, janeiro de 1970. Fotos Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. Embaixo: Miles Davis, Chick Corea, Dave Holland, Jack DeJohnette, Ronnie Scott’s, Londres, 2 de novembro de 1969. Foto de David Redfern. © Redferns/ Gettyimages. p. 146 Ao alto: Quadro de Mati Klarwein que ilustrou o álbum Bitches Brew, 1970. © família Klarwein. Embaixo, à esquerda: Mati Klarwein, Live, quadro que ilustrou (face) o àlbum Live-Evil, 1971. Galeria Albert-Benamou. © Quadro de imagens, da esquerda para a direita e de cima para baixo *Capa do álbum Black Beauty, Miles Davis at Fillmore West, CBS/Sony (Japão) SOPJ 39/40. Gravado em Fillmore West, São Francisco, 10 de abril de 1970. coleção particular. DR. Cartaz do festival Berliner Jazztage, Alemanha, 1971. coleção Günther Kieser © Günther Kieser. Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis, Elvin Bishop e Mandrill no Fillmore West, São Francisco, de 6 a 9 de abril de 1971. Wolfgang’s Vault. *Capa do álbum Live at Fillmore, Columbia, G 30038. Gravado na apresentação no Fillmore East. Nova York, junho de 1970. coleção Paris Jazz Corner, DR. p. 153 Miles e Betty Davis, nos bastidores do festival da ilha de Wight, Reino Unido, agosto de 1970. Foto de Fred Lombardi. © Frederick Lombardi. p. 154-155 *Miles Davis em apresentação em Tanglewood, Berkshire, Massachusetts, 18 de agosto de 1970. No centro, Gary Bartz. Foto de Amalie R. Rothschild. © Amalie R. Rothschild. p. 156 Miles Davis, Koseinenkin Hall, Tóquio, Japão, 19 de junho de 1973. Foto de K. Abe. © K. Abe/CTSIMAGES. COM. 219 p. 158 Miles Davis no cabeleireiro, por volta de 1969. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 159 Miles Davis e Michael Henderson, festival Newport em Paris, TNP, Paris, 25 de outubro de 1971. Foto de Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir. p. 160-161 *Miles Davis dentro de casa e diante de seu armário, em sua residência na Rua 77 Oeste, Nova York, 1971. Fotos de Anthony Barboza. © Anthony Barboza. p. 162 *Jackie Battle, Miles Davis e Betty Davis no enterro de Jimi Hendrix, falecido em 18 de setembro de 1970. Foto de Bob Peterson. © Time&Life/Gettyimages. p. 164 De cima para baixo: *Miles Davis compondo em casa, no teclado, por volta de 1970. © Condé Nast Archive/Corbis. O grupo de Miles Davis em apresentação, Ahmanson Theatre, Los Angeles, 2 de maio de 1973 (da esquerda para a direita): Reggie Lucas (guitarra), Cedric Lawson (teclado), David Liebman (saxofone), Pete Cosey (guitarra), Miles Davis (trompete), Michael Henderson (baixo elétrico), Badal Roy (tabla), Mtume (percussões). Ausentes da imagem: Khalil Balakrishna (sitar) e Al Foster (bateria). Foto de Urve Kuusik. © Cortesia de Sony Music Entertainment. 40AP 741-2. Gravado ao vivo no Carnegie Hall, Nova York, em 30 de março de 1974. coleção particular. DR. Capa do álbum Agharta, CBS/Sony (J) 28AP 2167-8 (edição japonesa). Gravado ao vivo em 1º de fevereiro de 1975 em Osaka, Japão. coleção particular. DR. Face da capa do álbum Get Up With It, Columbia KG 33236, lançado em 22 de novembro de 1974. coleção particular. DR. *Capa do álbum Star People, Columbia FC 38657, lançado em 1983 (ilustração de Miles Davis) coleção particular. DR. p. 172 Ao alto: David Liebman e Miles Davis nos bastidores, 1974; Embaixo, à esquerda: Mtume nos bastidores, 1974; Embaixo, à direita: Reggie Lucas nos bastidores, 1974. Fotos de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 188-189 À esquerda: *Capa do álbum You’re Under Arrest, Columbia FC 40023, lançado em 1985. coleção particular. DR. À direita: *Fotos tiradas na sessão para a capa do álbum You’re Under Arrest, 1985. Fotos de Anthony Barboza. © Anthony Barboza. p. 175 Ao alto: As mãos de Miles Davis e seu trompete, 1974. Embaixo: Miles Davis, Dominique Gaumont (provavelmente) e David Liebman (de costas) no palco, 1974. Fotos de Corky McCoy. © Cortez McCoy. p. 176 Foto da sessão de gravação de 2 de março de 1978 (da esquerda para a direita): não identificado, Larry Coryell (guitarra), Masabumi Kikuchi (teclados), Eleana Steinberg, T.M. Stevens (baixo elétrico), Miles Davis, George Pavlis (teclados), Al Foster (bateria) e Teo Macero (produtor). Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 166 Publicidade para o álbum On the Corner, quarta capa de Jazz Journal, vol. 26, n° 3, março de 1973. © Cortesia de Sony Music Entertainment. p. 178 *Miles Davis, em sua residência, com as cortinas fechadas, Nova York, por volta de 1980. Foto de Teppei Inokuchi. © Teppei Inokuchi. p. 167 Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Face da capa do álbum On the Corner, Columbia KC 31906, lançado em 11 de outubro de 1972. coleção Paris Jazz Corner. DR. Verso da capa do álbum On the Corner, Columbia KC 31906, lançado em 11 de outubro de 1972. coleção Paris Jazz Corner. DR. Face da capa do álbum Miles Davis in Concert, Live at Philharmonic Hall, Columbia KC 32092. Gravado ao vivo em 22 de setembro de 1972 no Lincoln Center em Nova York. coleção particular. DR. Capa, face-verso do álbum Big Fun, Columbia PG32866, lançado em 19 de abril de 1974. coleção particular. DR. p. 180 Retrato de Miles Davis, Montreal, Canadá, 1985. Foto de Anton Corbijn. © Anton Corbijn. p. 168-169 Miles Davis, festival Newport em Paris, Palais des Sports, Paris, 15 de novembro de 1973. Fotos de Christian Rose © Christian Rose. p. 184 Miles Davis em uma piscina, 1988. Foto de Anthony Barboza. © Anthony Barboza. p. 170 Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Capa do álbum Pangaea, CBS/Sony (J) SOPZ 96-97. Gravado ao vivo em 1º de fevereiro de 1975 em Osaka, Japão. coleção particular. DR. Capa do álbum Agharta, Columbia PG 33967 (edição americana). Gravado ao vivo em 1º de fevereiro de 1975 em Osaka, Japão. coleção particular. DR. Face da capa do álbum Dark Magus, CBS/Sony (J) p. 182-183 Da esquerda para a direita: Ensaios na casa de Miles Davis, Nova York, primavera de 1981 (da esquerda para a direita): Al Foster (bateria, parcialmente oculto), Marcus Miller (baixo elétrico), Mike Stern (guitarra); Marcus Miller (baixo elétrico); Marcus Miller (de costas) e Gil Evans; Marcus Miller (baixo elétrico), Mike Stern (guitarra), Mino Cinelu (percussões), Miles Davis; Bill Evans (saxofone soprano) e Miles Davis. Fotos de Teppei Inokuchi. © Teppei Inokuchi. p. 186 Miles Davis diante de sua Ferrari 308GTSi amarela, partindo para a apresentação no Kix de Boston, junho de 1981, Nova York. À direita, Cicely Tyson. Foto de Teppei Inokuchi © Teppei Inokuchi. p. 186 *Capa do álbum The Man with the Horn, Columbia FC 36790, lançado em 1981. *Capa do álbum We Want Miles, Columbia C2 38005, lançado em 1982. p. 187 Darryl Jones, Miles Davis e John Scofield em apresentação, Palais des Congrès, Paris, outubro de 1983. Foto de Didier Ferry. © Ferry/Dalle. p. 190 Miles Davis e, no segundo plano, Palle Mikkelborg — durante a gravação do álbum Aura, Dinamarca, 1985. Foto de Kirsten Malone. © Kirsten Malone. p. 193 Ao alto: Miles Davis durante a gravação do álbum Tutu, 1986. Embaixo: Marcus Miller, Miles Davis e, de costas, o produtor Tommy LiPuma, durante a gravação do álbum Tutu, 1986. Fotos de Teppei Inokuchi. © Teppei Inokuchi. p. 194 *Miles Davis recebendo um disco de ouro por Tutu, Paris, 1988. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le Querrec/Magnum Photos. p. 195 Retrato de Miles Davis utilizado na capa (face) do álbum Tutu, 1986. Foto de Irving Penn. © Irving Penn (Cortesia de Warner Bros). p. 197 Da esquerda para a direita e de baixo para cima: Imagem extraída do documentário The Making of Sun City (direção de Steve Lawrence), 1986 © Artists United Against Apartheid. Capa do álbum Sun City, Artists United Against Apartheid, Razor & Tie RE 2007, lançado em 1985. Imagem extraída do longa metragem Dingo (direção de Rolf de Heer), 1991. © Les Films du paradoxe. Cartão postal promocional do grupo de rock inglês Scritti Politti com Miles Davis, provavelmente 1988. Foto de Ebet Roberts. coleção particular. DR. Capa do álbum Machismo de Cameo, Atlanta Artists 836 002-2, lançado em 1988. Miles Davis participa da música “In the Night”. Capa do 45 rotações maxi “Time After Time”, CBS 12AP3037 (Japão), lançado em 1985. No lado B, “Katia”. Capa do álbum Prisoner of Love de Kenny Garrett, Atlantic Jazz 782046-2, lançado em 1989. Miles Davis participa de duas faixas, “Big ‘Ol Head” e “Free Mandela”. Capa do álbum da trilha sonora original do filme Os Fantasmas Contra-Atacam (direção de Richard Donner), A&M Records 393921-2, lançado em 1988. Miles Davis interpreta “We Three Kings of Orient Are” com Larry Carlton, David Sanborn e Paul Shaffer. Capa do álbum CK de Chaka Khan, Warner Bros. 925707-2, lançado em 1988. Miles Davis participa da faixa “I’ll Be Around”. Imagem extraída da série Miami Vice (Segunda temporada, episódio 28 “Junk Love”), primeira transmissão em 8 de novembro de 1985 © Universal Studios. Imagem extraída de um anúncio publicitário para as motos Honda, maio de 1986. © Honda Motors. p. 198 *Miles Davis segurando uma placa com o nome Foley, Zénith, Paris, novembro de 1989. Foto de Annie Delory. © Dalle/APRF. p. 200 Darryl Jones (guitarra baixo), Miles Davis (trompete), “Foley” McCreary (baixo líder), Kenny Garrett (saxofone alto) em apresentação no festival “Jazz sur son 31”, Haute-Garonne, em 20 de outubro de 1987. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le Querrec/ Magnum Photos. p. 201 Miles Davis e Andy Warhol desfilam para o costureiro Kohshin Satoh, no clube Tunnel, Nova York, fevereiro de 1987. Foto de Susumu Shirai. © Susumu Shirai. p. 203 I Can U Can’t, quadro de Miles Davis. coleção André Martinez e Odile Martinez de la Grange. Foto de Alex Krassovsky. *Capa do álbum Amandla, Warner Brothers 25873, lançado em 1989. coleção particular, DR. p. 204-205 Miles Davis em apresentação, Tóquio, agosto de 1988. Fotos de Shigeru Ushiyama. © Shigeru Ushiyama. p. 207 Miles Davis no festival “Jazz sur son 31”, Haute Garonne, 20 de outubro de 1987. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le Querrec/Magnum Photos. p. 209 As mãos de Miles Davis desenhando. Foto de Shigeru Ushiyama. © Shigeru Ushiyama. p. 210-211 *Miles Davis deixando o Zénith de Paris, 20 de setembro de 1986. Foto de Claude Gassian. © Claude Gassian. p. 213 *Retrato de Miles Davis, 1989. Foto de Annie Leibovitz. © Annie Leibovitz/Contact Press Images. 220 LISTA DAS OBRAS EXPOSTAS Nota: As fotografias e as capas de álbuns que figuram na exposição e constam do catálogo não estão mencionadas na lista a seguir. Elas estão assinaladas com um asterisco no índice das ilustrações. INTRODUÇÃO Arquivos audiovisuais Teffpunkt Jazz (extrato), ensaio de Miles Davis com a Erwin Lehn Orchestra, Alemanha, 1957. © SWR. Segmentos sonoros Montagem da voz de Miles Davis e de erros de estúdio extraídos dos arquivos da Columbia. © SME. I. DE SAINT LOUIS À RUA 52 Discos e álbuns (78 rotações) Be-Bop, With All the Stars of the New Movement, volumes 1 e 2, anos 1940, Dial, IJS. Charlie Parker, The New Sound in Modern Music, anos 1940, Savoy Records, IJS. New Sounds in Modern Music, Savoy, annos 1940, IJS. New Jazz/52nd Street Jazz, RCA “Hot Jazz Series Vol. 9”, anos 1940, LAJI. Charlie Parker, Bird of Paradise/Dexterity, 1947, 78 rotações Dial Records n° 1032, LAJI. Segmentos musicais Jimmie Lunceford, Uptown Blues (Eldridge-C. Battle), 1939, OKeh. Erskine Hawkins and His Orchestra, Tuxedo Junction (Dash-Hawkins-Johnson), 1939, Bluebird. Coleman Hawkins and His Orchestra, Body and Soul (Green-Heyman-Sour-Eyton), 1939, RCA Victor. Duke Ellington/Jimmy Blanton, Mr. J.B. Blues (Ellington-Blanton), 1940, RCA Victor. Count Basie and His Orchestra, Tickle-Toe (L. Young), 1940, Columbia. Louis Armstrong and His Orchestra, Down in Honk Tonk Town (Smith-McCarron), 1940, Decca. Benny Goodman and His Sextet, Air Mail Special (Goodman-Mundy-Christian), 1941, Columbia. Metronome All Stars, One O’Clock Jump (Basie), 1941, Victor. Jay McShann and His Orchestra, Hootie Blues (McShann-Parker), 1941, Decca. Billie Holiday com Eddie Heywood Orchestra, All of Me (Simons-Marks), 1941, OKeh. Charlie Parker Quintet, “Groovin’ High” (D. Gillespie), “Big Foot” (Ch. Parker) e “Ornithology” (Ch. Parker-B. Harris), em apresentação no Royal Roost, Nova York, 1948, The Complete Live Performances on Savoy. © Savoy Jazz-Denon Records. Impressos Menu do Club Plantation, Saint Louis, sem data, LAJI. Catálogo Be-Bop Jazz, Dial Records, anos 1940, LAJI. “A Night in Manhattan”, in The Record Changer, vol. 8, n° 2, fevereiro 1949, IJS. Instrumentos Três embocaduras de trompete que pertenceram a Miles Davis, coleção MDP. Quadros Jean-Michel Basquiat, Sem título (Bird of Paradise), 1984, 152,5 x 106,5 cm, coleção Stéphane Samuel e Robert M. Rubin, Nova York. Fotografias (originais) Fotos de família (autor anônimo): retrato de Miles Davis aos 8 ou 9 anos, 4,4 x 3,8 cm; Miles, Dorothy Mae, Vernon e Cleota Davis, Pâques 1939, 6,3 x 8,9 cm; Quatro meninos dentre os quais Miles e Vernon Davis, Pâques 1939, 8,9 x 6,3 cm; Edna e Dorothy Mae Davis, 8,9 x 6,3 cm; Edna e Vernon Davis, 6,3 x 8,9 cm; os membros do Violet Thimble Club, East St. Louis, 8 x 10 cm; retrato de Miles Davis II com a roupa da formatura na escola de odontologia da Universidade Northwestern, anos 1920, 17 x 12 cm. coleção Anthony Barboza. Retrato de Irene Birth, anos 1940, coleção MDP. QUEREMOS MILES Fotografias (cópias) Autor anônimo, Andrew Preer Cotton Club Orchestra, 1925. © coleção Frank Driggs. Autor anônimo, Oliver Cobbe e sua Brunswick Recording Orchestra, 1930. © coleção Frank Driggs. Autor anônimo, Harry Sweets Edison na orquestra de Count Basie, Famous Door, NYC, 1938, coleção Frank Driggs. William P. Gottlieb, Miles Davis ao piano e Howard McGhee no trompete, Nova York, 1947. William P. Gottlieb, o quinteto de Charlie Parker no Three Deuces, 1947. Herman Leonard, Miles Davis no Royal Roost (segundo plano, Max Roach e Kai Winding), 1948. © Herman Leonard Photography LLC/CTSIMAGES.com. Herman Leonard, “What is Bop?” clube Bop City, Nova York. © Herman Leonard Photography LLC/ CTSIMAGES.com. William P. Gottlieb, Banner na entrada do Three Deuces anunciando o quinteto de Charlie Parker, Nova York, 1947. Autor anônimo, Miles Davis no Three Deuces, com o trompete preparado, 1947. © coleção Frank Driggs J.-L. Bédouin, Henri Bernard. Ilustrações de Fernand Léger, Félix Labisse e Jean Dubuffet, 1947, coleção Roger Lajus. Marian McPartland “Crowds Jam Paris Jazz Festival” in Down Beat, vol. 16, n° 12, datado de 1º de julho de 1949, coleção Musée des Beaux-Arts de Montréal. Boris Vian, “Quelques mots sur Miles Davis” in Jazz News, n° 5, maio 1949, Archives Cohérie Boris-Vian. “Trois jeunes vedettes” (sobre Charlie Parker, Miles Davis e Max Roach) in La Revue du jazz, n° 5, maio de 1949, coleção Philippe Baudoin. “Le Festival de Pleyel, les impressions de Johnny” “Scat” James” in La Revue du jazz, n° 6, junho-julho de 1949, coleção Philippe Baudoin. André Hodeir “Miles Davis l’insaisissable” in Jazz Hot, n° 32, abril 1949, coleção particular. Catálogo Debut Records, por volta de 1954, IJS. Catálogo Blue Note Records, por volta de 1954, IJS. Catálogo Prestige Records, 1957, IJS. Reprodução de um folheto de uma apresentação de Miles Davis no Open Door, Nova York, 1954, IJS. “Dope menace keeps growing” in Down Beat, vol. 17, n°23, datado de 17 de novembro de 1950, LAJI. Outros Fac-símile do diploma do término dos estudos de Miles Davis no Lincoln High School, East Saint Louis, 1944. Rádio TSF de tipo catedral, Philco, modele 80 JR, Estados Unidos, 1933, coleção particular. Instrumento Surdina Harmon que pertenceu a Miles Davis, coleção MDP. II. OUT OF THE COOL Arquivos audiovisuais “O existencialismo em Saint-Germain-des-Prés” (trecho), Les Actualités françaises, primeira transmissão. 20 de setembro de 1951, ORTF, 1951. © INA. Discos L’Âge d’or de Saint-Germain-des-Prés, chansons, jazz, spectacles et souvenirs, caixa com quatro discos 33 rotações e um livro concebido por Guillaume Hanoteau, Philips P4L 0056, coleção privada Jacques-Prévert, Paris. Miles Davis, Classics in Jazz, part 1, 45 rotações Capitol EAP 1-459, anos 1950, coleção particular. Miles Davis, Classics in Jazz, part 2, 45 rotações Capitol EAP 1-459, Archives Cohérie Boris-Vian. Segmentos musicais Miles Davis, “Boplicity” (M. Davis) e “Deception” (M. Davis), The Birth of the Cool, 1949. © Capitol Records. Miles Davis, “Dig” (M. Davis), Dig, Prestige, 1951. Concord Music Group ©. Miles Davis, “Tempus Fugit” (B. Powell), Miles Davis Volume 2, Blue Note, 1954. © Capitol Records. Miles Davis, “Blue Haze” (M. Davis), Blue Haze, Prestige, 1954. © Concord Music Group. Miles Davis, “Walkin’” (R. Carpenter), Walkin’, Prestige, 1957. © Concord Music Group. Miles Davis, “Bags’ Groove” (M. Jackson), Bags’ Groove, Prestige, 1955. © Concord Music Group. Miles Davis, “My Funny Valentine” (R. Rodgers-L. Hart), Cookin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige, 1956. © Concord Music Group. Miles Davis, “Oleo” (S. Rollins), Relaxin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige, 1958. © Concord Music Group. Impressos Reprodução do cartaz do Festival International de Jazz de Paris 1949, coleção Sarah Tenot. Programa do Festival International de Jazz em Paris 1949 (ilustração de Charles Delaunay), 1949, coleção Olivier Franc. Programa da noite de abertura do Festival International de Jazz de Paris 1949 (terça-feira 8 de maio de 1949), 1949, coleção Olivier Franc. America, n° 5 “Jazz 47” incluindo contribuições de Jean-Paul Sartre, Jean Cocteau, Hughes Panassié, Charles Delaunay, Boris Vian, Robert Goffin, André Hodeir, Frank Ténot, C. de Razinsky, A. Bétonville, Partituras manuscritas John Lewis, “Rouge”, conjunto de nove partituras à tinta (partes de trompete, trombone, trompa, tuba, saxofone barítono, contrabaixo e bateria), por volta de 1949, coleção MDP. Miles Davis, “Deception”, conjunto de sete partituras a lápis (partes de trompete, trombone, tuba, saxofone alto, saxofone barítono, contrabaixo, regente), por volta de 1949, coleção MDP. Fotografias (originais) Daniel Filipacchi, Miles Davis e Kenny Clarke, Paris, 1949, 23,5 x 18 cm, coleção Frank Driggs. Jean-Philippe Charbonnier, Juliette Gréco e Miles Davis, 1949, série de três fotos, 11 x 17 cm para uma 24 x 18 cm para as outras, coleção Dr Emily Mayhew. Autor anônimo, Hot Lips Page, Miles Davis e Kenny Dorham no balcão de um café parisiense, Paris, 1949. © coleção Frank Driggs. Autor anônimo, “Hot Lips” Page e “Big Chief” Russell Moore examinando plantas e gravuras de Paris, Paris, 1949, coleção particular. Autor anônimo, “Big Chief” Moore assinando o livro de visitas da prefeitura de Paris, Paris, 1949, coleção particular. Autor anônimo, Miles Davis com Sidney Bechet e Big Chief Moore, Paris, 1949, coleção particular. Cecil Charles, Chet Baker, Miles Davis e Rolf Ericson no Lighthouse de Hermosa Beach, 1953, prova de cor, 8,5 x 8,5 cm, LAJI. Fotografias (cópias) Autor anônimo, Hot Lips Page, Miles Davis e Kenny Dorham no balcão de um café parisiense, Paris, 1949. © coleção Frank Driggs. Autor anônimo, Tommy Potter, Boris Vian, Kenny Dorham, Juliette Greco, Miles Davis, Michèle Vian e Charlie Parker, Paris, maio 1949. DR Pierre Delord, Tadd Dameron-Miles Davis Quintet na Sala Pleyel, maio de 1949, série de sete fotografias. © Midiateca de Villefranche-de-Rouergue, França. Willy Ronis, palco de Saint-Germain-des-Prés, 1955. © Willy Ronis/Rapho. Popsie Randolph, Miles Davis e Al Haig durante uma das sessões de gravação de Birth of the Cool, 1949. © Michael Randolph/www.PoPsiePhotos.com Autor anônimo, Miles Davis tocando trompete durante uma das sessões de gravação de Birth of the Cool, 1949. © Frank Driggs. Francis Wolff, Miles Davis, Art Blakey, Jimmy Heath, abril de 1953. © Mosaic Images LLC. Francis Wolff, Miles Davis em estúdio para a Blue Note, março de 1954. © Mosaic Images LLC. Autor anônimo, Thelonious Monk, Miles Davis, Gigi Gryce e Max Roach, por volta de 1954. DR. III. MILES AHEAD Arquivos audiovisuais The Sound of Miles Davis (segmento), transmissão televisiva da CBS, apresentada por Robert Herridge, 1959, DR. Documentos de arquivos Nota de Marcel Romano recebendo Miles Davis na editora NEF para a assinatura do contrato da música de Ascensor para o cadafalso, 1957, 15 x 10 cm, coleção J. de Mirbeck-Urtreger. Nota comprovando recebimento assinada por Miles Davis, 1957, 15 x 10 cm, coleção J. de MirbeckUrtreger. Conjunto de documentos relativos à produção do álbum Kind of Blue: folha da sessão de gravação de 2 de março de 1959 (job n° 43079); folha da sessão de gravação de 22 abril de 1959 (job n° 43079); três notas manuscritas pelo produtor Irving Townsend: uma recapitulando títulos, ordem e duração das faixas do álbum, a segunda definindo a divisão das faixas por face com os títulos definitivos, a terceira listando os músicos do disco e a ordem em que aparecem na capa do álbum; manuscrito do texto de capa redigido por Bill Evans; comunicação interna de I. Townsend (21 de maio de 1959) justificando a solicitação de pagamento de 100 dólares suplementares a três dos músicos; cópia de um demonstrativo de pagamento dos músicos que participaram da sessão de gravação de 22 de abril de 1959; lista dos números de telefone dos músicos que participaram do álbum; comunicação de Teo Macero (datado de 10 de agosto de 1959) solicitando uma inversão de títulos na face 2, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Nota manuscrita definindo a ordem das faixas do disco Porgy and Bess (aprovada por Gil Evans), 1958, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Pannonica de Koenigswarter, Les Musiciens de jazz et leurs trois voeux, dois blocos Hermès contendo o manuscrito, coleção Shaun de Koenigswarter. Duplicata do programa de apresentação de Miles Davis no Carnegie Hall, Nova York, 1961, coleção MDP. Folder anunciando o programa do concerto “Jazz at Town Hall”, New York, em 27 de dezembro de 1958 com Miles Davis & His Great Sextet, Sonny Rollins, J.J. Johnson, Art Blakey e Anita O’Day, Schomburg Center for Research in Black Culture. Discos e capas Miles Davis, Ascenseur pour l’échafaud, musique originale du film de L. Malle, 33 rotações Fontana 33/25 660.213, 1958, Archives Cohérie Boris-Vian. Collectif, Music For Brass, 1956, Columbia CL 941, IJS. Segmentos musicais Miles Davis, “The Duke” (D. Brubeck), Miles Ahead, Columbia, 1957. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “Gone, Gone, Gone” (G. Gershwin-I. Gershwin-D. Heyward), Porgy and Bess, Columbia, 1958. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “Will o’ the Wisp” (M. de Falla), Sketches of Spain, Columbia, 1960. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, Kind of Blue (in extenso) 1959. © Sony Music Entertainment. Filme Louis Malle, Ascensor para o cadafalso (segmento), 1957. © N.E.F./Pyramide. Impressos Cartaz do filme Ascensor para o cadafalso de Louis Malle, desenho de Willy Mucha, 1958, coleção Cinémathèque française. Cartaz do filme Ascensor para o cadafalso, ilustração sob forma de fotomontagem, 1958, coleção Cinémathèque française. Registro da música original de Ascensor para o cada- 221 falso por Miles Davis, Éditions Continental, 1958, coleção MDP. Programa do Festival de jazz de Newport, 1955, coleção particular. Programa da turnê Birdland ‘56, 17 e 18 de novembro de 1956, LAJI. Jazz Hot, n° 126, novembro de 1957, coleção particular. “Louis Malle: o problema da música de filme é um problema horrivelmente complicado ” em Jazz Hot n° 155, junho de 1960, coleção particular. Miles Davis and Group, fascículo editado pela Columbia para fazer a promoção de Miles Davis, 1959, IJS. “Miles Davis olha para seu alter ego Gil Evans”, Down Beat, vol. 28 n° 24, 16 de fevereiro de 1961, coleção Musée des Beaux Arts de Montréal. “It Ain’t Necessarily So”, segmento de Porgy and Bess, 1935, partitura impressa, coleção Philippe Baudoin. “Miles’ Delight”, in Ted Joans, All of Ted Joans and No More, Beat Generation Jazz Poems (nova edição revisada), Excelsior Press Publishers, New York, 1961, coleção Robert Rubin. Fotografias (originais) Pannonica de Koenigswarter, Miles Davis em “Cathouse”, polaróide, 12 x 8 cm, coleção Shaun de Koenigswarter. Instrumentos Trompete Martin Committee, gravado com o nome de “Miles Davis” no pavilhão, que pertenceu a Miles Davis durante os anos 50, Elkhart, Indiana, Estados Unidos, 1957, coleção William Collins III, Sherman Jazz Museum. Saxofone tenor Selmer “Balanced Action” que pertenceu a John Coltrane durante os anos 1950, coleção Ravi família Coltrane. Cornetim Martin Magna utilizado por Miles Davis entre 1957 e 1959 aproximadamente, coleção Wallace Roney, doação de Miles Davis. Impressos Down Beat, vol. 27, n° 1, 7 de janeiro de 1960, IJS. Down Beat, vol. 29, n° 23, 30 de agosto de 1962, coleção Robert Rubin. Down Beat, vol. 31, n° 23, 13 de agosto de 1964, Centre d’information du jazz. Down Beat, vol. 33, n° 5, 10 de março de 1966, coleção particular. Down Beat, vol. 34, n° 7, 6 de abril de 1967, coleção Musée des Beaux-Arts de Montréal. Down Beat, vol. 34, n° 26, 28 de dezembro de 1967, coleção Jazzinstitut Darmstadt. Down Beat, vol. 35, n° 26, 26 de dezembro de 1968, coleção Robert Rubin. Down Beat, (edição japonesa), novembro de 1960, coleção Kiyoshi Koyama. Down Beat, (edição japonesa), outubro de 1961, coleção Kiyoshi Koyama. Down Beat, (edição japonesa), abril de 1962, coleção Kiyoshi Koyama. Orkester Journalen, n° 4, abril de 1960, IJS. Jazz Journal, vol. 13, n° 10, outubro de 1960, coleção Musée des Beaux-Arts de Montréal. Jazz Hip, n° 36, verão de 1963, coleção Jazzinstitut Darmstadt. Jazz Hip, n° 37, 1964, coleção Jazzinstitut Darmstadt. Jazz Hot, n° 189, julho-agosto de 1963, coleção particular. Jazz Hot, n° 236, novembro de 1967, coleção particular. Jazz Magazine, n° 57, março de 1960, coleção particular. Jazz Magazine, n° 64, novembro de 1960, coleção Jazz Magazine. Jazz Magazine, n° 98, setembro de 1963, coleção Jazz Magazine. Jazz News, vol. 6, n° 4, 24 de janeiro de 1962, coleção particular. Jazz Podium, agosto de 1967, coleção Jazzinstitut Darmstadt. Metronome, n° 10, vol. 78, outubro de 1961, IJS. Playboy, setembro de 1962, coleção Robert Rubin. Swing Journal, julho de 1964, coleção Kiyoshi Koyama. Swing Journal, primavera de 1965 (número especial), coleção Kiyoshi Koyama Swing Journal, junho de 1966 (número especial), coleção Kiyoshi Koyama. Swing Journal, agosto de 1968, coleção Kiyoshi Koyama. “The World Jazz Festival”, 1964, Tóquio, Japão, programa oficial, coleção Kiyoshi Koyama. Partituras manuscritas Miles Davis, “So What” (folha com algumas notas de), provavelmente 1961, coleção MDP. Gil Evans, “Gone Gone Gone”, conjunto de partituras de orquestra (18 músicos) e solo de trompete do arranjo de Gil Evans, segmento de Porgy and Bess, 1958, coleção MDP. Gil Evans, “[There’s a] Boat That’s Leaving”, parte de solo de trompete do arranjo de Gil Evans, segmento de Porgy and Bess, 1958, coleção MDP. Gil Evans, “The Song of Our Country”, parte de trompete do arranjo de Gil Evans para o segundo movimento de Bachianas Brasileiras no. 2, de Heitor Villa-Lobos, 1960, coleção MDP. Fotografias (cópias) Vincent Rossell, Miles Davis e Louis Malle durante a gravação da música de Ascensor para o cadafalso, 1957. © Vincent Rossell/Cinémathèque française. Janet Urtreger, retrato de Miles Davis em Paris, 1957. © Jeanne de Mirbeck-Urtreger. André Sas, René Urtreger, Barney Wilen, Kenny Clarke, Pierre Michelot e Miles Davis, no palco do Club St Germain, Paris, novembro de 1957. © Dalle. Don Hunstein, conjunto de fotos tiradas durante a sessão de gravação de 22 de abril de 1959. © SME. Dennis Stock, Miles Davis escutando na cabine durante uma sessão de gravação, 1958. © Magnum Photos. Don Hunstein, Vista do estúdio da Columbia na Rua 30 em Nova York vazio. © SME. Don Hunstein, Miles Davis em estúdio dirigindo John Coltrane, Cannonball Adderley e Philly Joe Jones, março de 1958. © SME. Don Hunstein, Miles Davis em estúdio com a orquestra de Gil Evans durante a gravação de Porgy and Bess, 1958. © SME. Don Hunstein, Gil Evans e Miles Davis, cornetim embaixo do braço, durante a gravação de Porgy and Bess, 1958. © SME. Don Hunstein, Miles Davis de costas, diante de sua estante, durante a gravação de Porgy and Bess, 1958. © SME. Don Hunstein, Miles Davis editando Porgy & Bess com Gil Evans e Cal Lampley, julho de 1958. © SME. Don Hunstein, Miles Davis e Gil Evans examinam uma partitura durante a gravação de Miles Ahead, 1957. © SME. IV. MILES SMILES Arquivos audiovisuais Jazz – gehört und gesehen F : 51 – Das Miles Davis Quintett, captação televisionada da apresentação do Miles Davis Quintet na Stadthalle de Karlsruhe (Alemanha) em 7 de novembro de 1967. © SWR. Miles e Frances Davis chegando à estação de trem em Paris, em 25 de julho de 1963, ORTF. © INA. Segmentos musicais Miles Davis, “Someday My Prince Will Come” (F. Churchill-L. Morey), Someday My Prince Will Come, Columbia, 1961. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “Stella by Starlight” (V. Young-N. Washington), My Funny Valentine, Columbia, 1964. Sony Music Entertainment ©. Miles Davis, “Filles de Kilimanjaro” (M. Davis), Filles de Kilimanjaro, Columbia, 1968. © Sony Music Entertainment. Instrumentos Elementos de um conjunto de bateria Grestch utilizado por Philly Joe Jones e Tony Williams: surdo, tom, caixa grave, anos 1960, coleção Cindy BlackmanSantana. Caixa Gretsch “C.O.B.”, anos 1960, coleção La Baguetterie. Prato de condução Turkish K Zildjian 22’’ que pertenceu a Tony Williams nos anos 1960, coleção Cindy Blackman-Santana. Par de chimbaus Zildjian Turkish K 14’’ e prato de condução Zildjian Turkish K 18’’, coleção Cindy BlackmanSantana. Trompete Martin Magna com verniz azul-esverdeado que pertenceu a Miles Davis, coleção Wallace Roney, doação de Miles Davis. Fotografias (cópias) Corky McCoy, Wayne Shorter ao saxofone e Herbie Hancock ao piano durante um ensaio no estúdio, por volta de 1967-68. © Cortez McCoy. Corky McCoy, Herbie Hancock escutando Wayne Shorter ao piano, por volta de 1967-68. © Cortez McCoy. Vernon L. Smith, Miles Davis, George Coleman e Ron Carter, Nova York, Philharmonic Hall, 1964, SME. Partituras manuscritas Autor anônimo [J.J. Johnson?], “From Saint Louis”, partes de trompete, trombone, saxofone tenor, anotadas “Miles [Davis]”, “Hank [Mobley]”, “J.J. [Johnson]”, provavelmente 1962, coleção MDP. Miles Davis/Gil Evans, “Filles de Kilimanjaro”, partes de trompete, saxofone tenor, contrabaixo e bateria, 1968, coleção MDP. Herbie Hancock, “Little One”, parte de trompete, 1965 (© 1981 Hancock Music), coleção MDP. Herbie Hancock, “The Sorcerer”, parte do baixo, 1967 (© 1982 Hancock Music), coleção MDP. Wayne Shorter, “Capricorn”, parte de trompete, 1967, coleção MDP. Wayne Shorter, “Dolores”, parte de trompete, 1966, coleção MDP. Wayne Shorter, “E.S.P.”, parte de trompete, dedicada “Para Miles”, 1965, coleção MDP. Wayne Shorter, “Footprints”, parte de contrabaixo, 1966, coleção MDP. Wayne Shorter, “Pinocchio”, 1967, coleção MDP. Discos Miles Davis, Someday My Prince Will Come, conjunto de cinco discos de 45 rotações destinados a jukeboxes com reprodução da capa e das etiquetas, 1961, coleção Robert Rubin. Documentos de arquivos Carta de Michel J. Vermette para Stanley West, datada de 27 de janeiro de 1964, informando-o de que Miles Davis desejava passar dois meses de verão na Riviera fazendo uma apresentação por semana, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Carta de Teo Macero, datada de 20 de novembro de 1968, indicando o detalhe do álbum Filles de Kilimanjaro e o desejo de Miles Davis de mudar todos os títulos em francês, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Capas de discos Miles Davis in Europe, Columbia CL2183 (Mono), 1963, coleção particular. Miles in Tokyo, CBS/Sony SONX60064, 1969, coleção Superfly Records. Miles in Berlin, CBS SBPG62976, 1969, coleção Paris Jazz Corner. V. MILES ELÉTRICO Segmento musical Miles Davis, “Spanish Key” (M. Davis), Bitches Brew, Columbia, 1969. © Sony Music Entertainment. Filmes Murray Lerner, Miles Electric : A Different Kind of Blue (segmento), 1970. © Eagle Rock Entertainment. Impressos Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis e do Grateful Dead no Fillmore West, abril de 1970, 53,4 X 35,5 cm, Wolfgang’s Vault. Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis e de Leon Russell no Fillmore West, outubro de 1970, 53,4 X 35,5 cm, Wolfgang’s Vault. Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis, Elvin Bishop e Mandrill au Fillmore West, de 6 a 9 de maio de 1971, 53,4 x 35,5 cm, Wolfgang’s Vault. Rolling Stone n° 48, 13 de dezembro de 1969, com Miles Davis na capa, coleção Robert Rubin. Down Beat, vol. 36, n° 25, 11 de dezembro de 1969, coleção Centre d’information du jazz. Instrumentos Trompete Martin Committee, acabamento negro e cobre, gravado com o nome de “Miles Davis” no pavilhão, usado por Miles Davis entre 1969 e 1974, coleção Wallace Roney, doação de Miles Davis. Piano eletromecânico Fender Rhodes, modelo Suitcase 73. Estados Unidos, 1967, coleção Olivier Grall. Câmara de eco com faixas “Echoplex”, 1970 (início da década), coleção Musée de la Musique, Paris. Conjunto de percussão (cuíca, gongo, caxixi e estrutura metálica) usado por Airto Moreira, cerca de1970, coleção Airto Moreira. Partituras manuscritas Hermeto Pascoal, “Nem Um Talvez”, conjunto de três partituras (partes de trompete, piano e baixo), 1970, coleção MDP. Hermeto Pascoal, “Igrejinha” (ou “Little Church”), conjunto de cinco partituras (partes de trompete, piano e baixo), 1970, coleção MDP. Wayne Shorter, “Paraphernalia”, parte de guitarra, 1968, coleção MDP. Wayne Shorter, arranjo de “Guinnevere”, canção de David Crosby, conjunto de oito partituras (partes de trompete, saxophone soprano, clarone, dois pianos elétricos, piano Fender Rhodes e baixo), 1970, coleção MDP. Joe Zawinul, “Direction” (sic), 1968, coleção MDP. Fotografias (cópias) Guy Le Querrec, Miles Davis na Sala Pleyel, Paris, 1969. © Magnum Photos. Don Hunstein, Miles Davis em sua casa, 1969. © SME. Fotografias (originais) Amalie R. Rothschild, Miles Davis multi, Tanglewood, August 18, 1970, prova assinada e numerada 7/250, carimbo no verso, coleção da artista, Florença. Lee Friedlander, Retrato de Miles Davis, 1969, 43,2 x 43,2 cm, Fraenkel Gallery, São Francisco. Quadros Mati Klarwein, Live, óleo sobre tela, quadro que foi face da capa do álbum Live-Evil, 1971, 70 x 70 cm, Galerie Albert Benamou, Paris. Mati Klarwein, Evil, óleo sobre tela, quadro que foi verso da capa do álbum Live-Evil, 1971, 70 x 70 cm, Galerie Albert Benamou, Paris. Mati Klarwein, Miles Over the Machu Picchu (Zonked), oléo sobre tela, 1971, coleção Stella Benabou Shapiro e Dorian Hendrix Shapiro. Kazuya Sakai, Miles in the Sky (Miles Davis), acrílico sobre tela, 1976, (3 painéis de uma série de sete), coleção Guillermo Navone. Documentos de arquivos Cópia de uma mensagem de Bruce Lundvall (datada de 1º de abril de 1969) recomendando que a publicidade para Miles Davis fosse feita na imprensa “marrom”, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Cópia de uma carta de Corinne Chertok (datada de agosto de 1969) observando que Miles Davis exige ser considerado como coautor de “In a Silent Way”, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Folha de bloco de anotações mencionando o aluguel de sinos, de dois pianos elétricos Fender e de um clarone para as sessões de gravação dos dias 19, 20 e 21 de agosto de 1969, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Folha da sessão de gravação de 19 de agosto de 1969, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Folha da sessão de gravação de 21 de agosto de 1969, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. 222 Notas manuscritas de Teo Macero sobre a montagem “Pharoah’s Dance” e “Miles Runs the Voodoo Down”, 1969, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Nota manuscrita de Teo Macero definindo a distribuição das faixas de Bitches Brew por face e nomeando os compositores, 1969, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Prova da capa de In a Silent Way apresentando o título inicial Mornin’ Fast Train from Memphis to Harlem, 1969, Sony Music Archives. Mensagem datilografada de Teo Macero a Clive Davis (datada de 23 de outubro de 1969), anotada à mão por esse último em relação aos adiantamentos pagos a Miles Davis, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Memorando de Teo Macero, datado de 14 de novembro de 1969) informando seus superiores sobre o desejo de Miles Davis de dar a seu álbum o título de “Bitches Brew”, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Mensagem de Clive Davis (datada de 17 de novembro de 1969) solicitando a Bill Graham que Miles Davis seja programado no Fillmore, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Mensagem assinada de Miles Davis (datada de 8 de janeiro de 1970) a Clive Davis solicitando ser assalariado da Columbia, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Cópia de um telegrama (datado de 9 de janeiro de 1970) de Miles Davis para Walter Dean exprimindo sua insatisfação depois do cancelamento de uma sessão de gravação, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Relatório de vendas da Columbia datado de 18 de setembro de 1972, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. VI. ON THE CORNER Arquivos audiovisuais Teppei Inokuchi, Miles in Studio, 1972, com, entre outros, Al Foster, David Liebman, Badal Roy, Michael Henderson. © Teppei Inokuchi. Corky McCoy, Miles Davis em um ringue de boxe em treinamento, 1969 © Cortez McCoy. Desenhos Corky McCoy, On the Corner, ilustração na face do álbum, lápis sobre papel vegetal, 1972, 39,5 x 35 cm, coleção Cortez McCoy. Corky McCoy, Water Babies, série de três desenhos representando personagens, lápis, 124 x 31 cm, 224 x 31 cm et 324 x 31 cm, coleção Cortez McCoy. Corky McCoy, Water Babies, ilustração utilizada na capa do álbum, lápis sobre papel vegetal, 48 x 34 cm, coleção Cortez McCoy. Corky McCoy, Live & Electric, projeto da capa do álbum, por volta de 1973, 35,5 x 28,5 cm, coleção Cortez McCoy. Discos Miles Davis, Molester (parte I & II), versões estéreo e mono, 45 rotações, Columbia 4-45709, 1972, coleção particular. Miles Davis, Holly-Wuud, versões estéreo e mono, 45 rotações, destinado a rádios, IJS. Miles Davis, Vote for Miles, 45 rotações, destinado a rádios, Columbia 4-45822, 1972, coleção particular. Documentos de arquivos Prova de anúncio publicitário para o lançamento do álbum Jack Johnson, 1971, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Folha da sessão de gravação de 1º de junho de 1972, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Folha da sessão de gravação de 6 de junho de 1972, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Notas manuscritas de Teo Macero relativas à montagem do álbum On the Corner, 1972, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Memorando de John Berg a Teo Macero (datado de 13 de março de 1973) em relação à solicitação de Miles Davis de retirar os nomes dos músicos dos créditos do álbum In Concert, 1973, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. QUEREMOS MILES Segmentos musicais Miles Davis, “Great Expectations” (M. Davis-J. Zawinul) (segmento), Big Fun, Columbia, 1969. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “Ife” (segmento) (M. Davis), Big Fun, Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “On the Corner” (M. Davis), On the Corner, Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment. Miles Davis, “Black Satin” (M. Davis), On the Corner, Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment. Impressos Pôster promocional de Miles Davis em um ringue de boxe, por volta de 1971, coleção Robert Rubin. Cartaz Berliner Jazz Tage 71, ilustração de Günther Kieser, 119 x 84 cm, coleção particular. Reprodução de uma publicidade para On the Corner, quarta capa do Jazz Journal, vol. 26 n° 3, março de 1973 Down Beat, vol. 41, n° 18, 18 de julho de 1974, coleção Jazzinstitut Darmstadt. Instrumentos e material de amplificação Amplificador Yamaha modelo RA-200 com o nome de Miles Davis, utilizado em turnê entre 1973 e 1975, Japão, coleção MDP. Trompete em ut Martin “Magna” personalizado com pintura verde, gravado com o nome de Miles Davis, Elkhart, Indiana, Estados Unidos. coleção IJS. Sintetizador EMS Synthi Aks, anos 1970, coleção Olivier Grall. Órgão elétrico Yamaha YC 45 D, anos 1970, coleção Olivier Grall. Guitarra elétrica Gibson SG que pertenceu a Dominique Gaumont, anos 1970, coleção Michèle Codin. Partituras manuscritas Paul Buckmaster, “On/Off”, três páginas de partituras originais, regente da composição que serviu de base para as faixas “Black Satin”, “One And One”, “Helen Butte”, “Mr Freedom X”, 1972, coleção do artista. Paul Buckmaster, “Piece #3”, das páginas de partituras originais, regente da composição que serviu de base para a faixa “Ife”, 1972, coleção do artista. Fotografia (original) Takashi Arihara, O grupo de Miles Davis nos bastidores, Tóquio, 2 de agosto de 1975, foto dedicada por cada um dos músicos do grupo, 33 x 40 cm, coleção Kiyoshi Koyama. Fotografias (cópias) Don Hunstein, Miles Davis e Teo Macero diante dos estúdios da Columbia, 1971, SME. Don Hunstein, Miles Davis e Teo Macero nos estúdios da Columbia, novembro de 1971, SME. Outros Saco de boxe Everlast que pertenceu a Miles Davis, anos 1980, coleção MDP. VII. SILÊNCIO Documentos de arquivos Cópia de uma carta (datada de 11 de dezembro de 1975) de Teo Macero a Miles Davis, que estava hospitalizado, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Nota manuscrita de Teo Macero a respeito de um álbum de Miles Davis em projeto com o título The World & the Light, 1976, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Carta de contratação de Yomiuri Shimbun a respeito de um projeto de turnê de Miles Davis de 21 dias no Japão (23 de maio a 12 de junho de 1977), 1977, fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment. Segmento musical Miles Davis, “He Loved Him Madly” (M. Davis), Get Up With It, 1974. © Sony Music Entertainment. Fotografia (cópia) Don Hunstein, Miles Davis em estúdio, março de 1978, SME. VIII. STAR PEOPLE Roupas Kohshin Satoh, casaco vermelho ornamentado que pertenceu a Miles Davis, por volta de 1988, coleção MDP. Nancy e Lélia Campbell (“Samething”), casaco vermelho com motivos coloridos usado por Miles Davis no verso da capa do álbum “Amandla”, por volta de 1989, coleção MDP. Kohshin Satoh, casaco e calça usados por Miles Davis na capa do livro The Best to Best, por volta de 1989, coleção MDP. Kansai, casaco negro com um motivo de dragão na frente, usado por Miles Davis na capa do álbum You’re Under Arrest, por volta de 1985, coleção MDP. Kansai, casaco branco com strass usado por Miles Davis no vídeo clipe Tutu Medley, por volta de 1986, coleção MDP. Gianni Versace, casaco usado por Miles Davis durante a apresentação Miles & Friends, por volta de 1991, coleção MDP. Documentos audiovisuais 60 Minutes (segmento), 1989. © CBS News Archive/ BBC Motion Gallery. Arsenio Hall Show (segmento), 1989. © CBS. Conspiracy of Hope for Amnesty International (segmento), 1986. © MTV Network/Amnesty International. Days With Miles (direção Per Møller Hansen), documentário sobre a realização do álbum Aura, 1989, DR (Dinamarca). Decoy (vídeo clipe) (direção Annabel Jankel/Rocky Morton), 1984. © Sony Music Entertainment. Desfile da coleção Kohshin Satoh 1987-88 no clube Tunnel, Nova York, com a participação de Miles Davis e de Andy Warhol, 1987. © Kohshin Satoh. Dingo (direção Rolf de Heer) (segmento), 1989. © Les Films du paradoxe. The Doo Bop Song (vídeo clipe), 1992. © Warner Music Group. Fantasy (vídeo clipe), 1992. © Warner Music Group. The Making of Sun City (dir. Steve Lawrence) (segmento), 1985. © Global Vision Inc. Miami Vice, segunda temporada, episódio 28, “Junk Love” (segmento), 1985. © Universal Studios. Miles Davis & Quincy Jones Live at Montreux (segmento), 1991. © Warner Music Group. Night Music (segmento), 1989. © Broadway Video. Saturday Night Live (segmento), 1981. © Broadway Video. Publicidade para Honda Scooters, 1986. © Honda Motor Europe (South) S.A.S. Publicidade para Van Aquavit (dir. Anthony Barboza). © Anthony Barboza. The Today Show (trecho), 1982. © NBC Universal, New York. Tutu Medley (vídeo clipe) (dir. Spike Lee), 1986. © Warner Music Group. Discos Miles Davis, We Want Miles, 33 rotações Columbia autografado por Miles Davis, IJS. Impressos Kohshin Satoh e Miles Davis, Kohshin The Best to Best Miles, Kamakura (Japão), Yobisha, 1992, coleção particular. Kohshin Satoh, catálogo outono-inverno 1987, coleção Kohshin Satoh. Magazine Mr., n° 9, setembro 1988, Japão (foto: Taishi Hirokawa), coleção Kohshin Satoh. Instrumentos Trompete Martin Committee personalizado em vermelho, pertencera a Miles Davis, gravado com seu nome, c. 1985, col. MDP. Trompete Martin Committee prateado que pertenceu a Miles Davis, gravado com seu nome, c. 1985, col. MDP. Set de bateria Yamaha de cor violeta composta de uma caixa clara, de um tom médio, de um tom baixo e de uma grande caixa (com nome de Al Foster) e um conjunto de címbalos Paiste, início de 1980, col. Al Foster. Guitarra baixo Fodera “ Monarch Deluxe”, col. Marcus Miller. Guitarra baixo Kramer “ The Duke ” preta, col. Foley McCreary. Pedal de efeito, Pro Co modelo RAT,1980, col. John Scofield. Pedal de efeito chorus Ibanez modelo CS 9,1980, col. John Scofield. Guitarra baixa Schecter Jazz preta, 1980, col. Darryl Jones. Sintetizador programável Oberheim modelo OB-Xa, utilizado por Miles Davis no palco, col. MDP. Sintetizador polifônico programável Roland modelo D-50, utilizado por Miles Davis no placo, col. MDP. Manuscritos Miles Davis/Quincy Troupe, Miles, The Autobiography, primeiras páginas anotadas do manuscrito, 1990, 21,5 x 28 cm, Schomburg Center For Research in Black Culture, New York Public Library, Astor, Lenox & Tilden Foundations, Nova York. Quadros Miles Davis, Twelve Things, óleo sobre madeira, assinado e datado de 21 junho de 1984, 65,5 x 95 cm, col. MDP. Miles Davis, Fourteen Things, óleo sobre madeira, cerca de 1984, 50 x 65 cm, col. MDP. Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira, cerca de 1984, 50 x 65 cm, col. MDP. Miles Davis e Jo Gelbard, Amandla, ilustração realizada para a capa de disco do álbum (projeto não realizado), 1989, 65,5 x 50,5 cm, col. Warner Music Group. Miles Davis e Jo Gelbard, Amandla, ilustração para a capa de disco do álbum (projeto não realizado), 1989, 76,5 x 50,5 cm, pintura e desenho, col. Warner Music Group. Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira, 1990, 58 x 114 cm, col. MDP. Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira 1990, 114 x 58 cm, col. MDP. Miles Davis e Jo Gelbard, Nothin’ But a Move, 1991, 106,7 x 101,5 cm, col. Jo Gelbard. Miles Davis e Jo Gelbard, 1991 Paris Set, tela que serviu de modelo para o cenário do concerto de Miles Davis na Grande Halle de La Villette, Paris, 1991, 106,7 x 142,2 cm, col. Jo Gelbard. Fotografias (originais) Anton Corbijn, Miles Davis Montréal, 1985, 160 x 110cm, coleção da artista. Annie Leibovitz, três retratos de Miles Davis, 1989-90, coleção da artista. Irving Penn, três fotografias realizadas para o álbum Tutu (frente e verso e interior), 1986, 52,5 x 50,5 cm, col. Warner Music Group. Outros Disco de Ouro de Tutu, 1988, Warner Bros. França, col. MDP. Seis painéis apresentando os músicos no palco : “Kenny” [Garrett], “Foley” [McCreary], “Deron” [Johnson], “ Richard” [Patterson], “Ricky” [Wellman] e “Me” [Miles Davis], 1991, col. MDP. Case de trompete em couro de Miles Davis, col. MDP. Credencial dos bastidores com a silhueta de Miles Davis, 1989, col. MDP. Metralhadora de brinquedo apresentada na capa de You’re Under Arrest, aprox. 1985, col. Anthony Barboza. Lista de abreviações: IJS: Institute of Jazz Studies, Newark; INA: Institut national de l’Audiovisuel; LAJI: L.A. Jazz Institute, Los Angeles; MDP: Miles Davis Properties, LLC, Los Angeles; NYPL: New York Public Library for the Performing Arts, Music Division, Coleção Teo Macero; SME: Sony Music Entertainment, Nova York. 223 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA APRESENTAÇÃO DO AUTOR Franck Bergerot, Miles Davis, Introduction à l’écoute du jazz moderne, Paris, Le Seuil, 1996. Gary Carner, The Miles Davis Companion, Four Decades of Commentary, Nova York, Schirmer Books, 1996. Ian Carr, Miles Davis, the Definitive Biography, Nova York, Harper Collins, 1999. Jack Chambers, Milestones I – The Music and Times of Miles Davis to 1960, Toronto, University of Toronto Press, 1983. Jack Chambers, Milestones II – The Music and Times of Miles Davis to 1960, Toronto, University of Toronto Press, 1985. George Cole, The Last Miles: The Music of Miles Davis, 1980-1991, Ann Arbor, University of Michigan Press, 2004. Laurent Cugny, Électrique Miles Davis, 1968-1975, reedição, Marseille, Tractatus & Co, 2009. Laurent Cugny, Las Vegas Tango, une vie de Gil Evans, Paris, P.O.L., 1989. Gregory Davis, Dark Magus, The Jekyll and Hyde Life of Miles Davis, São Francisco, Backbeat Books, 2006. Miles Davis e Quincy Troupe, Miles – L’autobiographie, Suisse, In Folio, 2007. Larry Fisher, Miles Davis and David Liebman, Jazz Connections, Nova York, Edwin Mellen Press, 1996. Alain Gerber, Miles, Paris, Fayard, 2007. Alain Gerber, Miles Davis le blues du blanc, Paris, Fayard, 2003. Ashley Khan, Kind of Blue, le making-of d’un chef d’oeuvre, Marseille, Éditions Le Mot et le Reste, 2009. Jan Lohmann, The Sound of Miles Davis, the Discography, a Listing of Records and Tapes, 1945-1991, Copenhague, JazzMedia APS, 1991. Dennis Owsley, City of Gabriels, The History of Jazz in St. Louis, 18951973, Saint Louis, Reedy Press, 2006 Kohshin Satoh e Miles Davis, Kohshin The Best to Best Miles, Kamakura (Japão), Yobisha, 1992. John Szwed, So What, the Life of Miles Davis, Nova York, Simon & Schuster, 2004. Paul Tingen, Miles Beyond, the Electric Explorations of Miles Davis, 19671991, Nova York, Billboard Books, 2001. Quincy Troupe, Miles Davis, Bordeaux, Le Castor Astral, 2009. Ken Vail, The Live of Miles Davis, 1947-1961, Londres, Sanctuary Publishing Ltd, 1996. Richard Williams, Miles Davis, l’homme à la chemise verte, Paris, Éditions Plume, 1993. Jeremy Yudkin, Miles Davis, Miles Smiles, and the Invention of Post Bop, Bloomington, Indiana University Press, 2008. Redator chefe da revista Jazz Magazine, Franck Bergerot é autor de Miles Davis, introduction à l’écoute du jazz moderne (Seuil, 1996) assim como de Jazz dans tous ses états : histoire, styles, foyers, grandes figures (Larousse, 2006). Ele supervisionou os primeiros volumes de uma edição integral de Miles Davis para “Masters of Jazz “. Convidamos os leitores a consultar o site de Peter Losin, extremamente completo no que se refere à discografia e às sessões de gravação: http://www.plosin.com/milesAhead/ AGRADECIMENTOS A biografia incluída neste catálogo não poderia ter sido realizada sem os trabalhos ou os depoimentos de André Hodeir, Ian Carr, Jack Chambers, Laurent Cugny, Quincy Troupe, Jan Lohmann, Enrico Merlin, Bob Belden, David Liebman, Larry Fisher, Paul Tingen, Ken Vail, Peter Losin, John Szwed, Ashley Kahn, George Porter, Jeremy Yudkin. Também não teria sido possível realizá-la sem as escutas anotadas que precederam a redação de meu livro Miles Davis, introduction à l’écoute du jazz moderne publicado pela Seuil em 1996 e o lançamento, sob meus cuidados, das reedições em CD das primeiras gravações Miles Davis para Masters of Jazz, “Young Miles” (volume 1 à 3). Agradecimentos a Vincent Bessières, Christian Bonnet, Claude Carrière, Marion Challier, Guillaume de Chassy, Christophe Devillers, Marc Ducret, François-Marie Foucault, Patrick Fradet, Frédéric Goaty, Gisèle e Christian Lhernault, Jean-Pierre Lion, Jeanne de Mirbeck, Patrick Raffault, Jean-Charles Richard e Malo Vallois. F.B.