catálogo organizado por vincent bessières / texto de franck

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CATÁLOGO ORGANIZADO POR VINCENT BESSIÈRES / TEXTO DE FRANCK
BERGEROT / COM AS CONTRIBUIÇÕES DE GEORGE AVAKIAN, LAURENT CUGNY,
IRA GITLER, DAVID LIEBMAN, FRANCIS MARMANDE, JOHN SZWED E MIKE ZWERIN
Produção de Montagem
Laércio Costa Reis
Exposição
02 agosto a 28 setembro 2011
Patrocínio
Banco do Brasil e
Ministério da Cultura
Realização
Centro Cultural Banco do Brasil
Produção Original
Cité de la Musique - Paris
Curadoria
Vincent Bessières
Cenografia
Atelier Projectiles
Projeto gráfico
Laurent Meszaros
Design Sonoro
Philippe Wojtowicz
Coordenação de Montagem
Marion Challier - Cité de la Musique Paris
Produção
Forosul Cultura e Comunicação
Coordenação
Marlise Jozami
Produção Executiva
Márcia Jardim
Coordenação Internacional
Loana Baillot
Equipe de Produção
Bruno Franklin e Linn Jardim
Assistentes de Produção
Alessandra Luz e Marcelo Luz
Equipe de Montagem
Alvaro Dias, Alex Augusto, Alex de
Menezes, Caio César, Cal Camargo,
Ivani Procópio, José Henrique,
Juliana Oliveira, Kazuhiro Dudin,
Marco Teixeira, Marcio Caldas,
Manoel Rosa, Marcelo de Alcantara,
Paulo Wagner, Rafael Negão, Thiago
Branco, Vatusi de Paula, Yuri Barbosa
Laudos de Conservação
Felipe Farias e Pedro Mendes /
Museologia Digital
Projeto de Iluminação
Antônio Mendel
Iluminação
Espaço Luz Iluminação em Artes
Sonorização e Mídia
GABISOM - Sistema de Som e
Equipamentos em Música Ltda.
Programação Visual
Clarice Soter + Eneida Déchery /
Magô Design
Produção Gráfica
Sidnei Balbino
Tradução
Renato Rezende
Revisão de Texto
Daniel Russell Ribas e
Philippe Baden Powell
Assessoria de Imprensa
Luciana Medeiros e Christina Campos /
Verbo Virtual Comunicação
Cité de la Musique
Exposição criada pela Cité de la Musique
e apresentada de 16 de outubro de 2009
a 17 de janeiro de 2010.
Roch-Olivier Maistre,
presidente do conselho administrativo
Laurent Bayle,
diretor geral
Thibaud de Camas,
diretor geral adjunto
Hugues de Saint Simon,
secretário geral
Musée de la Musique
Éric de Visscher,
diretor
Magali Maïza,
administradora
Serviço de exposições
Isabelle Lainé
Coordenação do projeto
Marion Challier
Wissam Hojeij
Acompanhamento das operações
cenográficas
Olivia Berthon
Dictino Ferrero
Coordenação audiovisual
Matthias Abhervé
Romane Olmedo
CATÁLOGO
A primeira edição do catálogo foi publicada em francês pela Éditions Textuel /
Cite de la Musique, Paris, 2009.
Organização
Vincent Bessières
Texto principal
Franck Bergerot
Coordenação editorial
Marion Challier
Manon Lenoir
Marianne Théry
Acompanhamento editorial
Jessica Mautref
Revisão
Cécile Gaudin
Concepção gráfica
Caroline Keppy
Sandrine Roux
Acompanhamento iconográfico
Wissam Hojeij
Tradução (inglês / francês)
Christian Gauffre
Produção
Sandrine Pavy
EMPRESTADORES
Este projeto não teria sido possível sem
a ajuda preciosa e a generosidade dos
herdeiros de Miles Davis, em especial de
seus filhos Cheryl Davis e Erin Davis, e
seu sobrinho Vince Wilburn Jr. Nós lhes
expressamos toda a nossa gratidão,
bem como a Darryl Porter, gerente de
Miles Davis Properties, LLC, e a Charles J.
Biederman, Manatt Phelps & Phillips, LLP.
Nós agradecemos igualmente, por sua
valiosa colaboração, aos seguintes
emprestadores:
ALEMANHA
Darmstadt
Jazzinstitut Darmstadt, Wolfram Knauer
Argentina
Coleção Guilhermo Navone
CANADÁ
Montréal
Musée des Beaux-Arts de Montréal,
Nathalie Bondil
ESTADOS UNIDOS
Burbank
Warner Music Group, Edgar Bronfman, Jr.
Clifton
Wallace Roney
Katonah
John Scofield
Los Angeles
Stella Benabou Shapiro e Dorian Hendrix
Shapiro
Paul Buckmaster
Darryl Jones
L.A. Jazz Institute, Ken Poston
Cortez McCoy
Miles Davis Properties, LLC, Cheryl Davis,
Erin Davis, Vince Wilburn, Jr.
Marcus Miller
Airto Moreira
Nova York
Ravi Coltrane
Frank Driggs
Jo Gelbard
Amalie R. Rothschild
Robert M. Rubin e Stéphane Samuel
Schomburg Center For Research in Black
Culture (Centro Schomburg para pesquisa em cultura negra), New York Public
Library (Biblioteca pública de Nova York),
Astor,
Fundações Lenox & Tilden, Diana
Lachatanere
Annie Leibovitz
Sony Music Entertainment, Rolf SchmidtHoltz, Adam Block
Newark
Institute of Jazz Studies (Instituto de
estudos de jazz), Universidade Rutgers,
Dan Morgenstern
North Hollywood
Devik Wiener
São Francisco
Wolfgang’s Vault, Katherine York
Fraenkel Gallery, Claire Cichy
San Rafael
Cindy Blackman-Santana
Sherman
Sherman Jazz Museum, William Collins III
Westbury
Anthony Barboza
Woodstock
Al Foster
Worthington
Foley McCreary
França
Bondy
Michèle Codin
Montcuq
Olivier Grall
Nandy
Olivier Franc
Paris
La Baguetterie, Philippe Lalite
Philippe Baudoin
Centre d’information du jazz (Centro de
informação de jazz), Pascal Anquetil
Cinémathèque française (Cinemateca francesa), Serge Toubiana
Fatras, Eugénie Bachelot
Fondaction Boris-Vian, Ursula Vian-Kübler
Galeria Albert-Benamou, Albert Benamou
Claude Gassian
Jazz Magazine, Franck Bergerot
Paris Jazz Corner, Arnaud Boubet
Jean-Luc Katchoura
Shaun de Koenigswarter
Roger Lajus
Jeanne de Mirbeck
Superfly Records, Manu Boubli
REINO UNIDO
Londres
Anton Corbijn Limited, Anton Corbijn
Dr. Emily Mayhew
JAPÃO
Kohshin Satoh
Kiyoshi Koyama
AGRADECIMENTOS
Nós somos gratos aos fotógrafos por seu
envolvimento neste projeto e agradecemos em especial a Anton Corbijn, Annie
Delory, Marcel Fleiss, Lee Friedlander,
Claude Gassian, Don Hunstein, Teppei
Inokuchi, Didier Ferry, Marvin Koner,
Fred Lombardi, Guy Le Querrec, Annie
Leibovitz, Jean-Pierre Leloir (in memoriam), Herman Leonard (in memoriam),
Kirsten Malone, Mark Patiky, Irving Penn
(in memoriam), João Guilherme Ripper,
Willy Ronis (in memoriam), Christian
Rose, André Sas, Susumu Shirai, Chuck
Stewart, Dennis Stock (in memoriam),
Shigeru Ushiyama, Bob Willoughby (in
memoriam), Baron Wolman.
Todos aqueles que colaboraram com este
projeto, encontrem aqui a expressão de
nossa sincera gratidão e, especialmente
Airflow Productions, Tatiana Reyes,
Anton Corbijn Limited: Monica Axelsson,
Stijn Claassen
Laurent Bataille
Bibliothèque Nationale de France: Françoise
Simeray, Anne Legrand
Carnegie Museum of Art, Laurel Mitchell
Cinémathèque Française: Jacques Ayrolles,
Isabelle Regelsperger
Contact Press Images: Jesse Blatt
Chip Cronkite, Michael Cuscuna
Olana DiGirolamo
ESPN Classic: Virginie Bernon, Alex Lowe,
Damion Potter
Festival international de jazz de Montreal:
André Ménard, Julie Martel
Fine Art Shipping : Betsy Dorfman
Fondaction Boris-Vian: Nicole Bertolt,
Bonnie Foster
Honda Motor Europe: Richard Mathiau
Institut National de l’Audiovisuel (França):
Emmanuel Hogg, Pascal Rozat, Sylvie
Richard, Bernadette Gazzola-Dirrix
Katia e Vianney Frain
Ngoc Suong Gras, Bibi Green, Teppei
Inokuchi, Tony Johnson, Emma Lavigne
Médiathèque de Villefranche-deRouergue: Daniel Alogues, Patrick Brugel,
Nederlands Fotomuseum: Carolien Provaas
The New York Public Library for the
Performing Arts: Stephan Saks, Deborah
Straussman, Dale Parent
Projectiles: Réza Azar, Hervé Bouttet,
Clémence Dupuis Delamarzelle, Daniel
Meszaros, Michael Randolph
Rhino Entertainment Company:
Kristopher E. Ahrend, Kristina Groennings,
Kristan Crossley
Rogers & Cowan: Karen Sundell, Norman
Saks, Susan Scofield
Shukat Arrow Hafer Weber & Herbsman:
Peter Shukat, Vernon L. Smith II
Sony Music Entertainment (Estados
Unidos): Lyn Koppe, Glenn Korman,
Elizabeth Miller, Zak Profera, Jeffrey
Schulberg, Charlie Stanford, Che Williams
Carolyn Strachan
Nancy Taylor, Blair McCoy, Frank West
WEA Studio Services/Archives: Steve Lang
Western Historical Manuscript Collection
Universidade do Missouri: Nancy McIlvaney,
Devik Wiener, Christopher Willoughby
Vincent Bessières agradece, além de
todas as pessoas mencionadas acima,
a Reza Ackbaraly, Vincent Anglade,
Bob Belden, Nicolas Brémaud, Paul
Buckmaster, Ron Carter, Laurent Coq,
Christophe Dal Sasso, Michel Delorme,
Jonathan Duclos-Arkilovitch, Alex Dutilh,
Bill Evans, Éric Garault, Jean-Noël Ginibre,
Frédéric Goaty, François Lacharme,
Grégory Lagrange, Olivier Linden,
Florence Masson, Takafumi Mimori, Nell
Muldery, Chihiro Nakayama, Martine
Palmé, Ronan Palud, Marc Pannell,
Pierrick Pedron, Thierry Pérémarti, Alicia
Perez, Isabelle Rodier, Daniel Soutif, Alain
Tercinet, Bertrand Uberall, Doug Weiss...
e a todos aqueles, de uma forma ou de
outra participaram deste projeto.
Agradecimentos especiais
American Airlines - Brasil
Consulado Geral da França no Rio de
Janeiro
Consulado Geral dos Estados Unidos no
Rio de Janeiro
Institut Français
Miles Davis Properties LLC
e Sony Music Estados Unidos e Brasil.
Foto: Jean-Pierre Leloir.
sumário
PÁGINA 36/1948-1955
PÁGINA 10/1926-1948
de saint
miles
out
PÁGINA 66 /1955-1959
ahead
of
the
louis em estÚdio
cooL
EM BusCA
pAra
invenção
a rua 52
de bird
PÁGINA 9 / PREFÁCIO
Laurent Bayle / éric de Visscher
VINCENT BESSIÈRES
PÁGINA 214 / Posfácio
Vincent Bessières
PÁGINA 216 / ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
PÁGINA 219 / LISTA DAS OBRAS EXPOSTAS
PÁGINA 223 / BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
e ódio a si mesmo
a columbia
PÁGINA 156 /1971-1979
PÁGINA 180 /1980-1991
ON
THE
star
miles miles
PÁGINA 104 /1960-1967 PÁGINA 134/1968-1971
CORNER
people
elétrico
smiles A DISTORção A pulsação do o ÍcOne
a liberdade
contrOlada
do rock
FUNK planEtário
8
queremos
miles
A frase de Miles Davis “Uma pintura é música que se pode ver e música é uma
pintura que se pode ouvir” parece ideal para inspirar o nome da exposição que
o Ministério da Cultura e o Banco do Brasil apresentam, Queremos Miles, numa
referência ao lendário disco, We Want Miles, de 1982.
Reunindo filmes, documentários, instrumentos, partituras, objetos pessoais
e obras de arte, a mostra é tributo artístico para um dos mais importantes
músicos do século XX.
Com curadoria de Vincent Bessières, a exposição convida o público a desvendar a história do imenso talento dessa legendária figura que ainda hoje
desperta admiração apaixonada, e cuja influência ultrapassou os limites do
jazz por suas reflexões sobre questões raciais, políticas e de comportamento
social.
Ao homenagear esse artista prolífero e genial no momento em que se completam 20 anos do seu falecimento, o Centro Cultural Banco do Brasil procura
estimular a reflexão e a valorização da criação artística, oferecendo ao público
a oportunidade de contato com a vida e obra de um dos mais importantes
nomes do jazz.
Centro Cultural Banco do Brasil
We want miles
Laurent Bayle / Diretor geral da Cité de la musique
Éric de Visscher / Diretor do Musée de la musique
Depois de um período de silêncio de quase cinco anos, Miles Davis tocou novamente, a
partir de 1980, em estúdio e no palco. We Want Miles (Queremos Miles), dito como uma
afirmação, foi o título incisivo de um dos primeiros discos que assinalaram seu retorno.
Quem é esse “nós”? Como explicar que a simples evocação de um nome baste para indicar
a potência incontornável de um artista? A lembrança de sua trajetória permite compreender a solidariedade e o respeito impostos por uma figura desse calibre, reconhecido
por ter impulsionado um gênero musical ainda jovem a nível mundial: Miles estreou nas
big bands de Saint Louis, a cidade de sua infância, se apaixonou pelo bebop, iniciou o
movimento cool, pesquisou uma terceira via entre o swing e o free e, depois, se envolveu
totalmente no jazz elétrico, às vezes tendendo para o soul e o rock.
Seria essa igualmente a explicação para que esse nome tenha se transformado em
lenda? Que músicos do mundo todo, vindos de lugares diferentes, não tenham parado
de entoar We Want Miles, exigindo que ele voltasse ao palco? Um palco que, a partir
de então, ele tomou de assalto, multiplicando os discos, as aparições na televisão, os
projetos publicitários ou cinematográficos, transformando-se em verdadeiro ícone da
mídia. Pois foi então que Miles tomou consciência da lenda, inicialmente a do jazz, que
se tornou uma música do mundo, e depois da sua, a de um artista global que transcende
os estilos, as escolas e os gêneros para se afirmar como músico, criador, líder de um
movimento musical que se tornou símbolo do século XX. Se ele contribuiu para a história
do jazz, na mesma medida que Duke Ellington, Charlie Parker, John Coltrane ou Thelonious
Monk, nenhum outro soube se integrar com tanta audácia e inventividade às inúmeras
evoluções dessa música. Ele até mesmo antecipou as grandes mudanças que levaram
o jazz de uma música de divertimento e dança para uma centrada na escuta e, por isso
mesmo, enfrentou a reprovação por algumas de suas escolhas... por parte dos que desejavam permanecer no imobilismo.
Como aconteceu com Serge Gainsbourg, cujo nome imediatamente se impôs quando a
Cité de la musique começou a planejar uma primeira exposição temporária dedicada à
canção francesa, a figura cultuada de Miles Davis veio imediatamente à mente assim que
o tema do jazz foi definido. Além de um título de disco idêntico (You’re Under Arrest), essas
duas figuras, nascidas no mesmo ano, partilharam a mesma vontade de nunca se fechar
em um estilo, procurando sem cessar vias musicais inovadoras e, às vezes, inesperadas.
Foi o espírito de seu momento que os animou, tanto na relação com sua época quanto
em seu trabalho: Gainsbourg escrevia depressa, Miles criava sua música a cada instante,
levando até os limites a arte da improvisação, sem nunca romper com o público. Como diz
o saxofonista Dave Liebman, em um dos textos deste catálogo: “Quando Miles entrava em
cena, passado e futuro não existiam mais, não havia nada além do momento presente,
a essência da verdadeira improvisação, e aquilo por que nós, músicos de jazz, lutamos
cotidianamente ao tocar”.
É, sem dúvida, esse “mistério do instante” que Miles Davis não deixou de explorar, desenvolvendo igualmente os recursos sonoros do jazz (sua passagem para os instrumentos
elétricos e amplificados é um exemplo disso e, do mesmo modo a colaboração com
Gil Evans) e sua linguagem. Para isso, ele não hesitou em buscar, na colaboração com
músicos novos, a fonte de uma renovação fecunda: de John Coltrane a Herbie Hancock,
a lista de artistas que trabalharam com Miles Davis é extremamente longa e mostra até
que ponto ele se abriu às influências vindas de outros grandes talentos, de sua geração
ou mais jovens.
Quer se trate de Kind of Blue, de Tutu, de Porgy and Bess ou ainda de Bitches Brew,
os grandes discos de Miles Davis testemunham precisamente, sob as formas mais
diversificadas, uma mesma busca da perfeição do momento.
Esse é o itinerário excepcional retraçado nesta obra, contraponto fiel da exposição apresentada no Musée de la musique, sob a forma de um percurso cronológico contado por
Franck Bergerot, e complementado por depoimentos de alguns personagens da época.
Como na exposição, as imagens fotográficas foram objeto de um cuidado particular,
pois é verdade que jazz e fotografia compartilham uma história comum, a da arte do
instante e do contraste, que pode imortalizar os grande heróis e os momentos chaves
de um gênero que, por sua própria essência, é efêmero.
Tanto a exposição quanto o catálogo não teriam acontecido sem o trabalho duro e a
inventividade constante de seu curador e diretor de obra, Vincent Bessières. O projeto
contou com o apoio incondicional do Miles Davis Estate, em especial de Cheryl Davis,
Erin Davis e Vince Wilburn Jr. Os inúmeros emprestadores, fotógrafos e instituições que
colaboraram para tornar esta exposição não apenas possível, mas única em seu gênero.
AS MIL FACES DE miles
Vincent Bessières / curador da exposição
O jazz é rico de personagens excêntricos, de heróis ridículos, de destinos trágicos,
de existências fulgurantes e de criadores famosos. Mas dentre todas essas figuras, Miles Davis continua a ser a mais fascinante e a mais misteriosa. A exposição
Queremos Miles não pretende decifrar o artista que marcou o século com sua
pegada; ela tenta apenas desenhar seus contornos, decompor as metamorfoses,
seguir suas evoluções. Como a obra de Picasso, a quem é frequentemente comparado, a música de Miles tem períodos. Na velocidade do século: ele fez uma revolução a cada cinco anos. Perdeu seu público, ganhou um novo, perdeu novamente,
conquistou um outro. Miles mudava. E é preciso seguí-lo. Miles provocava o desejo
e a frustração. Ele não estava onde era esperado. Ele não tocava jamais amanhã
o que tocara ontem. E entretanto, era sempre Miles. Sua sonoridade mudava, o
ambiente de seus grupos era desordenado, ele desfazia os padrões, a eletricidade
o energizava, mas alguma coisa persistia, o que o tornava identificável depois de
apenas algumas notas.
É esse o fio que segue a exposição em busca desse homem múltiplo e indefinido. Miles,
o menino altivo; Miles, o provinciano que sonhava com Bird; Miles, o dândi cool; Miles,
o boxeador; Miles, o arrogante; Miles, o drogado decadente; Miles, que deu as costas
ao público; Miles e a cor de seu blues; Miles, Porgy; Miles, Bess; Miles, magnífico na
saeta; Miles, que sorriu por fim; Miles, que questionou o jazz; Miles, polivalente; Miles,
o roqueiro; Miles, o espetáculo; Miles e suas mulheres; Miles, que foi conquistado por
Hendrix; Miles, on the corner; Miles, que desapareceu; Miles, que reapareceu; Miles, o
astro que exigia tratamento de príncipe; Miles, assombrado por seus fantasmas; Miles,
que não se repetia nunca; Miles, que tem o blues; Miles, que desprezava os ignorantes;
Miles, o macho, o herói, o agitador; Miles e seus nervos à flor da pele; Miles, agredido
pela polícia; Miles, que se mostrava sem pudor; Miles e seus trompetes coloridos;
Miles e seu rosto de esfinge; Miles hip; Miles bop... Miles, Miles, Miles — vocês pediram
Queremos Miles? Mas qual deles?
Como separar o homem de sua música? Como compreender sua obra sem associá-la
a sua vida? Ela sobreviveu a ele, certamente, mas nessa música oral que é o jazz,
uma arte íntima que dialoga com o mundo, Miles a encarnou tanto quanto a tocou.
A menos que, de fato, a obra o tenha habitado. Vejamos sua silhueta em cena, seu
corpo que se curvava, seu trompete que se elevava. O que Miles tocava que não
tivesse experimentado? Exceto o boxe, mais nada lhe interessava. Miles olhava o
jazz e nunca deixou de desafiá-lo.
Abrindo caminhos, absorvendo modos, ultrapassando estilos, ele o recolocou em
jogo, escapando aos estereótipos, às fórmulas prontas, e às receitas fáceis. Não lhe
foram perdoadas as falhas de conduta por ter com tanta frequência visado a excelência e a novidade. Quem não é fã de Miles Davis? Quem não encontra, em uma obra tão
vasta, tão variada, algo que agrade a seu ouvido? Cada um tem um disco predileto,
até Barack Obama, cuja ascensão à frente dos Estados Unidos fez ressoar de modo
simbólico uma história que Miles Davis relatou em sua autobiografia a respeito de um
jantar na Casa Branca, para o qual foi convidado em 1987 pelo presidente Reagan. A
uma senhora idosa que lhe perguntou o que ele havia feito de tão relevante para ser
recebido nos importantes salões de Washington, Miles respondeu: “Mudei o curso
da música por cinco ou seis vezes”. Isso bem vale uma exposição, isso bem merece
este livro que o grava na memória. Queremos Miles e nunca será suficiente.
Vista da Rua 52, Nova York, 1947
Foto: William P. Gottlieb
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de saint
louis
À rua 52
EM BusCA
de bird
1926-1948
"O que eu sei, é que no ano após meu nascimento, um furacão violento
devastou Saint Louis. [...] Talvez eu ainda seja animado por seu sopro
potente. É preciso sopro para tocar trompete. Creio no mistério e no
sobrenatural e, se existe algo ao mesmo tempo misterioso e sobrenatural, é um furacão.”
Esse furacão realmente aconteceu em 29 de setembro de 1927. Mas,
mesmo que tivesse sido imaginário, o que importa é a profissão de fé
que dele extraiu Miles. Nessas linhas retiradas do primeiro parágrafo
de sua autobiografia, verificamos esse fascínio pelo oculto que ele
constantemente desafiou até o pavor. Ele não era um homem religioso.
A experiência da igreja foi a base de maior parte das vocações musicais
na comunidade negra americana. No entanto, Miles não reteve dela
muitas coisas, somente a decisão que tomou ainda criança de não
frequentá-la, cansado de ser chamado de pecador. Quando relembrava
sua experiência com as músicas negras do sul nas temporadas que
passou na casa do avô no Arkansas, ele se recordava menos da igreja
em si, onde ouvia cantarem os spirituals, que do caminho que tomava
para ir até lá no sábado à noite, na hora dos fantasmas e das corujas.
Foi aí que ele descobriu o blues.
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Filho de um cirurgião-dentista (foto
n°5, em roupa de formatura), Miles
Davis III (n°6) cresceu em uma família
relativamente abastada na cidade de
East Saint Louis, em Illinois.
Caçula de três filhos, ele era muito
apegado a sua irmã mais velha
Dorothy Mae (n°4 à direita, Pâques
1939) e a seu irmão Vernon (n°1,
segundo a partir da esquerda).
As relações com sua mãe, Cleota,
chamada “Mama-Cleo”, foram mais
conflituosas (n°3, à direita).
Um ano depois do nascimento do
músico, um furacão devastou a cidade
e esse acontecimento deixou marcas
em seu imaginário (n°2).
M
ILES DE PAI PARA FILHO. O
Natal era importante para
Miles, mas menos pela
festa religiosa do que pela
familiar. Miles era muito
ligado à família. Um de seus
primeiros luxos, assim que
assinou um contrato com
a Columbia em 1955, foi
sempre estar em Chicago
no final de dezembro, para
passar o Natal na casa
da irmã. No topo da pirâmide familiar, estava Miles
Dewey Davis I, o avô, nascido seis anos depois da
libertação dos escravos.
Desde o tempo da escravidão, os Davis haviam sido
músicos a serviço de proprietários brancos. Miles
I proibiu que seus filhos
tocassem música para evitar que frequentassem bordéis, único lugar
possível para um músico negro trabalhar nos Estados Unidos branco.
Nascido no estado da Geórgia, Miles I casou-se no Arkansas com Mary
Frances e, depois, em segundas núpcias, com Ivy, a avó de Miles III,
o futuro trompetista. Miles I se instalou nas cercanias de Pine Bluff,
ao sul de Little Rock, no Arkansas, onde adquiriu uma propriedade.
Ele foi guarda-livros para os fazendeiros brancos das imediações que
acabaram por expulsá-lo de sua propriedade, por verem com maus
olhos a ascensão desse negro recém-chegado ou por temerem suas
indiscrições quanto aos conluios de que viesse a ter conhecimento.
Reinstalado em Noble Lake, ao sudeste de Pine Bluff, ele cultivou cana
de açúcar, melancia, milho e se especializou em piscicultura. Teve três
filhas e seis filhos, mas só temos conhecimento de Frank, Ferdinand
e Miles II. O primeiro foi seu guarda-costas. Ferdinand estudou em
Harvard e, depois, em Berlim. Mais tarde, foi redator-chefe de Color
Magazine e impressionou seu sobrinho Miles III com suas histórias de
dândi, sempre às voltas com viagens e conquistas femininas. Miles
II, nascido em 1900, tornou-se dentista depois de um desempenho
brilhante na escola de odontologia da Universidade Northwestern.
Casou-se com Cleota H. Henry, filha única de Leon e Hattie Henry, nascida em 1901. Miles II abriu um consultório odontológico em Alton, no
Illinois e, em 1942, a esposa lhe deu uma filha, Dorothy Mae. Miles III
nasceu em 26 de maio de 1926. Um ano depois, o doutor Davis mudou-se para East Saint Louis, onde nasceu Vernon em 1929. Os Davis estavam bem instalados na esquina da Rua 17 com a Avenida Kansas, em
uma confortável casa branca com 13 cômodos e telhados vermelhos,
um amplo jardim e uma garagem para o Lincoln Zephyr do doutor Davis.
Depois de um início difícil e apesar da crise que se abateu sobre os
Estados Unidos, a família Davis foi adotada pela elite negra de East
Saint Louis, que passou a frequentar, especialmente o Charleston Club
e a igreja batista de Saint Paul, mas também o Auditório Kiel de Ópera,
onde ouvia a Orquestra Sinfônica de Saint Louis regida por Vladimir
Golschmann (antigo aluno da Schola Cantorum) e os grandes solistas
da época, como Rachmaninov e Horowitz.
A senhora Davis era uma mulher elegante e altiva. Miles a associava
àquela parte da sociedade negra que aspirava à integração racial através dos posicionamentos da National Association for the Advancement
of Colored People (NAACP – Associação nacional para o progresso das
pessoas de cor) e da National Urban League (Liga urbana nacional).
Por outro lado, ele associava as ideias de seu pai ao separatismo de
Marcus Garvey, que defendia o retorno dos negros americanos à África.
Miles II, que tinha tino para os negócios, demonstrava um desprezo
14
1
soberano diante da pobreza, para a qual não aceitava nenhuma desculpa. Ele se impunha por seu orgulho racial e sua desenvoltura social,
tanto nos meios políticos quanto no jogo, em que perdeu somas consideráveis, ou ainda nos campos de golfe onde o futuro trompetista
às vezes o acompanhava como caddy. O casal tinha discussões que
desembocavam em brigas, por diversas vezes, violentas. As discordâncias referiam-se especialmente em relação ao futuro dos filhos; o
pai respeitava as escolhas deles desde que fossem bem-sucedidos,
enquanto a mãe não imaginava outra opção para eles além de serem
brilhantes nos estudos, seguindo o exemplo do pai. Após o divórcio
do casal, em 1944, Miles II instalou-se em uma propriedade colonial
que adquiriu nas imediações de Millstadt, a 12 quilômetros ao sul de
East Saint Louis, e que batizou com o nome de sua mãe, “Mary Frances
Manor”. Ali ele criou porcos, vacas e cavalos. Envolvido na vida política
local, disputou em vão o cargo de deputado.
O destino do jovem Miles, que montava seu próprio cavalo na fazenda
do avô e também na de seu pai, foi bastante singular no mundo do
jazz, com forte componente popular. No entanto, aos 13 anos, ele
vendia o Chicago Defender. A escolha do primeiro jornal negro americano não foi um acaso e demonstra o orgulho racial que ele herdou do
pai. Miles disse também ter em comum com o pai o espírito de independência que o incitou a ganhar o próprio dinheiro, mas veremos
que, em diversas épocas de sua vida, ele dependeu financeiramente
do pai. Miles era franzino e, por isso, recebeu o apelido de Little Davis
(pequeno Davis) ou Little Doc Davis (pequeno doutor Davis). Ele se
afirmou jogando beisebol e se interessava pelo boxe, embora não
o praticasse. Rejeitou o excesso de afeto da mãe, que considerava
responsável pela homossexualidade de seu irmão Vernon. Ele era
tímido, um traço de personalidade que o perseguiu por toda a vida
e do qual ele se protegeu com uma fachada de arrogância. Escolheu
trompete, porque foi inicialmente atraído pela atitude dos trompetistas. Provavelmente, ele percebeu a energia que o instrumento exige
e que absorveu em sua própria postura no palco.
queremos miles
O
SAINT LOUIS SOUND. A senhora Davis teria preferido
que ele optasse pelo violino, o instrumento que ela
tocava. Ela também praticava piano e Miles a surpreendia tocando blues às tardes. Foi ela quem levou
o jazz para casa com dois discos: um de Art Tatum
e outro de Duke Ellington. Porém, mais tarde, ela se
mostrou totalmente indiferente à música de seu
filho. Para Miles, o violino era uma causa perdida.
Saint Louis era uma cidade de trompetes. A cidade
constituía uma parada obrigatória na rota dos barcos
a vapor que cruzavam o Mississipi, ao longo do qual
tocadores de corneta e trompetistas de Nova Orleans
difundiam a palavra divina. Em Saint Louis, desenvolveu-se uma verdadeira escola de trompete ao redor de personalidades como Charles
Creath (1896-1951) e Dewey Jackson (1900-1963). Podemos citar
George Hudson, Walter “Crack” Stanley, R.Q. Dickerson, Irving “Mouse”
Randolph, Bobby Merrill, Sleepy Tomlin, Joe Thomas, Louis Metcalf, Ed
Allen, Bob Schoffner, Levi Madison, Elwood Buchanan, Harold “Shorty”
Baker, Clark Terry e, mais tarde, Lester Bowie. O trompetista inglês Ian
Carr descreveu assim o som de Saint Louis: “Um som redondo, com uma
bela claridade, que faz cantar o metal, projetado e que flutua no ar, com
um senso melódico cheio de espírito, de caráter mordaz e picante”.
Outras pessoas descreveram esse estilo como diferente do adotado
por Louis Armstrong, o pai do trompete no jazz, como algo de mais
sutil, de mais delicado, que poderia ser exemplificado pelo trompetista
Harold “Shorty” Baker, de Saint Louis (participante das orquestras de
Andy Kirk e de Duke Ellington). À esposa deste último, a pianista Mary
Lou Williams, Miles confidenciou certo dia: “Se ao menos eu pudesse
tocar tão suavemente quanto Harold Baker!” Ele se lembrava com
emoção de Levi Madison, a respeito de quem Clark Terry disse que
quando tocava tinha-se a impressão de ouvir cantar os anjos, mas a
quem a loucura privou de toda fama. Quando Miles tomou consciência
dessa especialidade local? A cronologia de seu aprendizado é confusa.
2
A cidade de Saint Louis foi o berço de
um linhagem de trompetistas admiráveis por sua sonoridade: Charlie
Creath (foto n° 1, por volta de 1922)
e Dewey Jackson (n° 2, no Salão de
baile Castle de Saint Louis, em 1937),
3
foram seus fundadores; Walter “Crack”
Stanley, fotografado com os Singing
Syncopators de Floyd Campell (n° 3,
terceiro a partir da direita, 1929), foi
um de seus primeiros descendentes.
1
16
2
Parece que sua vocação surgiu ao redor dos 9 anos, quando um vizinho
médico, John Eubanks, amigo de seu pai, deu uma corneta a Miles. O
menino estudou com o tio de Eubanks, o saxofonista e clarinetista
Horace Eubanks. Com esse professor, que o fazia tocar notas presas,
e com a ajuda de um método emprestado que lhe possibilitou estudar
a escala cromática, ele aprendeu o bastante para tocar os sopros da
época. Ele tinha 12 anos quando recebeu a incumbência de tocar o surgimento e a extinção das fogueiras em um acampamento de escoteiros
durante o verão. Na época, ele escutava as transmissões de jazz até
tarde da noite. E, todas as manhãs, saía de casa atrasado para a escola
a fim de ouvir a transmissão de Harlem Rhythm. Seu interesse voltava-se em primeiro lugar para o trompetista branco Harry James, imitador
brilhante de Louis Armstrong, de inclinação comercial e, para todos
os efeitos, às vezes, exagerado. Mas essa orientação foi contrariada
pelos cursos que recebeu — na escola elementar e, depois, no liceu —
de um cliente e amigo de seu pai, Elwood Buchanan. Este aconselhou
a compra de um trompete em vez da corneta. Esse foi o presente do
doutor Davis a seu filho no seu aniversário de 13 anos.
Elwood Buchanan pertenceu à escola de Saint Louis e fez carreira nos
barcos a vapor. Os modelos que ele recomendava a seus alunos eram
"Shorty" Baker, que ele conheceu na orquestra de Andy Kirk, e o trompetista branco Bobby Hackett, discípulo de Bix Beiderbecke, uma escola
de delicadeza que contrastava com a potência e o brilho da maioria
dos trompetistas da época. Por outro lado, ao incentivar Miles Davis a
abandonar seu vibrato à la Harry James, Buchanan antecipou uma tendência do jazz moderno que consiste em moderar o vibrato, a velá-lo,
até mesmo a suprimí-lo, para manter apenas uma leve ornamentação
ao final da emissão. Miles estudou também com o primeiro trompetista da Orquestra Sinfônica de Saint Louis, Joseph Gustat, “o guru do
trompete do Meio-Oeste”. As pessoas vinham de longe para consultá-lo
(Bix Beiderbecke visitou-o em 1926, sendo seguido por personalidades
como Dizzy Gillespie ou Buddy Childers, primeiro trompete de Stan
queremos miles
Kenton). Inúmeros trompetistas locais foram orientados por ele, de
Levi Madison a Clark Terry, passando por Harold Baker. Todos usavam
a embocadura que ele indicava e que foi criada para o fabricante Frank
Holton por Gustav Heim, um dos predecessores de Gustat à frente da
seção de trompetes da Sinfônica de Saint Louis em 1904 e 1905. Ela
se caracteriza por um metal muito fino com pouca massa, um bocal
de profundidade média, mas em forma de V (e não de C, como de costume) e um pequeno diâmetro do orifício pelo qual o sopro sai do bocal.
Segundo Clark Terry, essa embocadura contribuiu para caracterizar
o estilo de Saint Louis e, em especial, o de Miles Davis. De qualquer
modo, ela favorece a plenitude do som em detrimento da facilidade de
emissão no agudo. Miles, que a trazia constantemente consigo, mesmo
quando estava sem o trompete, procurou durante toda a sua vida obter
cópias da embocadura Heim. De fato, se ela causou as dificuldades que
ele tinha no registro agudo no início de sua carreira, Miles também deve
àquela sonoridade sedosa e cantante que fez tanto sucesso.
P
RIMEIROS PASSOS. Miles economizava para comprar os discos usados das jukeboxes. Ele não
desprezava os músicos brancos, cujas grandes
orquestras estavam em voga desde o sucesso
de Benny Goodman no rádio em 1935. Apreciava
Buddy Rich (virtuoso baterista branco, especialista em big bands, em plena ascensão a partir
de 1938), Helen Forrest (cantora branca que
sucedeu a Billie Holiday na grande orquestra de
Artie Shaw em 1938, antes de passar para a de
Benny Goodman). Evidentemente, ele também
escutava a música negra: Louis Armstrong, sempre obrigatório, ou o maestro Erskine Hawkins,
com quem aprendeu o solo de trompete com a
gravação de 1939 “Tuxedo Junction”. Logo, seu
17
3
Harold “Shorty” Baker (foto n°1 em pé
à extrema direita, em 1932) com os
Crackerjacks do pianista Eddie Johnson,
Levi Madison (n°2, na segunda fileira,
terceiro a partir da esquerda, em 1936),
com os Original Saint Louis Crackerjacks
e o maestro George Hudson (n°3, em pé,
ao centro, de terno escuro, por volta de
1945), foram alguns dos mais notáveis
nomes da escola de trompete de Saint
Louis. Clark Terry (n°3, agachado,
terceiro a partir da esquerda) foi um dos
últimos representantes e mentor de
Miles Davis em sua adolescência.
interesse se voltou para os músicos das planícies da região central
do país (Kansas, Oklahoma, Missouri) que anunciavam a revolução
bebop que surgia no horizonte nos anos 1940. O saxofonista Lester
Young era o mais velho deles. Sua descontração, seu sentido de
espaço e sua atenção à melodia foram uma influência determinante
para Miles. O trompetista também se interessou por Charlie Christian,
que revolucionou a guitarra juntamente com Benny Goodman entre
1939 e 1941. Por volta de 1938 e 1939, Miles viu tocar aquele que
levou o contrabaixo de jazz à maturidade, o contrabaixista Jimmy
Blanton, que Duke Ellington não demorou a recrutar quando estava
de passagem por Saint Louis.
No início dos anos 1940, Miles Davis começou a ouvir falar de Charlie
Parker, apelidado de “Bird”, que se tornaria o líder do bebop. Dois
músicos locais foram importantes em seu desenvolvimento. A partir
de 1940, o trompetista Clark Terry o orientou, o acompanhou e o apresentou às jam sessions que faziam sucesso na cidade. Por volta de
1942, Miles começou a frequentar a casa do pianista Emmanuel St.
Claire Brooks, apelidado de “Duke” por seu conhecimento da música
de Ellington. Segundo Miles, ele já tocava como Bud Powell, futuro
astro do bebop, mas outros relatos diziam que tocava também como
Art Tatum e Nat King Cole — o primeiro, precursor do piano bebop; o
segundo, prenúncio dos pianistas que Miles iria privilegiar nos anos
1950. Brooks deu aulas de piano e de harmonia ao trompetista. Com
ele e o baterista Nick Haywood, Miles montou um trio que se inspirou
no de Benny Goodman.
Aos 16 anos, Miles conheceu Irene Cawthon, que se tornou sua
companheira. Ela acreditou no talento dele, sustentou-o, mesmo
reprovando-o por tocar com a boca do instrumento orientada para
o solo, de modo a se ouvir melhor, hábito que ele manteve por toda
a vida. Ela o incentivou a se associar ao sindicato dos músicos e a
trabalhar com os Blue Devils de Eddie Randle, importante orquestra
de Saint Louis que se apresentava no Rhumboogie. Jimmy Forrest,
Jimmy Blanton, Clark Terry e Levi Madison faziam parte dela. Futuro
arranjador com Count Basie, Ernie Wilkins lhes deixou algumas de
suas primeiras partituras e, segundo Miles, um dos saxofonistas,
Clyde Higgins, já tocava como Charlie Parker. De qualquer modo,
foi com a esposa dele, Mabel Higgins, pianista da orquestra, que o
trompetista aprofundou seus conhecimentos de harmonia. Com as
turnês que passavam por Saint Louis, ele tocou com Lester Young
e com os pioneiros do bop: os trompetistas Howard McGhee e Fats
Navarro, o saxofonista Sonny Stitt e até mesmo o próprio Charlie
Parker. A admiração de Miles por este último preocupou Eddie
Randle e fez com que ele aconselhasse Miles a não sacrificar sua
bela sonoridade pela virtuosidade que caracterizava a vanguarda
da época. O chefe dos Blue Devils confiou-lhe a responsabilidade
de organizar os ensaios da orquestra. Aos 16 anos, Miles era diretor
musical de uma das principais orquestras da cidade. Ele ia para o
trabalho ao volante do carro de seu pai, vestido com um dos dez
ternos que comprou nos Brooks Brothers, inspirando-se no estilo
de Fred Astaire e do duque de Windsor. Elegante, mas não necessariamente na moda!
Sonny Stitt tentou, mas a Sra. Davis proibiu Miles de abandonar
os estudos antes de ter obtido um diploma. Ela queria enviá-lo
para a Universidade Fisk, famosa universidade negra de Nashville
que mantinha um departamento musical de excelente reputação e
onde já estudava sua filha Dorothy. Mas Miles só tinha um desejo: ir
para Nova York. Irene, que estudava dança desde os 7 anos, tinha
o sonho de dançar na companhia de Katherine Dunham, líder da
escola coreográfica americana. Ela pressionou Miles para que se
informasse a respeito dos requisitos de inscrição na célebre Escola
Juilliard de Música. O nascimento de Cheryl em junho de 1944 colocou fim aos projetos pessoais da jovem. Dessa vez, foi o doutor
Davis que se recusou a dar ao filho a autorização legal para que ele
se casasse com a jovem, que vinha de família mais humilde.
18
queremos miles
19
Os Blue Devils do trompetista Eddie
Randle (à direita) eram a orquestra do
Rhumboogie, situado no Elks Club em
Saint Louis. Embora fosse o mais jovem
da formação, Miles Davis (na segunda
fileira à direita) tornou-se diretor
musical, encarregado de organizar os
ensaios.
C
HEGA O BOP! No início do verão de 1944, Miles, aos 18
anos, deixou pela primeira vez Saint Louis com uma
orquestra de Nova Orleans, os Six Brown Cats de Adam
Lambert. Ele voltou à cidade em julho, bem a tempo de
presenciar a chegada da big band do cantor e trompetista Billy Eckstine, formada por astros do bebop e
que tinha Dizzy Gillespie como diretor musical, Charlie
Parker, Lucky Thompson, Gene Ammons e Leo Parker na
seção de saxofones, Art Blakey na bateria, assim como
a cantora e pianista Sarah Vaughan. No Club Plantation,
reservado aos brancos, os músicos da orquestra desobedeceram aos códigos raciais e Billy Eckstine foi obrigado a levar seu grupo para o clube negro da cidade, o Riviera. Foi
lá que Dizzy Gillespie reparou em Miles, que assistia aos ensaios
com o estojo de trompete à mão, e propôs que substituísse Buddy
Anderson, que ficara doente. O jovem tocou a parte do trompete, mas
não impressionou. Quando a orquestra partiu para Chicago, Dizzy
Gillespie e Charlie Parker acabaram por convencê-lo de que seu futuro
estava em Nova York. Pois, se os primeiros sinais do bebop surgiram,
em parte, nas grandes cidades do Meio-Oeste americano, era em
Nova York que o novo estilo estava florescendo.
As preocupações que acompanharam o surgimento do bop foram variadas. O contexto social influenciou bastante. A comunidade negra preparava-se para participar de um conflito armado a serviço de uma nação
que pouco reconhecera sua presença como combatentes no front da
Primeira Guerra Mundial. Em 1941, o líder negro Philip A. Randolph
chegou a ameaçar o governo federal com uma marcha a Washington
se os negros fossem afastados da nova fonte de emprego resultante
do setor de armamentos. Em um clima de fortes tensões raciais que
provocaram os tumultos de Detroit e do Harlem em 1943, uma nova
geração negra questionava-se sobre seu destino e sua cultura. Os
Reunindo os melhores do novo estilo,
a orquestra do cantor Billy Eckstine
(abaixo) fez uma parada em Saint Louis
durante o verão de 1944. Programada
inicialmente para o Club Plantation,
a big band teve de passar para um
outro clube, o Riviera, depois de alguns
músicos terem causado uma série de
incidentes destinados a provocar a
direção do clube que, como demonstram
as ilustrações de caráter racista dos
menus, praticava a segregação. Miles
Davis conheceu assim Dizzy Gillespie
e Charlie Parker (ao lado, entre Lucky
Thompson e Billy Eckstine), as duas
figuras principais do bebop, pelos quais
ele conservou uma profunda admiração
da qual encontramos um eco, quatro
décadas depois, no tríptico Horn Players
(1983) do pintor Jean-Michel Basquiat
(página da direita).
22
Ao chegar a Nova York no outono de
1944, Miles Davis manteve contato
com os principais representantes do
bebop, cuja virtuosidade ele admirava,
especialmente trompetistas como
Howard McGhee (ao lado, em 1947).
Foto: William P. Gottlieb
músicos negros deixaram de desempenhar o papel de fornecedores de
entretenimento para os Estados Unidos brancos. Alguns aspiravam a
ser considerados como criadores autênticos e desdenhavam as estantes das grandes orquestras de baile. Eles gostavam de se encontrar
na madrugada, depois de seus compromissos regulares, para experimentar um novo repertório, em que as canções da Broadway eram
substituídas por melodias abstratas. Suas harmonias enriquecidas
por inúmeras tensões e dissonâncias convidavam os improvisadores
a inventar linhas angulosas e quebradas que relançavam permanentemente os acentos polirítmicos da bateria. À virtuosidade harmônica e
rítmica unia-se uma técnica instrumental surpreendente, ilustrando a
rapidez dos andamentos, a extensão dos registros e o choque de sonoridades. Ao sentimentalismo dos padrões da comédia musical, o bop
opunha uma música nervosa, explosiva e sem concessões. Enquanto
em Nova York os Estados Unidos descobriam uma elite artística que
enfim se afastava da Europa, com John Cage, Jackson Pollock e Merce
Cunningham, nos clubes do Harlem e de Manhattan (especialmente
na Rua 52), os boppers ofereciam à comunidade negra sua primeira
avant-garde, pela qual Miles Davis desenvolveu um verdadeiro fascínio.
U
M BURGUÊS EM NOVA YORK. Miles desembarcou em
Nova York no final de setembro de 1944, com a ajuda
do pai que sustentou seus estudos na Escola Juilliard.
Uma de suas primeiras preocupações foi descobrir
onde poderia cavalgar. Podemos entender por que
esse jovem burguês provinciano que desembarcava
na boêmia do bebop novaiorquino foi de encontro muitas vezes à incompreensão do meio. Depois de passar
uma semana no Hotel Claremont, recomendado pela
escola, Miles mudou-se para a Rua 149, para um conjugado encontrado pelo pai, suficientemente grande para que ele
pudesse alugar um piano. Com uma mesada paterna de 40 dólares
por semana, ele tinha meios para se alimentar e se deslocar de táxi.
queremos miles
Charlie Parker logo soube como lucrar com a generosidade desse
privilegiado. Em dezembro, a Sra. Davis aceitou a guarda de Cheryl, e
Miles instalou-se com Irene em um apartamento na Rua 147, alugado
a Bob Bell, um guitarrista de Saint Louis. Ele e sua esposa receberam
o jovem casal, convidando-os ao restaurante que dirigiam, levando-os a passear de carro e aos cursos e oferecendo um emprego de
caixa para Irene. Miles dedicou-lhes “Sippin’ at Bells” de 1947. Parker
dividia um quarto com o baterista Stan Levey no mesmo prédio. Por
gostar da comida de Irene, ele aparecia regularmente no apartamento
de Miles que, no entanto, tentava manter sua companheira afastada
do estilo de vida dos boppers. Após a volta de Irene a Saint Louis no
verão de 1945, Miles passou a morar com Stan Levey, que não compreendia esse jovem pedante e desempregado que usava roupas de
Brooks Brothers e cujos estudos, em uma escola da qual ele nunca
ouvira falar, eram pagos pelo pai.
Miles falou muito mal do ensino na Juilliard. Entretanto, ele obteve
bom aproveitamento nos cursos individuais de William Vacchiano,
trompetista da Filarmônica de Nova York que tinha entre seus alunos Mercer Ellington, filho de Duke, entre 1938 e 1950, e muito
mais tarde, Wynton Marsalis. Em Saint Louis, Miles havia adquirido
o hábito de encomendar partituras e métodos instrumentais ou teóricos. Em Nova York, ele emprestava partituras de Stravinsky, de
Berg e de Prokofiev e, quando ia escutar música clássica, levava a
partitura para seguí-la durante o concerto. Ele também olhava com
desdém a falta de cultura e de curiosidade de seus colegas negros.
Mas ele percebia que a música negra não recebia a consideração
merecida na Juilliard e se mantinha afastado dos alunos brancos.
Progressivamente, suas notas caíram. Ao final do primeiro ano de
estudos, ele deveria se matricular nos cursos de recuperação de
verão, mas disse ter passado os olhos no programa em um único
dia (análises do Requiem de Mozart e da Kleine Kammermusik para
quinteto de metais de Hindemith). No início de 1945, ele foi a Saint
Louis para explicar ao pai por que não retornaria à Juilliard.
23
Durante algum tempo chamada de
Swing Street, a parte oeste da Rua 52
em Manhattan concentrava, em meados dos anos 1940, os principais clubes de jazz fora do Harlem. Divididos
entre tradicionais e modernos, nem
todos estavam dispostos a receber os
boppers, temendo que as asperezas de
sua música espantassem uma clientela que ia até lá, principalmente, para
se divertir, jantar e beber. Onyx, Club
Down Beat, Spotlite e Three Deuces
eram os mais favoráveis à novidade
do bebop. Em seguida, o Royal Roost,
autoproclamado “The Bopera House”
(situado na esquina da Rua 47 e da
Broadway), o explícito Bop City (na
Rua 49) e, a partir de 1949, o Birdland,
cujo nome vem do apelido de Charlie
Parker (na Rua 52), foram os templos
do jazz modernos nos quais Miles
Davis tocava frequentemente.
Miles Davis reintegrou o quinteto que
Charlie Parker (ao centro) formou
em 1947, depois de sair do hospital
psiquiátrico de Camarillo (Califórnia) e
de voltar a Nova York. O pianista Duke
Jordan (de costas), o contrabaixista
Tommy Potter (à esquerda) e o
baterista Max Roach (encoberto)
constituíam a base desse grupo que
tocava no Three Deuces, na Rua 52.
27
C
HARLIE PARKER COMO PADRINHO. Desde
sua chegada a Nova York, Miles percorreu
a cidade, do Harlem à Rua 52. Ele reencontrou Charlie Parker e Dizzy Gillespie e conheceu Coleman Hawkins que acompanhava
Thelonious Monk. Ele simpatizou com seu
vizinho no prédio, o trompetista Freddie
Webster, dez anos mais velho que ele, com
quem reencontrou a sonoridade calorosa e
macia, a frase calma dos trompetistas de
Saint Louis, tudo isso transposto para a linguagem do bop. Miles compartilhou com ele
aquilo que aprendera na Juilliard e Freddie
Webster lhe propôs substituições. A partir
de março de 1945, eles frequentavam constantemente o Three Deuces para ouvir Dizzy
Gillespie e Charlie Parker, anotando as progressões de acordes que ouviam. Às vezes,
Miles, apavorado, juntava-se a seus ídolos
no palco. Seu pouco domínio podia irritar, mas Miles não os deixou
indiferentes e, em 24 de abril 1945, com recomendações de Dizzy
e de Bird, ele participou de sua primeira gravação, ao lado do cantor
Rubberlegs Williams. Ele dissimulou seu nervosismo por trás de uma
surdina, longe do microfone, evitando os solos, e fazendo um obligato
agradavelmente sonhador que anunciava algo que apenas existia em
potencial, ousando com algumas semicolcheias ao estilo de Gillespie,
um pouco deslocadas no contexto com mais saltos e mais evocativo do
blues que prenunciava o rock and roll. Durante essa mesma primavera,
ele participou dos ensaios da big band de Dizzy Gillespie, substituiu
quando necessário Joe Guy com Coleman Hawkins no Down Beat, conseguiu seu primeiro emprego oficial novaiorquino com o saxofonista
Eddie “Lockjaw” Davis no Spotlite. Em outubro, Charlie Parker incluiu-o
em seu quinteto, que se apresentava no Three Deuces, no Spotlite, no
Minton’s Playhouse e que gravou para a Savoy em 26 de novembro de
1945. Em dezembro, um grupo de astros do bebop formado em torno
de Dizzy Gillespie e de Charlie Parker foi para Los Angeles. Viajando para
passar o Natal em família em Saint Louis, Miles aproveitou a passagem
do saxofonista alto Benny Carter para conseguir uma posição em sua
big band que ia para Los Angeles. Chegando à cidade, ele se associou
novamente a Charlie Parker. Com ele, Miles gravou para o selo Dial
faixas que lhe valeram o primeiro lugar como trompetista na votação
“Novo Astro” do jornal Esquire para o ano de 1946. No entanto, Charlie
Parker mergulhou nas drogas, o que o levou ao hospital de Camarillo
de julho de 1946 a fevereiro de 1947. Miles trabalhou então com o
saxofonista tenor Lucky Thompson, participou de algumas primeiras
experiências orquestrais de Charles Mingus e voltou finalmente para
a Costa Leste no final do outono com a big band de Billy Eckstine, para
conhecer Gregory, o filho com Irene que nasceu durante sua ausência.
Depois da dissolução da orquestra de Billy Eckstine, em fevereiro de
1947, Miles Davis participou da big band de Dizzy Gillespie, em que
tocava ao lado de Freddie Webster, Kenny Dorham e Fats Navarro, ou
seja, a nata do trompete do bebop (que logo perderia Webster, uma
das primeiras vítimas da epidemia de drogas que começava a atingir
o mundo do bop). Quando Charlie Parker reapareceu, Miles aceitou
imediatamente sua proposta de montar um quinteto, do qual se tornou
diretor musical. Max Roach foi seu principal aliado diante do pianista
Duke Jordan e do contrabaixista Tommy Potter, a quem eles faziam
algumas ressalvas. Eles conseguiram que Bud Powell tocasse piano
em uma segunda apresentação no Savoy, em 8 de maio de 1947, na
qual Miles apresentou sua primeira composição, creditada por engano
a Charlie Parker: “Donna Lee”. Em 14 de agosto, ele estava de novo em
estúdio e, pela primeira vez, sob seu nome, sempre com Charlie Parker
e Max Roach, mas desta vez com um pianista e um contrabaixista que
havia escolhido: John Lewis e Nelson Boyd. Miles permaneceu até o
28
Entre os “antigos”, o saxofonista
Coleman Hawkins era um dos raros a ver
com bons olhos os jovens do bebop. Ele
foi assim um dos primeiros a contratar
Miles Davis. Aqui no Three Deuces en
1947. Foto: William P. Gottlieb
Em 1947, Miles Davis (ao fundo,
segundo a partir da esquerda) fez parte
brevemente da seção de trompetes da
big band de seu mentor Dizzy Gillespie.
Aqui, no clube Down Beat em Nova York.
Foto: William P. Gottlieb
30
Admitido no círculo do bebop, Miles
Davis frequentava os principais
representantes do estilo. Da esquerda
para a direita: Charlie Parker, Miles
Davis, Allen Eager e Kai Winding, no
Royal Roost, em 1948.
Foto: Herman Leonard
O
fim de 1948 no quinteto de Charlie Parker. Em dezembro, cansado
dos comportamentos extravagantes do saxofonista, Miles Davis, que
acabava de montar um noneto, demitiu-se.
SURGIMENTO DE UM ESTILO Aos que se surpreenderam com a associação Davis-Parker
depois da dupla Gillespie-Parker, a sessão
de gravação em novembro de 1945 para
o Savoy forneceu uma primeira resposta.
Em “Thriving on a Riff” (tema tipicamente
bop que foi rebatizado de “Anthropology”),
era um discípulo de Dizzy, ainda inseguro,
que se abrigava atrás de Charlie Parker na
exposição ao usar uma surdina. Ele articulava de modo um pouco inseguro, andava
em círculos e multiplicava as repetições,
com dificuldade para organizar suas frases. Havia algo de dogmático no jovem
bopper que, na época, mantinha “os dedos
presos nas posições correspondentes às
quintas diminutas”, essas dissonâncias
de que tanto gostavam os boppers. Ainda
mais, o efeito da embocadura Heim era
perceptível e impedia que Miles obtivesse
qualquer brilho no registro agudo. Ele não
se aventurava além disso sem correr riscos
extremos. Limitação técnica ou sinal de personalidade musical? “Por que não consigo
tocar tão alto quanto você?” perguntou Miles a Dizzy. Esse último lhe
teria respondido: “Porque você não ouve tão alto. Você ouve no registro
médio”. Os solos de Miles Davis nos andamentos moderados dos blues
“Billie’s Bounce” e “Now’s the Time” trazem um outro esclarecimento.
Entre 1945 e 1948, Miles Davis participou
de diversas sessões de gravação com
Charlie Parker para os selos Dial e Savoy
que, a partir desse material, lançaram
inúmeros discos em 78 rotações, que se
transformaram em itens de coleção e, para
o pintor Jean-Michel Basquiat, em objetos
de fascínio. Ao lado, Bird of Paradise, 1984
34
Fats Navarro, Miles Davis e Kai Winding
(no Clique Club, futuro Birdland), em
janeiro de 1949. Desde o fim dos anos
40, Miles Davis propôs uma alternativa
reconhecida ao trompete do bebop como
o haviam personificado Dizzy Gillespie
ou Fats Navarro.
O crítico da Down Beat via na falta de bom gosto e nos erros de harmonia do trompetista o resultado de um fascínio exagerado da nova geração pelas acrobacias técnicas de Gillespie. Por outro lado, Boris Vian
escreveu em maio de 1949, em Jazz News: “Um dos maiores momentos do bop, em minha opinião, é o coro de Miles Davis em "Now’s the
Time”. Se o dogmatismo evocado acima ainda era evidente, os chorus
sobre os blues parecem fruto de um trabalho intenso de planejamento
de onde resultam a extraordinária construção rítmica no registro 4 de
“Now’s the Time” e da clareza de ideias no registro 3 de “Billie’s Bounce”.
Percebemos através desses diferentes ensaios uma personalidade
ambiciosa, levemente altiva, resolvida a fugir ao comum, não por uma
exibição que seus meios técnicos não permitiam, mas pelo esforço
que se impunha por meio de escolhas difíceis: de notas, de colocação
e também da embocadura Heim.
O repertório escolhido por Miles para sua primeira sessão como líder
mostra até que ponto as preocupações harmônicas dos boppers
ainda estão muito focadas para ele no aspecto dogmático, em uma
música carregada de cromatismos, mas cuja expressão contida contrasta com a agressividade do bebop. De novembro de 1946 até o
final do ano de 1948, as gravações sucessivas confirmam a dupla
evolução de Miles Davis, que domina em ritmo cada vez mais rápido
o idioma bebop (como “Bird Gets the Worm” de 21 de dezembro de
1947 e “Constellation” de 18 de setembro de 1948), mas com uma
sonoridade e uma delicadeza nas construções melódicas e rítmicas evidenciadas pelos andamentos moderados e lentos que já
prenunciam o cool jazz (também em “All the Things You Are” e em
“Embraceable You” de 28 de outubro de 1947, ou ainda em “Bluebird”
de 21 de dezembro de 1947). Enquanto, no estúdio, as repetições
entre uma tomada e outra denunciam uma premeditação meticulosa de cada solo, os shows transmitidos em dezembro de 1948 do
Royal Roost revelam uma interação incessante entre Max Roach e o
trompetista. A partir daí, o interlocutor privilegiado de Miles nas suas
orquestras passou a ser o baterista.
queremos miles
35
out
of the
37
cool
INVENÇÃO
E ÓDIO A SI MESMO
1948-1955
Ao final de 1947, Miles conheceu um canadense, 14 anos mais velho,
que lhe pediu autorização para fazer um arranjo de “Donna Lee”. Gil
Evans era um autodidata que aprendeu a escrever para orquestras
ouvindo os discos 78 rotações das grandes orquestras dos anos 30 e
40. Ele fazia arranjos para a orquestra de Claude Thornhill, um músico
branco com concepções muito estranhas para a época, que bania o
vibrato e o brilho do registro agudo em prol de arranjos orquestrais abafados nos quais a flauta, a trompa e a tuba se uniam às seções habituais da big band (trompetes, trombones e saxofones). Miles concordou
com o pedido de Gil Evans em troca da possibilidade de consultar suas
partituras. E logo, o jovem trompetista começou a frequentar o quarto
de Gil Evans, um subsolo que continha uma cama, uma escrivaninha,
um piano e um fonógrafo em torno do qual reuniam-se dia e noite para
escutar discos de Charlie Parker e de Lester Young, mas também de
Igor Stravinsky, de Paul Hindemith, de Maurice Ravel ou de Alban Berg.
Ao encontrar lá alguns boppers, como Max Roach, Charlie Parker e John
Lewis, Miles aproveitou também para reconciliar seu interesse pela
música clássica com sua adesão à vanguarda do jazz em companhia
de arranjadores como George Russell. Com o saxofonista barítono Gerry
Mulligan, um dos mais assíduos, Gil Evans acalentava o plano de mon-
38
Apesar de algumas apresentações
no Royal Roost, onde a formação
estreou em setembro de 1948, o
noneto de Birth of the Cool só existia
no estúdio para o selo Capitol. Ao lado,
apresentação de 21 de janeiro de
1949. Foto: Popsie Randolph.
tar uma orquestra experimental a fim de concretizar as ideias que
surgiam em seus encontros. Foi Miles Davis quem tomou a iniciativa
e organizou os ensaios em torno das partituras de Gil Evans, Gerry
Mulligan, Johnny Carisi e John Lewis.
N
ASCIMENTO DO COOl. As nove estan-
tes rompiam com a lógica das grandes
orquestras do swing. As seções de trompetes, trombones e saxofones foram substituídas por vozes individuais, distribuídas
entre os instrumentos e privilegiando
o conjunto dos registros médio e grave
(trompa, trombone, sax barítono e tuba).
Quanto ao saxofone alto, Charlie Parker
recusou a proposta e Gerry Mulligan convenceu Miles Davis a não substituí-lo por
seu vizinho estético mais próximo, Sonny
Stitt, que poderia comprometer o projeto
de sair dos caminhos batidos do bebop.
Foi finalmente o saxofonista branco Lee
Konitz, que tocava na Claude Thornhill
Orchestra, que assumiu a posição de sax
alto, trazendo uma sonoridade abafada e
uma articulação descontraída que contrastava com o nervosismo e a rugosidade do
bebop. Quanto a Miles, ele encontrou nesse contexto o ambiente ideal
para desabrochar a herança de Saint Louis da qual ele havia começado
a se apropriar através da linguagem do bop. E foi também ele quem
obteve para a formação um contrato de duas semanas no Royal Roost
reaberto recentemente na Broadway. Sob o nome de Miles Davis Nonet,
o cartaz à entrada do clube anunciava: “Arranjos de Gerry Mulligan,
QUEREMOS MILES
Gil Evans e John Lewis”. Foi uma revolução: na época, não era hábito
anunciar os arranjadores. Mas a música do noneto escapava a todos
os critérios de entretenimento e o público, acostumado a um jazz mais
dançante, mostrou-se perplexo, mesmo que Miles Davis, ao desacelerar o andamento desenfreado do bop, esperasse tornar as concepções
da vanguarda mais compreensíveis. Alguns músicos negros acusaram
o trompetista de trair a música negra. Count Basie, que aparece no
mesmo cartaz, declarou a esse respeito: “Embora estranhas, algumas
coisas lentas soam bem. Eu não compreendia o que eles faziam, mas
ouvi e gostei”. Inúmeros músicos foram escutar a orquestra, inclusive
o arranjador Pete Rugolo que trabalhava na época para uma nova gravadora aberta em Hollywood. Em 5 de janeiro de 1949, Miles Davis
assinou com a Capitol Records e o noneto logo entrou no estúdio para
a primeira de três sessões.
Além de suas cores orquestrais, sua expressividade em nuances,
assim como o refinamento de suas harmonias e de seus contrapontos, cuja singularidade culmina em “Moondreams”, de Gil
Evans, com um andamento quase suspenso, o repertório é assinalado pelas audácias estruturais de alguns arranjos que rompiam
completamente com os hábitos da época: “Jeru”, de Gerry Mulligan,
com passagens breves em compasso ternário; “Boplicity”, com
os efeitos de extensão que desviam o ouvinte depois do solo do
barítono; “Deception”, com extensões semelhantes acentuadas
pelas suspensões do movimento harmônico que prenuncia o jazz
modal que Miles Davis iria adotar ao final da década seguinte.
Quanto ao próprio trompetista, longe das urgências do bop, mas
com um alto nível de exigência em relação às preocupações harmônicas do novo jazz, ele se exprimia com um misto de desapego
e interioridade, de descontração e intensidade, de naturalidade e
de angularidade melódica, por meio do qual se esboça uma personalidade já muito singular.
Concebido como um laboratório de
compositores, o noneto tinha em seu
repertório apenas um arranjo de Miles
Davis, uma adaptação de “Conception”
de George Shearing (ao lado), que foi
gravada sob o título de “Deception”
e creditada ao único trompetista.
Inicialmente publicadas sob o título
de Classics in Jazz pela Capitol,
essas gravações foram consideradas
como a “origem do cool” devido a uma
reedição em 33 rotações em meados
dos anos 50.
(abaixo)
O saxofonista alto Lee Konitz (ao
centro) e o barítono Gerry Mulligan
(à direita) foram duas das principais
vozes do noneto de Birth of the Cool e
passaram a figurar dentre os principais
músicos associados ao cool jazz. cool.
AQUELE
BRANQUELO
No verão de 1948, eu tinha 18 anos
e estava em Nova York, em férias da
Universidade de Miami onde minha
matéria principal era a vela. Não. Na
verdade, nós tínhamos conseguido uma
bolsa para tocar música ambiente na
cafeteria dos alunos que ficava acima
de um lago artificial. Quando tocávamos
como queríamos, parecíamos Stan
Kenton. Assim, isso não era diferente
demais da vela.
Nessa época, eu tocava trombone como
um garoto que desce em uma pista
de slalom, com mais coragem do que
elegância. A possibilidade de que eu
pudesse quebrar minha cara branca
nunca passou pela minha cabeça.
Uma noite, eu atravessei a ponte de
Triborough para ir da casa de meus pais
no Queens até o Minton’s Playhouse no
Harlem, onde nasceu o bebop.
Estacionei na Rua 108, entrei no
clube tentando manter a aparência de
autoconfiança e toquei “Walkin” com
o grupo de Art Blakey, que era mais
conhecido como Abdullah Buhaina.
Por volta das 3 horas da manhã, Miles,
que estava em um canto escuro, havia
se aproximado enquanto eu guardava
meu instrumento; Miles parecia
sempre sair de um canto sombrio. Eu
fingi parecer relaxado e muito cool.
Nós usávamos óculos escuros e não
podíamos ser mais cool.
— O que acha de um ensaio amanhã? —
perguntou-me Miles. — Não é impossível...
— respondi, como se não me importasse
muito. — Nola, às 16 horas. — Miles
tinha deixado bem claro que eu ir ou não
era a menor de suas preocupações. Ao
atravessar a ponte no sentido inverso, eu
tinha a impressão de ser Yves Montand
ao volante de seu caminhão depois de
ter entregado os explosivos no filme O
salário do medo.
No dia seguinte, às 16 horas, em Nola,
eu me encontrei com Gerry Mulligan, Max
Roach, John Lewis, Lee Konitz, Junior
Collins, Bill Barber e Al McKibbon para
tocar arranjos de Mulligan e Gil Evans.
Nosso ponto em comum era que todos
nós tocávamos atrás do tempo, sem
vibrato, o que nos dava esse caráter cool.
Miles era... cool. Era sua primeira
experiência como líder, mas ele se
remetia essencialmente a Gil para dirigir
o ensaio. Foi só mais tarde que ele
começou a fazer-se de duro porque nessa
época ele era um jovem gentil e tímido.
Cerca de metade de nós éramos brancos,
mas eu nunca pensei muito nisso. Isso
não me parecia nem histórico nem
lendário. Quem poderia imaginar que
essas duas semanas com Miles em uma
boate de jazz da Broadway chamada
Royal Roost fariam nascer um verdadeiro
estilo? E que falaríamos disso 60 anos
mais tarde?
No palco, eu ficava sentado bem ao lado
da estante de Max Roach. Eu falhei em
diversas intervenções por estar muito
absorvido pela complexidade de seu
modo de tocar. Na primeira semana,
estávamos no mesmo cartaz que Count
Basie, com Wardell Gray no saxofone.
Pela primeira vez, Basie tinha um
saxofonista tenor do mesmo naipe que
meu herói, Lester Young.
Eu estava apaixonado pela música. Ela
me obcecava. Esse amor me impedia
de ver com clareza. Mas, se a música
era, como disse Duke Ellington, “minha
amante”, nossa história de amor
tornou-se tempestuosa.
Eu a enganei, eu lhe menti, eu a
negligenciei, eu a espanquei. Ela era
exigente. Quando ela me repreeendia, eu a
abandonava; quando eu a negligenciava,
ela me abandonava. Eu iria trocar muitas
vezes de posição durante a minha vida.
Quando me lancei no jornalismo, recebi a
tarefa de entrevistar Miles.
A cada vez, ele me recebia com um
abraço. Um dia, eu lhe perguntei porque
ele havia me chamado. “Eu gostava do
seu som”, respondeu ele. Foi o melhor
elogio que eu já recebi.
Em sua autobiografia, sua versão dos
fatos combina com isso, sem que meu
nome seja citado: “J. J. [Johnson] estava
preso e, então nós encontramos aquele
branquelo”.
No fundo, foi exatamente assim que
aconteceu.
MIKE ZWERIN
JornalistA e mÚsico, Mike Zwerin durante muito tempo
escreveu uma coluna de jazz no Herald Tribune. é autor
de la tristesse de St. Louis, Swing Under the Nazis (Quartet
Books, 1985). Em 1949, ele participou brevemente da
orquestra que originou Birth of the Cool.
42
QUEREMOS MILES
43
Embora efêmera, a história de amor
entre Juliette Gréco e Miles Davis, em
Paris, na primavera de 1949, marcou
profundamente o músico e contribuiu
para inseri-lo na lenda de SaintGermain-des-Prés.
Foto: Jean-Philippe Charbonnier
s
UCESSO PARISIENSE. Em para-
lelo a seus últimos compromissos
com Parker e a sua atividade com
o noneto, Miles Davis diversificava
suas colaborações: ele dirigia um
quinteto com Lee Konitz e a rítmica
do noneto e também participava
da orquestra do contrabaixista
Oscar Pettiford. Em 3 janeiro de
1949, ele acompanhou no estúdio Dizzy Gillespie e Fats Navarro,
participando de um time de astros
reunido pela revista Metronome.
Ainda existe uma gravação na qual
temos dificuldade para distinguir
os estilos respectivos dos três
trompetistas. Além disso, Miles
estava pronto para substituir Fats
Navarro na big band do pianista e
arranjador Tadd Dameron. Quando
esse último foi convidado para formar um quinteto para participar do
Festival de Jazz de Paris, ele ofereceu a Miles a posição de trompetista. Em 8 de maio, na Sala Pleyel,
ele tocou um bop mais extravagante do que nunca, ousando em semicolcheias e no registro agudo, mas também fazendo ouvir sequências
bem a seu estilo, especialmente nas baladas (“Don’t Blame Me”),
nos momentos de calmaria e de utilização do silêncio (“Wahoo”), na
dramatização das entradas do tema (“Rifftide”) e das codas (“Don’t
Blame Me”, “Good Bait”, “Ladybird”) assim como os diálogos cúmplices
com o baterista Kenny Clarke (“Wahoo”).
1
2
Durante essa estada de 15 dias, ele conheceu Juliette Gréco, figura do
Saint-Germain-des-Prés do pós-guerra e que ainda não havia descoberto sua vocação de cantora. Ela sabia algumas palavras de inglês, ele
não sabia nenhuma de francês, mas se amaram. Essa aventura passou
despercebida, mas, progressivamente, integrou-se à lenda. Para Miles,
sua importância deve ser recolocada no contexto parisiense, sob o
signo do maravilhamento. Pela primeira vez, ele tinha a posição de
astro internacional, pois sua participação no quinteto de Tadd Dameron
no palco da Salle Pleyel fazia com que ele passasse por um verdadeiro
líder de orquestra. Ele descobriu no público francês uma consideração
pelo jazz que nunca conhecera nos Estados Unidos e que se exprimiu
sob a pena de Boris Vian.
Este o apresentou à intelectualidade francesa, de Jean-Paul Sartre a
Pablo Picasso, e o levou para conhecer Paris, uma fascinante capital
cultural para quem vinha do Novo Mundo. Nessa cidade em que a cor
de sua pele (e a beleza de sua figura) provocava apenas curiosidade,
atração e fascínio, ele descobriu uma liberdade que até então lhe era
desconhecida. Isso possibilitou uma relação com uma mulher branca,
o que, no contexto boêmio de Saint-Germain-des-Prés, não suscitava nenhuma reprovação. O deslumbramento que lhe inspirou essa
mulher, que ele apelidou de “garota cigana”, lançou em uma sombra
cruel seu relacionamento com Irene, que a incompatibilidade entre
a vida familiar comum e o mundo da noite parecia ter desgastado.
U
QUEREMOS MILES
m balde d’água fria. Ao triunfo parisiense sucedeu
a indiferença dos Estados Unidos mergulhados na Guerra
Fria e na caça aos comunistas. Em um país entrincheirado medrosamente em seus valores, pertencer à minoria
negra não era um trunfo para quem procurava sair dos
caminhos batidos. O público negro se afastou do bebop,
por considerá-lo complicado demais, preferindo músicas
mais fáceis de dançar. Os líderes das big bands que haviam feito dançar
os anos 1930 dissolveram seus grupos e se voltaram a fórmulas economicamente mais viáveis a fim de enfrentar a moda das jump bands,
precursoras do rock and roll. O mundo do bebop também se deixou
dizimar pelo uso de drogas pesadas. Vítimas do declínio econômico e
de uma segurança policial minuciosa, os clubes da Rua 52 fecharam
um após o outro. Os da Avenida Central, formidável viveiro do jazz negro
em Los Angeles, tiveram o mesmo destino. O único setor criativo de
jazz que se manteve foi o cool jazz, música dominada pelos herdeiros
brancos de Charlie Parker, mas certamente relaxada quando comparada com o nervosismo do bop novaiorquino. Os discípulos de Lennie
Tristano na Costa Leste e na Costa Oeste, os músicos saídos das big
bands de Woody Herman e de Stan Kenton partiram das inovações do
bebop para imaginar músicas com sonoridades macias e ângulos suaves, que tomavam de empréstimo seu gosto pelo contraponto e pelo
desenvolvimento orquestral à música clássica, mas cuja descontração
se inspirava em Lester Young.
De certo modo, Miles era um deles. Seu estilo de trompete, embora
inspirado em Charlie Parker e Dizzy Gillespie, não se distinguia de
seus modelos por uma descontração totalmente lesteriana? Não
tinha algo em comum com Gil Evans (que não se aproveitou da era de
ouro do cool jazz), Gerry Mulligan (que logo se tornou ponta de lança
do cool californiano ao lado de Chet Baker) e de Lee Konitz (discípulo
de Lennie Tristano, solista de Stan Kenton)? Embora exercesse uma
influência determinante sobre os músicos das orquestras que floresciam na Costa Oeste, nos conjuntos de Shorty Rogers, de Dave Pell
e de Marty Paich, o noneto de Miles Davis não sobreviveu nem a seu
compromisso inicial no Royal Roost, nem às três sessões de gravação para o selo Capitol. Miles logo se identificou com a amargura que
penetrou na comunidade dos músicos negros de jazz e não escondeu
sua fúria quando as gravações do noneto foram reunidas em 1954
em um disco de 33 rotações intitulado Birth of the Cool.
3
Convidado em 1949 a participar do
primeiro festival de jazz organizado
em Paris depois da guerra (documento
n° 1), o quinteto de Miles Davis e do
pianista Tadd Dameron (n° 3, Salle Pleyel)
representava o jazz moderno, em uma
programação que também incluía o
trompetista Hot Lips Page, o trombonista
Big Chief Moore, o clarinetista Sidney
Bechet e o quinteto de Charlie Parker.
(n° 2, aeroporto Idlewild em Nova York
antes da partida). Boris Vian, um dos
primeiros defensores de Miles Davis
na França, ficou feliz ao iniciá-lo ao
existencialismo e de levá-lo às boates
de Saint-Germain-des-Prés durante sua
temporada (n° 4). Foto n° 3: Pierre Delord.
4
Além da música que interpretava, Miles
Davis personificava com sua atitude o
arquétipo do jazzista cool: um misto de
indolência, de distância e de elegância,
imortalizado em 1950 nos bastidores do
Shrine Auditorium, em Los Angeles.
Foto: Bob Willoughby
1
3
2
49
Depois do fracasso comercial do
noneto, Miles Davis associou-se
novamente aos principais
representantes do bebop, como
o contrabaixista Oscar Pettiford,
o pianista Bud Powell (foto n°1),
o vibrafonista Milt Jackson e o
trombonista J.J. Johnson (n°2).
D
Em setembro de 1950, Miles
reencontrou alguns deles e suas
contrapartes da Costa Oeste em São
Francisco no Bop City, enquanto
esperava julgamento por posse de
heroína depois de sua prisão em Los
Angeles (n°3, atrás de Dizzy Gillespie
ao piano).
Foto: Marcel Fleiss
ESCIDA AO INFERNO. No entanto, Miles Davis per-
manecia marcado pela experiência orquestral que
ele buscava prolongar. Ele tentou, em vão, montar
uma big band com Tadd Dameron. No Birdland, que
foi aberto na Broadway, ele se colocou à frente de
um sexteto com o trombonista Jay Jay Johnson,
os saxofonistas Stan Getz, Wardell Gray ou Sonny
Rollins, com um repertório e ideias que remetiam
à continuidade do noneto e que permitiram que J.
J. Johnson exercesse sua criatividade. Além disso,
Miles participou de um dueto com Sarah Vaughan
para a Columbia, em que ele se fez ouvir em contracantos esplêndidos. Mas sua existência seguiu o fluxo em declínio do bop. Em 1947,
ele voltou a morar com Irene e seus dois filhos no Queens, na Jamaica
e, depois, ao lado de Saint Albans. A frequência noturna do Harlem e
de Manhattan, onde é preciso se mostrar constantemente para não
cair no esquecimento, o afastava cada vez mais da vida familiar.
Ele se deixou atrair também pelo inferno das drogas pesadas. Suas
ausências e sua atitude cada vez mais distante alarmaram Irene,
que tentou em vão fazê-lo consultar um psicólogo e que avisou ao pai
dele. Para ficar mais próximo de seus locais de trabalho e de abastecimento, o trompetista instalou a família em Manhattan, onde a cantora Betty Carter concordou em dividir o apartamento com eles e em
cuidar das crianças, enquanto Irene trabalhava no Brooklyn Jewish
Hospital. Durante o verão de 1950, Miles confiou a família à sua mãe.
Esta acabara de comprar uma casa em Chicago onde Dorothy lecionava e Vernon estudava música. Foi lá que nasceu Miles IV.
Em 15 de setembro, quando havia voltado à orquestra de Billy
Eckstine em Los Angeles, Miles foi preso juntamente com Art Blakey
e acusado de posse de heroína. Ele conseguiu convencer o tribunal
de sua inocência, mas o caso foi levado a conhecimento público pela
Down Beat, em um artigo sobre drogas e jazz que citava o caso de
Miles Davis e de Art Blakey. Em fevereiro de 1951, Ebony retomou o
assunto, em um artigo assinado por Cab Calloway intitulado “Será
que a droga está matando nossos músicos?” O cantor citava, sem
mencionar nomes, o caso de um jovem trompetista que havia sido
preso há pouco tempo na Costa Oeste por posse de heroína. Mesmo
ele tendo sido considerado como o melhor trompetista do ano pela
revista Metronome, os boatos se espalharam: Miles não era mais o
mesmo, Miles tinha problemas pessoais, Miles não era mais confiável. E os contratos cada vez mais raros.
M
ULHERES PRESTATIVAS E o bad boy.
Para suprir suas necessidades, ele acabou
por penhorar o trompete e passou a tocar instrumentos emprestados ou alugados, especialmente de Art Farmer. Um dia, Clark Terry
encontrou-o na rua e levou-o para sua própria
casa, que Miles abandonou com muita indelicadeza, levando as roupas, o rádio e o trompete
do amigo, que logo foram também penhorados.
Em sua autobiografia, Miles chocou seus leitores ao contar que havia sido um cafetão. No
entanto, no verdadeiro sentido da palavra, ele
nunca chegou a sê-lo, embora tivesse o hábito
de aceitar ajuda das mulheres, prostitutas ou
não, que se interessavam por ele. Parece que ele só aceitava ajuda do
pai ou das mulheres. Estas sabiam socorrê-lo nos momentos críticos
de sua vida. A necessidade por mulheres e a atração que exercia sobre
elas revelam todo um lado de sua personalidade. Mesmo sem relatar
nada de surpreendente a respeito da beleza e do poder de sedução de
Miles, um de seus biógrafos, John Szwed, destacou o fato de que as
mulheres com quem ele se relacionou pertenciam aos pontos extremos da sociedade. Algumas vezes, elas ocupavam posições sociais
50
Em 1953, Miles Davis viajou com
Max Roach até Los Angeles onde
o baterista havia sido contratado
para fazer parte da orquestra do
Lighthouse, ponto de encontro na
Costa Oeste. Nessa ocasião, ele
encontrou Chet Baker (à esquerda)
que, embora se inspirasse em
seu estilo, logo o ultrapassou nas
pesquisas de popularidade (à direita,
o trompetista Rolf Ericson).
Foto: Cecil Charles
ambíguas, como Juliette Gréco, representação da elite e da boemia
parisienses, ou uma outra moça branca do círculo do ator George Raft,
talvez uma call-girl, que veio em seu socorro na primavera de 1946,
em Los Angeles, quando ele passava por dificuldades financeiras.
Na primeira metade dos anos 50, por um lado, Miles ligou-se a prostitutas que buscavam sua companhia e cuidavam dele; por outro
lado, ele envolvia-se com moças de boa família, em geral brancas.
Em Saint Louis, ele conheceu, em 1951, a filha de um dos donos
dos calçados Buster Brown. Apesar das objeções dos pais de Miles
em relação a uma amizade com uma branca, em cuja casa seu filho
não era admitido, a relação durou até junho de 1955. Durante esse
período, ele também manteve em Nova York uma relação assídua
com uma call-girl branca, Nancy, que lhe enviou dinheiro para que seu
quinteto, então completamente sem rumo, retornasse de Québec.
Ele também envolveu-se com Susan Garvin ( a quem comparava a
Kim Novak), que o ajudou durante os anos de depressão e à qual ele
dedicou sua composição “Lazy Susan” em 1954. Ele saia com Jean
Bach, personalidade emergente do rádio, que ele conheceu em 1952.
Em Detroit, onde passou o inverno de 1953-1954, ele se relacionava
ao mesmo tempo com uma jovem designer (que fez com que ele
consultasse um psiquiatra) e com uma jovem da qual abusou muito,
a ponto de precisar deixar a cidade sob ameaça de um dos gângsters
que controlavam o Blue Bird onde se apresentava.
Devemos ver nessa dualidade o sinal de uma personalidade fragmentada — entre suas origens burguesas e a rudeza do meio musical
novaiorquino, entre seu interesse pela música erudita ocidental e
sua vontade de se enraizar no território do blues? O mergulho no
inferno das drogas seria o preço a pagar para ser totalmente aceito
pelos músicos novaiorquinos que, por algum tempo, ficaram desconcertados por seu pedantismo e seu estilo de vida? Seu uso neurótico
da gíria negra americana e também sua confissão de cafetinagem
não teriam sido um modo de apagar suas origens sociais ou, talvez,
apenas um modo de dissimular sua timidez e sua falta de confiança?
QUEREMOS MILES
R
ecaídas. De qualquer modo, o boxe fazia parte de seu
sistema de proteção. Iniciado em 1945 pelo baterista
Stan Levey, profissional antigo que o levou para as academias de treinamento, Miles conheceu Johnny Bratton,
com quem começou a lutar seriamente, em Chicago em
1950. Mas quando pediu a Bobby McQuillen que orientasse sua prática, este lhe disse que não treinava drogados. A esse constrangimento, logo somou-se a pressão
do pai, que nunca deixou de suprir suas necessidades
financeiras, mas que, em uma noite de dezembro de 1951, foi buscar
o filho no Downbeat Club, onde ele se apresentava com Jackie McLean,
para obrigá-lo a se desintoxicar em sua fazenda, primeiramente, e
depois em Saint Louis sob a supervisão da Sra. Davis. Entretanto,
frequentando o Barrelhouse com o saxofonista Jimmy Forrest, Miles
teve uma recaída e o pai fez com que fosse preso. Ao sair da prisão, o
trompetista concordou em ser levado ao Federal Narcotics Hospital
de Lexington, já frequentado por muitos músicos de jazz. Mas, no
momento de sua internação, ele conseguiu convencer o pai de que
as duas semanas passadas sem drogas haviam sido suficientes para
desintoxicá-lo. Porém, ele logo teve outra recaída. Em 1953, Irene
retornou a Nova York e o seguia aos clubes na esperança de obter
dele ajuda financeira para os filhos. Mas o trompetista estava cada
vez menos presente nos palcos. Em junho, Max Roach humilhou-o,
colocando 200 dólares em seu bolso. Foi demais. Miles ligou para o
pai e pediu que lhe enviasse uma passagem de trem. Depois de uma
estada na fazenda da família, ele partiu para a Califórnia com Charles
Mingus e Max Roach, porém, mais uma vez, precisou pedir socorro ao
pai. Em novembro, ele retornou à fazenda paterna e se isolou a fim
de se desintoxicar sozinho, sem ajuda externa — o que, em inglês, é
chamado de cold turkey. O episódio se transformou em lenda através
dos relatos que Miles fez de seu último embate contra as drogas. A
realidade foi bem outra: contratado no fim de dezembro pelo Blue Bird
de Detroit, ele retomou seus maus hábitos.
52
A heroína era moeda corrente entre os
músicos de jazz negros e Miles Davis
não escapou à sua influência. Em seus
piores momentos de dependente, ele
não possuía um trompete adequado e
nem sempre comparecia às sessões
de gravação. Ao lado, no estúdio para
Blue Note, março de 1954.
Foto: Francis Wolff
U
M NOVO INÍCIO. No meio
tempo, dois acontecimentos
importantes o abalaram. Ícone do
cool jazz, um jovem branco chamado Chet Baker tomou o lugar
de melhor trompetista do ano
em 1953 e, em Detroit, ele ouviu
o trompetista negro em ascensão, Clifford Brown. Em março
de 1954, Miles Davis retornou a
Nova York, determinado a voltar
aos palcos e a mostrar a todos
que iria recomeçar sobre novas
bases. No entanto, o futuro permanecia incerto e, com seu trompete novamente penhorado, ele
tocava com o de Art Farmer, que
sempre o acompanhava a fim
de ter certeza de que seu instrumento não desapareceria.
Felizmente, Blue Note e Prestige
logo deram a Miles a oportunidade de provar o que dizia.
Não foi a primeira vez que ele gravou para as pequenas gravadoras dedicadas ao jazz. Em 17 de
janeiro de 1951, ele passou de uma sessão com o quinteto de Charlie
Parker para Verve a uma sessão sob seu nome em sexteto (com Jay
Jay Johnson, Sonny Rollins, John Lewis, Percy Heath e Roy Haynes)
para Prestige, selo com o qual assinou um contrato de um ano. Alguns
belos ecos do noneto se destacam em seu solo em “Down”, prenunciando seu renascimento em 1954, mas também muitos sinais de
fadiga que caracterizariam suas gravações nos três anos seguintes.
QUEREMOS MILES
Destacamos sua breve contribuição em “Yesterdays” dirigida por
Lee Konitz (Prestige, 8 de março de 1951) e a longa série de chorus
sobre “Bluing” (Prestige, 5 de outubro de 1951) tirando partido dos
LPs, cuja invenção recente permitia gravações de longa duração.
“Yesterdays” e “Dear Old Stockholm” (Blue Note, 9 de maio de 1952)
constituíram igualmente marcos importantes, bem como “Kelo”
de Jay Jay Johnson, que contribuiu para a evolução da herança do
noneto em direção de uma expressão mais dinâmica (Blue Note,
20 de abril de 1953). Enfim, em 19 de maio de 1953, para Prestige,
“Tune Up” e “When Lights Are Low” fizeram soar um estilo cheio
de segurança que anunciava os anos que viriam. Por outro lado,
esquecemos a sessão para Prestige, realizada em 30 de janeiro de
1953 com Charlie Parker no saxofone tenor, que ilustra bem demais
a decadência do trompetista e do meio do bebop.
Assim, em 6 de março de 1954, Miles retornou em quarteto aos
estúdios para Blue Note. Como nas sessões anteriores, Percy
Heath tinha um contrabaixo que respondia às exigências desse
jazz moderno que logo se distinguiu do primeiro bebop com o nome
de hard bop. Os dois líderes que surgiriam nesse novo gênero, Art
Blakey e Horace Silver, ocupavam respectivamente a bateria e o
piano. A respeito do segundo, Miles declarou: “Eu gostava de seu
modo de tocar, desse lado funky. Ele arrebentava atrás de mim e,
com Art na bateria, não era possível amolecer; era preciso tocar
do mesmo modo”. Horace e Miles moravam no Hotel Arlington, e
o trompetista ia muitas vezes ao quarto de seu novo colega para
usar seu piano de armário e discutir suas ideias: “Eu o fiz tocar
como Monk”. Quanto de verdade existe nessa afirmação de Miles?
É incontestável que o Horace Silver desses anos foi muito marcado
por Thelonious Monk e que, por outro lado, Miles Davis, a partir
dessa época, não deixou de especificar a seus pianistas os acordes,
as inversões e as progressões que queria ouvir (como confirmam
as fotos tiradas nos ensaios). Esse fato inspirou Jackie McLean a
cunhar a expressão “Universidade Miles Davis”.
NO ESTÚDIO
COM miles davis
No início de 1951, Miles voltou de Detroit.
Então, eu trabalhava para a gravadora
Prestige. Eu estava de serviço nos estúdios
Apex em 17 de janeiro, no dia em que Miles
gravou sua primeira sessão para o selo
(publicada em Miles Davis and Horns). Na
verdade, eu até tinha dado título a dois dos
temas gravados naquela noite.
Em 17 de dezembro de 1951, a noite de
meu vigésimo terceiro aniversário, me
tornei produtor para a Prestige. Mas não
trabalhei com Miles até 1953. Ele não
havia gravado para a Prestige desde
outubro de 1951. Essa sessão de 30
de janeiro se anunciava especial, pois
Charlie Parker faria parte do sexteto
de Miles e não tocaria o saxofone alto,
mas o tenor, pois tinha contrato de
exclusividade com Norman Granz.
Prestige raramente organizava ensaios:
os grupos que gravavam eram, em geral,
já existentes, nos quais os músicos
tocavam juntos em clubes e cujo
repertório conheciam.
Essa sessão, contrariamente ao
costume, deveria incluir duas novas
partituras, escritas para os três
instrumentos de sopro: assim, eu havia
organizado um ensaio uma semana
antes, para o qual havia alugado um
saxofone tenor para Bird.
Ele foi o único a comparecer... Era
preciso decifrar essas peças no tempo
de estúdio. A sessão deveria começar
às 14 horas. Bird pediu gim. Eu havia
comprado uma garrafa de Gordon e uma
dúzia de cervejas para serem divididas
entre os seis músicos e eu. Miles, em
pleno período de uso de drogas, estava
atrasado. Bird, que tentava não tocar
em heroína, aproveitou o atraso de Miles
para tomar duas doses generosas de
Gordon, quase esvaziando a garrafa. Ele
tirou dois cochilos, mas passou a maior
parte do tempo aquecendo-se no tenor
que, às vezes, soava como um barítono.
Finalmente, Miles chegou.
O engenheiro com quem eu costumava
trabalhar nos estúdios WOR, Doug
Hawkins, não estava disponível naquele
dia e eu só havia trabalhado uma vez com
Bob Lee, que o substituía.
O conjunto precisou de um certo tempo
para se familiarizar com os arranjos
e, quando nós finalmente começamos
a gravar as fitas, as interrupções se
multiplicaram, certamente devido aos
guinchos de Miles. O relógio corria e
não havia progresso. Não me lembro
exatamente o que me motivou, mas
provavelmente pensei que, se provocasse
Miles, poderia obter uma descarga de
energia. Sai da cabine de controle e lhe
disse: “Miles, você não está tocando nada!”
A reação não se fez esperar. Miles foi
em direção ao estojo para guardar o
trompete, dizendo bem alto:
“Esse cara acha que eu não toco nada!” Vi
meu trabalho sair pela mesma porta que
Miles. Em sua autobiografia, ele afirmou
que foi Bird quem o convenceu a ficar.
Na verdade, fui eu. Pedi desculpas: “Não
era isso realmente o que eu queria dizer.
Só queria dizer algo para incentivar você
a se envolver realmente”. Sabia que não
tínhamos gravado o suficiente e que não
havia outros arranjos para ensaiar. Eles
tinham ensaiado “Well You Needn’t”, de
Monk, mas deixamos essa música de lado
depois de várias tentativas infrutíferas.
Tentava pensar o mais rápido possível
quando, às 17 horas, Bob Lee anunciou
que teria de ir embora. O engenheiro de
som que continuou o trabalho informou
que o estúdio fecharia às 18 horas. Eu
não podia acreditar em meus ouvidos.
Habitualmente, se quiséssemos ficar
mais tempo do que previsto (três horas),
pagávamos um extra.
Tive a ideia de tocar “Round Midnight”: o
andamento lento nos daria um período
longo. Bird e Miles se entrelaçaram
na exposição da melodia, no início e
no final do tema. Sonny Rollins fez as
duas ligações. Depois do coro de Bird,
Miles fez um solo que, conforme o
costume, desembocou no final escrito
por Dizzy Gillespie, que fazia parte
integrante desse clássico de Monk.
Essa interpretação é carregada com
uma beleza dolorosa que fala muito
a respeito dessa tarde. A gravação
terminou exatamente no instante em que
o ponteiro marcava 18 horas.
Na esteira das atribulações e do triunfo
desse 30 de janeiro, veio a sessão de
19 de fevereiro. Como Weinstock (dono
da Prestige) queria algo que saísse do
comum, ele pediu que John Lewis e Al
Cohn escrevessem duas composições
cada um para uma formação dirigida por
Foto: Esmond Edwards.
Miles e que incluía Lewis, Cohn e Zoot
Sims.
Depois de dois ensaios, Lewis não estava
satisfeito com o modo em que suas
partituras estavam sendo interpretadas.
Sugeriu que Cohn incluísse duas outras
composições no lugar delas.
O trompetista Jerry Lloyd (Jerry Hurwitz
era seu nome verdadeiro) estava naquele
dia nos estúdios Beltone, no centro de
Manhattan, talvez para servir de reserva
para Miles. Fiel a seus hábitos dos anos
de drogado, Miles estava atrasado.
Quando ele apareceu, eu havia decidido
fazer um disco Cohn-Sims no qual Lloyd
tivesse ao menos um solo. Miles parecia
preferir o trompete de Lloyd ao que tinha
consigo e perguntou se Jerry aceitaria
emprestá-lo para a gravação, mas Jerry
já estava saindo, depois de receber o
pagamento pela gravação.
Miles foi o único solista em “Tasty
Pudding”, capturando a essência dessa
bela queixa, encontrando uma ligação
com ela e sustentando seu clima de
um modo muito pessoal. Em “Willie the
Wailer” ficou evidente que seus lábios não
estavam em sua melhor forma quando
ele não quis encadear dois chorus. Sugeri
que Al e Miles se alternassem em quatro
chorus, o que funcionou bem.
Em seu livro, Miles revelou que Zoot e ele
se empenharam durante essa gravação,
mas nenhum dos dois deixou que isso
transparecesse. Miles só tinha elogios a
fazer às composições e aos arranjos de Al.
Em 19 de maio, voltamos à WOR. Essa
sessão foi a antítese da realizada em 30
de janeiro. Doug Hawkins havia retomado
os comandos e tudo que ameaçava dar
errado foi imediatamente realinhado pelo
que nos parecia ser uma feliz coincidência.
A seção rítmica desse quarteto dirigido
por Miles Davis era constituída por três
quartos do Modern Jazz Quartet: John
Lewis, Percy Heath e Kenny Clarke.
Todos chegaram na hora, com exceção de
“Klook”, como era apelidado Kenny, que
costumava ser confiável. Eu não consegui
contatá-lo e nunca soube por que ele não
apareceu. No momento em que a situação
parecia desesperadora, Max Roach
atravessou a porta. Pura sorte! Ele estava
visitando alguém em um dos muitos
estúdios dessa grande estação de rádio e
talvez tenha visto o nome de Miles escrito
no quadro de planejamento do dia. Miles
sugeriu que aproveitássemos o tempo
que ele levaria para buscar sua bateria
para irmos ao bar mais próximo. Era um
esplêndido dia de primavera e ao chegar
a nosso destino, Miles me apresentou
ao gim boilermaker, que preparamos
com uma dose de gim em uma caneca
de cerveja. Nós tomamos dois cada um,
o que, sem nos embriagar, nos deixou
bastante alegres.
Não foi preciso mais de uma tomada para
colocar cada uma das quatro faixas na
gravação. Quando John Lewis precisou
partir por causa de um compromisso (o
tempo previsto fora ultrapassado por
causa do atraso inicial), aconteceu de
Mingus estar no estúdio, pois Miles iria
gravar “Smooch”, de Mingus. Foi assim que
o compositor pode sentar-se ao piano...
A última vez em que vi Miles aconteceu
por acaso, no final dos anos 80, quando
ele fora visitar alguém que morava
no mesmo prédio que eu. Nós nos
abraçamos e ele me disse: “Como você
vai, meu velho?”
Ira Gitler
Ex-redator chefe da revista Down Beat, Ira Gitler
escreve a respeito de jazz desde 1951. No início dos
anos 1950, ele supervisionava as sessões de gravação
para o selo Prestige, dentre as quais algumas dirigidas
por Miles Davis.
56
QUEREMOS MILES
57
Os discos que Miles Davis gravou
no início dos anos 50 o associam
aos principais representantes do
hard bop. Dentre eles, o saxofonista
Jackie McLean e o trombonista J. J.
Johnson (página da esquerda, maio
de 1952), os irmãos Jimmy e Percy
Heath, saxofonista e contrabaixista
(à esquerda; à direita, o pianista Gil
Coggins, abril de 1953).
Fotos: Francis Wolff.
58
QUEREMOS MILES
59
O pianista mais emblemático do
hard bop, artesão de um retorno
às influências do gospel e com um
estilo verdadeiramente funky, Horace
Silver gravou várias vezes com Miles
Davis em 1954, para Prestige e para
Blue Note (ao lado, sessão de 6 de
março de 1954). Os dois chegaram a
fazer algumas apresentações juntos
(abaixo). Foto: Francis Wolff.
à
BEIRA DA RENOVAÇÃO NEGRA. Em 15 de março,
depois de Miles ter assinado um contrato de três anos
com Prestige, o mesmo quarteto gravou uma verdadeira obra-prima intitulada “Blue Haze” (névoa azul),
cujo clima dramático, e até de angústia, foi obtido apagando-se as luzes do estúdio, depois de várias tentativas terem falhado. Em 3 de abril, Miles substituiu Kenny
Clarke com Art Blakey, cujas varreduras apreciava, pois
queria utilizar a surdina (uma surdina-copo e não a surdina Harmon, de som áspero, com a qual ele veio a se
habituar depois). Para Prestige, ele gravou notadamente “Solar”, obraprima de improvisação temática (a partir de variações sobre temas
melódicos que dão origem uns aos outros). Mas a sessão principal
do mês de abril foi a do dia 29, em sexteto, com a mesma rítmica, o
trombone de J. J. Johnson e o sax tenor de Lucky Thompson, com
quem ele havia morado em Los Angeles em 1946. Porém, nesse dia,
ao chegar ao estúdio, Miles confessou que não tinha um trompete e foi
com um instrumento em mal estado, que pertencia a um funcionário
da Prestige, que ele gravou “Blue’n’Boogie” e “Walkin’”. “Eu queria levar
a música para o fogo, para as improvisações do bebop, para o que Diz
e Bird haviam iniciado. Mas eu também queria levar a música adiante,
para um blues mais funky, para aquilo que Horace nos conduziria.”
Do mesmo modo como “Blue Haze” remete ao clima sombrio e deprimido do blues primitivo, “Walkin’” retoma os fundamentos da cultura
negra, mas superpõe à forma do blues uma atmosfera mais positiva
que evoca o gospel e essa dimensão mais churchy que foi uma constante do hard bop. Funky, churchy, hard bop: esses foram os novos
nomes dados ao novo bop. Um bop duro! Uma música profundamente
negra, considerada uma reação ao cool. Não há muito engano nisso,
já que o hard bop foi uma reação ao próprio bop, a suas acrobacias
harmônicas, a suas melodias impossíveis de cantar e a seus ritmos
impossíveis de dançar que fizeram fugir o público popular e, em especial, o público negro, para o rhythm and blues.
A invenção do LP é acompanhada pela
generalização do uso da capa do disco,
o que dá lugar a uma criatividade
gráfica sem igual. Muitas vezes, os
selos independentes deixam o campo
livre para os artistas gráficos que
encontram no quadrado da capa dos
LPs de 33 rotações um espaço de
experimentação. Entre 1951 e 1956,
Miles Davis gravou muitos discos,
essencialmente para o selo Prestige,
mas também para Blue Note e Debut
(fundado por Charles Mingus), dando
origem a álbuns que são tão famosos
por sua capa quanto pela música que
contêm.
62
Miles Davis tinha ideias precisas
sobre o tipo de acompanhamento que
deseja ouvir por trás de seus solos
e não hesitava a demonstrar isso
ao piano, como na foto ao lado, em
que toca para o contrabaixista Oscar
Pettiford e o pianiste Gil Coggins,
durante uma gravação em 9 de maio
de 1952 para Blue Note.
Foto: Francis Wolff.
A geração de Clifford Brown aprendeu a negociar as harmonias do
bop com uma facilidade que tornou suas melodias, mesmo as mais
loucas, novamente acessíveis. O foco se deslocou e a complexidade
harmônica não era mais um motor necessário para a inventividade.
Antes de preparar o jazz modal que Miles veio a adotar no final da
década, o hard bop retomou as raízes da música negra, com o blues
e o gospel. Ele se tornou funky, conforme uma gíria afro-americana
que significa “fedorento”, em relação aos odores corporais. Dito de
outro modo, o hard bop se apresentava como se usasse uma lingerie
harmônica mínima, sem cosméticos, suando abundantemente no
transe desses ritmos bamboleantes nos quais se confundem a mensagem sensual do rhythm and blues e a dimensão sagrada do gospel.
Em “Walkin’”, de Miles, esse tempo pesado e inexorável marcado pela
bateria, esse contrabaixo dançante, esse hino melódico recuperavam
o apelo solene e triunfante do despertar da comunidade negra que o
soul e o jazz de então lançavam em uníssono, respectivamente pela
voz de Ray Charles e dos Jazz Messengers fundado por Art Blakey
e Horace Silver. Com o fim dos anos sombrios do macartismo, eles
anunciavam o vislumbre da luta pelos direitos civis dos negros, concretizada no ano seguinte pelo boicote dos ônibus de Montgomery,
iniciado por Rosa Parks e apoiado por Martin Luther King.
As coisas nunca são simples e nem todo o hard bop era funky ou
churchy. Muitos músicos considerados como parte do hard bop permaneceram fiéis ao espírito inovador do bop inicial. Miles Davis, em
especial, manteve-se à distância. A cada nova etapa da história do
jazz que parece iniciar (cool jazz, hard bop, modal, jazz-rock), ele se
mantinha à margem da agitação. Nesse momento, ele continuou sua
busca, enquanto os membros de sua rítmica participavam de outros
projetos: Horace Silver e Art Blakey em Jazz Messengers, Percy Heath
e Kenny Clarke no Modern Jazz Quartet. Ele se associou a Philly
Joe Jones com quem tocou de cidade em cidade, com o baterista
conquistando seu lugar como músico para o trompetista. De 14 de
agosto a 2 de outubro, este último retornou ao Blue Bird de Detroit.
QUEREMOS MILES
Ali, a heroína era de qualidade tão ruim que, durante essa temporada,
Miles conseguiu por fim livrar-se da dependência. Entretanto, ele
continuou a ser um consumidor regular de cocaína.
O
S SILÊNCIOS DE MONK. Em 24 de dezembro de 1954,
o dono da Prestige, Bob Weinstock, reuniu ao redor
de Miles Davis um grupo de astros formado por Milt
Jackson, Percy Heath e Kenny Clarke (ou seja, três dos
quatro membros do Modern Jazz Quartet) e também por
Thelonious Monk. Desde sua chegada ao estúdio, Miles
demonstrou sua insatisfação por ter de tocar com Monk.
Ele não demorou a pedir ao pianista que não tocasse
durante seus solos. Por que ele se comportou assim? Desde as sessões de gravação dirigidas por Charlie Parker, que sempre se desenrolavam em um ambiente caótico, teria ele se acostumado ao clima
tenso que provocava no estúdio ao longo de sua carreira, incitando o
mal-estar e deixando os músicos literalmente fora de si com comentários humilhantes ou enigmáticos?
Para dizer a verdade, os acompanhamentos de Monk eram tão imprevisíveis que até 1954 ele não havia ainda encontrado parceiros à sua
altura. A maioria dos músicos o considerava impraticável. Por outro
lado, Miles tinha o hábito de mostrar aos pianistas o que desejava
deles. Bom, sabemos que ele era tímido e também um grande admirador de Monk. Como em tantas outras vezes, Miles, fragilizado, adotou
a única defesa que conhecia: a agressividade. Daí resultou uma das
sessões mais lendárias da história do jazz e o episódio do famoso
“vazio” de Monk, durante o qual o pianista se calou depois de se perder
com as discrepâncias rítmicas sobre o tema de “The Man I Love”. Foi
preciso que Miles interviesse e lhe indicasse com o som do trompete
em qual ponto do trecho se encontrava para que o pianista pudesse
continuar. Mas com uma interjeição insistente, Miles lhe mostrou que
a brincadeira havia acabado. A história foi recontada inúmeras vezes
e suscitou as interpretações mais variadas. Não se pode esquecer de
63
65
Em 17 de julho de 1955, o
aparecimento de Miles Davis no
festival de Newport (ao lado, entre
Percy Heath e Gerry Mulligan) causou
sensação e convenceu o produtor
George Avakian a contratar o músico
para a Columbia.
Foto: Herman Leonard.
observar o essencial que se encontra na exposição de Miles e em seu
coro de improviso: a maturidade do trompetista, o esplendor de sua
sonoridade (que se expressa com o instrumento aberto ou fechado
pela surdina Harmon), a naturalidade de sua expressão melódica que,
daí em diante, estava totalmente liberta do dogmatismo da harmonia
do bop, seu sentido de espaço, do silêncio, do mistério e do drama. Em
um primeiro momento, porém, uma outra faixa foi publicada, “Bags’
Groove”, com um solo de Thelonious Monk sobre um blues cuja abstração foi igualmente comentada.
U
M GRANDE CONTRATO. Embora Miles Davis estivesse
recuperando a confiança dos especialistas (ele assumiu,
juntamente com Dizzy Gillespie, o primeiro lugar na votação
dos críticos da Down Beat em 1955), sua situação financeira continuava precária. No início de 1955, ele foi preso,
depois das providências tomadas por Irene para conseguir
pensão alimentícia. Foi na prisão que ele soube da morte de
Charlie Parker, que lhe foi comunicada pelo advogado Harold
Lovett. Este conseguiu libertar Miles depois de três dias e se
tornou, ao mesmo tempo, seu empresário e seu homem de
confiança. Ele chegou a convencer Charles Mingus e Max Roach a ajudar
Miles, convidando-o para gravar para seu selo, Debut. O contrabaixista
convocou, portanto, o trombonista Britt Woodman, o vibrafonista Teddy
Charles e também o baterista Elvin Jones, no dia 9 de julho, para uma
sessão com arranjos do próprio Mingus e de Teddy Charles, antigo aluno
da Juilliard. O disco resultante, Blue Moods, foi indicado pelo Livro do
Ano de 1957 de Metronome como um dos melhores discos lançados
em 1956. Um pouco esquecido atualmente, ele testemunha as relações
tumultuosas entre Charles Mingus e Miles Davis. Durante uma entrevista
dada a Nat Hentoff para Down Beat, em novembro de 1955, Miles passou
uma grande parte do jazz contemporâneo pelo crivo de suas críticas,
desqualificou o disco que havia acabado de gravar para a Debut e considerou deprimentes os arranjos de Teo Macero e de Mingus. Este último
conservou uma profunda amargura e deu sua resposta por meio de uma
carta aberta que se tornou famosa.
Antigo aluno da escola Julliard e colaborador assíduo de Mingus, Teo
Macero, a quem Miles igualmente questiona, viria a ter ao longo dos
anos um papel fundamental na carreira de Miles como produtor. Por
sua vez, ele faria com que um outro personagem entrasse em cena,
George Avakian, diretor artístico da Columbia. Fundada em 1888, a marca
Columbia Records foi uma das três empresas que controlavam o mercado de discos até o aparecimento de numerosas gravadoras pequenas
no fim da década de10. Estas foram pioneiras no domínio das gravações
de jazz, mas a Columbia, que não tardaria em se interessar pelo sucesso
dos “race records”, destinado ao público negro, tomou o controle da maioria destas gravadoras independentes. Depois dos anos de crise, em que a
Columbia constantemente mudou de dono, na década de 40, a empresa
divide com a RCA e a MCA a maior parte do patrimônio gravado do jazz
clássico. Em 1948, ela produz o primeiro long play (LP), que permite
uma duração superior a 78 sulcos graças à velocidade de 33 rotações por
segundo e de uma impressão mais refinada (o microgroove, ou microsillon, foi permitido pelo recurso do ploricloruro de vinil). São as gravadoras
independentes que testemunham o aparecimento e o desenvolvimento
do bebop. Até1955, a obra de Miles Davis se limita ainda aos catálogos
das pequenas gravadoras: Savoy, Dial, Capitol, Prestige e Blue Note. Mas
a partir da década de 50, o novo chefe do departamento de música popular de Columbia implementou uma política dinâmica de contratação de
artistas do jazz: Dave Brubreck em 1953, Louis Armstrong em 1955,
Duke Ellington em 1956, Charles Mingus em 1959, Thelonious Monk
em 1962.
No dia 17 de julho de 1955, Avakian assiste a apresentação de Miles
Davis no festival de Newport em meio a um grupo de estrelas formado por
Gerry Mulligan, Zoot Sims, Thelonius Monk e o conjunto rítmico do Modern
Jazz Quartet. Sua interpretação de “Round Midnight” causou sensação,
para grande perplexidade do próprio Miles Davis, que não se lembrava de
ter tocado de forma diferente da habitual. Isso não impediu que, dois dias
mais tarde, em 19 de julho, Miles Davis, Harold Lovett e George Avakian
almoçassem juntos. O resultado foi um contrato com a mais poderosa
gravadora de jazz do momento, um pagamento adiantado de dois mil
dólares e a aquisição de um agente, Jack Whittemore.
Foto: Carole Reiff.
67
miles
ahead
em estÚdio
pAra
a columbia
1955-1959
Quando Miles Davis assinou com a Columbia no verão de 1955, ele
ainda estava sob contrato com a Prestige por dois anos. Ele também
convenceu Bob Weinstock, fundador da Prestige, do interesse em
liberá-lo para a Columbia: o apoio promocional que acompanharia
o lançamento dos primeiros discos da Columbia beneficiaria certamente os gravados pela Prestige. Assim, houve um acordo entre as
duas gravadoras: a Columbia poderia começar a gravar com Miles,
mas só lançaria os discos após o término do contrato em março de
1957. Nesse meio-tempo, a Prestige podia continuar a gravar com o
trompetista.
Em 7 junho de 1955, Miles já havia dado ao selo de Bob Weinstock
uma nova gravação com Red Garland, Oscar Pettiford e Philly Joe
Jones, lançada sob o título The Musings of Miles. Não foi a primeira
vez que Miles Davis gravou com Oscar Pettiford, que foi o primeiro
verdadeiro contrabaixista bop e continuou a ser um dos mais importantes. O interesse que lhe foi dedicado, no momento em que Miles
acabara de perder o apoio de Percy Heath, demonstrava a exigência
do trompetista na escolha de seus contrabaixistas: ele sempre teria
os melhores. Na verdade, ele sempre teria as melhores rítmicas, rodeando-se de contrabaixistas que demonstravam uma grande desenvoltura em relação à profundidade do som, à colocação rítmica e à
qualidade de expressão harmônica, além de bateristas que sabiam
manifestar uma grande cumplicidade com o solista.
O grupo que Miles Davis formou com
o saxofonista tenor John Coltrane,
o pianista Red Garland (abaixo), o
contrabaixista Paul Chambers (à
esquerda) e o baterista Philly Joe
Jones entrou para a história sob o
nome de “Premier Quintette”. Ele
se tornou um sexteto a partir de
1958 com a entrada do saxofonista
alto Cannonball Adderley (página
da direita, entre Miles Davis e John
Coltrane). Fotos: Dennis Stock
E
M BUSCA DA BOA RÍTMICA. O espaço e o silêncio
que estão no cerne dos solos de Miles participam, na
verdade, de uma polirritmia que exige um diálogo constante com o baterista. Deve-se ver aqui a herança de
Charlie Parker. Em 1954, o compositor e musicólogo
André Hodeir, em sua obra Hommes et problèmes du
jazz, analisou o papel do saxofonista sob esse ponto
de vista: “Tocando um instrumento monódico, Parker
apenas podia sugerir esse aspecto de seu pensamento [polirrítmico]; sua acentuação se esforça para
isso. A tarefa de realizar isso de forma mais completa
cabia a seus parceiros. “Foi introduzindo o silêncio, que os músicos
de jazz chamavam de ‘espaço’, ventilando suas frases, que Charlie
Parker permitiu que seu baterista “desenvolvesse com toda liberdade
seu contraponto rítmico”. Em outras palavras, Max Roach não se contentava em acompanhar Parker, mas se integrava a uma arquitetura
polirrítmica complexa. Prova disso foi a surpreendente cumplicidade
entre Max Roach e Miles Davis durante as apresentações do quinteto
de Charlie Parker no Royal Roost no outono de 1948. Miles o resume
a seu modo elíptico: “Quando fazemos pausas, é para permitir que a
bateria se expresse completamente”. Desse modo, a escolha de Philly
Joe Jones não foi por acaso. Figura de primeiro plano dentre os grandes
continuadores da revolução bop realizada por Kenny Clarke nos anos
1940, ele acentuava a independência dos diferentes elementos da
bateria. Além disso, sua concepção do andamento estava em plena
sintonia com a de Miles. O que o fez dizer sobre o baterista: “Eu não
podia perdê-lo jamais e ele nunca me perdia. Eu sempre sabia onde
ele estava e ele sempre sabia onde eu estava”. Quanto a Red Garland,
sua escolha veio do interesse que Miles tinha em relação à música
de Ahmad Jamal. Ele ouviu este último pela primeira vez em 1953, ao
telefone, enquanto sua irmã telefonava da cabine do Persian Lounge
QUEREMOS MILES
de Chicago onde o pianista se apresentava com seu trio. Não se tratava
ainda do famoso trio de 1958 com o baterista Vernell Fournier, mas
de uma associação piano-guitarra-contrabaixo do tipo daquele que
Nat King Cole havia tornado moda no início dos anos 40. Miles logo se
interessou pelo pianista, “por sua concepção do espaço, pela leveza
de seu toque, por sua discrição, seu modo de frasear as notas, acordes
e traços”. Alguns elementos próprios à música de Ahmad Jamal iriam
se tornar preocupações permanentes para Miles. Em primeiro lugar, a
característica de seus acordes e de suas inversões vai no sentido de
uma simplificação da harmonia segundo uma arte do subentendido
e da ambiguidade que se impunham então no jazz e da qual Miles foi
um dos expoentes. A concepção de orquestra que distingue Ahmad
Jamal é polirrítmica, a ponto de questionar o jazz como uma simples
sucessão de chorus acompanhados, a favor de uma instalação coletiva
do groove, de um clima rítmico, de uma progressão dramática e de um
senso de suspenso que deixam o público sem fôlego. Pode-se dizer que
Jamal toca mais o trio do que simplesmente o piano.
A partir de 1955, as instruções do trompetista a seu novo pianista,
Red Garland, foram nesse sentido. Por sua vez, Red Garland contribuiu com suas sugestões para enriquecer o repertório de Miles, além
dos empréstimos tomados diretamente ao trio de Jamal. Alguns usos
são retomados deste, como o toque em dois tempos (o baixo tocando
apenas os tempos fortes, como fez Paul Chambers na exposição de
“If I Were a Bell” e de “All of You”) ou o rimshot, golpe seco sobre o círculo metálico da caixa clara, com o qual Philly Joe Jones gostava de
destacar o quarto tempo do compasso e que ele disse ter aprendido
com o guitarrista do trio de Jamal, Ray Crawford (ele dá um exemplo
durante o solo de Red Garland em “If I Were a Bell”, do álbum Relaxin).
No final do verão de 1955, o jovem contrabaixista Paul Chambers
substituiu Percy Heath. Como esse último, ele aprimorou a postura
da mão esquerda na corda, o que prolonga a duração da nota. Ele
valoriza assim o teor melódico do walking bass, o que nele é uma
conduta excepcional, e apresenta uma virtuosidade inédita nos solos
(nos quais ele chegava mesmo a usar o arco) e igualmente um modo
de ornamentar ou mesmo transgredir a walking bass. Ou seja, a plenitude de sua sonoridade amplia a qualidade de seu andamento, em
perfeita conivência com seus parceiros do novo quinteto.
J
ohn Coltrane, O CUBISTA. Para
tentar se desintoxicar, Sonny Rollins se
afastou do cenário novaiorquino. Miles
Davis voltou-se então para o saxofonista
alto Cannonball Adderley que causou
sensação como sucessor incontestável
de Charlie Parker, mas ele estava retido
na Flórida, onde ensinava. Depois de um
ensaio sem continuidade em Chicago com
o tenor John Gilmore, Philly Joe Jones
apresentou John Coltrane a Miles. Este o
havia visto tocar com Sonny Rollins com
muita convicção por volta de março de
1951, durante uma jam session que ficou
na memória. Depois de esperarem em vão
o retorno de Sonny Rollins, Miles fez com
que Coltrane viesse de Baltimore para um
contrato que começou em 27 de setembro
de 1955. Logo, os clubes novaiorquinos
— Birdland, Café Bohemia, Basin Street —
começaram a disputar o quinteto e, em 26 de outubro, este gravou as
quatro primeiras faixas para a Columbia.
No entanto, John Coltrane não tinha unanimidade. Sua participação no
quinteto de Miles foi a ocasião para um verdadeiro nascimento para
No Café Bohemia, em Nova York, em
1956, Marvin Koner imortalizou uma
soberba foto vermelha — que se
encontra na capa do primeiro disco de
Miles Davis para a Columbia, ‘Round
About Midnight — a arrogância do
músico que se escondia cada vez
mais frequentemente atrás de óculos
escuros. À direita, no alto, no palco
com o loquaz Cannonball Adderley;
embaixo, com o taciturno John
Coltrane. Fotos: Marvin Koner;
Carole Reiff (no alto, à direita)
Também conhecido com o nome de The
New Miles Davis Quintet, o álbum Miles,
da Prestige, marcou a estreia em disco
do primeiro quinteto, grupo que brilhou
em ‘Round About Midnight, o primeiro
álbum de Miles Davis para a Columbia.
esse músico que multiplicou as ocasiões de enriquecer seu vocabulário, mas que até então havia vegetado nas orquestras de rhythm
and blues. Durante o ano seguinte, nós o vimos alçar voo e desenvolver uma linguagem de intensidade desconcertante. O crítico Ira
Gitler falava de “camadas de som” para designar esse novo estilo de
improvisação. Coltrane lançou-se na harmonia bebop multiplicando
as proposições e os ângulos para revelar as ambivalências, como os
pintores cubistas que buscavam reproduzir um objeto ao observá-lo
de todos os lados ao mesmo tempo. Em um primeiro momento, a
energia não fluiu entre Coltrane e Davis. Embora tivesse visões claras
em sua mente, o trompetista não tinha facilidade para formular o
que desejava e ficou desconcertado com esse homem sério que não
parava de lhe fazer perguntas e diante do qual ele não dissimulava sua
irritação. No entanto, ele percebeu confusamente esse potencial que
ajudou a desabrochar: “Eu lhe mostrei muita coisa [...]. Eu lhe dizia:
“Veja os acordes, mas não os toque sempre dessa maneira, entende?
Você os ataca ao meio e pode tocá-los em terças... Você tem 18 ou
19 coisas diferentes para tocar em dois compassos”. [...] Trane era o
único músico capaz de tocar os acordes que eu lhe mostrava sem que
eles parecessem acordes”.
O
QUEREMOS MILES
QUINTETO EM ESTÚDIO. Depois de uma gravação
para a Columbia, veio a vez da Prestige receber o novo
quinteto em 16 de novembro. Dessa gravação resultou o álbum The New Miles Davis Quintet. Trata-se de
uma música sem ornamentos, sem arranjos especiais
para os dois instrumentos de sopro, na qual Miles faz
a maior parte das exposições, sendo que a interpretação da melodia foi sua única contribuição em “There
Is no Greater Love”. Esse modo de agir, que passou
a ser frequente na música de Miles, demonstrou o
interesse do trompetista pelas músicas e por seus intérpretes, o que
testemunhou em especial muita admiração por Frank Sinatra (que,
conforme ele mesmo disse, influenciou seu fraseado) e por Blossom
Dearie (que o impressionava pelo modo de exigir silêncio de seus
ouvintes). Em 1961, Miles insistiu em que Shirley Horn partilhasse o
cartaz do Village Vanguard com ele.
A partir dos anos 50, a canção passou a ocupar um lugar especial no
repertório de Miles. Ele interpretava as baladas com a surdina Harmon
mais fechada para trompete, que aproximava ao máximo do microfone
para obter um timbre afabafado, rouco, anasalado, muito próximo do
timbre de sua voz após uma cirurgia de pólipos da laringe em outubro
de 1955 e não distante do timbre de voz de Billie Holiday. Um de seus
biógrafos, Jack Chambers, comparou sua interpretação das baladas às
cantadas por Billie Holiday: “É desolado, doloroso, mas nunca com pena
de si mesmo”. Aí se situa, provavelmente, a principal diferença entre o
romantismo de Chet Baker e a distância adotada por Miles, que acentua
seu sentido do silêncio, sua capacidade de remodelar as melodias, e
até de retalhá-las em temas altivos, incisivos e no limite da abstração.
Em apenas duas sessões de gravação (11 de maio e 26 de outubro de
1956), o quinteto deu ao selo Prestige material para os quatro discos que
ainda faltavam para cumprimento do contrato. A gravação foi feita em um
clima de urgência e 12 músicas foram gravadas, encadeadas uma após
a outra, como se o quinteto se apresentasse em um clube. Os ruídos do
estúdio entre as faixas foram mantidos no disco. Ouvimos Miles dizer “OK,
ficou bom” no final de “When Lights are Low” e “Como ficou, Bob?” no fim
de “It Could Happen to You”. Bob Weinstock pergunta o que ele acha de
um novo registro no final de “Woody’n You” e Coltrane pede um abridor
de garrafas. O início de “You’re My Everything” chega a ser interrompido
por Miles que indica a Red Garland como introduzir o trecho.
Ouve-se muitas vezes a voz de Miles nesses discos, especialmente no
começo e no fim de Miles Smiles, e também em alguns trechos durante
Em 1956, para cumprir o contrato
com o selo Prestige, Miles Davis
gravou com seu quinteto, em apenas
dois dias, o material para quatro
álbuns que foram publicados sob
títulos que evocam o work in progress
dessas sessões de gravação sem
interrupções: ’Cookin’, Relaxin’,
Steamin’ e Workin.
o período elétrico dos anos 1969-1974, quando ele dirigia os músicos
passando de um a outro para fazer sugestões. Já com Monk, em 24 de
dezembro de 1954, quando o pianista se enganou no início do primeiro
take de “The Man I Love”, provocando reclamações de seus companheiros que tinham pressa de acabar, Miles chamou o engenheiro de som,
Rudy Van Gelder, e pediu que deixasse tudo na gravação. Devemos ver
aqui uma vontade de deixar aparecer o som do estúdio, a música em
processo de ser feita. Sua voz chegou mesmo a ser gravada para, no
fim de sua carreira, ser recolocada aqui e ali em sua música.
Se o título do primeiro álbum resultante dessas gravações, Cookin’, faz
referência ao gosto de Miles pela culinária, ele também sugere a ideia
de work in progress que estava no cerne das preocupações do músico
nos anos 70. Esse gosto pela urgência e pelo risco no estúdio pode ser
atribuído à falta de preparo das sessões de gravação do quinteto de
Charlie Parker. Porém, podemos notar que Parker gostava de repetir os
registros, enquanto Davis se cansava logo desse exercício, frequentemente dando o melhor de si no segundo ou terceiro take. Durante as
sessões de gravação de Prestige em 1956, os primeiros takes foram
encadeados uns com os outros. O caráter espontâneo dessas sessões
de gravação foi comentado muitas vezes.
De fato, as melodias eram expostas por Davis em solo ou em uníssono
com Coltrane. No entanto, os modos de toque da rítmica inspirados
em Ahmad Jamal demonstram um senso de detalhe na distribuição
dos papéis e na organização dos cenários. Para se convencer disso,
basta ouvir as entradas e saídas do piano em “Wood’n You” e mais
ainda em “Oleo”.
Entretanto, foi outro o clima que reinou nos estúdios da Columbia
em 5 de junho e 10 de setembro de 1956 (‘Round About Midnight).
Cada trecho foi objeto de um trabalho de pós-produção que permitiu
escolher os melhores solos nos diferentes takes de um mesmo trecho para fazer uma montagem.
‘ROUND
MIDNIGHT
Miles Davis e eu nos tornamos amigos em
1946, um pouco depois de eu voltar da
guerra no Pacífico. Eu gostava não só de
seu modo de tocar, mas o considerava um
rapaz muito agradável, gentil e de conversa
interessante. Enquanto nossa amizade
se desenvolvia, eu seguia o progresso de
sua carreira e fiquei decepcionado ao ver
que, depois de voltar de Paris, em 1949,
tudo indicava que ele estivesse envolvido
com as drogas. Seu toque se degradou, ele
deixou de se preocupar com sua aparência
e com seu som — certamente, esse não
era mais o Miles que eu conhecera. Se não
me engano, foi em 1951 que ele se tornou
tão instável na capacidade de honrar seus
compromissos que ficou praticamente
sem trabalho durante todo o ano, mesmo
que, como de costume, tivesse terminado
em posição muito boa nas votações das
revistas dedicadas à música.
Pouco depois, Miles tentou me convencer
a contratá-lo. Ele certamente soubera
que eu tinha recrutado talentos em
ascensão como Dave Brubeck e Erroll
Garner, que começaram gravando para
selos pequenos e, graças à força da
Columbia, desabrocharam rapidamente
e se tornaram grandes astros. Depois
de me informar junto ao sindicato dos
músicos para me certificar de que ele
não estivesse sob contrato com outra
gravadora, lhe disse que isso estava fora
de questão: ele tinha um contrato válido,
com algum tempo ainda, com os discos
Prestige. (De todo modo, eu não tinha
nenhum desejo de lidar com um artista
que usasse drogas, pois já tivera esse
tipo de experiência.)
Dois anos se passaram e Miles voltou a
me procurar. Havia passado a morar a
poucas quadras de meu apartamento,
em Manhattan e, de vez em quando, me
convidava a visitá-lo — a vida não ia bem
e ele se sentia um pouco só. Durante
o inverno de 1953-1954, costumava
ir tocar nas noites de portas abertas,
às segundas-feiras, no Birdland, na
Broadway. Nessas noites aconteciam
principalmente jam sessions que não
custavam quase nada à direção e
permitiam que o estabelecimento ficasse
aberto em uma noite em que quase todos
os clubes fechavam. Eu tinha o hábito de
ir até lá para ouvir os novos talentos.
Depois de duas segundas-feiras, percebi
que Miles tocava novamente bastante
bem o que, estou certo, explica que ele
sentisse coragem suficiente para me
fazer uma proposta incomum. “Você
sabe, George”, disse ele, “você acabou
de me ouvir tocar e sabe que me livrei
das drogas. Por que você não liga para
Bob Weinstock, da Prestige, e lhe diz que
tem a intenção de assinar um contrato
comigo assim que o dele terminar? Por
que não lhe diz que se você gravar a
partir de agora, poderá lançar um disco
da Columbia assim que o contrato dele
comigo expirar? Bob se beneficiará
Miles Davis e o produtor George
Avakian no estúdio da Columbia, 1956.
Foto: Carole Reiff.
com a promoção que a Columbia poderá
fazer de imediato, sem esperar quatro
ou cinco meses para que um disco fique
pronto. Ele terá todos os meus LPs para
vender, enquanto você, por outro lado,
terá apenas um disco para focar sua
campanha publicitária”.
Tive de admitir que a ideia era original
e astuciosa, mas ainda fiquei reticente,
até assistir ao festival de Newport
em 1955 com meu irmão, Aram. Miles
apresentou-se no contexto de uma
substituição que não fora anunciada, em
companhia de Zoot Sims, Gerry Mulligan,
Thelonious Monk, Percy Heath e Connie
Kaye. Eles tocaram três temas. No fim
do segundo (‘Round Midnight, de Monk),
Aram voltou-se para mim: “Você sabe
que Miles parou tudo e, agora, depois
desse concerto, todos irão cortejá-lo”.
Fomos até os bastidores depois da
apresentação e eu disse a Miles que
viesse me ver na segunda-feira.
Esbocei, em linha amplas, o plano que
tinha começado a elaborar: Miles devia
montar um sexteto permanente que eu
gravaria, mas não lançaria antes do final
do contrato com a Prestige, no início
de 1957. Por outro lado, ele devia não
só ficar limpo, mas também restaurar
sua imagem como artista que tanto se
havia deteriorado nos anos anteriores.
O único agente que ainda confiava um
pouco nele era um bom amigo meu, Jack
Whittemore, da Shaw Artists. Prometi-lhe
que Miles e eu forneceríamos o produto
musical anunciado, no palco e nos discos,
acompanhado de um apoio promocional
que lhe permitiria recolocar Miles em sua
posição. Para minha grande alegria, Miles
não só aceitou como me disse também
que já havia começado a montar um
quinteto com Sonny Rollins, Red Garland,
Paul Chambers e Philly Joe Jones. Quando
o grupo estivesse pronto, disse ele, eu
agendaria a gravação do primeiro disco
que seria chamado ‘Round Midnight, em
homenagem ao show em Newport que me
havia levado a essa decisão.
Jack agendou os primeiros compromissos
e as coisas pareciam ir bem até que
alguém propôs a Sonny Rollins a direção
de um grupo em Chicago. Miles logo
encontrou um substituto excelente,
um músico em ascensão: Cannonball
Adderley. Mas Cannon teve de confrontar
uma escolha decisiva para sua carreira:
renunciar a seu cargo de professor titular
na Flórida ou se engajar na aventura da
vida de um músico itinerante em período
integral... A prudência venceu nesse dia e
ele optou pela segurança.
Então, Miles iniciou as audições para
encontrar um substituto para o saxofone.
“Não se apresse”, eu lhe disse. “O
importante é montar um grupo que seja
estável e sólido”. No início de setembro,
Miles me telefonou: “Acho que encontrei.
Venha no próximo fim de semana e, se
o grupo lhe agradar, poderemos gravar
assim que eu voltar a Nova York”.
O saxofonista que Miles havia encontrado
era John Coltrane. Nem Miles, nem Trane,
nem eu conseguimos lembrar depois se
eu fui ouvir o novo quinteto na Filadélfia
ou em Baltimore. Por outro lado, todos
lembramos que, na última música, Trane
fez um longo solo que deixou todos sem
ar e apagou minhas últimas dúvidas:
havia chegado a hora de organizar a
primeira sessão de gravação do conjunto.
Esse primeiro álbum foi um sucesso.
A próxima etapa foi imaginar uma
maneira nova e empolgante de
apresentar Miles que impulsionasse
sua popularidade além da pequena
formação com a qual o público o vira
desde sua chegada ao circuito. Encontrei
o modo de fazer isso de uma maneira
completamente inesperada.
Meu colega de longa data, Gunther
Schuller, havia decidido construir uma
teoria musical que chamava de third
stream (terceira corrente), que se
baseava na aproximação da música
clássica (primeira corrente) e do jazz
(segunda corrente) a fim de formar uma
nova disciplina musical.
O meio escolhido para apresentar essa
sintese foi uma orquestra formada por
músicos das duas correntes, criada
em 1956 por Gunther para interpretar
obras compostas por ele para o clássico
contemporâneo e por John Lewis, J. J.
Johnson e George Russell para o jazz.
Quando o concerto estava próximo, foi
cancelado quando o regente Dimitri
Mitropoulos inscreveu a composição de
Schuller no programa de um concerto da
Filarmônica de Nova York. Gunther propôs
rapidamente que a orquestra, que havia
ensaiado cuidadosamente, gravasse
as quatro obras para a Columbia, com
Mitropoulos regendo a Symphony for
Brass and Percussion de Schuller de um
lado, e Gunther regendo as outras peças
do outro lado. Esse novo conceito musical
foi, desse modo, gravado com muita
eficácia e menos custo em duas tardes.
Mas como Miles Davis se envolveu nessa
história? As composições do lado jazz
incluíam três solos para trompete ou
cornetim, e Gunther pensou que poderiam
ser tocados por Miles, que acabara de
assinar o contrato com a Columbia. Miles
aceitou meu convite e assistiu à primeira
sessão de gravação, durante a qual foi
gravada a obra de Schuller.
A participação de Miles na segunda
sessão de gravação, na posição
de solista em uma formação de 19
músicos colocados sob a batuta de
Gunther, deu-me a ideia para o segundo
disco de Miles para a Columbia. Eu
havia visualizado esse som como um
desenvolvimento do noneto de Miles para
a Capitol, que fora um fracasso comercial
— mesmo assim, eu adorava essa
música. Miles seria o único solista; os
únicos arranjadores e regentes possíveis
seriam Gunther (que havia tocado de
cor durante as sessões de gravação na
Capitol) ou Gil Evans. Miles escolheu Gil
Evans porque já havia trabalhado de
modo mais próximo a ele — o resto é
parte da história.
Eu já tinha escolhido o título do
álbum: Miles Ahead, querendo dizer
“Miles is forging ahead, miles ahead
of everyone else” (“Miles está na
frente, milhas na frente dos demais”).
O diretor artístico, Neil Fujita, propôs
uma imagem a partir do título: um
barco a vela, que poderíamos imaginar
como um participante de uma corrida,
mas “milhas à frente”, sem nenhum
adversário à vista. Todos os elementos
se encaixaram. O álbum foi arrastado
na esteira do sucesso do primeiro disco
de Miles para a Columbia (‘Round About
Midnight, pois o editor insistiu que
usássemos o título exatamente como
registrado) e decolou como trilha sonora
de um filme de Frank Sinatra.
Miles não ficou contente com a
“branquela” sentada no barco que
aparecia na capa e pediu que eu a
trocasse. “Coloque a Frances”, disse-me
ele. Frances era sua namorada e dançava
na Broadway no grande sucesso da
época, West Side Story.
Eu lhe expliquei que, se
interrompêssemos a produção, ele
perderia milhares de vendas. Miles
Ahead foi produzido no contexto de
nosso plano de expedição “express”:
imprimir as capas em grande
quantidade era relativamente um bom
negócio; nós imprimíamos dezenas de
milhares e, à medida que os pedidos
chegavam, a fábrica prensava os
discos que eram expedidos dentro de
24 horas. Além disso, a capa havia sido
encomendada aos fornecedores e, agora
que o conceito do álbum fora formado, a
única modificação possível seria utilizar
uma foto de Miles para “destacá-lo”
como uma personalidade. Miles aceitou,
escolheu a foto e nós escoamos as
capas originais restantes sem nenhuma
interrupção nas vendas.
Na Europa, em especial na França, Miles
Ahead foi também um enorme sucesso.
Ele colocou Miles como um importante
artista do jazz para o resto do século XX,
de modo permanente e, até hoje, quase
duas décadas depois de sua morte.
George Avakian
GEORGE AVAKIAN TRABALHou PARA DIFERENTES SELOS
(COLUMBIA, WORLD PACIFIC, RCA VICTOR, WARNER BROS) e
PRODUZIU, EM ESPECIAL, OS DISCOS DE LOUIS ARMSTRONG E
DE DUKE ELLINGTON. EM 1985, ELE ARTiculou O CONTRATO
DE MILES DAVIS COM A COLUMBIA.
Na turnê Birdland All Stars, em 1956,
Miles Davis dividiu o palco com um
dos ídolos de sua adolescência, o
saxofonista tenor Lester Young. Eles
tocaram em várias cidades europeias
(abaixo, em Amsterdam).
Fotos: Ed van der Elsken
O saxofonista tenor Sonny Rollins,
com quem Miles Davis gravou em
algumas ocasiões (ao lado, no palco,
em 1957), por diversas vezes ocupou
o lugar de John Coltrane no quinteto
do trompetista.
Foto: Bob Parent
A
LTOS E BAIXOS DO QUINTETO. O Miles
Davis Quintet tornou-se um dos principais
conjuntos dos palcos contemporâneos e o
trompetista aproveitou esse sucesso e também o apoio de seu advogado Harold Lovett
para se tornar cada vez mais exigente, reduzindo suas apresentações nos clubes para
três e depois para duas sessões, em vez das
cinco costumeiras. Em público, ele adotou
um comportamento imprevisível, altivo, até
mesmo arrogante, chegando na última hora,
recusando-se a anunciar as músicas, voltando as costas ao público. Ele deixava o palco
assim que parava de tocar, às vezes depois de
apenas algumas notas. Entre as sessões, ele
evitava o público e desencorajava qualquer
tentativa de aproximação. Ele rompeu assim
com a convivência nos clubes, como se buscasse separar o jazz de sua
função de divertimento. Ele transformou sua timidez em agressividade
e passou a agir de modo intimidante, dissimulando seu olhar por trás de
óculos escuros e adotando atitudes de bad boy. Ele usava roupas caras,
ia para o clube ao volante de sua Mercedes 300 SL azul e morava em um
apartamento espaçoso no número 881 da 10ª Avenida onde, aos fins de
semana, recebia os filhos, que moravam no Brooklyn com Irene, e onde
organizava recepções, para as quais costumava cozinhar.
Ele mantinha uma ligação com Jean Bach, a quem alertou contra seus
próprios músicos, pouco respeitáveis. De fato, assim que pareceu sair
da sarjeta, ele se afastou totalmente dos membros de seu quinteto
que enfrentavam graves problemas de dependência de drogas. John
Coltrane muitas vezes adormecia no palco e se vestia de um modo
81
negligente que contrastava com a elegância de Miles. Este tinha constantemente de manter Philly Joe Jones afastado do bar. Paul Chambers
e Red Garland desapareciam, às vezes, no momento de subir ao palco.
Em outubro de 1956, no Café Bohemia, Miles chamou Sonny Rollins para
substituir John Coltrane, que abandonou seu lugar em meio às apresentações. Em novembro, o trompetista dissolveu temporariamente seu
conjunto para participar da turnê europeia do Birdland All Stars. O cartaz
apresenta o Modern Jazz Quartet, com Bud Powell em solo, Miles Davis e
Lester Young, sendo estes dois últimos acompanhados pelo trio francês
do pianista René Urtreger, com Pierre Michelot e Christian Garros.
Ao voltar da França, Miles alterou o quinteto, mas logo anunciou sua
intenção de deixar os palcos. Ele se dizia desgostoso do trabalho, cansado do jazz e mencionou ofertas de emprego que teria recebido como
diretor musical de uma gravadora e como professor na Universidade
Howard em Washington D.C. Tocando quase que permanentemente no
Café Bohemia, seu quinteto sofreu uma verdadeira “dança das cadeiras”
musical culminando, no final do verão de 1957, com a saída do grande
baterista Art Taylor em meio a uma apresentação, exasperado com as
críticas que recebia de Miles. Sonny Rollins, que substituiu John Coltrane,
afastou-se para montar seu próprio grupo, deixando o lugar para o belga
Bobby Jaspar, até que Cannonball Adderley aceitou a oferta de Miles.
R
EENCONTRO COM GIL EVANS. Enquanto o quinteto se
desfazia, um novo projeto tomava forma. Ele se situava
no contexto de uma corrente, então emergente, que favorecia a aproximação do jazz e da música clássica. Seus
líderes eram dois antigos companheiros do noneto de
Miles, o pianista e arranjador John Lewis, cofundador do
Modern Jazz Quartet, e o trompista, compositor e teórico
Gunther Schuller. Antes mesmo de ser batizada como
third stream (terceira corrente) por Gunther Schuller, em 1957, essa
corrente tomou corpo com a gravação para a Columbia, em 1956, de
uma série de peças ambiciosas, em especial “Three Little Feelings”
de John Lewis e “Poem for Brass” de J. J. Johnson, na qual Miles
Davis participou como solista no cornetim, um instrumento que ele
ainda não conhecia. Essas obras deram a George Avakian a ideia de
um novo projeto para Miles, sob o mesmo formato orquestral. Foi a
oportunidade para que o trompetista se reencontrasse com Gil Evans.
George Avakian deu carta branca aos dois homens, com a condição
que o disco tivesse uma composição com o título que ele escolhera
para o álbum: Miles Ahead. O trompetista propôs que retomassem “The
Duke”, de Dave Brubeck, novo astro do catálogo da Columbia, e “New
Rhumba”, de Ahmad Jamal. Gil Evans trouxe a canção “I Don’t Wanna
Be Kissed” (tornada famosa por Doris Day e já regravada por Ahmad
Jamal), “Springsville”, de Johnny Carisi (que a escrevera para o noneto),
“My Ship” de Kurt Weill. “The Meaning of the Blues” e “Lament”, fundidos
um no outro, são respectivamente de Bobby Troup e de J. J. Johnson;
“The Maids of Cadiz” é de Léo Delibes e “Blues for Pablo” foi inspirada
em Tricorne de Manuel de Falla e em músicas populares mexicanas.
Para tirar partido da duração do LP de 30 centímetros, Gil Evans decidiu encadear as peças em uma longa sequência por meio de breves
transições sonoras. Além das partes solistas de cornetim, que depois
foram regravadas por Miles, a orquestra inspirou-se com a trompa e
a tuba de Claude Thornhill, com um único saxofone entre os diversos
instrumentos de sopro (clarinetas, flauta, oboé).
A rítmica não comportava piano. O contrabaixista e o baterista eram
os mesmos do quinteto de Miles — Paul Chambers e Art Taylor —,
e reencontramos aqui o sentido do detalhe, que caracterizava as
pequenas formações do trompetista, em combinação com a riqueza
orquestral e os desenvolvimentos de Gil Evans.
Em 1957, Miles Davis escolheu Gil
Evans para arranjar e dirigir um
disco em grande formação para
a Columbia, que foi lançado sob
o título de Miles Ahead (ao lado,
tocando cornetim, durante as
sessões de gravação). Ele exigiu a
mudança da capa do álbum quando
descobriu que teria a foto de uma
jovem branca (abaixo).
Foto: Don Hunstein
A
scensor para o cadafalso.
Em 1957, Miles Davis conheceu,
no Birdland de Beverly Bentley,
uma atriz que havia acabado
de filmar Um rosto na multidão
(A face in the crowd), de Elia
Kazan. Por intermédio dela, ele
se interessou pelo teatro e pelo
cinema, e lhe deu discos de Aram
Khatchaturian, Ernest Bloch,
Claude Debussy e de Maurice
Ravel. Ela o recomendou para
compor a música de A grande
chantagem (The big knife) de
Carrie Bliss, mas ele recusou a
proposta. Foi uma outra mulher
que o persuadiu a levar seu trompete para o cinema, Jeanne de
Mirbeck, irmã do pianista René
Urtreger. Ele a reencontrou em
novembro de 1956, na noite
da primeira apresentação do
Birdland All Stars na Salle Pleyel
de Paris, e eles tiveram um relacionamento amoroso. Quando,
em outono de 1957, o produtor
Marcel Romano propôs a Miles uma nova turnê europeia em quinteto,
com o trio de René Urtreger, a perspectiva de reencontrar Jeanne
juntou-se, talvez, ao desânimo que ele sentia diante dos problemas
de seu próprio quinteto. Dessa vez, foi Kenny Clarke, antigo companheiro de Miles, que assumiu a bateria e Marcel Romano acrescen-
QUEREMOS MILES
tou ao quarteto seu jovem protegido, o saxofonista Barney Wilen.
Mas a turnê não teve o sucesso previsto, exceto algumas grandes
apresentações em salas europeias (Amsterdam, Stuttgart, Bruxelas
e Paris, no Olympia e na Salle Gaveau). Em Paris, sem ter mais nada
a fazer senão ir à noite ao Club Saint-Germain onde se apresentava
com o quinteto francês, Miles se encontrava como se estivesse em
férias, longe das preocupações de sua vida novaiorquina.
O Club Saint-Germain era, na época, frequentado por Alain Cavalier e
François Leterrier, dois assistentes de Louis Malle, que acabara de
rodar Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud) e não
tinha uma música tema. Marcel Romano, que cultivava a ideia de produzir um making of da turnê, filmada por François Reichenbach, não
havia conseguido a verba necessária. A ideia tomou a forma de propor
ao trompetista que escrevesse uma música para o filme de Malle. Sem
conseguir convencê-lo, Romano e Malle pediram então a Jeanne de
Mirbeck que intercedesse junto a Miles Davis, e ela conseguiu levar
seu amante a uma projeção em relação à qual ele não fez nenhum
comentário. Mais tarde, no mesmo dia, ao sair do banho em seu quarto
no hotel Windsor, ele pediu a sua jovem companheira que lhe desse
a corneta que acabara de ganhar da Maison Couesnon e começou a
tocar a famosa linha de contrabaixo que acompanha a caminhada
desesperada de Jeanne Moreau ao longo do filme. Na noite de 4 para
5 de dezembro, ele levou seu quinteto francês para o estúdio do Poste
Parisien e, partindo de frases que havia começado a experimentar com
os músicos no piano do Club Saint-Germain, ele improvisou a música de
Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud), que contribuiu
para o sucesso do filme.
No ano seguinte, Louis Malle propôs a Miles que escrevesse a música
para Os amantes, mas as exigências do trompetista (gravação em
Nova York com uma orquestra de 20 músicos) não couberam no
orçamento do filme.
Gravada em uma única noite,
a música de Ascensor para o
cadafalso (Ascenseur pour
l’échafaud), cuja atriz principal foi
Jeanne Moreau, contribuiu para
o sucesso do filme de Louis Malle
(no alto, à esquerda). Miles Davis
e seus músicos a improvisaram
direto no estúdio enquanto viam as
imagens.
Fotos: Vincent Rossel (no alto, à
esquerda); Gérard Landau (página
à direita)
86
Durante 1958, o sexteto com John
Coltrane e Cannonball Adderley
impôs-se nos principais festivais
americanos como um dos melhores
grupos do jazz moderno.
Foto: Bob Parent.
O
SEXTETO. Ao sair de Paris e voltar a Nova York em
20 de dezembro de 1956, Miles encontrou uma
outra mulher e uma nova orquestra. Em 1953,
durante sua estada em Los Angeles, ele fora
apresentado a uma bailarina da companhia de
Katherine Dunham, Frances Taylor. Ele a reencontrou em Nova York, onde ela dançava no espetáculo
de Sammy Davis Jr., apresentado na Broadway em
1956, Mr. Wonderful. Em processo de divórcio do
bailarino Jean-Pierre Durand, com quem ela tinha
um filho igualmente chamado Jean-Pierre, ela
estava no elenco de West Side Story. Miles assistiu à criação do espetáculo no Winter Garden em
setembro de 1957 e ia vê-la com frequência. Ele
logo a instalou em seu apartamento da 10ª Avenida e, demonstrando
ciúmes crescentes, lhe pediu que deixasse a companhia para se dedicar totalmente a ele, a proibindo até de participar da filmagem, apesar
dos pedidos insistentes do coreógrafo Jerome Robbins.
No que se refere à música, depois de sua volta aos Estados Unidos,
Miles Davis reuniu seu antigo quinteto e acrescentou Cannonball
Adderley. John Coltrane havia parado de se drogar desde sua expulsão
do Café Bohemia em abril de 1957. Thelonious Monk, que havia visto
Miles atacar Coltrane, comoveu-se e propôs ao saxofonista contratá-lo.
Os dois gravaram alguns dias depois do incidente e tocaram juntos no
Five Spot durante várias semanas consecutivas, continuando a trabalhar juntos até o final do ano.
Ao lado do pianista — ou em sua ausência, quando ele saia do palco e o deixava sozinho com o contrabaixo e a bateria —, Coltrane encontrou novas
soluções para sua abordagem caleidoscópica à harmonia bop. Miles, que
ia ouvi-los frequentemente, começou a se arrepender. Quando o sexteto
QUEREMOS MILES
A Columbia utilizou o talento dos
fotógrafos Roy De Carava e Dennis
Stock para realizar as capas dos
discos Porgy and Bess e Milestones
(acima). Ao alto, fotos da gravação do
álbum Milestones.
Fotos (ao alto): Dennis Stock.
QUEREMOS MILES
foi formado, alguns se surpreenderam ao ver esse inovador associado
a Cannonball Adderley, então considerado um novo Charlie Parker, ou
seja, um guardião da tradição. Miles respondia simplesmente que essa
combinação fornecia um contexto perfeito para sua música.
Seu fascínio por Coltrane é indissociável de seu interesse pelo enraizamento de Cannonball Adderley na tradição do bop e do blues e, às vezes,
ele se divertia mostrando a um o exemplo do outro. Sua satisfação com
Cannonball na época era tal que ele aceitou participar do disco deste
para a Blue Note, Somethin’ Else, comportando-se como um verdadeiro
diretor artístico e deixando ali, além da marca de seu trompete, um
arranjo de Autumn Leaves visivelmente inspirado no trio de Ahmad
Jamal. Mas nesse início de 1958, as sessões de gravação de seu próprio sexteto para a Columbia é que foram um acontecimento. Ouve-se
aí o grande Miles à frente do grupo que se reconecta com a potência
de “Walkin’”, cuja versão modernizada é “Sid’s Ahead”. Graças a sua
técnica, o trompetista se aventura com facilidade acima do alcance
habitual. Sua sonoridade atingira a plenitude, mas ele não se privava de
efeitos dramáticos de timbre. No andamento extremo de “Dr. Jackle”,
ele alternava passagens rápidas, com articulações de leitura esplêndida
e notas longas que planavam sobre as ondas rítmicas. Nas exposições
arranjadas com eficácia prodigiosa, seu grupo demonstrou um som
maciço que diminuía no fogo das intervenções dos solos, que se alternavam em um contraste entre o voo fascinante de Coltrane e os traços
agitados de Adderley. Davis demonstra uma confiança total em seu
contrabaixista, que garantia ao grupo um groove impecável mesmo
tomando liberdades constantes. Miles lhe confiou solos na maioria das
faixas. Os diálogos com a bateria em “Sid’s Ahead” e a alternância que
Miles Davis passava a Philly Joe Jones em “Dr. Jackle” testemunham
também a cumplicidade entre os dois. Por outro lado, Red Garland bateu
a porta no momento de gravar a última faixa, “Sid’s Ahead” , desgostoso
pelos poucos solos atribuídos ao piano e pelos silêncios que lhe eram
impostos no plano de fundo dos solistas, de vez em quando.
C
om e sem piano. O trompetista já havia pedido a
Thelonious Monk que se retirasse durante seus solos
durante a sessão de gravação de 24 de dezembro de
1954. O que poderia parecer um estratagema para se proteger dos acompanhamentos estranhos de Monk era, no
entanto, um dos hábitos de Miles. No solo final de “Solar”,
em 3 de abril de 1954 (Walkin’), ele fez Horace Silver se
calar. No mesmo ano, em “Oleo”, ele não permitiu que o
piano o acompanhasse, exceto no início da faixa. Na versão de 1956, ele parece mesmo ter proibido a Red Garland que fizesse
acompanhamentos com a mão esquerda no solo que lhe foi confiado.
Essas limitações ao piano e esses solos em single notes, sem mão
esquerda, correspondiam inicialmente a instruções precisas: “Cada novo
pianista”, explicou Wynton Kelly — futuro pianista de Miles — “ficava
completamente perdido porque Miles lhe dizia para tocar e, depois, para
não tocar”. Mais tarde, Wynton Kelly e Herbie Hancock integraram esse
hábito que passou até serem objeto de iniciativas espontâneas.
As primeiras experiências de tocar sem piano ocorreram em 1947, com
os dois primeiros chorus de trompete em “The Hymn” ao lado de Charlie
Parker e, em 1949, com “Moondreams” de Gil Evans, que mais tarde não
usou o piano em sua colaboração com Miles. Este último tomou consciência do interesse dessa fórmula em 1952 (no mesmo momento em que, na
Costa Oeste, Chet Baker e Gerry Mulligan experimentavam o quarteto sem
piano). Miles Davis participou então de uma turnê com uma formação sem
piano que incluía Milt Jackson, Percy Heath e Kenny Clarke. “Se algum de
nós quisesse o piano, um de nós o tocaria [...]. Se ninguém o desejasse,
aquele que estivesse tocando poderia vaguear, tocar aquilo que quisesse,
acompanhado simplesmente pela bateria, o baixo e o espaço vazio deixado pelo piano. Não seria preciso nada além de recorrer à própria imaginação. É como descer por uma rua, em um dia luminoso, ensolarado, sem
nada nem ninguém em seu caminho. Tocar sem piano liberta a música.
Descobri então que, às vezes, o piano se atravessava no caminho.”
A partir de meados dos anos 50, Miles
Davis iniciou o hábito de mandar
personalizar seus instrumentos.
Desde 1957, ele usava um trompete
recoberto por um verniz azulesverdeado — “kind of blue”, portanto
— que foi o primeiro de uma longa série
de instrumentos coloridos.
Foto: Don Hunstein
A
música Modal. Miles Davis desenvolveu assim uma
desconfiança em relação às restrições harmônicas
impostas pelo piano que o levou a se interessar pela
música modal. Simplificando, um modo (ou, por aproximação, uma escala) é uma escala melódica que deve
ser representada como uma verdadeira espiral na qual
o número de graus e o espaço entre eles é definido pela
natureza de cada modo. No mundo, encontramos uma
grande diversidade de escalas: heptatônicas (com sete
graus) como nossa escala maior, hexatônicas (com seis
graus) ou pentatônicas (com cinco graus). Nas músicas tradicionais,
cada peça baseia-se, em geral, em um único modo, segundo uma estabilidade harmônica encarnada por um bordão (nota presa ou repetida)
ou por fórmulas repetidas (ostinatos). Se a música ocidental clássica
conhece apenas um número restrito de modos — nossa famosa escala
maior e suas equivalentes menores — ela inclui, por outro lado, uma
dupla mobilidade. O primeiro tipo de mobilidade, chamado cadência,
baseia-se na harmonia funcional segundo a qual a melodia vê-se limitada a evoluir apoiando-se em certos graus do modo e, depois, em
outros, que lhe dão um caráter ao mesmo tempo estável e instável
quando se encontra alguma dissonância, para depois retomar a estabilidade. O outro tipo de mobilidade ou progressão harmônica consiste
em aproveitar um momento de instabilidade para passar de uma escala
a outra, em geral idêntica, mas cujo primeiro grau se situa mais agudo
ou mais grave do que o da escala precedente.
Baseando-se nesse sistema harmônico, o bop exacerbou o princípio
de mobilidade. Os acompanhantes (pianistas e contrabaixistas) multiplicavam as restrições, obrigando o solista a acelerar os movimentos de cadências e progressões harmônicas e até mesmo a tomar
atalhos. De início, Miles Davis se apaixonou por essa ginástica, que
levou ao extremo na primeira sessão de gravação em que seu nome
foi citado, em 14 de agosto de 1947, com músicas como “Little Willie
Leaps” e “Sippin’ at Bells”. Em seguida, ele atingiu um fluxo meló-
91
dico natural que pouco cedia a esses panos de fundo esportivos e
criou o hábito de remodelar as harmonias das músicas conforme
lhe fosse conveniente. A partir do final dos anos 40, ele se mostrou
muitas vezes tentado pelo imobilismo. Em seu arranjo da composição
de George Shearing, “Conception”, reintitulada “Deception”, para o
noneto, ele expandiu a tonalidade original e suspendeu momentaneamente o movimento harmônico. Ele multiplicou essas suspensões
durante os anos 50, sob a forma de interlúdios, especialmente em
“Dear Old Stockholm” (tema tradicional sueco cuja natureza folclórica não é secundária aqui), em “The Leap”, “Take off” e “In Your Own
Sweet Way”, etc. Além disso, os fragmentos cadenciais foram colocados em loop, como no final dos solos de “If I Were a Bell”. No arranjo
de “Autumn Leaves” para o álbum Somethin’ Else de Cannonball
Adderley, ele tirou partido do ostinato emprestado a Ahmad Jamal
para estender uma coda interminável, cujo imobilismo harmônico
lembra o caráter contemplativo das músicas orientais. As sequências improvisadas diante das imagens de Ascensor para o cadafalso
(Ascenseur pour l’échafaud) adotaram de modo ainda mais radical
essa estética monocromática do clima e quando, no ano seguinte,
participou da gravação de Legrand Jazz, ele lamentou a sobrecarga
das orquestrações de Michel Legrand.
Enquanto um primeiro “Milestones”, composto em 1947, impunha aos
solistas percursos muito sinuosos, a peça “Milestones” (marco quilométrico), do álbum de mesmo nome gravado em 1958 pelo sexteto, utiliza
indicações. Reintitulada “Miles” na segunda prensagem do disco para
evitar confusão entre esses dois temas antinômicos, ela apresenta como
única limitação ao solista que toque em um modo e, depois, em um outro.
Encontramos essas preocupações no cerne da adaptação que Gil Evans
fez da ópera Porgy and Bess para Miles: “Quando Gil escreveu o arranjo
de “I Love You Porgy”, ele me indicou apenas uma escala a tocar. Você
não tem de se preocupar com a mudança de acordes e pode se exprimir
muito mais a partir do tema. Isso se transformou em um desafio: o de ver
até que ponto você é melodicamente inventivo”.
B
ill Evans E A INFLUÊNCIA CLÁSSICA.
No fim dessa década, o conceito modal
estava, portanto, no ar, com a teoria do
compositor George Russell em seu Lydian
Chromatic Concept of Tonal Organisation.
Foi ele quem aconselhou Miles Davis a convidar o pianista Bill Evans para substituir Red
Garland no sexteto. O recém-chegado apresentou ao trompetista o quarteto de Ravel
e o Concerto en sol na versão recente de
Arturo Michelangeli. Eles escutaram juntos
Rachmaninov e Khatchaturian, interessados
pelo modo em que os compositores do início
do século utilizaram os modos para fecundar
os antigos hábitos harmônicos da música
clássica e abrir novas vias de progressão
harmônica.
O baterista Jimmy Cobb havia tomado o lugar
de Philly Joe Jones e o toque delicado, as harmonizações mais abstratas e o gosto muito sutil de Bill Evans pelo improviso afetaram
profundamente a música de Miles durante a sessão de gravação de
26 de maio de 1958, na qual dominaram as baladas tocadas com
surdina e os andamentos médios. As faixas live testemunham, no
entanto, uma música de natureza totalmente diferente, na qual Bill
Evans realizou uma pontuação e uma articulação vigorosas que
animavam o novo sexteto. Mesmo assim, o universo harmônico do
grupo abriu-se consideraveImente. Miles, ao contrário do habitual
interveio muito pouco para mostrar ao pianista o que esperava dele.
Por outro lado, mostrou-se muito crítico em relação ao toque de
Cannonball Adderley que considerava datado: “Por que tocar todas
essas notas que não querem dizer nada?” No entanto, ao final de
uma apresentação no Village Vanguard em novembro de 1958, Bill
Evans deixou a orquestra.
Foto: Don Hunstein.
95
O pianista Bill Evans chegou ao
grupo de Miles Davis com uma
bagagem clássica que contribuiu para
ampliar os horizontes harmônicos
da orquestra e teve uma influência
decisiva sobre o desenvolvimento do
uso dos modos musicais.
Foto: Chuck Stewart
Único branco em uma das principais orquestras de música negra, ele
deve ter sido alvo de inúmeros comentários e o próprio Miles, apesar
da admiração profunda que lhe votava, não o poupava, apelidando-o
de “Branquelo”. É verdade também que havia chegado a hora de Bill
Evans se ocupar da própria carreira em trio.
Q
Ue TIPO DE BLUE? No início de 1959, Miles estava
orgulhoso de seu novo pianista, Wynton Kelly, em quem
via uma combinação de Red Garland e de Bill Evans. Ele
apreciava especialmente sua capacidade de prever as
ideias do solista. Em 2 de março, ele estava no estúdio
com o resto do sexteto para gravar “Freddie Freeloader”,
destinado ao futuro álbum Kind of Blue. No entanto,
quando da gravação da segunda faixa, “So What”, que
retomava o princípio bimodal de Milestones, Bill Evans
foi convidado a sentar-se ao piano. A presença deste último acabou
mesmo por dominar o conjunto do álbum — acabado em uma segunda
sessão de gravação em 22 de abril —, a ponto de roubar um pouco de
Miles aquela que continua a ser uma de suas maiores obras-primas.
No início, na mente do trompetista, Kind of Blue devia ser uma dupla
homenagem, às raízes do blues e do gospel, por um lado, e à África, por
outro. O blues, ele ouviu quando criança na casa do avô no Arkansas,
a 100 km ao oeste do berço do gênero, o delta do Mississípi (um triângulo estreito ao sul de Memphis, que não deve ser confundido com
a foz do rio). Ele não perdeu de vista essa música e John Lee Hooker
lembrava-se de ter visto Miles Davis entre seu público durante sua
estadia em Detroit, durante o inverno de 1953-1954.
O gospel, por outro lado, deixou uma lembrança muito forte em Miles,
que sempre se manteve afastado de qualquer forma de religião: “Ainda
tenho comigo a música que ouvia no Arkansas, na casa de meu avô,
sobretudo aos sábados à noite, na igreja. Eu devia ter seis ou sete anos.
Nós saíamos de noite pelas estradas escuras do campo e, imediata-
mente, essa música parecia surgir do nada, dessas árvores inquietantes sobre as quais todos diziam que eram assombradas por fantasmas.
Logo, nós estávamos à beira da estrada, com meu tio ou meu primo
James, alguém começava a tocar guitarra como B. B. King, um homem
e uma mulher cantavam. Esse tipo de coisa não me deixou mais, compreende? Esse som, esse lado blues, igreja, esse funk das estradas,
essa sonoridade e esse ritmo rural do Sul, do Meio-Oeste. Foi ao cair da
noite, nas pequenas estradas secundárias assombradas do Arkansas,
quando as corujas saíam ululando, que esse som se misturou ao meu
sangue.” Como “ Moanin’”, de Art Blakey, ou “The Preacher”, de Horace
Silver, “So What” e “All Blues” baseiam-se no jogo de perguntas e respostas entre a linha de frente dos sopros e a rítmica, mas, como já havia
feito Gil Evans em “Prayer” em Porgy and Bess, Miles Davis se destaca
do brilho e do fervor da música churchy, então na moda, e a introdução
arrepiante de “So What” e os trêmolos do piano de “All Blues” evocam
seus fantasmas nas lembranças das pequenas estradas do campo na
hora das assombrações.
R
OTA FALSA PARA A ÁFRICA. Quanto à Àfrica,
Miles disse tê-la descoberto durante uma apresentação do balé africano da Guiné a que foi levado por
Frances Taylor. Ele ficou muito impressionado com
a polirritmia musical e coreográfica: “Não escrevi
toda a música de Kind of Blue, simplesmente delineei a tela. Eu queria muita espontaneidade no
toque, como a que constatei na interação entre
os dançarinos, tambores e quem tocava sanza
no balé africano.” O que resta da África em Kind
of Blue ? Talvez o ritmo da sanza (instrumento
africano percurtido com os dedos), talvez o compasso 6/8 adotado no último momento em “All
Blues”, inicialmente escrita em 4/4. Por ainda não
Kind of Blue foi gravado em 1959 no
estúdio que a Columbia possuía em
Nova York na Rua 30. O pianista Bill
Evans (acima) que havia deixado o
grupo, voltou para essa ocasião e
o titular, Wynton Kelly, participou
apenas de uma faixa. Os solos de John
Coltrane e de Cannonball Adderley
contribuíram para o sucesso desse
disco que se impôs, meio século
depois, como o álbum de jazz mais
famoso da história.
Fotos: Don Hunstein
Redigido pelo pianista Bill Evans,
o texto do encarte de Kind of Blue
(manuscrito abaixo) tentava explicar
ao ouvinte a natureza do improviso
no jazz e detalhava a estrutura das
diversas faixas. Foi uma intenção
didática que contribuiu para
familiarizar inúmeros músicos de
jazz com o uso possível da música
modal.
Kind of Blue foi gravado em
duas sessões, em 22 de
março e em 2 de abril de 1959
(página à esquerda, uma
das folhas da sessão). Os
memorandos manuscritos do
produtor Irving Townsend (em
cima) revelam que algumas
faixas não tinham títulos no
momento da gravação, em
especial “Flamenco Sketches”,
designada como “Spanish”,
e “All Blues”, “African”,
denominações que revelam
as fontes de inspiração do
trompetista. Um erro nessas
anotações provocou uma
inversão de títulos na primeira
prensagem do álbum.
Foto: Don Hunstein
Foto: Vernon Smith.
101
Terceiro álbum realizado em
conjunto por Miles Davis e Gil
Evans (ao lado, durante as sessões
de gravação em novembro de
1959), voltado para a Espanha
e o flamenco, Sketches of Spain
contém, em especial, a famosa
adaptação do Concierto de Aranjuez
de Joaquín Rodrigo.
Foto: Vernon Smith
ter título, Irving Townsend, produtor do álbum, escreveu “African” nas
anotações da sessão de gravação. Mas é preciso admitir que a influência africana não é evidente e Miles o confessa em sua autobiografia:
“Estávamos embebidos em Ravel (em especial em seu Concerto para
a mão esquerda) e em Rachmaninov (Concerto n° 4).” Provavelmente
ainda não havia músicos capazes de aceitar tal desafio e seria preciso
chegar aos anos 70 para que isso ocorresse.
Bill Evans lembra-se de ir à casa de Miles a convite deste: “Ele pensava
que eu poderia dar indicações aos músicos a fim de concretizar seu
conceito”. Foi a partir de um acorde sugerido por Miles Davis que Bill
Evans compôs “Blue in Green”. Quanto a “Flamenco Sketches”, ele é o
desenvolvimento de uma de suas músicas, “Peace Piece”. Nessa peça,
gravada solo alguns meses antes para o álbum Everybody Digs Bill
Evans, enquanto a mão esquerda repete incansavelmente a mesma
figura harmônica, ao estilo dos músicos indianos que improvisam sobre
o bordão contínuo de uma nota sustentada, a mão direita explora um
único modo. Miles Davis propôs a Bill Evans que partisse desse modo
para construir um cenário. Os dois se puseram ao piano a fim de visualizar as diferentes possibilidades e decidiram acrescentar outros quatro
modos ao primeiro e submetê-los aos solistas do quinteto. Nada estava
escrito para essa faixa, exceto os cinco modos e a ordem em que cada
solista devia percorrê-los. Um desses modos, sobre o qual cada um
dos músicos tendeu a se demorar, é o modo frígio, característico do
flamenco. A faixa obtida recebeu o título de “Flamenco Sketches”.
O
flamenco. Essa não foi a primeira vez em que Miles
Davis visitou a música espanhola. Já em Miles Ahead,
a Espanha estava presente por meio de “The Maids of
Cadix”, de Léo Delibes, e em “Blues for Pablo”, inspirada
por Manuel de Falla, a partir de um tema tradicional mexicano. O flamenco havia sido um campo de exploração
muito estimulante para os compositores na passagem do
século XIX para o XX, enquanto a música clássica europeia
era atravessada por uma corrente dupla voltada para as
expressões regionais e para a linguagem modal. No entanto, foi na
própria fonte, graças a George Avakian, que Gil Evans descobriu o
flamenco. O produtor estava encarregado de um programa de publicação de músicas étnicas coordenado pelo etnomusicólogo Alan
Lomax e teve a intenção de levar Gil Evans a trabalhar sobre esse
tema. Por sua vez, em 1958, Miles havia ganho de Beverly Bentley
um conjunto de três discos intitulado Antología del cante flamenco
que muito ajudou a difundir esse gênero. Ao voltar de um espetáculo
de flamenco ao qual fora com Frances Taylor, ele parou em uma loja
de discos para comprar tudo o que encontrasse a respeito. Quando
Miles Davis apresentou Gil Evans ao Concierto de Aranjuez de Joaquín
Rodrigo, no início de 1959, Evans decidiu fazer uma adaptação para
trompete e orquestra a partir do tema do adágio.
Compôs também “Will o’the Wisp” (inspirado em “El Amor Brujo” de
Manuel deFalla), “The Pan Piper” (inspirado em um solo de flauta
de Pan gravado por Alan Lomax em 1952 na província espanhola da
Galícia), “Saeta” (inspirada em uma saeta tradicional interpretada
por Lolita Triana e Ramon Montoya no álbum Antologia del canto
flamenco) bem como “Solea”, prodigiosa extrapolação do canto
jondo andaluz.
Entretanto, alguns novatos de jazz sentem até hoje verdadeira ojeriza pelo Concerto de Aranjuez. Nem a adaptação que fez dele Gil
Evans, ou o resto desse programa espanhol são uma unanimidade. É
verdade que não é a primeira vez que o arranjador se aventurou nas
fronteiras do kitsch, mas sempre se manteve no limite, pela graça
iconoclasta de suas harmonias e orquestrações, que instauram um
mistério protetor.
Além disso, com elegante retidão, extrema concisão e natural
recato perante qualquer páthos, Miles Davis constituiu a melhor
garantia contra o kitsch com que Gil Evans gostava de flertar. Com
exceção de “Song of our Country”, inspirado em Villa-Lobos, que
permaneceu inédita até 1981, todas essas obras foram lançadas
em 1960, com o título de Sketches of Spain. Enquanto isso, John
Coltrane deixou Miles.
MILES DAVIS
GIL EVANS
Eddie Lang – Joe Venuti ; Django
Reinhardt – Stéphane Grappelli; Duke
Ellington – Billy Strayhorn; Charlie Parker
– Dizzy Gillespie; Bill Evans – Scott
LaFaro... Não faltam na história do jazz
esses pares mitológicos. Inegavelmente
a dupla formada por Miles Davis e Gil
Evans faz parte da lenda.
No entanto, essa associação não tinha
nada de previsível considerando-se as
diferenças de idade (quatorze anos), de
cor da pele, de brilho instrumental e de
personalidade. A história bem poderia
ter deixado cada um em seu próprio
lado. Muito se falou do famoso quarto
de Gil Evans, na Rua 55, no qual todos
se reuniam em 1948, tanto de dia como
de noite. Miles Davis realmente fazia
parte dos frequentadores, mas não era
dos mais assíduos a essas reuniões
informais. A experiência conhecida
como Birth of the Cool aconteceu, do
ponto de vista de sua relação, como
um experimento (ensaio). Gil Evans
assinou apenas dois arranjos, “Boplicity”
(uma composição de Miles Davis) e
“Moondreams” (uma terceira, “Why
Do I Love You ?”, só foi publicada mais
tarde.) Olhando retrospectivamente,
compreendemos que, por mais bemsucedidos e inovadores que pudessem
ter parecido na época, eles eram apenas
um esboço daquilo que sua colaboração
deveria produzir mais tarde. Comentários
de Miles Davis: “Ele gostava do modo
como eu tocava e eu gostava do modo
como ele escrevia”. E de Gil Evans: “Nós
tínhamos algo, um som, em comum. Não
necessariamente os detalhes; a primeira
coisa que se ouve quando alguém toca ou
escreve coisas, ou mesmo quando fala,
é o som, a forma da onda. E ter isso em
comum tornou possível a colaboração”.
Sua aventura em comum foi, no
entanto, interrompida prematuramente,
devido a um sucesso que todos
esperavam ainda maior.
Os dois homens tinham então uma vida
própria a levar e essa vida os separou.
Miles Davis iniciou uma longa descida
ao inferno da heroína, do qual só sairia
vários anos depois. Gil Evans, por sua
vez, entrou em um dos túneis que deram
ritmo a sua carreira.
Ele era um desses artistas sujeitos a
eclipses, que desapareciam do palco e,
depois, retornavam, no caso dele, com
uma certa regularidade. Ele vivia, não se
sabe como, um momento de concluir sua
aprendizagem, de deixar morrer um estilo
que ainda estava por vir.
Mesmo que os dois músicos não tenham
se perdido totalmente de vista, o
verdadeiro reencontro só ocorreu em
1956. Nesse ano, Gil Evans trabalhava
para a cantora Helen Merrill, que falou
bem do arranjador para Miles Davis.
Sobre a versão de “‘Round Midnight”
gravada por Miles, Evans arranjou ao
menos três compassos de transição
entre a exposição do tema do trompete e
o solo de John Coltrane (talvez também
o restante). Nesse mesmo ano, Davis
assinou o contrato com a Columbia que
lhe deu novos meios para desenvolver
sua música e sua fama. Essa estratégia
se organizava ao redor do quinteto do
trompetista com Coltrane, mas incluía
também a ideia de uma gravação com
grande orquestra. Vários arranjadores
foram lembrados, mas finalmente Gil Evans
foi o escolhido. O álbum era Miles Ahead,
gravado em 1957, o primeiro de uma série
milagrosa de quatro álbuns lançados sob
o nome do trompetista, à qual se juntaram
Porgy and Bess (1958), Sketches of Spain
(1959-1960) e Quiet Nights (1962). Os
quatro formam um conjunto de excepcional
coerência, mesmo que sua temática seja
muito diferente. Pode-se até mesmo falar
de álbuns-conceitos pioneiros.
Gil Evans e Miles Davis não se perdiam
de vista, mesmo que não colaborassem
em álbuns inteiros mas, mesmo assim,
eram anunciados frequentemente e
sempre esperados. Vários projetos foram
examinados — a música de uma peça de
teatro, Time of the Barracudas, uma Tosca
—, mas nenhum foi concretizado. Em
1968, foi gravada uma música, “Falling
Waters”, que só foi lançada em 1996, mas
ela foi apenas um esboço de um trabalho
que não chegou a ser concretizado. A
pergunta sobre uma nova colaboração foi
feita mil vezes a Gil Evans, até o final de
sua vida. Ele respondia a ela, virando-se
para outra pessoa: “Diga a ele para entrar
para o clube.”
No entanto, ouvimos o eco de Gil Evans
aqui e ali nas gravações de Miles Davis,
às quais ele assistia, muitas vezes com
um lápis na mão. A introdução de “So
What”, por exemplo, em Kind of Blue (só o
soubemos bem depois do lançamento). A
composição de “Petits Machins” em Filles
de Kilimandjaro (que Gil Evans gravou
com o título original “Eleven”) e, talvez até
mesmo todo o álbum. Talvez ainda, “Circle
in the Round” com o guitarrista Joe Beck.
Alguns fragmentos melódicos de We Want
Miles e em Star People. E, provavelmente,
muitas outras colaborações que nunca
foram creditadas.
Afinal o que se passou entre eles? Uma
coisa única, que vai além do “estojo
perfeito” que um arranjador inspirado
oferece a um solista único, cada um
valorizando a qualidade do outro em sua
diferença e em sua complementaridade.
Algo da ordem do inefável, do qual falou
Vladimir Jankélévitch, ocorreu (talvez
como sempre em casos como esse). É
necessário, sem dúvida, citar o que disse
Miles Davis em sua autobiografia, quando
Gil Evans havia acabado de morrer: “Uma
semana depois de sua morte, eu falei
com ele, e tivemos a seguinte conversa:
eu estava em meu apartamento em
Nova York, sentado em minha cama,
olhando o retrato dele que estava na
mesa diante da cama, perto da janela. As
luzes dançavam e atravessavam o vidro.
De repente, uma pergunta a Gil surgiu
em minha mente. Eu lhe perguntei: “Gil,
por que você morreu, como sabe, lá no
México?” E ele me respondeu: “Esse era
o único modo, Miles. Era preciso que eu
fosse ao México”. Eu sabia que era ele,
reconheceria sua voz em qualquer lugar.
Seu espírito acabava de me falar”. Tudo
estava ali: um retrato sobre uma mesa,
luzes dançando através de um vidro,
um diálogo entre um vivo e um morto,
coisas que não se deve fazer, uma voz
que se reconhece em algum lugar, um
espírito que fala. Em resumo, todos os
ingredientes para uma música eterna.
Laurent Cugny
COMPOSITOR E REGENTE FRANCÊS, LAURENT CUGNY FUNDOU
A BIG BAND LUMIÈRE E DIRIGIU A ORQUESTRA NACIONAL DE
JAZZ. EM 1987, ELE COLABOROU ESTREITAMENTE COM GIL
EVANS, AO QUAL DEDICOU UMA BIOGRAFIA, LAS VEGAS TANGO
(P.O.L. 1990).
Foto: Vernon Smith.
Miles reencontrou o sorriso: Os
jovens músicos que o acompanhavam
em meados dos anos 60, como
o saxofonista Wayne Shorter,
contribuíram por renovar o interesse
de Miles Davis pela música e o tiraram
de uma rotina. Em Berlim, em setembro
de 1964.
Foto: Jan Persson
QUEREMOS MILES
105
miles
smiles
a liberdade
contrOlada
1960-1967
Em 1960, Miles Davis parecia um homem realizado. Saído do inferno,
ele havia acabado de assinar em sequência quatro das maiores obrasprimas da história do jazz: Miles Ahead, Milestones, Porgy and Bess e
Kind of Blue. Suas colaborações com Gil Evans lhe permitiram ampliar
seu público além da esfera do jazz. A revista Life apresentou-o como
um modelo de sucesso na comunidade negra. Em 1962, ele deu uma
longa entrevista para a revista Playboy. Suas apresentações em Nova
York eram frequentadas por celebridades como Marlon Brando, Ava
Gardner, Richard Burton, Elizabeth Taylor e Paul Newman, cujo estilo
de vida compartilhava. Sua Mercedes foi trocada por um Jaguar e,
depois, pela primeira de uma longa série de Ferraris. Ele comprou e
reformou uma antiga igreja ortodoxa russa no número 312 da Rua 77
Oeste em Manhattan; um prédio de cinco andares. Dez apartamentos
foram alugados ou reservados aos filhos de Miles (Cheryl, Gregory,
Miles IV) e também a Jean-Pierre, o filho de Frances. Ele mudou-se
com sua nova companheira para um duplex luxuosamente mobiliado,
equipado com uma rede de alto-falantes ocultos nas paredes e
incluindo, no térreo, uma sala de música com um piano e, no subsolo,
uma academia.
107
Em 26 de agosto de 1959, Miles Davis
foi vítima de violência policial na porta
do Birdland, que foi capa de jornais.
Ele percebeu que não estava protegido
do racismo latente na sociedade
americana, principalmente das leis de
segregação.
À esquerda, pouco após sua prisão;
à direita, com seu advogado Harold
Lovett e um policial.
Fotos: Bild Ullstein (à esquerda);
Fred Klein (à direita).
G
OLPES E FERIMENTOS. O casal Miles-Frances
investiu muito nessa relação. Miles estava
apaixonado por sua companheira, a ponto
de se mostrar violentamente enciumado,
mesmo que continuasse a ver Beverly Bentley assiduamente, chegando a lhe propor
casamento quando ela se afastou dele.
Mas foi com Frances que ele se casou em
dezembro de 1960. Porém, não deixou de
ver Beverly até ela se casar com o escritor
Norman Mailer ao final de 1963. Apesar da
complexidade de suas relações, Miles mostrava-se sociável. Seu humor era apreciado,
embora pudesse se tornar agressivo quando
não se sentia confiante. Sabemos que tinha
uma tendência à melancolia, até mesmo à
depressão, que o levava a se fechar em si
mesmo. As relações raciais constituíam um
assunto permanente de preocupação e um
incidente doloroso contribuiu para reforçar sua importância.
Na noite de 26 de agosto de 1959, no Birdland, o sexteto havia
terminado uma apresentação gravada para o serviço das Forças
Armadas. Miles aproveitou o intervalo para fumar um cigarro. Neste
momento, um policial pedia à multidão parada na entrada do clube
que circulasse para não bloquear a calçada. Quando ele se voltou para
o músico, este lhe disse que não havia motivo para que circulasse, pois
trabalhava no clube. A tensão aumentou rapidamente e intervieram
três detetives que espancaram Miles violentamente. Na delegacia
de polícia, onde ele chegou coberto de sangue, um médico precisou
fazer uma sutura com cinco pontos. Considerado culpado de desordem
na via pública e violência contra um agente policial, ele perdeu sua
“carteira de cabaré” sem a qual não podia tocar em Nova York.
No dia seguinte, quando Miles foi libertado sob fiança, o caso foi
manchete de primeira página nos jornais. Depois de duas audiências,
as acusações contra ele foram retiradas e sua prisão foi julgada ilegal,
mas o trompetista ficou profundamente marcado pelo episódio,
convencido que a agressividade do policial devia-se ao fato de tê-lo
visto acompanhar uma mulher branca até um táxi imediatamente
antes do incidente. Além disso, em um momento em que sua
comunidade travava a batalha pelos direitos civis em um clima
de extrema violência, ele estava consciente do fato de que havia
sido inocentado apenas graças à sua fama, ao seu círculo social
e à sua fortuna. Compreende-se então sua perturbação quando,
durante um show de apoio à African Research Foundation, realizado
em 19 de maio de 1961, com a orquestra de Gil Evans no Carnegie
Hall, seu velho amigo Max Roach invadiu o local com um grupo de
manifestantes para denunciar a natureza colonialista da fundação.
Para piorar mais as coisas, Miles, que sofria há vários anos com
dores crescentes no lado esquerdo do quadril e na perna, descobriu
ser portador de uma condição hereditária, a drepanocitose, doença
das hemácias que dá origem a acidentes vasculares, anemia, dores
articulares, distúrbios cardiopulmonares, infecções e todo tipo de
afecções como a pneumonia.
C
OMO SUBSTITUIR COLTRANE? No plano musical, o
sexteto, muito ativo durante todo o ano de 1959,
foi abandonado pelos companheiros de Miles Davis.
Depois de Bill Evans, foi Cannonball Adderley que se
afastou no início do outono. Quanto a John Coltrane,
ele avisou que deixaria o grupo ao retornar aos Estados
Unidos, depois de uma grande turnê pela Europa. De 21
de março a 10 de abril de 1960, o quinteto visitou 20
grandes cidades europeias. As gravações realizadas
durante a turnê trazem um Davis às vezes à beira da
abstração na exposição de baladas, com um timbre, uma entonação,
uma articulação e uma formulação de melodias frequentemente
“desajeitadas”. Em andamentos rápidos, ele privilegiava o diálogo
com Jimmy Cobb, tocando com o espaço, a extensão e a interjeição
108
Miles Davis casou-se com a bailarina
Frances Taylor em 21 de dezembro
de 1960 (ao lado, em Londres, em
setembro do mesmo ano). Alguns meses
depois, ele impôs ao selo Columbia
que colocasse o retrato dessa “beleza
negra” na capa do álbum Someday My
Prince Will Come em vez de uma vulgar
playmate branca.
de fórmulas lapidares, enquanto o piano multiplicava as entradas e
saídas improvisadas. Mas foi Coltrane que provocou comoção. Apesar
das reações violentas de algumas plateias, em especial no Olympia
de Paris, em relação às longas durações, ele se lançou com força
em peças como “So What”, misturando as frases, saturando-as com
ideias que se chocam umas contra as outras, com uma fúria que
anunciava sua evolução futura.
Na primavera de 1959, o saxofonista concluiu a exploração da
harmonia bebop no álbum Giant Steps. Daí em diante, ele tomou a
liderança da exploração do domínio modal de um modo que Miles
Davis, que havia iniciado essa tendência, não sabia como segui-la e
por sem Bill Evans e sem “Trane”. Tinha consciência de ser incapaz
de se aventurar sozinho. Wayne Shorter poderia ajudá-lo a superar
esse obstáculo. Quando Coltrane sugeriu que Wayne o substituísse
durante a turnê europeia de 1960, Miles rejeitou violentamente a
proposta. Depois de Coltrane deixar o sexteto, Miles arrependeu-se
dessa decisão. Mas já era tarde demais. Shorter estava então bem
integrado nos Jazz Messengers. Finalmente, o pioneiro do bop
Sonny Stitt foi quem sucedeu a Coltrane e, quando o novo quinteto
se apresentou novamente no Olympia no outono, o contraste foi
surpreendente. No início de 1961, Miles contratou Hank Mobley, hard
bopper tranquilo que havia se destacado nos Jazz Messengers. Com
ele, Miles iniciou, em 7 de março de 1961, a gravação de um novo
disco, durante o qual tentou alternadamente continuar o trabalho de
Kind of Blue e desistir dele. “Drad-Dog” é uma extensão de “Blue in
Green”, mas não tem a mesma magia nem a mesma audácia formal.
Por outro lado, “Pfrancing” (também conhecida sob o nome de “No
Blues”) é um blues riff tipicamente churchy, na tradição do hard bop.
Esse título enigmático é um jogo de palavras (prancing, dancing,
frantic que significam, respectivamente “fogoso”, “dançante”,
“frenético”) em homenagem à Frances, cujo rosto apareceu na foto
da capa do álbum Someday My Prince Will Come.
QUEREMOS MILES
U
M DIA MEU PRÍNCIPE VIRÁ. É a célebre
canção de Branca de Neve no filme de
Walt Disney que deu nome ao álbum.
Miles Davis explicou: “Comecei a exigir
que a Columbia colocasse negros nas
minhas capas. [...] Afinal de contas,
era o meu disco e eu era o príncipe de
Frances”. A canção foi gravada em 20 de
março. Depois dos solos de trompete,
de saxophone e de piano, Miles expunha
novamente o tema ao estilo de um
crooner, quando John Coltrane surgiu
no estúdio com o sax tenor na mão. De
repente, foi como se o sol se erguesse
em um manhã nebulosa. Descobrindo
os acordes da música na partitura, ele
se lançou em um solo de descontração,
invenção e construção vertiginosas.
Em dois chorus, tudo foi dito em uma
prodigiosa curva de oratória e Miles repetiu a exposição mais uma
vez, antes de deixar longamente soar o piano com um pedal de
contrabaixo, como uma invocação ao tempo para que suspendesse
seu voo. Mas Coltrane só estava de passagem. No entanto, ele
voltou no dia seguinte e tomou o lugar de Hank Mobley em “Teo”
(chamada “Neo” em público), que é um tipo de versão valseada de
“Flamenco Sketches”. O solo de Coltrane nessa música demonstra
a extensão de sua linguagem no terreno do jazz modal e a distância
que já colocara entre ele e seus companheiros. Será que Miles
estava prestes a tomar a rota que levou Trane para o free jazz? A
experiência que teve com o que chamava ainda de new thing (coisa
nova) ao escutar o quarteto de Ornette Coleman, em novembro de
1960 no Five Spot, só deixou-lhe sarcástico.
ELE ERA
ALGUÉM
Miles Davis afirmou ter transformado
o jazz quatro ou cinco vezes; isso está
longe de ser falso. Ele era também um
mestre do palco, da representação,
que modificou o olhar que as pessoas
tinham sobre o jazz e a origem racial.
Davis transformou o palco dos clubes
em um espaço teatral, revelando seu
potencial de expressão e de drama.
Ele se recusava a agradecer quando
era aplaudido, não queria se dirigir
ao público, virava as costas muitas
vezes, tornando-se assim um adepto
do “Método” definido por Constantin
Stanislavski e utilizado no Actor’s
Studio. Marlon Brando, James Dean,
Montgomery Clift; eles também haviam
rompido com os costumes e adotado
um jogo íntimo, carregado de emoção,
improvisado, que dava uma impressão
de realismo. Seus personagens eram
agitados, mal-educados, incapazes
de se comunicar. Sua atitude era
percebida como uma forma de rebelião
e seu descontentamento como uma
incapacidade de se integrar à sociedade
de sua época. Por trás de uma máscara
inexpressiva, espiava uma inteligência
impossível de ser posta em palavras.
Seus gestos, sua falta de desembaraço,
seu distanciamento misturavam-se
a elementos do cool, uma postura
estética vinda da África Ocidental, na
qual a beleza e o caráter se fundem em
uma forma de sangue-frio. Essa forma
não deixa de lembrar a concepção
baudelairiana do dândi, boêmio
aristocrático cuja frieza encontra sua
fonte na oposição e na revolta.
Miles Davis nunca usou a carta do
espetáculo, nunca permitiu que se visse
nele apenas um músico negro. Ele chegava
a se apresentar com uma arrogância real ou
a se impor como um artista cuja violência
baseava-se em princípios. Ele podia dominar
o público com um olhar, um gesto, com esse
sentido calculado do subentendido que
é próprio aos mímicos. Miles era o Marcel
Marceau do jazz.
Nos anos 50, os Estados Unidos tomaram
consciência que as linhas que delimitavam
as relações sociais e entre os sexos estavam
mudando. Os sociólogos falavam da era
da conformidade, do enfraquecimento do
superego e de comportamento gregário.
Temíamos que uma economia nova
criasse uma sociedade na qual as pessoas
estivessem excessivamente bem integradas
e fechadas ao exterior.
Acreditava-se em uma crise da masculinidade, temendo que os homens se enternecessem, que se tornassem excessivamente
emotivos, em resumo, que se afeminassem.
E foi em meio a essa ansiedade exacerbada
e a essas revindicações desmesuradas em
relação à identidade masculina que Miles
surgiu: singular e individualista ao extremo,
com as aspirações materiais de um playboy
e uma sede de expressão pessoal digna
dos poetas beat. Alguns viram nele um
existencialista natural, segregado devido a
sua cor, mas em busca de liberdade, subindo
aos palcos todas as noites e se arriscando
em todos os solos. A ousadia encarnada.
Seus grupos foram discutidos com a paixão
dos aficcionados por esportes; as evoluções
de sua música foram dissecadas como
os grandes movimentos da arte pictórica;
buscou-se sentido no menor de seus gestos.
Um discurso foi construído ao redor dele, que
não considerava levianamente a questão
racial — histórias relativas a seus demônios,
a seus sofrimentos e a sua ambição. Quando
ele se permitia um tempo para descansar e
desaparecia, surgiam os rumores: ele estava
ferido, doente ou morto; ele não conseguia
mais tocar. Mas ele sempre ressurgia,
sempre mais inovador do que seus fãs
poderiam suportar. Ele era alguém.
John Szwed
PROFESSOR EMÉRITO DE ANTROPOLOGIA NA UNIVERSIDADE
DE YALE. É O AUTOR DE UM LIVRO CONSAGRADO A SUN RA,
SPACE IS THE PLACE: THE LIVES AND TIMES OF SUN RA (DA
CAPO PRESS, 1998), E TAMBÉM DE SO WHAT (SIM ON &
SCHUSTER, 2002), A BIOGRAFIA MAIS RECENTE DE MILES
DAVIS.
Foto: Leigh Wiener.
Em abril de 1961, a Columbia aproveitou
uma temporada de duas semanas no
Black Hawk de San Francisco para
gravar Miles Davis e seu grupo ao vivo.
Um álbum de dois volumes foi lançado a
partir das apresentações nesse clube.
Foto: Leigh Wiener
114
Os projetos com grandes orquestras
de Miles Davis com Gil Evans
perderam o ímpeto no início dos
anos 60. A apresentação de maio de
1961 no Carnegie Hall em Nova York,
praticamente o único exemplo de
uma apresentação conjunta dos dois
músicos, foi transformada em disco
(o saxofonista de Miles Davis era,
na época, Hank Mobley — embaixo à
esquerda). No ano seguinte, o álbum
Quiet Nights foi concluído pelo produtor
Teo Macero, do modo que lhe foi
possível, a partir de uma montagem de
faixas que não haviam sido totalmente
concluídas pelos dois músicos (em
baixo, à direita, durante as sessões de
gravação realizadas em agosto).
Fotos: Vernon Smith (à esquerda);
Don Hunstein (à direita).
Ele não tinha o mesmo ponto de vista sobre a evolução de John
Coltrane, mas o confronto o afetou. Ele passou a demonstrar uma
animosidade crescente em relação a Hank Mobley e o desânimo
tomou conta dele: “Não gosto de tocar com Hank, é isso; ele não
estimula minha imaginação. No Black Hawk de San Frascisco, em
que Miles Davis apresentou-se em abril de 1961, foram feitas
gravações ao vivo nos dias 21 e 22 tendo em vista um álbum em
dois volumes, com capas idênticas (na qual vemos Frances ao
lado de Miles), intitulados Miles Davis in Person at the Black Hawk,
San Francisco, com subtítulos respectivos Friday Night e Saturday
Night. Ele se apresentou em plena forma, apoiado por uma rítmica
luxuosa que ronrona como o potente motor de uma limusine, mas
tem-se a impressão de que o criador que sempre foi até Kind of Blue
renunciou e que ele não é mais que um imenso estilista que, daí em
diante, iria se repetir de show a show. No final do ano, Hank Mobley foi
substituído por Rocky Boyd, discípulo desconhecido de John Coltrane
e que teve uma carreira efêmera; depois, em 1962, Miles contratou
Sonny Rollins e J. J. Johnson, reconstituindo assim o sexteto que
havia dirigido depois da dissolução do noneto nos anos 50.
QUEREMOS MILES
P
ONTO MORTO. Na mesma época, ele trabalhou em
um novo projeto com Gil Evans que foi levado pela
onda brasileira. Parece que, de fato, este conheceu
a música brasileira antes de 1962, por meio do
encarte internacional do catálogo da Columbia. Ele
chegou mesmo a indicar gravações de Tom Jobim
e de João Gilberto para o produtor Creed Taylor,
antes que esse último produzisse o famoso Jazz
Samba de Stan Getz e Charlie Byrd que alimentou
o interesse pela bossa nova. Mas as gravações
de seu novo disco com Miles arrastavam-se.
“Corcovado”, de Tom Jobim, e “Aos Pés da Cruz”, de
Marino Pinto e José Gonçalves, foram gravadas em
115
116
Na primavera de 1963, Miles Davis reuniu
a seu redor uma nova seção rítmica
que, com o pianista Herbie Hancock,
o contrabaixista Ron Carter e o jovem
baterista Tony Williams, fez sua primeira
aparição no disco Seven Steps to Heaven.
Ao lado, em Berlim, em setembro de 1964
Fotos: Jan Persson
27 de julho de 1962, “Song n°1” (creditada a Miles e Gil, mas inspirada
em “Adelita”, do compositor e violonista Francisco Tarrega) e “Wait till
You See Her”, de Richard Rodgers, foram gravadas em 13 de agosto,
“La Valse des lilas” (“Once upon a Summertime”) de Michel Legrand
e “Song n°2” (a partir de uma canção folclórica mexicana) foram
gravadas em 6 de novembro de 1962. Nesse meio-tempo, a Columbia
preparava um álbum natalino intitulado Jingle Bells Jazz, reunindo
vários artistas do jazz que tinha em seu catálogo. “Qual bobagem eles
querem que eu toque? ‘Natal branco’?” perguntou Miles ao cantor
Bob Dorough, referindo-se à canção “White Christmas”. Com este
último, ele gravou um “Blue Xmas”.
No final de 1962, as sessões de gravação com Gil Evans estavam
em ponto morto. Sonny Rollins deixara o quinteto e fora substituído
por Jimmy Heath. Depois foi a vez de Wynton Kelly e de Paul
Chambers saírem do grupo, obrigando Miles a pagar indenizações
aos organizadores que o haviam contratado para o início de 1963.
Em maio de 1962, depois da morte do pai, ele descobriu uma carta
que havia deixado de lado e na qual este lhe anunciava sua morte
iminente. Sua moral se degradou e os efeitos da drepanocitose
surgiram, muitas vezes impedindo-o de trabalhar. O álcool e a cocaína,
que ele nunca havia deixado totalmente de consumir, passaram a ser
uma parte importante no arsenal médico destinado a tranquilizá-lo,
mas o levaram a se fechar um pouco mais em si mesmo.
s
QUEREMOS MILES
EVEN STEPS TO HEAVEN E ATAQUE DE fúria. Em abril
de 1963, tentando reunir um novo quinteto para uma
série de apresentações na costa oeste, Miles Davis
testou jovens músicos vindos de Memphis, dentre
os quais manteve George Coleman, saxofonista tenor
recomendado por John Coltrane. Como contrabaixista,
ele contratou Ron Carter, músico vindo de Detroit e
recomendado por Paul Chambers, muito solicitado em
Nova York. Por fim, Jackie McLean emprestou-lhe um
jovem prodígio da bateria de apenas 17 anos: Tony Williams. Este
acompanhou o sexteto a Nova York, mas não estava disponível para
a Califórnia. No dia 16, ao entrar no estúdio para dois dias de gravação
em Los Angeles, Miles confiou as baquetas a Frank Butler, baterista
negro que tocava com todos na Costa Oeste e, para completar o
quinteto, chamou Victor Feldman, jovem pianista de origem britânica
que morava na Califórnia. Miles já o havia citado como exemplo de um
bom artista de jazz não americano e confiava muito nele. Ele reteve
sua composição “Joshua”, compôs uma outra em parceria com o
pianista (“Seven Steps to Heaven”) e aceitou a sugestão de uma
música de dois compositores britânicos (“So Near, so Far”). As outras
peças foram baladas tocadas em quarteto, sem saxofone. “Summer
Night” e “Fall in Love too Easily” poderiam ter sido influenciadas por
Shirley Horn que dividira com Miles o cartaz do Village Vanguard no
ano anterior. “Baby Won’t You Please Come Home” e “Basin Street
Blues” foram emprestadas do repertório do jazz tradicional, anterior
ao swing.
Por trabalhar para os estúdios de Hollywood, Victor Feldman
recusou a proposta de acompanhar Miles Davis. Ao voltar a Nova
York, este contatou Herbie Hancock, então com 23 anos. Miles o
convidou, e também George Coleman, Ron Carter e Tony Williams,
para ensaiar na sala de música. Durante dois dias, Miles se contentou
em supervisioná-los por meio da rede de alto-falantes espalhados
em seu apartamento. No terceiro dia, ele apareceu rapidamente e
marcou um encontro com eles no dia seguinte, 14 de maio, no estúdio
da Columbia. Nesse dia, eles gravaram “Seven Steps to Heaven”, “So
Near, so Far” e “Joshua”, que ficaram mais fluentes e substituíram
as versões de Los Angeles no álbum lançado sob o título de Seven
Steps to Heaven. Ornamentado por um contracanto que se parece
muito com os hábitos melódicos de George Coleman, “So Near, so
Far” passou da métrica de quatro tempo para 6/8 permitindo, em
vários momentos, adivinhar a métrica anterior como se fosse uma
transparência, como um jogo de ilusões que, a partir de então, passou
118
119
Estimulado pelos jovens músicos que o
acompanhavam, Miles Davis questionou
os próprios hábitos e se ligou a eles com
uma cumplicidade que era visível no
palco. Ao lado, com Herbie Hancock, em
Berlim, em setembro de 1964.
Foto: Jan Persson
a ser a assinatura do quinteto. O álbum foi gravado em julho e inclui
esses três títulos, complementados por três outros escolhidos entre
aqueles que haviam sido gravados um mês antes em Los Angeles.
Não aproveitada, a faixa “Summer Night” foi lançada alguns meses
depois, em dezembro de 1963, complementando as últimas
gravações “brasileiras” com Gil Evans, que o produtor Teo Macero
tomou a iniciativa de lançar, provocando o furor de Miles. Saxofonista,
Teo Macero estudou composição e praticou eletroacústica na Juilliard
de 1948 a 1953. Em seguida, ele colaborou com Charles Mingus e
contribuiu com partituras ambiciosas para o surgimento da third
stream. Contratado pela Columbia em 1957, em uma época em que a
empresa era pioneira no domínio da engenharia e montagem sonora,
ele participou da pós-produção de Porgy & Bess e, depois, substituiu
Irving Townsend durante a produção de Kind of Blue. Seu nome foi
creditado pela primeira vez no verso de Someday My Prince Will Come,
no qual ele realizou um audacioso trabalho de montagem. Quando
Quiet Nights foi lançado, Gil Evans e Miles Davis sentiram-se traídos,
pois suas gravações de 1962 ficaram inacabadas. As manipulações
de Teo Macero não foram suficientes, na opinião deles, para torná-las
publicáveis. Miles decidiu ignorar os estúdios da Columbia.
D
O TERNÁRIO AO BINÁRIO. Ele concentrou toda a sua
atenção no novo quinteto e pediu a seu agente que
multiplicasse as apresentações. A idade dos músicos
que ele contratara não era um fator pouco importante.
O mais jovem, Tony Williams, tinha quase 20 anos
a menos que Miles. Grande admirador de Philly Joe
Jones e do sexteto de 1958, ele demonstrava um
entusiasmo contagiante. Ele incentivou Miles a retomar
seu repertório dos anos 1950. Curioso por natureza,
ele ouvia o free jazz atentamente e convenceu Herbie
Hancock a tocar com Eric Dolphy. Mais tarde, seu
interesse pelo rock contribuiu para a evolução do grupo. Seu toque
baseia-se em uma virtuosidade aritmética da divisão do tempo,
comparável ao trabalho realizado por Elvin Jones no quarteto de John
Coltrane. A aritmética ternária de Elvin Jones decompunha sua frase em
tercinas, isto é, em três colcheias iguais, que ele distribuía por todos os
elementos da bateria. Tony Williams praticava a mesma distribuição,
mas tendia a decompor o tempo em duas colcheias iguais ou em quatro
semicolcheias. Ao mesmo tempo que contribuiu para aproximar o jazz
e as músicas populares dos anos 60 (rock, soul) que privilegiam essa
distribuição binária, ele usava a ambiguidade entre os dois modos
rítmicos, sobrepondo-os e misturando-os, com um senso da cor que
participa da grandeza do que hoje chamamos de o “segundo quinteto”
de Miles. “Tony me fez tocar de tal modo”, disse o trompetista, “que eu
até esquecia as dores nas articulações que tanto me preocupavam”.
C
QUEREMOS MILES
ORRENDO RISCOS. Herbie Hancock era um
jovem prodígio do piano, que assimilou a
literatura clássica do instrumento praticado
em nível muito alto desde tenra idade, além
de assimilar o estilo funky de Horace Silver,
injetando ambos na música de seu primeiro
empregador, o trompetista Donald Byrd. Ele
adicionou ao conjunto de Miles os sabores
picantes da música negra e a delicadeza que
Bill Evans soube introduzir no jazz. Em especial,
ele era de uma geração que, por ser posterior
à de Bill Evans, estava familiarizada com o
vocabulário dos modos, reinventando assim a
linguagem da progressão harmônica que parece,
repentinamente, atingir a quarta dimensão. Fator
de estabilidade, Ron Carter foi o herdeiro de Paul
Chambers, tanto no plano do timing (a qualidade do tempo interior)
quanto no que se refere à imaginação, à riqueza do vocabulário e ao
virtuosismo. Ele encarnava a persistência da tradição por meio de sua
ancoragem ao tempo, mas as novas lógicas desenvolvidas por seus
dois cúmplices não tinham nenhum segredo para ele. Desse modo, ele
participou com gosto dos jogos de ilusões e das armadilhas que criavam
o pianista e o baterista por trás dos solos de George Coleman, assim que
Miles dava-lhes as costas.
O saxofonista não era totalmente cúmplice desses toques arriscados
que, às vezes, beiravam à insensatez. Sob a capa de uma grande
elegância, ele resistia às travessuras de seus colegas que transpunham
para o terreno da livre iniciativa e do improviso os cenários precisos
que anteriormente Miles ditava à sua rítmica. Enquanto os demais
músicos passavam as noites nos quartos do hotel conversando sobre
o que tinham tocado e imaginando outras loucuras para o dia seguinte,
o saxofonista trabalhava incansavelmente em seus futuros solos.
Miles chegou a repreendê-lo: “Eu não o contratei para tocar em seu
quarto de hotel, mas no palco!” Por outro lado, ele logo pediu a sua
rítmica que acompanhasse seus solos com a mesma intensidade que
os de Coleman. Dito e feito: “No primeiro dia, ele se atrapalhou um
pouco”, contou Herbie Hancock a Laurent de Wilde para a revista Jazz
Magazine, “no segundo dia, um pouco menos e no terceiro dia, eu é
que tive dificuldade para acompanhá-lo. Quatro dias depois, a situação
estava invertida. Ele não só entrou na brincadeira, como a dominou. E
seu toque ficou diferente depois disso. É assim que Miles funciona. Ele
reúne em um todo aquilo que extraiu de uns e outros”.
U
M STRIPTEASE PRODIGIOSO. Miles Davis havia deixado os
estúdios depois da discussão com Teo Macero e foram as
gravações ao vivo que permitiram ter ideia da dimensão dessa
orquestra, em especial a apresentação no Philharmonic
Hall de Nova York, realizada em 12 de fevereiro de 1964
121
Em 12 de fevereiro de 1964, Miles
Davis fez uma apresentação no
Philharmonic Hall de Nova York (ao
lado) cuja gravação foi publicada em
dois volumes. As interpretações de My
Funny Valentine e de Stella by Starlight
tornaram-se referências. A parte dos
clássicos no repertório, enquanto
isso, diminuía progressivamente com
a substituição de George Coleman
(à direita) por Wayne Shorter em
setembro do mesmo ano.
Fotos: Vernon Smith
(publicada em dois volumes, My Funny Valentine e Four & More).
Quando, no momento de entrar em cena, Miles revelou que os cachês
seriam revertidos em benefício da campanha em andamento pela
inscrição dos negros nas listas eleitorais dos estados do sul dos
Estados Unidos, irrompeu nos bastidores uma acirrada discussão
entre os músicos. Para Miles, a tensão resultante contribuiu para o
caráter excepcional da música tocada naquela noite. Ao ouvir “Stella
by Starlight” temos uma ideia das liberdades insensatas tomadas
pelo grupo. Depois de uma introdução de Herbie Hancock que lembrou
Bill Evans, Miles Davis lançou as duas primeiras notas do tema que
deixava adivinhar um andamento médio (cerca de 120 semínimas
por minuto ou 120 a semínima), o trompetista continuou a exposição
em rubato (sem pulso) em duo com o pianista. Quando entrou o
contrabaixo, este tocou brevemente a tempo e um ouvinte atento
dispunha de uma medida para compreender que o andamento era a
metade daquele sugerido (ou seja, 60 a semínima). Depois disso, o
contrabaixo não enunciou mais o tempo, mas ornamentou o pulso,
enquanto Miles submetia a melodia a todo tipo de efeitos de variação,
de compressão ou de extensão que contribuíam para confundir o
ouvinte. O desenho da melodia revelava-se ao ouvinte por meio de
fragmentos sucessivos e por transparência, como em um striptease
prodigioso. O erotismo da situação chegava ao auge e ouviu-se um
uivo na sala; respondendo ao impulso de Miles Davis, Herbie Hancock
instalou a batida a 120, ilusão que Tony Williams manteve em seguida
enquanto as harmonias da peça continuavam a ocorrer a 60, com
numerosas suspensões e outras ilusões rítmicas e harmônicas que
brincavam com o desejo do ouvinte.
O isolamento de George Coleman e as queixas dos membros da
rítmica em relação a ele provocaram sua partida. Miles Davis
continuava a pensar em Wayne Shorter, que continuava a tocar no
Jazz Messengers. Tony Williams tocava com Eric Dolphy, mas essa
figura ambígua (da vanguarda recebeu críticas nada elogiosas por
parte de Miles (“Ele toca como se alguém tivesse pisado no pé dele”).
O trompetista deixou-se finalmente convencer por seu baterista a
contratar Sam Rivers para o verão. Músico discreto, já com 41 anos, ou
seja, três anos a mais que Miles, ele também crescera com o bebop,
mas demonstrava um interesse intenso pelo free jazz do qual se
tornaria um dos padrinhos. Quando apresentou-se em Tóquio, em 14
de julho de 1964 (Miles in Tokyo, lançado em 1969), essa tendência
foi perceptível em seu fraseado e em sua sonoridade, o conteúdo de
sua frase, bastante clássico em “My Funny Valentine”, permanecendo
relativamente conforme à estrutura harmônica original. Embora mais
angular, descontínuo ou saturado, às vezes abrupto em “So What”,
ele parecia relativamente estranho às propostas da rítmica e chegava
mesmo a paralisá-la. Isso o incitou, nas entrevistas posteriores, a
qualificar a música do quinteto de “bebop”. Wayne Shorter não tinha
a mesma abordagem e foi por isso que Miles e seus companheiros
lhe suplicaram que se juntasse a eles assim que, ao voltar do Japão,
souberam que saíra dos Jazz Messengers.
P
LANO B. O mal-entendido entre Rivers e a
rítmica de Miles ilustra a cisão que atravessava
então o jazz moderno. Surgindo no final
dos anos 50, ao redor de alguns líderes de
banda como Cecil Taylor e Ornette Coleman,
um novo gênero impôs-se durante a década
seguinte, inicialmente denominado new thing
(coisa nova) e, depois, free jazz (jazz livre),
conforme o título de uma obra experimental
de Ornette Coleman gravada em 1960. Os
músicos que a adotaram, em sua grande
maioria, contornaram as exigências técnicas
do bop com que tiveram contato durante
uma aprendizagem realizada na prática, em
Miles Davis atento, Sala Pleyel,
em Paris, 1 de outubro de 1964
Foto: Philippe Gras
123
geral no universo do rhythm and blues. Eles realizavam uma
verdadeira tabula rasa, denunciando de maneira radical os
contextos em que a música negra pode se impor à sociedade
americana (ritmo regular destinado à dança, contornos melódicos
e leveza de expressão com finalidade de entretenimento). Eles
rejeitaram completamente os elementos que o jazz moderno
pegou emprestado da música erudita europeia para conquistar
uma aparência de respeitabilidade (complexidade harmônica e
formal, virtuosidade instrumental). Se os músicos free não eram
indiferentes às pesquisas da música contemporânea europeia,
eles se afastaram pela vontade de se reconectar com o jorro
espontâneo e com a expressão bruta da tradição negra americana
no que ela poderia ter de mais africano, segundo um caminho
que os levou a se interessarem, de modo então muito inocente,
pelo conjunto das tradições extraeuropeias. A variação melódica
se exacerbou até o grito; a improvisação se desembaraçou da
sintaxe harmônica em prol dos contrapontos livres; o desenho
melódico, o perfil rítmico e a plasticidade do som explodiam e se
desagregavam; as formas musicais e seus percursos impostos
se dissolveram a favor da livre vagabundagem coletiva. Há tantas
características que é necessário estabelecer nuances caso a
caso, pois o free jazz está longe de ser uno e uniforme.
Espetacular em seus questionamentos, ele monopolizava ainda mais
a atenção por acompanhar, de modo mais ou menos consciente,
a luta política dos negros. A luta não violenta liderada por Martin
Luther King confrontou uma resistência brutal e criminosa por
parte da comunidade branca nos estados do sul dos Estados
Unidos, estendeu-se aos estados do norte em um clima de extrema
tensão que iria se multiplicar em rebeliões a partir de 1965 e que
levou à radicalização do movimento em suas facções estudantis.
Com o surgimento do partido dos Black Panthers, com vocação
revolucionária anti-imperialista, aberto às teorias marxistas e
solidário aos movimentos de libertação que apareceram em todo
o mundo, novos slogans como Black Power e Black is beautiful
ressoaram como um eco das posições estéticas do free jazz.
A
OUTRA LIBERDADE. Mesmo permanecendo ao largo dos acontecimentos (mas os artistas free também estavam minoritariamente
envolvidos), Miles desprezava
profundamente o free jazz. Sua
família era, além disso, baseada
em uma concepção menos espetacular da liberdade e dos riscos
do que a concepção subjacente
ao free jazz. Fala-se às vezes de
jazz modal para designar o que
não se originava, então, nem do
jazz clássico, nem do bop, nem
do free jazz, mas esse rótulo era
restritivo demais. Os músicos do
segundo quinteto de Miles foram
os representantes mais significativos desse movimento indefinível
por ser tão singular. Eles tinham
em comum a vontade de assimilar
tudo que passava a seu alcance.
Na época, as ferramentas que
Bill Evans emprestou dos compositores clássicos para avançar
a utilização dos modos, o vocabulário de Coltrane, a aritmética
de alta precisão desenvolvida por Elvin Jones e Tony Williams
encontravam-se no cerne desse trabalho de assimilação que se
abriu progressivamente ao outros domínios (músicas populares
negras, rock, world music). Se a tabula rasa raramente era total
do lado do free — alguns músicos se encontravam no limite dos
dois mundos, como Charles Mingus, Eric Dolphy, Andrew Hill e Sam
Rivers —, observamos nos músicos free uma abordagem mais intuitiva, menos preocupada com a técnica e a teoria, menos voltada à
ideia de acabamento e de domínio do que à urgência da expressão.
124
Transformado em astro de fama
internacional, Miles Davis retornou, a
partir de meados de 1960, às grandes
salas de concerto das capitais
europeias. Ao lado, sua chegada ao
aeroporto de Orly, em 6 de novembro
de 1967. Foto: Christian Rose.
Os músicos de Miles Davis lhes opõem o conceito de controlled freedom (liberdade controlada), herança de uma aprendizagem na qual
se combinavam o espírito da disciplina que atravessa a história do
jazz improvisado, de Louis Armstrong a John Coltrane, e da obtida
por meio do ensino institucionalizado. Herbie Hancock foi inicialmente um jovem prodígio do piano clássico. Ron Carter diplomou-se
na Manhattan School of Music. Único a ter um interesse marcante
pelo free jazz, Tony Williams estudou com Alan Dawson, professor
da famosa Berklee School of Music de Boston. A música que eles
produziram assim que Wayne Shorter juntou-se a eles correspondia perfeitamente ao conceito de controlled freedom, mesmo que,
em muitos casos, suas audácias os levassem à beira da perda de
controle. A isso se junta uma capacidade de reação ao que tocam os
outros músicos que provém daquela qualidade de escuta evidenciada
pelo trio de Bill Evans sob o nome de interplay (interação).
N
QUEREMOS MILES
O LIMITE DA RUPTURA. Wayne Shorter ocupava,
no entanto, um lugar um tanto ambíguo nesse
cenário. Portador de diploma universitário, ele
foi discípulo de John Coltrane, talvez o primeiro
e o mais próximo, pois eles tocaram juntos por
volta de 1958, quando Coltrane aperfeiçoava
o sistema harmônico de “Giant Steps”. No
entanto, ele parece não ter encontrado em
Coltrane aquilo que buscava. Mesmo dotado
de um vocabulário incomparavelmente mais
estruturado que o de Sam Rivers em 1964,
na máquina de swing dos Jazz Messengers
de Art Blakey, do qual era diretor musical, ele
não impunha sua técnica aos que o rodeavam
e, assim, estes podiam questionar seu
andamento, sua exatidão e a precisão de sua articulação. Shorter
era também estranho a essa tipo de culturismo musical ao qual,
às vezes, se assemelhava o hard bop. Muitas vezes, ele parecia
esperar pacientemente pelo momento em que a música vinha até ele,
como sugerem seus títulos que evocavam a mística zen. Livre das
restrições dos Jazz Messengers e em contato com Miles, ele passou
por um renascimento: “Subitamente, senti-me como um violoncelo,
uma viola. Meus solos ficaram mais fluidos e jorravam de modo
intermitente, com um fraseado hifenizado como uma mensagem
em código Morse. As cores começaram a surgir.”
No outono de 1965, a nova formação do “segundo quinteto” fez uma
turnê pelas grandes cidades europeias. Miles in Berlin causou sensação
ao ser lançado em 1969, mas ainda muito maior foi a emoção dos fãs
quando a Sony publicou, em 1976, no Japão, algumas faixas gravadas
nas duas semanas em que o quinteto se apresentou no Plugged Nickel
de Chicago, a partir de 21 de dezembro de 1965. Mas foi a publicação
integral dessas faixas (The Complete Live at the Plugged Nickel 1965)
pela Columbia que nos mostrou os riscos prodigiosos assumidos pelo
grupo e que passaram despercebidos na época. Esse conjunto de oito
CDs apresenta três gravações realizadas na noite de 22 de dezembro
e quatro gravações feitas no dia seguinte. Ele permite assim comparar
diversas versões de um mesmo tema tocadas com algumas horas de
intervalo. Com andamentos no limite da ruptura (“Walkin’”,“Milestones”,
“So What”, “Agitation”, “All Blues”), em uma bruma sonora onde às
vezes eles mesmos parecem se perder — reencontrando-se por meio
dos sinais que enviam uns aos outros sob a forma, por exemplo, de
lembretes temáticos —, os músicos entregam-se a um trabalho de
distorção das formas harmônicas e rítmicas que, de vez em quando,
tomam ares dramáticos. Especialmente em “Stella by Starlight”, Tony
Williams divertia-se dobrando e redobrando a batida e terminou por
fazer o grupo deslizar no andamento médio que, na versão 1964,
126
No final de dezembro de 1965, Miles
Davis era anunciado no Plugged Nickel.
As gravações realizadas nesse clube de
Chicago revelam a ousadia dos músicos
de seu “segundo quinteto”.
era apenas sugerido. Essa prática ainda era relativamente inédita no
jazz. Miles já havia tentado fazer isso em Kind of Blue contraindo os
dez compassos da estrutura de “Blue in Green” em cinco compassos
para o primeiro solo de piano e o solo de saxofone e, depois, em dois
compassos e meio para o segundo solo de piano. Em 1965, ele tinha os
músicos necessários para retomar a experiência. Isso ocorreu de modo
fortuito ou voluntário? Se “Blue in Green” surgira da experimentação
cuidadosa, era agora no fogo da ação, com a corda no pescoço, que os
cinco músicos assumiam o desafio.
M
ILES SMILES. Miles Davis aceitou
a contragosto a gravação realizada no Plugged Nickel. Nela,
ele não está no melhor de sua
forma. Durante os sete meses
anteriores, sua saúde o manteve
afastado dos palcos. A articulação
esquerda de seu quadril exigiu um
enxerto ósseo em abril de 1965.
Mal recuperado, ele quebrou a
mesma perna e, em agosto, teve
de se submeter a nova cirurgia
para refazer o enxerto ósseo. O
uso contínuo de analgésicos combinados com a cocaína lançou-o
em uma profunda paranoia. Sem
suportar seus ciúmes, as infidelidades, a violência conjugal e os
comportamentos imaturos ou
mesmo loucos, Frances deixou-o no final de 1965. No mês de janeiro
seguinte, Miles ficou acamado durante três meses devido a uma inflamação do fígado. Durante seus passeios no Riverside Park durante o
período de convalescência, Miles conheceu a atriz negra Cicely Tyson,
que contribuiu para sua subsequente recuperação.
QUEREMOS MILES
Entre 1965 e 1968, Miles Davis deu
nome a álbuns que se transformaram
em clássicos do jazz moderno.
Em alguns deles, ele fez figurar o
rosto de suas companheiras: Frances
Taylor em E.S.P, a atriz Cicely Tyson
em Sorcerer e a cantora Betty Mabry
em Filles de Kilimanjaro.
Wayne Shorter e Herbie Hancock
contribuíram intensamente para
renovar o repertório de Miles Davis.
Suas composições revelam práticas
e exigências harmônicas e rítmicas
que não eram mais compatíveis com a
forma dos padrões tradicionais.
Ao lado, as partituras do trompete
em “E.S.P.”, “Capricorn”, “Pinocchio”
e “Dolores” manuscritas por Wayne
Shorter, e de “Little One” manuscrita
por Herbie Hancock, assim como a
partitura do baixo de “The Sorcerer”
deste último.
Quatro décadas depois de sua
colaboração com o trompetista,
Herbie Hancock e Wayne Shorter
nunca deixaram de relembrar o
quanto eles deviam a Miles Davis.
Ao lado, no estúdio para a Columbia,
provavelmente em 1968.
Foto: Corky McCoy
Até o início dos anos 70, ele manteve a forma física praticando boxe
e natação, o que teve efeitos inegáveis sobre seu modo de tocar
trompete, o qual se equiparou, em termos de fraseado e de sonoridade
com os pontos altos do final dos anos 50.
Na primavera de 1966, ele voltou à estrada com o quinteto, no qual, Ron
Carter, sempre muito solicitado, às vezes era substituído por Richard
Davis, Gary Peacock ou Reggie Workman. Cansado de tocar em clubes
onde o álcool e as drogas eram tentações permanentes, Miles passou
a dar preferência aos shows nas universidades. Depois do verão, foi
com disposição renovada que ele reuniu seu conjunto no estúdio e
reencontrou Teo Macero, com quem não trabalhava há três anos. O
álbum se chama Miles Smiles. Esse disco seguiu-se a uma primeira série
de sessões de gravação do quinteto com Wayne Shorter, em janeiro de
1965 em Los Angeles, durante as quais a veia de Kind of Blue parece
ter sido reencontrada, embora explorada muito mais anteriormente. Seu
conteúdo foi lançado com o título enigmático de E.S.P., nome de uma
música composta por Davis e Shorter, em cuja capa figura pela última
vez Frances sob o olhar ansioso de Miles. Será que as três letras do
título E.S.P. (abreviação de extra sensory perception “percepção extrasensorial” em inglês) se referem ao estado de telepatia necessário para
praticar a improvisação coletiva? Era bem esse o espírito do quinteto,
como demonstra a pressa com que Miles Smiles foi gravado em 24
e 25 de outubro de 1966. Encontradas pelos músicos ao chegarem
ao estúdio, as partituras foram apenas lidas rapidamente e depois
registradas em um único take, com um frescor que lembraria as
sessões de gravação para a Prestige de 1956, caso não se tratassem
de partituras originais, de natureza pouco comum. A espontaneidade
dessas sessões de gravação e a felicidade que os músicos sentiam ao
tocar era destacada pelas aproximações das estantes, às vezes até com
arrastes audíveis no disco e também pelas interpelações e exclamações
que Miles deixava escapar no final das músicas.
QUEREMOS MILES
U
M REPERTÓRIO ORIGINAL. Em
E.S.P., como em Kind of Blue,
Miles Davis deixou de lado os
clássicos, preferindo um repertório original. Mas, dessa vez,
ele valorizou os talentos de
seus músicos como compositores. Tony Williams começou
a gravar seu próprio repertório
na Blue Note (Life time). Herbie
Hancock tornou-se conhecido
com o sucesso “Watermelon
Man”, em seu primeiro disco
para a Blue Note (Takin’ off) e,
depois, gravou outros quatro.
Ron Carter também compunha.
Quanto a Wayne Shorter, depois
de Introducing Wayne Shorter
(1959), composto quase que
exclusivamente por ele, tornou-se um dos principais fornecedores de partituras dos Jazz
Messengers e, em dois anos,
tinha suas músicas gravadas
em sete álbuns para a Blue
Note que contam com grande
número de obras-primas. Ele
viria a assinar outras, especialmente nas sessões de gravação
com Miles Davis, em maio de 1967, a partir das quais foi lançado
o álbum Nefertiti, e nas de junho (Sorcerer), sem falar nas faixas
ineditas reveladas em Water Babies de 1976.
131
O novo repertório se afastava radicalmente dos padrões. Nele, se
destacava uma cor que provém do uso recorrente do intervalo de
quarta. Isso ocorre nas melodias (as três primeiras notas de “E.S.P.”,
são duas quartas descendentes, e as quatro primeiras notas de “Hand
Jive”, são uma quarta ascendente seguida por uma descendente).
O intervalo de quarta também está presente nos acordes (“Eighty
One”), em que substitui o intervalo de terça, mais comum conferindolhes uma natureza estranha, nem menor, nem maior. Muitas vezes,
os acordes são distorcidos, alterados, híbridos, não-funcionais,
criando uma atmosfera de agnosticismo diante do monoteísmo
harmônico do bebop ou de ateísmo — muitas vezes mais declarado
do que real — do free jazz.
As sequências de modos inauguradas com “Flamenco Sketches”
estão de volta graças a músicos capazes de interpretá-las com uma
liberdade que, em “Agitation” ou “Riot”, demarca-se radicalmente
do desenvolvimento cauteloso e previsível das primeiras tentativas
do gênero. As estruturas, quando não movediças (“Circle”), são
insólitas («RJ»), “Dolores”, “Limbo”) e podem sofrer efeitos de
contração (“Iris”). A frase ternária deixa de ser a regra. Em “Eighty
One” alternam-se as colcheias iguais do rock e as desiguais do
swing, mas, quase sempre, o baterista brinca com a superposição e a
ambiguidade, enquanto a métrica sofre alterações estruturais (“Black
Comedy”, “Limbo”) ou improvisadas (ambiguidades permanentes ao
longo de “Footprints”).
N
ovas regras do jogo. Nisso, a atuação da dupla Ron CarterTony Williams é imprescindível. Miles Davis conserva, porém,
uma influência determinante pela forma como adapta e
“encena” as composições de seus colegas. Pode modificar
a natureza ao incentivar a “interpretação” mais solta (como
ilustra a comparação de “Footprints” na versão de Wayne
Shorter no seu próprio álbum Adams’s Apple com a do Miles Davis
Quintet em Miles Smiles) ou ao inverter os papéis (como em Nefertiti
em que pede para o saxofone e o trompete repetirem o tema ad infinitum, acompanhando improvisações coletivas da seção rítmica).
Mas é comum ele intervir no próprio conteúdo, modificando a métrica
(“Madness”, composta por Herbie Hancock como uma balada de três
tempos, adquire no estúdio uma forma mais abstrata, reduzida ao
seu trecho final e abrindo para uma linha flutuante de ritmo triplo).
Costuma limpar a partitura de complicações e supérfluos, reduzindoa a sequências estáticas que deixam o solista à vontade. “Não quero
mais tocar na base de acordos”, costuma declarar, enquanto proíbe
Herbie Hancock de usar as “notas amanteigadas”, ou seja, o “mau
colesterol” da linguagem harmônica. É frequente Hancock deixar o
acompanhamento e, quando improvisa, é muitas vezes pura melodia,
sem a mão esquerda. Time, no changes (“O andamento, sem alterações”): é assim que os músicos nomeiam sua música. Sem sombra
de dúvida, Ornette Coleman, que Miles Davis tanto criticou, já está se
aproximando, e Miles acabará reconhecendo que, como o tempo, sua
música aproxima-se da de Don Cherry (o trompetista de Ornette).
Durante os shows da turnê europeia de 1967, em que as composições originais praticamente substituíram os clássicos, os membros
do quinteto parecem desafiar as leis da gravidade, sem outra rede de
segurança além da sua capacidade de criação e interação. música
desafia o entendimento e, no ano da morte de Miles, em 1991, as
biografias publicadas na imprensa evitavam falar desse segundo
quinteto, sempre incompreendido, mencionando-o apenas entre o
primeiro com Coltrane e as bandas elétricas dos anos 70.
Entretanto, sob muitos aspectos, esse quinteto dos anos 60 representa para o jazz daqueles últimos quarenta anos aquilo que o
Hot Five de Louis Armstrong foi para o jazz dos quarenta anos que
antecederam.
Durante os anos 60, o sucesso de Miles
Davis repercutiu em um nível de vida
alto, do qual a compra de uma Ferrari
275 GTB foi o símbolo mais explícito.
Participando de uma certa aristocracia do
show business, o músico atraía a atenção
da mídia e foi entrevistado pela revista
Playboy em 1962).
Fotos: Hank Parker (página da esquerda
ao alto); Baron Wolman (página da direita,
ao alto); Corky McCoy (embaixo).
134
Foto: Lee Friedlander.
QUEREMOS MILES
135
miles
elétrico
A DISTORção
do rock
1968-1971
1968 foi um ano divisor de águas. Uma crise de valores sem
precedentes surgiu das tensões extraordinárias que afetavam a
juventude ocidental: mercado motor da sociedade de consumo,
ela explodiu sob a dupla pressão da velha sociedade capitalista
repressiva e da indústria de entretenimento que exacerbava
seu potencial imaginário. Ao mesmo tempo, novos pensadores
começaram a revelar a alienação pelo consumo, a passagem da
lógica colonial à imperialista e os limites do crescimento em termos
ecológicos. Liberação sexual e uso de drogas, igualdade social,
renovação espiritual, direitos das mulheres, recusa ao recrutamento
militar e rejeição à urbanização dos modos de vida foram algumas das
linhas de força dessa revolta que se cristalizou nos Estados Unidos
na recusa ao serviço militar no Vietnã e na questão dos direitos civis.
Depois do assassinato de Martin Luther King, os guetos negros
se incendiaram e o movimento negro se isolou antes de tender
progressivamente a uma radicalização extrema e à fragmentação
em grupos cada vez menores.
136
R
OMANCE E NEGÓCIOS. Para
Miles, o ano de 1968 tomou a
forma de uma nova mulher,
alguém muito importante.
Betty Mabry, que ele conheceu
na primavera, era uma jovem
negra, de 23 anos, onipresente na Nova York ramificada
do final dos anos 1960. Autora
de “Uptown”, música interpretada pelos Chambers Brothers;
modelo para Ebony, Glamour,
Jet e Seventeen, coproprietária do Cellar, uma boate para
adolescentes, ela apareceu no
programa de TV Dating Game e
iniciou uma carreira de cantora.
Ela levou Miles a trocar as gravatas e os ternos cinzentos pelo
exotismo colorido inspirado pelo
movimento hippie que ele descobriu nas lojas do Village. Logo,
ele a acompanhou adotando um
penteado afro. Por intermédio
dela, ele conheceu o melhor da
música negra em plena ascensão, especialmente Sly Stone e
Jimi Hendrix.
Betty casou-se com Miles em 30 de setembro e deixou-o quase
que com a mesma velocidade, atravessando a vida dele como um
furacão. Mas outros fatores também estavam em jogo. A revolta
ocidental foi acompanhada pelo surgimento de novas correntes
QUEREMOS MILES
Sob a influência de Betty Mabry (à
esquerda), com quem se casou em 1968
e que, sob o nome de Betty Davis ficou
conhecida como cantora ácida e sex
symbol, Miles mudou de estilo e prestou
atenção ao rock. A Columbia o apoiou
nessa mudança e lançou o álbum Miles
in the Sky — cujo título foi visivelmente
inspirado nos Beatles — com uma
ilustração psicodélica na capa.
Foto: Baron Wolman.
musicais cujos diversos territórios (Londres, São Francisco, Los
Angeles Chicago, Nova York, Memphis) e diferentes componentes
(rock e blues psicodélicos, folk-rock, soul e rhythm and blues)
estavam representados no palco do Monterey Pop Festival de 1967.
Clive Davis, partidário de um novo gênero na Columbia, percebeu o
tamanho do fenômeno e começou a reorientar seu catálogo. Enquanto
se multiplicavam os contratos com artistas do rock, a gravadora se
desfazia dos artistas do jazz (Thelonious Monk, Duke Ellington, Dave
Brubeck). Astro do catálogo de jazz e beneficiário de adiantamentos
muito altos sobre os direitos, Miles Davis foi conservado, mas ao
custo de pressões crescentes. Clive Davis assumiu a liderança de
uma campanha publicitária agressiva a favor da aproximação entre
o jazz e o pop que beneficiou a grupos de rock com metais, como
Chicago e Blood, Sweat & Tears. Ele incentivou Miles nessa direção
a fim de rejuvenescer seu público. Por seu lado, Herbie Hancock e,
ainda mais, Tony Williams se apaixonaram pelas novas músicas e
mantiveram Miles Davis informado sobre suas descobertas. Quando
o jornalista Leonard Feather visitou o trompetista em seu quarto de
hotel, surpreendeu-se ao vê-lo rodeado por discos de rock de artistas
brancos, do soul e do funk.
N
A DIREÇÃO DE UM SOM DE GUITARRA. No final de 1967,
Miles Davis iniciou uma nova série de gravações
durante as quais retomou o controle do repertório
dominado pelas partituras de seus músicos. Ele
as substituiu por simples esboços que foram
dispersos no álbum Miles in the Sky (cujo título
foi inspirado pela música psicodélica dos Beatles,
“Lucy in the Sky with Diamonds”) e em compilações
tardias de inéditos, “Directions” e “Circle in the
Round”. “Circle in the Round” é o título da música
mais antiga, gravada em 4 de dezembro de 1967.
Foto: Guy Le Querrec.
138
Miles Davis em casa, em junho de 1969.
Em seu luxuoso apartamento na Rua
77 Oeste em Nova York, a decoração
era composta por muitos elementos
arredondados e evocativos da África e
da beleza negra.
Foto: Don Hunstein
QUEREMOS MILES
139
140
As partituras de Filles de Kilimanjaro
revelam um trabalho de preparação
minuciosa do álbum que Miles Davis
realizou com Gil Evans, mesmo que este
não tenha recebido crédito explícito.
Disco de transição no qual o piano
elétrico assumiu o lugar do acústico,
ele revela a influência latente de Jimi
Hendrix e de James Brown. Pouco
depois, o material escrito desapareceu,
dando lugar a um trabalho elaborado
de modo oral e informal diretamente no
estúdio.
Ela tomou a forma de uma montagem de quase meia hora a partir de
sequências sobre um material mínimo de “notas-pedal” alternadas,
de exposições incansavelmente repetidas e de solos esparsos, que
funcionavam mais como uma roupagem do que como discurso, sobre
um contínuo rítmico a partir do qual a bateria surgia aqui e ali como a
solista principal. Um instrumento até então ausente da obra de Miles
foi incluído: a guitarra. Vários guitarristas foram testados durante
os meses seguintes sem, no entanto, cair nas graças de Miles (os
brancos Joe Beck e Bucky Pizzarelli, o negro George Benson). Quanto
a Herbie Hancock, ele foi convidado a tocar celesta e, depois, teclados
elétricos de diferentes marcas (Wurlitzer, Hohner, Fender Rhodes).
Em maio de 1968, em uma das músicas incluídas em Miles in the
Sky, Ron Carter trocou seu contrabaixo por um baixo elétrico. Um mês
depois, o piano acústico e o baixo elétrico estavam lado a lado para as
primeiras sessões de gravação do álbum Filles de Kilimanjaro, assim
intitulado em referência às ações compradas por Miles na empresa
Kilimanjaro African Coffee.
Durante o verão de 1968, Ron Carter e Herbie Hancock foram
substituídos por dois músicos brancos, o contrabaixista inglês Dave
Holland, observado em uma temporada londrina, e Chick Corea,
que havia acabado de lançar uma das obras-primas do jazz em trio,
Now He Sings, Now He Sobs. Nessas duas faixas, que completaram
Filles de Kilimanjaro em setembro, o contrabaixo acústico foi usado
novamente, mas Chick Corea recebeu um piano elétrico. “Frelon brun”
foi inspirado em James Brown. Quanto a “Mademoiselle Mabry”, que
Miles gravou na presença da mulher com quem iria se casar alguns
dias depois, ele iniciou com as primeiras notas da música de Jimi
Hendrix, “The Wind Cries Mary”. Entretanto, não se trata de modo
algum de uma cópia, e as visões que esses dois modelos inspiraram
a Miles continuam a ser tão originais quanto as que, anteriormente,
foram inspiradas por Ahmad Jamal, pelo gospel e o flamenco. Na
capa, a menção “Directions in music by Miles Davis” indica que ele é
o único compositor da obra e relativiza o papel, ainda assim bastante
importante, do produtor Teo Macero. Esqueceu-se Gil Evans que,
desde dezembro de 1967, era onipresente no estúdio, dando ideias
QUEREMOS MILES
141
e conselhos, fornecendo até a partitura de “Eleven”, que se tornou
“Petits machins” sob a assinatura de Miles Davis. Este último estava
acostumado a fazer isso. Ele já se apropriara de “Four” e “Tune up” (de
Eddie “Cleanhead” Vinson), “Solar” (que é “Sonny” de Chuck Wayne),
“Blue in Green” (de Bill Evans), etc. John Scofield viveria, nos anos
1980, desventuras semelhantes.
A partir de novembro, começou um novo ciclo de gravações durante
o qual Miles Davis recorreu a dois ou mesmo a três teclados (piano
elétrico e órgão Hammond), e Herbie Hancock e Joe Zawinul se
juntaram ao quinteto, algumas vezes com Jack DeJohnette na
bateria e, outras vezes, com Tony Williams. Em fevereiro de 1969,
entrou em cena um novo guitarrista: John McLaughlin. Jazzista
convicto, ele trabalhou muito em gravações de musica pop e
frequentava um palco inglês no qual as fronteiras entre jazz,
rock e blues eram muito permeáveis. Ele havia participado de
diferentes experiências free e acabara assinar um primeiro disco
em quarteto ao lado do saxofonista John Surman, Extrapolation.
Descobrimos um guitarrista de sonoridade saturada, herdada dos
blues de Chicago, e com um fraseado violentamente articulado
cuja abundância se aproxima das camadas sonoras de Coltrane,
até então reservadas aos saxofonistas. Foi Tony Williams quem,
por sugestão de Dave Holland, fez com que ele saísse de Londres
para integrar-se ao novo grupo, Lifetime. Depois de ouví-lo em uma
jam session na noite de sua chegada a Nova York, Miles pensou
ter encontrado o guitarrista que procurava: “Eu evoluí para um som
de guitarra porque ouvi James Brown e adorei o uso que faz da
guitarra. Sempre gostei do blues, gosto de tocá-lo. Senti nascer um
desejo de mudar. Eu sabia que isso tinha algo a ver com a guitarra.
Portanto, me interessei pelo que os instrumentos elétricos
poderiam me trazer. Quando ouvi Muddy Waters em Chicago, eu
soube que devia integrar em minha música algumas coisas que
ele fazia. Sabe, o som dos tambores de 1,50 dólares, a gaita e o
blues com dois acordes. Eu queria voltar a isso porque aquilo que
estávamos fazendo havia se tornado realmente abstrato demais.
Eu queria retornar à minha origem”.
142
In a Silent Way marcou a chegada
significativa da guitarra na música
de Miles Davis e sua eletrificação
crescente, com a substituição do
piano pelos teclados tocados por Joe
Zawinul, Herbie Hancock e Chick Corea.
No palco, o trompetista passou a usar
vestimentas que mais lembravam
roqueiros do que jazzistas.
Foto: Jean-Pierre Leloir
U
MA VEIA PASTORAL. A multiplicação
dos teclados correspondia em parte
à vontade de reencontrar o som da
música popular negra, na qual muitas
vezes a linha de acompanhamento
entra em rivalidade com a melodia
principal e é tocada simultaneamente
pelo baixo, os teclados e a guitarra.
Essas duplicidades já estavam
presentes no uníssono de piano e
contrabaixo de “Frelon brun” ou de
“Dual Mr. Anthony Tillman” e passaram
a ser uma constante da música de
Miles Davis. A referência ao blues “de
dois acordes” confirma seu desejo de
se libertar do jugo harmônico que tomou
um rumo obsessivo durante os seis
anos seguintes. John McLaughlin soube
integrar na música de Miles o sustain
saturado dos guitarristas de blues e o
arranhão rítmico abrasivo das guitarras
de James Brown.
No entanto, durante as sessões de gravação de fevereiro de 1969,
Joe Zawinul apresentou uma partitura muito diferente das intenções
declaradas de Miles. A serviço da música funky dos irmãos Adderley
desde 1962, ele foi o pioneiro do piano elétrico no jazz. Adepto da
música descritiva, ele deu vazão a suas lembranças da infância,
durante uma estadia em seu país de origem, a Áustria. As partituras
resultantes alimentaram uma das orientações de Miles, que atingiu
o auge durante 1969 e que, às vezes, é denominada de “pastoral”,
derivada sonhadora da arte da balada na qual os climas e as cores
superam progressivamente o discurso e o ritmo. Nessa categoria,
QUEREMOS MILES
que não é exclusiva de Miles, podemos incluir “Flamenco Sketches”
(inspirada por Bill Evans), “Mood” (de Ron Carter), “Circle” e “Tout
de suite” (de Miles Davis), “Vonetta”, “Sweet Pea”, “Nefertiti”, “Fall”,
“Sanctuary” e “Feio” (de Wayne Shorter), “Guinnevere” (emprestada
por Miles no final de 1969 do cantor de folk-rock David Crosby) assim
como toda uma série de peças de Joe Zawinul (em especial “Ascent”,
“In a Silent Way”, “Orange Lady” e “Gemini”), às quais sucederam em
1971 algumas partituras do compositor brasileiro Hermeto Pascoal
(“Nem um Talvez”, “Selim”, “Little Church”).
Ao conhecer uma delas, “In a Silent Way”, Miles Davis decidiu
simplificar o movimento harmônico. Como muitas vezes, o
trompetista usou o enigma para dar instruções e pediu a McLaughlin
que tocasse como se não soubesse tocar. Este fez então o primeiro
acorde que um guitarrista aprende a tocar e arpejou-o, ornamentando
as notas do tema de Zawinul. Foi essa exposição tateante, gravada
sem que ele o soubesse, que foi utilizada no disco. Depois disso,
Shorter (no sax soprano, que preferia desde novembro de 1968) e
Davis reexpuseram o tema, cada um por sua vez,. Essas exposições
foram montadas no início e no final de uma gravação extraída da
mesma sessão, um tipo de jam session intitulada “It’s about that
Time” sobre uma série de ostinatos dirigidos por Miles, que se
deslocava no estúdio para sussurrar instruções aos músicos.
Diferentes fragmentos foram extraídos e colados uns aos outros por
Teo Macero para formar um segundo lado do LP intitulado In a Silent
Way. Segundo o mesmo procedimento, o outro lado foi constituído por
partes de um longo improviso sobre uma única nota-pedal em ré, de
um ostinato minimalista de hi-hat e de um tipo de borrão harmônico
realizado pelos três teclados. O solo de Miles que abre essa suite
intitulada “Shhh/Peaceful” foi reutilizado no final, como se fosse um
tema. O álbum assim obtido formou um tipo de azul monocromático
de onde emergia subitamente, no segundo lado, o avermelhado de
um breve tutti da rítmica.
143
144
Apesar das relações tumultuosas, a
longa colaboração entre Miles Davis e
Teo Macero (ao lado, em 1970) foi uma
das mais frutíferas que se conheceu
entre um artista e seu produtor. Muito
a par de técnicas de estúdio, Macero
realizava a montagem e, às vezes, o
retratamento sonoro do material bruto
gravado no estúdio, dando sua forma
a uma música que, mais relaxada no
palco, algumas vezes deixava o público
perplexo (abaixo, no Ronnie Scott’s em
Londres, em novembro de 1969).
Fotos: Don Hunstein (ao alto)
David Redfern (embaixo).
QUEREMOS MILES
145
s
ESSÕES EM CLIMA DE GUERRA.
Quando o quinteto saía em turnê,
especialmente durante os festivais
de verão, uma música totalmente
diferente era tocada em um
repertório no qual os clássicos não
apareciam mais a não ser sob a
forma de frases fugidias. O grupo se
aproximava furiosamente do free
jazz já que o trompetista, depois do
primeiro solo, abandonava o palco
a Wayne Shorter e, sobretudo ao
trio Corea-Holland-DeJohnette que
mergulhava em um turbilhão sonoro
improvisado, fora das restrições
harmônicas e, até mesmo, rítmicas.
Ao entrar no estúdio, em agosto,
Miles Davis retomou a direção,
partindo sempre de restrições
minimalistas para enquadrar o toque
de seus músicos. Ele os rodeou com
um grupo maior que, dependendo do
lugar, incluiu John McLaughlin, Joe
Zawinul e Larry Young nos pianos elétricos, Bennie Maupin no
clarone, Harvey Brooks no baixo elétrico, Jack DeJohnette, Don
Alias e Lenny White na bateria, Jumma Santos na percussão. Miles
aproveitou para levar um pouco mais longe a experiência de In a
Silent Way, ampliando a paleta de cores sonoras, estruturando
os cenários a partir de frases melódico-rítmicas distribuídas no
último momento, reescutando as faixas para acrescentar partes
feitas em regravação.
Se a menção “Directions in music by Miles Davis” figurava
normalmente no álbum Bitches Brew, o trabalho de pós-produção
de Teo Macero era tão fundamental quanto o de um montador de
cinema, que, a partir das tomadas feitas por um diretor, corta,
cola, formata e edita. Partindo de faixas gravadas continuamente
durante jam sessions dirigidas, mas relativamente informais, Macero
imaginava uma estrutura, isolando às vezes uma breve sequência
para reproduzi-la em loop ou reinseri-la em diferentes pontos, como
um elemento temático. Se as relações entre os dois homens eram
agitadas, algo frequente, a tensão fazia parte da estratégia mais ou
menos consciente de Miles Davis. “Penso que devemos Bitches Brew
a uma discussão violenta”, contou Teo Macero, citando as ofensas
que trocou na cabine de controle com Miles durante a gravação. “Saia
da minha frente com esse trompete filho da puta e seus músicos
viados!” disse ele a Miles, que entrava no estúdio para cancelar a
sessão. Surpreso ao vê-lo pegar o trompete, o produtor fez rodar o
gravador. E o conjunto começou a tocar enquanto insultos e gestos
obscenos eram trocados através do vidro, Miles desafiando o produtor
a se unir a eles. “Finalmente, eu disse: ‘Estou indo’. Sai da cabine,
acomodei-me ao lado dele e nós não nos mexemos. E ele gravou
faixas fantásticas. [...] Eu lhe disse: ‘Seu filho da puta, você devia ser
sempre assim, malvado e abominável’.” Essas gravações renderam
um álbum duplo, formato muito em voga desde o lançamento, em
1966 de Blonde on Blonde de Bob Dylan e de Freak out de Frank
Zappa. Em 1968, foi a vez dos Beatles com o famoso Álbum Branco,
de Jimi Hendrix com Electric Ladyland e de Cream com Wheels of Fire.
Nos anos 70, Miles Davis lançou 10 álbuns duplos.
A recepção a Bitches Brew não teve nuances e foi ou negativa ou
entusiasmada, mas nos dois casos baseou-se em um mal-entendido.
Os críticos que viam na direção tomada por Miles Davis uma postura
comercial não levavam em conta o fato de que ele gravava uma
146
As visões oníricas do díptico do pintor
surrealista Mati Klarwein (1932-2002)
que ilustraram o álbum Bitches Brew
(no alto) contrastavam com o visual
corrente do jazz. Miles Davis usou
novamente seu talento em Live-Evil
QUEREMOS MILES
(abaixo). Em 1969, o trompetista
foi capa da revista de rock Rolling
Stone, comprovando que sua fama
ultrapassava em muito os círculos
do jazz.
148
Apaixonado pelo boxe, admirador de
seus grandes campeões, em especial de
Sugar Ray Robinson (ao lado, à direita),
Miles Davis gravou em 1970 a trilha
sonora original de um documentário
dedicado a Jack Johnson, primeiro
campeão mundial peso-pesado afroamericano da história.
“Johnson encarnava a Liberdade”,
escreveu Miles na capa.
Fotos: Corky McCoy (à esquerda);
Thierry Trombert (à direita)
música muito abstrata com durações que eram impeditivas no
circuito habitual das músicas de sucesso.
A imprensa do rock, que se interessava por ele desde o lançamento
de Miles in the Sky, saudou uma revolução com Bitches Brew, sem ver
que a música dos últimos álbuns era a concretização de uma lenta
progressão que ia de “Flamenco Sketches” a “Spanish Key”. Enquanto
o grupo do palco se radicalizava, Miles continuava a exploração da
veia pastoral durante as sessões de estúdio no inverno de 19691970, incorporando novos músicos, como o percussionista brasileiro
Airto Moreira ou os membros do que ele chamava de seu “salão
indiano”, o citarista Khalil Balakrishna e o tablista Bihari Sharma.
O
QUEREMOS MILES
CHAMADO DO FUNK. Em meados de fevereiro,
uma nova série de sessões mostrou Miles
sistematizando uma orientação funk audível
desde “Stuff” (Miles in the Sky), “Frelon
brun” (Filles de Kilimanjaro) e as sessões de
gravação de novembro de 1968 (“Splash”,
“Splashdown”). Ele não parava de mostrar as
gravações do baterista de rhythm and blues
Buddy Miles para Jack DeJohnette, que não
desejava renunciar ao toque muito livre que
praticava no palco em cumplicidade com Dave
Holland e Chick Corea. Miles ouvia também os
ritmos funk das músicas populares negras
nas quais James Brown se impôs como líder
e Sly Stone se apresentava como um novo
messias. Elas se baseiam em uma polirritmia
repetitiva herdada da África. Falava-se então
menos de swing que de groove para designar
essa rítmica cujo papel não consistia mais em
colocar um tapete confortável e estimulante
sob os pés do solista, mas a marcar seu discurso em uma engrenagem
rítmica intensamente sincopada, na qual cada elemento (guitarra,
teclado, baixo, bateria) constitui um dos mecanismos.
Quando entrou no estúdio para gravar a música de um documentário
sobre o boxeador negro Jack Johnson, Miles Davis deixou
momentaneamente de lado seus acompanhantes habituais e chamou
Michael Henderson (baixista elétrico habituado a conjuntos do soul,
especialmente ao grupo de Stevie Wonder) e Buddy Miles. Este último
não estava disponível e foi substituído por Billy Cobham. Herbie
Hancock, que fez uma visita inesperada ao estúdio, foi convidado
por Miles a sentar-se a um órgão elétrico que os técnicos tiveram de
conectar às pressas, pois a gravação já havia começado. Mas, no início,
Miles não havia previsto nenhum teclado, estando a parte harmônica
confiada apenas a John McLaughlin por sua capacidade de participar
com toques sincopados do groove do baixo e da bateria. A sessão
começou enquanto McLaughlin usava um ritmo de boogie para se
aquecer. Por sorte, as fitas já giravam e Miles Davis saiu da cabine
de gravação onde conversava com Teo Macero para se unir a uma
longa jam session. O restante do disco foi feito com uma montagem
de diferentes sessões na qual se reconhece em especial uma frase
repetida extraída da canção “Sing a Simple Song” de Sly Stone. Daí
resultou um disco importante, A Tribute to Jack Johnson, que teve
apenas um sucesso tardio por a Columbia não ter reconhecido sua
importância e feito uma promoção mais intensa.
N
OS TEMPLOS DO ROCK. Na época, o dono da Columbia,
Clive Davis, pressionou Miles Davis a se apresentar em
palcos de rock e a abrir shows.
Miles recusou-se, em um primeiro momento, a tocar para
esses grupos de garotos brancos de cabelos longos. Ele
aceitou fazer concessões, desde que se dirigisse a um
público negro. Acusando a Columbia de privilegiar o rock
branco, Miles ameaçou assinar com a Motown, a principal
a dançA de
jack johnson
São os 20 últimos segundos de Yesternow.
Uma voz se superpõe a acordes estranhos
com um toque felino e, ao som do trompete
distorcido por um halo de reverberação diz:
“Eu sou Jack Johnson, campeão mundial de
peso-pesado. Eu sou negro e eles nunca me
deixaram esquecer isso; está bem, eu sou
negro e nunca deixarei que esqueçam isso!”
Áspera e tonitruante, a voz que pronunciou
essas palavras foi a do humorista Brock
Peters que, no documentário de William
Cayton, emprestou sua voz a Jack Johnson,
primeiro campeão mundial de boxe negro da
história (1908) na categoria peso-pesado.
Miles Davis gravou a trilha sonora desse
filme em 1970; Teo Macero, que a montou,
incluiu essas palavras fustigantes no final
do álbum.
Não é difícil substituir o nome do famoso
boxeador pelo de Miles Davis. O mesmo
orgulho, a mesma luta.
A importância do boxe na vida de Miles Davis
é evidente. Ele o praticou e esse esporte o
fascinava. Miles declarou ao baterista Art
Taylor, que realizou entrevistas com os
artistas de jazz que conhecia, que seu único
hobby era o boxe, além de “zombar dos
brancos que aparecem na televisão”.
Ele recebeu jornalistas e fotógrafos nas
salas de treino, exigiu que seu empresário
encontrasse um ginásio em pudesse praticar
em cada parada de suas turnês. Alguns dos
músicos que lhe eram próximos partilhavam
o mesmo gosto por esse esporte: o baterista
Stan Levey, com quem Miles dividiu o aluguel
de um apartamento quando chegou a Nova
York, e o pianista de seu primeiro quinteto,
Red Garland, eram ambos ex-profissionais.
Joe Zawinul contou muitas vezes que Miles
e ele passavam mais tempo comparando os
méritos dos campeões do que discutindo a
música que faziam. Em 1983, um jornalista
japonês entrou na limusine do astro para
atravessar Nova York: durante todo o trajeto,
Miles assistiu em uma televisão embutida
no carro às imagens de uma vitória de Sugar
Ray Robinson por nocaute.
Conforme uma ideia comumente partilhada
na comunidade negra americana, o esporte
e a música eram, no contexto racial dos
Estados Unidos, os únicos domínios em
que um negro poderia triunfar. O boxe
era, na opinião de Miles Davis, o esporte
que mais se aproximava do jazz. Ele
apreciava a individualidade dos estilos,
o domínio dos homens sobre seu talento,
a disciplina física e mental requerida
pelo desempenho. Sobretudo, ele via no
boxe uma escola de exigências cujos
fundamentos — precisão do gesto e
reatividade instantânea — necessitavam
de uma longa aprendizagem, mas de nada
valiam sem a liberdade da inspiração, o
golpe de gênio e o trunfo secreto.
Miles praticava o boxe com regularidade.
Em 1952, no período em que sua
dependência de drogas o derrubou, às
vezes, para o mais baixo possível, a
humilhação suprema aconteceu quando,
sem disfarçar o desgosto que sentia, Bobby
McQuillen recusou-se a ser seu treinador.
Alguns meses mais tarde, trancado
voluntariamente em um imóvel de seu pai,
Miles livrou-se da dependência de um modo
intenso, uma desintoxicação dita “a seco”.
Ele a suportou, segundo disse, graças ao
exemplo de Sugar Ray Robinson, modelo de
disciplina, excelência e integridade, “um dos
raros ídolos que cheguei a ter”. Miles deu-lhe
um de seus trompetes como homenagem.
Ele admirava esse homem que, símbolo de
êxito e de orgulho, devia seu sucesso apenas
a sua inteligência, vontade e força de seus
punhos. Como Sugar Ray, Miles tinha seu
“Soldier”, um homem de confiança, o alter
ego oculto, o treinador não-oficial, o único a
cuja opinião ele dava valor: Gil Evans.
O boxe marcou a ressurreição do músico.
Sua prática liberta o corpo, delineia a
silhueta, acentua o controle da respiração e
vemos que Miles desenvolveu no palco um
gestual de ombros, de inclinações felinas,
de movimentos de pernas, do tronco e de
pescoço que acompanham o desenrolar
de seus solos, tornando manifesta a
articulação entre o pensamento musical
e sua expressão. Miles movia-se como um
boxeador, mas, para não prejudicar sua
carreira, nunca pôde lutar no ringue. Nos
ginásios, todos sabiam que era preciso não
atacar seu rosto. Miles estava confinado ao
saco de pancadas, à punching-ball, ao boxe
em sombra, a dançar no ringue contra um
adversário invisível.
No início dos anos 70, sua música parece
ter se beneficiado com uma transferência
de energia, como se os golpes que ele não
podia dar e a prática assídua do esporte
encontrassem um canal de liberação no
palco ou no estúdio. Em faixas muito longas,
sobre tramas repetidas incansavelmente,
a música dava a impressão de girar em
círculos antes que o trompete interferisse,
cortando o espaço saturado com frases
que são menos longos discursos do que
um encadeamento de breves sequências
atiradas com um punch temível e uma
precisão extrema. David Liebman,
saxofonista do grupo nessa época,
comparou o cinzelado de sua divisão rítmica
a séries de ganchos. Um caso de pulsação
de timing, de ritmo, de potência dominada. O
próprio Miles, em sua autobiografia, lembrou
que, no estúdio, sua obsessão se resumia
a uma imagem : “Jack Johnson dançaria lá
em cima?” A dança do campeão tornou-se a
medida de sua própria pulsação.
Vincent Bessières
vincent bessiÈres É JORNALISTA e REDATOR CHEFE ADJUNTO
DA REVISTA JAZZMAN. ELE É CURADOR DA EXPOSIÇÃO WE WANT
MILES, ORGANIZADA PELA CITÉ DE LA MUSIQUE EM PARIS
Fotos: Corky McCoy.
152
Com o apoio dos dirigentes da
Columbia, Miles Davis foi chamado a
se apresentar nas duas grandes salas
de rock da época, a Fillmore East, em
Nova York e a Fillmore West, em São
Francisco, entre 1970 e 1971 e a
partilhar vários cartazes psicodélicos
com astros pop, como o Grateful Dead.
O selo lançou álbuns com algumas das
apresentações.
Foto (página da direita): Fred Lombardi.
gravadora da música negra. Embora exigisse não ser mais vendido
com o rótulo de jazz, ele aceitou fazer abertura nos templos do rock
branco que eram Fillmore East e Fillmore West (cujos shows eram
gravados e montados por Teo Macero sob a forma de álbuns duplos),
e também no festival da ilha de Wight. As percussões variadas de
Airto Moreira coloriram dali para a frente a música do grupo no palco.
Wayne Shorter foi substituído por Steve Grossman (no saxofone
soprano mais do que no tenor, a fim de melhor ultrapassar a parede
sonora formada pela rítmica) e, depois, por Gary Bartz (nos saxofones
alto e soprano).
No final da primavera, Keith Jarret recebeu convite para contrapor
um órgão barato aos efeitos eletrônicos que Chick Corea passou
a acrescentar no Rhodes. A disposição dos dois teclados de cada
lado do palco, bem como a sonorização sofrível adquirida por Miles,
levaram os dois homens ao desentendimento. O que resultou daí
foi um caos sonoro amplificado pelas escapadas libertárias de Dave
Holland (a partir daí, sempre no baixo elétrico) e de Jack De Johnette.
Logo, Corea e Holland retiram-se para criar o quarteto Circle com
um dos principais renovadores do movimento free, o saxofonista
Anthony Braxton. Só nos teclados, Keith Jarret contribui para tornar
mais límpido o som da orquestra com uma interpretação ora mais
rítmica, aparentando-se aos riffs de violão do funk ou aos acentos
estáticos do gospel e do soul, ora mais lírico, mas sempre com grande
liberdade de improvisação. Embora com bela mobilidade melódica, as
linhas da guitarra baixo de Michael Henderson, fortemente arraigadas
no ritmo, deixam de ser cúmplices das veleidades free do baterista
Jack De Johnette. Miles Davis aproveita para aceitar uma gravação,
em dezembro de 1970, no Cellar Door de Washington, convidando
no último dia John McLaughlin, a fim de apimentar as gravações,
que serão compiladas com várias faixas de estúdio daquele ano no
álbum duplo Live-Evil.
153
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QUEREMOS MILES
155
Em agosto de 1970, Miles Davis
participou de dois grandes eventos do
rock da época: o festival da ilha de Wight
no Reino Unido (página anterior, nos
bastidores com Betty Davis) e o festival
de Tanglewood nos Estados Unidos
(abaixo com Gary Bartz).
Foto: Amalie R. Rothschild
156
Foto: K. Abe.
QUEREMOS MILES
157
ON THE
CORNER
A PULSAção Do
FUNK
1971-1979
Os músicos que participaram das primeiras experimentações elétricas de Miles Davis formaram conjuntos segundo o modelo dos grupos
de rock e tomaram a liderança do jazz-rock: Lifetime de Tony Williams,
Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, Weather Report de Wayne
Shorter e Joe Zawinul, Return to Forever de Chick Corea. Eles faziam
músicas muito amplificadas, levadas pelo martelar potente do baixo
elétrico e da bateria, baseadas em uma técnica instrumental demonstrativa e coloridas pela diversificação das sonoridades elétricas, em
especial graças aos sintetizadores. Essas sonoridades se inspiravam
nas músicas de outras culturas do mundo, no funk e nas tendências
mais progressivas do rock. Enquanto o free jazz estava em ascensão,
sua mensagem positiva expressava-se em grandes festivais e chamava a atenção principalmente de um público branco desmobilizado
para o qual os exotismos espirituais e as preocupações ecológicas
tomavam progressivamente o lugar dos ideais revolucionários dos
anos 60. Miles Davis desdenhava desse jazz-rock bem intencionado
para cujo surgimento havia contribuído, mas que, com o apoio da
Columbia, encontrava um sucesso comercial ao qual sua música
mais radical não poderia aspirar. O afro-funk sombrio e vingativo
para o qual ele se orientou não deixava de fazer eco à repressão
A partir de 1970, cansado de tocar para
um público principalmente composto
por jovens hippies brancos, Miles Davis
manifestou o desejo de reforçar a ancoragem de sua música na cultura negra
do rhythm and blues e do funk, o que
resultou na vinda do baixista Michael
Henderson (página da direita), que
trabalhou para o selo Motown, e pela
adoção de um corte de cabelos ao estilo
afro.
Foto: Corky McCoy (à esquerda);
Jean-Pierre Leloir (à direita).
brutal que se abateu então sobre o movimento negro, favorecendo
as divisões que atravessavam seus ramos extremistas. Sua música
parecia tomada pelo ressentimento violento da comunidade negra.
Para se exprimir sem rodeios, numerosos cantores negros se libertaram da tutela das gravadoras e tomaram a produção de suas obras
nas próprias mãos: When the Revolution Comes dos Last Poets, The
Sun Never Shines on the other Side of the Town de Curtis Mayfield
(1970), What’s Goin’ on de Marvin Gaye, Respect Yourself dos Staple
Singers, There’s a Riot Goin’ on de Sly Stone, The Revolution will not
be Televised de Gil Scott - Heron (1971).
Para Miles, eram muitos os motivos de amargura. Depois de se divorciar de Betty Mabry, em 1969, ele saía simultaneamente com duas
jovens tranquilas, Marguerite Eskridge (que vemos na capa de At
Fillmore) e Jackie Battle. Ambas tentam fazê-lo partilhar suas preocupações espirituais e seu estilo de vida. Elas o encorajaram a seguir
regimes diferentes e o incitaram a uma abstinência relativa. Mas
o temperamento das duas mulheres era pouco compatível com a
vida movimentada de seu companheiro. Em 9 de outubro de 1969,
enquanto Miles acompanhava Marguerite Eskridge a sua casa, um
carro parou ao lado de sua Ferrari e cinco tiros foram disparados através da porta. Chegando ao local, a polícia começou a revistar o carro e
afirmou ter encontrado maconha... que Miles nunca consumira. Ele foi
levado à delegacia com sua amiga, mas beneficiou-se pela declaração
de improcedência do tribunal. Alguns meses mais tarde, interpelado
pela polícia porque sua Ferrari não estava regularizada, ele passou
uma noite na delegacia por porte ilegal de arma depois de ter deixado
cair do bolso um soco americano que carregava desde a agressão
sofrida em outubro. Marguerite deixou-o em 1971, enquanto estava
grávida de Erin, o último filho de Miles, que nasceu em 29 de abril. O
uso combinado de cocaína e de álcool ficou mais intenso, enquanto
o trompetista acumulava problemas de saúde: úlcera estomacal,
cálculos renais, dores articulares.
QUEREMOS MILES
U
M CONJUNTO SOB ALTA TENSÃO.
Airto Moreira e, depois, Jack
DeJohnette deixaram o grupo
durante 1971 e, quando Miles Davis
partiu para a Europa em outubro,
a bateria foi assumida por Leon
“Ndugu” Chancler e duas cadeiras
de percussionistas foram confiadas
a Don Alias e James Foreman (apelidado de Mtume), que tomaram
uma parte importante no groove,
no qual Airto Moreira tinha um papel
mais de coloração. Desde a entrada
Gary Bartz em cena, uma tensão
crescente se instalou no conjunto,
culminando com a chegada de
Mtume. Gary Bartz foi o fundador da
NTU Troop, uma orquestra que tentava reconectar-se com as raízes
africanas da música negra. Michael
Henderson vinha do universo do
rhythm and blues e do funk e não
tinha afinidade particular com o jazz.
Mtume era um africanista radical. No
outro extremo, apesar de seu penteado afro, Keith Jarrett era o único branco no grupo. Embora sua
música não fosse desprovida de elementos funky e do soul, sua
experiência com a música clássica e a linguagem harmônica da comédia musical o ligavam claramente à cultura branca. Ele detestava os
instrumentos elétricos e, como um concertista clássico, exigia que
o administrador do grupo providenciasse a afinação de seu Fender
Rhodes todas as noites. Ele aceitou participar do grupo por causa de
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QUEREMOS MILES
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Miles Davis em sua casa, em Nova York, em 1971.
Fotos: Anthony Barboza
162
Miles Davis compareceu, em setembro
de 1970, ao enterro de Jimi Hendrix em
companhia de Betty Davis (à direita) e
de Jackie Battle (à esquerda), uma de
suas companheiras da época. A morte
prematura do guitarrista colocou um
término brutal ao projeto de colaboração
que os dois músicos acalentavam
vagamente.
Foto: Bob Peterson
Miles, mas não dissimulava sua aversão pela música atual que este
tocava nem seu desprezo pelos outros membros do grupo que retribuíam seu sentimento. E Davis empenhava-se em jogar uns contra os
outros, proibindo Henderson de se deixar levar por Jarrett: “Quando
Keith começar a tocar aquela bobagem de escola católica, deixe isso de
lado, não o siga”. No entanto, ele era fascinado pelo pianista e por sua
capacidade de improvisar a partir do nada. Mas sabia exatamente o que
esperava de cada um, comprazendo-se em aumentar os contrastes e
as tensões dentro do grupo.
Os clássicos e as composições originais do segundo quinteto desapareceram definitivamente do repertório, cujas peças não eram mais
identificáveis a não ser pelos ostinatos do baixo que se sucediam
sem pausa entre as diferentes sequências. Estas formavam um vocabulário de fórmulas minimalistas no qual Miles Davis demorou-se até
1975 para constituir o esqueleto das longas sequências improvisadas. Mais tarde, essas fórmulas seriam catalogadas precisamente
pelo musicólogo Enrico Merlin sob o nome de “code phrases”. A forma
canônica do blues em 12 compassos foi abandonada. Enquanto o
rock saqueava o patrimônio do blues, Miles declarava a seus músicos:
“Deixemos isso aos brancos”. No entanto, a cor do blues e de suas
blue notes eram onipresentes. O próprio Miles tocava apenas o trompete elétrico, com som geralmente deformado por um pedal wah-wah
que aproximava seu fraseado e sua sonoridade do universo de Jimi
Hendrix. Com as costas voltadas para o público, virado de frente para
os músicos, ele dirigia com o olhar ou com o gesto as mudanças de
tempo, as entradas e as saídas dos instrumentos, indicando as transições com chamadas de trompete.
Entretanto, sua música tinha dificuldade em se renovar. No início de
1971, dominado pela depressão, ele falou novamente em se aposentar. Ele não pisava em um estúdio desde junho de 1970, e suas apresentações não eram gravadas ao vivo desde dezembro desse ano.
Não tendo sido indicado para os Grammy Awards no início de 1971,
ele acusou a indústria discográfica de estar 99% nas mãos dos brancos
QUEREMOS MILES
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164
165
Em sua casa, Miles Davis tinha uma sala
de música na qual escutava as faixas
gravadas no estúdio e preparava seus
discos (ao lado). Foi ali que, em 1972,
com o jovem arranjador inglês Paul
Buckmaster, ele lançou as bases do
álbum On the Corner, no qual se fazem
ouvir as influências entrelaçadas de
Sly Stone, de Stockhausen e da música
indiana. O interesse de Miles se manifestou na integração em seu grupo do
sitarista e percussionista Badal Roy
(embaixo).
Fotos: Mark Patiky (ao alto);
Urve Kuusik (abaixo).
e declarou à revista Jet que iria se associar aos Mammies for Black
Recording Artists, que militavam junto aos disc-jockeys negros para
que apoiassem a música negra. No entanto, ele não conseguiu despertar o interesse do público afro-americano jovem. Em 26 de novembro
de 1971, durante uma apresentação no Philharmonic de Nova York,
Miles dedicou a metade de seu cachê à distribuição de lugares gratuitos nos bairros negros. Em março de 1972, ele contratou Ramon “Tiki”
Fulwood, baterista dos grupos de funk mais inventivos do momento,
Funkadelic e Parliament. No mês seguinte, os cálculos renais o obrigaram a dissolver o conjunto e a passar por uma cirurgia.
U
M GROOVE LUXURIANTE. Um novo personagem, inesperado, contribuiu para reanimar sua energia criativa. Encontrado em
1969, Paul Buckmaster era um violoncelista de formação clássica que navegava
entre o rock experimental e a música pop.
Ele deixou com Miles Davis uma gravação na qual figuras abstratas se desenvolviam sobre uma base rítmica fixa. O
trompetista convidou-o a hospedar-se em
sua casa em maio de 1972. Apaixonado
pela música de Karlheinz Stockhausen,
Buckmaster abriu novos horizontes a seu
anfitrião. Os discos de James Brown, de
Jimi Hendrix e de Sly Stone que o trompetista ouvia durante o dia em seu apartamento passaram a se alternar com
Gruppen e Mixtur do compositor alemão.
Do mesmo modo que Stockhausen mistu-
rava instrumentos tradicionais e música eletrônica, os dois músicos
planejavam associar os ritmos do funk às formas abstratas. Miles
escutava também com interesse seu hóspede tocar a primeira suite
para violoncelo de Bach. O desenvolvimento e a imbricação das ideias
rítmicas e harmônicas chamaram sua atenção para a música de
Ornette Coleman que, a princípio, ele havia rejeitado violentamente.
Ele afirmou até mesmo sentir-se próximo de Don Cherry, o trompetista do quarteto histórico de Coleman que se tornou pioneiro das
aproximações entre o jazz e as tradições orientais.
Em 1 de junho de 1972, Miles entrou no estúdio, com os cenários
musicais imaginados por Buckmaster que também evocavam as
instruções minimalistas distribuídas pelo trompetista desde Kind of
Blue. O conjunto musical definido pelo compositor lembrava também
os grupos com que Miles Davis se rodeava nos estúdios em 1969. Ele
incluía três teclados (Chick Corea no sintetizador, Herbie Hancock no
piano elétrico e Harold Ivory Williams no órgão), uma guitarra (John
McLaughlin), um baixo elétrico (Michael Henderson), um baterista
(Jack DeJohnette) e dois percussionistas (Don Alias nas congas, Billy
Hart nos pequenos instrumentos de percussão), além dos membros
do “salão indiano”, Colin Walcott no sitar elétrico e Badal Roy nas
tablas. Os músicos foram escolhidos no último momento e o jovem
saxofonista David Liebman foi contatado no próprio dia, durante
uma consulta médica. Chegando ao estúdio em meio à sessão de
gravação, ele ouviu apenas um estranho ruído sonoro além das percussões, pois o som elétrico dos outros instrumentos passava diretamente pelo console. Miles colocou-o sem demora diante de um
microfone e murmurou em seu ouvido: “Mi bemol”. E David Liebman
começou a tocar. Assim começou a confusão dessa primeira sessão,
durante a qual as instruções de Paul Buckmaster foram rapidamente
deixadas de lado.
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QUEREMOS MILES
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Em busca de manifestar sua intenção
de se aproximar da comunidade afroamericana, Miles Davis pediu a seu
amigo, o desenhista Corky McCoy, que
ilustrasse as capas de seus álbuns.
As personagens foram inspiradas nas
figuras que populavam as calçadas
do Harlem e matavam o tempo on the
corner, na esquina das ruas. Em sua
publicidade, a Columbia ecoava essa
vontade (página da esquerda).
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Miles Davis equipou seu trompete com
um dispositivo elétrico que lhe permitia
modular a sonoridade usando um pedal
wah-wah idêntico ao utilizado pelos
guitarristas.
QUEREMOS MILES
As sonoridades obtidas lhe permitiam
reconectar-se com uma certa
expressividade vinda do blues.
Aqui, em Paris, em novembro de 1973.
Fotos: Christian Rose.
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QUEREMOS MILES
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Exceto Get up with It, os últimos álbuns
gravados por Miles Davis antes de
se afastar dos palcos, Dark Magus,
Pangaea e Agharta, foram gravações
de apresentações e se constituem
em longas sequências de uma selva
sonora cujos contornos são difíceis
de perceber. O mistério da música é
reforçado pelo caráter esotérico dos
títulos dados a posteriori e que as
ilustrações impenetráveis da capa
contribuem para deixar mais denso.
A música gravada nesse dia, e nos cinco dias depois com uma equipe
ligeiramente diferente, foi lançada no álbum On the Corner.
As personagens na capa, desenhadas por Corky McCoy, são figuras
típicas do Harlem e destacam claramente a vontade que Miles sentia de se aproximar do público negro. Mas o álbum foi mal recebido
ao ser lançado. Vinte anos depois, ele se transformou em um disco
cult nos círculos do jazz eletrônico e do drum’n bass dos quais antecipou numerosas variações. Ainda mais que Bitches Brew, que já
havia marcado os pioneiros da ambient music como Brian Eno e Jon
Hassell, lidamos aqui com uma textura sonora inextrincável da qual
só podem ser extraídos motivos repetitivos que não têm sentido
algum a não ser ligados uns aos outros. Levados por uma pulsação
inexorável, esses motivos formam um groove luxuriante no qual as
linhas improvisadas se perdem no anonimato do discurso coletivo.
Além disso — como já fizera no passado para evitar os preconceitos
da crítica — Miles manteve em segredo os nomes dos músicos que
participaram no disco. Nessa época, o trompetista tinha o costume
de dizer a seus companheiros: “Não termine a sua ideia, deixe que
eu a prossiga”.
Ele levou assim ao extremo a lógica polirrítmica aprendida junto
a Charlie Parker e reduziu a uma abstração o groove herdado
de James Brown. Acabando com a dedicação a um instrumento
durante as sessões de gravação esparsas de 1972, ele nem mesmo
tocou trompete em “Rated X”, música na qual tocou acordes sustentados em um sintetizador enquanto o engenheiro de som cortava
periodicamente os canais da rítmica segundo um princípio conhecido como off-on, duas palavras que encontramos dos dois lados
da capa de On the Corner.
Esse princípio, também chamado de stop and go, estava implicitamente presente em sua obra anterior, a partir de 1968, mas Miles
Davis tomou consciência disso durante suas conversas sobre
Stockhausen com Paul Buckmaster e passou a aplicá-lo a sua música
como era tocada nas apresentações.
M
AGIA NEGRA. Em um primeiro momento,
foi sem grande sucesso que Miles tentou gravar suas músicas de palco. Disso
resultou um novo álbum duplo gravado
ao vivo, Miles Davis in Concert, gravado
em setembro no Philharmonic Hall de
Nova York. Em janeiro de 1973, ele conseguiu convencer David Liebman a se
unir a seu grupo regular. Esse discípulo
de John Coltrane estava apenas parcialmente convencido pelo que ouvia, mas
sentia de modo confuso que algo estava
acontecendo. Por isso, ele participou
intensamente. O mesmo aconteceu com
Al Foster, que permaneceu como o baterista regular de Miles até
1984. Formado na escola do swing, do bop e do hard bop, ele conseguia transformar as marteladas da bateria funk com um misto de
potência e flexibilidade que era só seu.
Um novo guitarrista apareceu na primavera: como outros antes e
depois dele, Pete Cosey foi convidado a subir ao palco sem ensaio.
Ele não era um novato: era guitarrista da Chess, o principal selo de
blues de Chicago, para o qual ele acompanhara Etta James, Howlin’
Wolf e Muddy Waters; ele dera seu toque pessoal ao disco deste
último, Electric Mud, que mistura o blues de Chicago e a música
psicodélica. Além disso, ele era membro da AACM, a associação
da vanguarda negra de Chicago. Rompendo com as atitudes guerreiras ou eróticas dos heróis da guitarra, ele aparecia no meio do
grupo de Miles, sentado atrás de uma mesa onde ficavam dispostas
pequenas percussões, efeitos eletrônicos e também um pequeno
sintetizador. Recorrendo a afinações alternativas, ele restituiu os
aspectos mais ásperos da música instrumental de Jimi Hendrix,
enquanto a guitarra de Reggie Lucas alimentava as síncopes da
seção rítmica.
Miles Davis e David Liebman (ao alto),
Mtume (embaixo, à esquerda) e Reggie
Lucas (à direita).
Fotos: Corky McCoy
no
Palco
com miles davis
Foi em uma noite de sexta-feira, 12 de
janeiro de 1973, que subi pela primeira vez
ao palco ao lado de Miles Davis no Fillmore
East. Eu estava totalmente ligado (todos
os meus instrumentos, meu saxofone
tenor, o sax soprano, a flauta estavam
equipados para serem amplificados), mas
eu não conhecia ninguém no conjunto,
exceto Badal Roy, o tablista com quem
eu tocara na gravação de “My Goals
Beyond” com John McLaughlin em 1972,
e o baterista Al Foster, que participara
de algumas jam sessions em meu
apartamento. Dizer que eu não tinha a
menor ideia do que tocava nem do que
se passava no palco naquela noite seria
um eufemismo. A energia, o volume a
densidade absoluta das texturas, tudo
isso era esmagador. Depois do show, fui
para o Vanguard, chegando bem a tempo
de terminar a primeira apresentação e
cumprir o compromisso que tinha com o
baterista Elvin Jones. Eu tinha a impressão
de ter voltado do futuro para o presente,
de ter passado do século XXI ao século XX
durante a noite mais importante de minha
vida profissional.
Antes que Miles reduzisse o tamanho
do conjunto, o grupo contava tablas,
sitar elétrico, guitarra, órgão, bateria,
congas, baixo, eu e Miles. Tomando
parte, principalmente, nos shows e em
apresentações relativamente curtas, eu
não tinha meios para realmente ouvir o que
se passava naquela música e compreender
qual era meu lugar nela. Era preciso que eu
encontrasse meu lugar sozinho.
Não havia partituras escritas e, tanto
quanto eu podia perceber, Miles não dizia
quase nada a respeito da música, nem
a mim nem a ninguém. Com esse grupo,
o essencial era tocado diretamente no
palco. Miles encarnava a quintessência
do verdadeiro músico de jazz, confiando
cegamente no momento presente,
investindo a fundo nele e saboreando-o
completamente – em outras palavras, a
espontaneidade dominava.
Podemos considerar o período em que
toquei com ele (1973-1974, até o início
de 1975, ano em que tive um “período
sabático”) como um aprofundamento na
direção de sempre mais abstração em
relação às inovações anteriores, o que
destaca a velocidade incrível em que
ocorriam as mudanças naquela época:
um uso cada vez maior dos recursos
eletrônicos (pedal wah-wah no trompete;
uso do órgão Yamaha; efeitos de chorus
e de delay no meu saxofone; bateria
eletrônica de Mtume, instrumentos de
percussão de Pete Cosey), que teve
como consequência reforçar e variar a
densidade das texturas; muita dissonância
harmônica “acidental” (dois e, em alguns
momentos, até três guitarristas tocando
juntos; acordes não-tonais tocados por
Miles no órgão); uso ainda menor dos
instrumentos de composição formais, das
estruturas e da exposição das melodias
substituído pelo apoio quase que total
sobre simples repetições de acordes (que
podiam se repetir, de modo geral, por toda
uma apresentação), que se combinavam
com a tendência de Miles para as
transições ininterruptas entre as faixas;
um embasamento rock/funk reforçado no
qual os ritmos se superpunham e eram
divididos entre os diversos instrumentos
da seção rítmica (segundo o conceito
de Sly Stone); solos que eram menos
desenvolvimentos do que exposições,
breves e episódicas.
Embora preservasse, no essencial,
os principais ingredientes da base de
seu estilo, o toque de Miles mudou
de modo espetacular. O uso do pedal
wah-wah e de um microfone preso ao
trompete faziam com que a marca tão
única e incrivelmente característica que
Miles tinha com seu instrumento – sua
sonoridade – se transformasse e que se
extraísse algo de inédito desse processo.
Quer tenha sido uma consequência
do modo em que ele ouvia a si mesmo
através do pedal ou quer fosse devido a
outros fatores, o caráter rítmico de seu
toque ficou mais pronunciado, centrado
no meio do tempo, no coração da batida.
(Os melhores músicos de jazz mantêm
uma relação frouxa e flexível com a
pulsação, eles tocam antes ou depois
do tempo, como lhes convêm. Sempre
pensei que a relação de Miles com a
pulsação era uma das mais precisas que
havia entre todos os músicos de jazz, de
todas as épocas). Esse estilo percussivo,
essencialmente rítmico, era ornamentado
por rajadas de notas nas quais se
combinavam subidas indiscerníveis para
o agudo e longas notas sustentadas, mais
raramente lançadas na batalha.
Todos esses procedimentos estilísticos
eram executados em um contexto sonoro
despojado, sem reverberação nem delay,
que sempre evidenciava a natureza
aguçada da abordagem rítmica de Miles.
Em relação às notas, suas escolhas iam de
frases cantantes, muito diatônicas ou na
tonalidade, combinadas a motivos da gama
do blues, até desvios totalmente fora da
tonalidade.
É claro que tudo isso que saía de seu
instrumento não deixava de conservar
um contorno melódico, às vezes até
com a inserção de melodias próximas
ao espírito das cantigas infantis. O todo,
como sempre quando se tratava de
Miles, realizado com um élan [em francês
no texto original], uma ousadia e um
sentido de espaço e tempo únicos que
se tornaram historicamente os aspectos
mais distintivos de seu estilo considerado
globalmente. Não tenho nenhuma dúvida
de que, durante esse período, Miles
pensava em sua abordagem do trompete
com parâmetros bem precisos em mente.
Os anos anteriores viram-no fazer um solo,
sair do palco, voltar e retomar a palavra
muitas vezes em meio ao discurso de um
outro músico (em geral, no solo do piano).
Durante minha passagem por seu grupo,
a força da presença de Miles no palco
se exercia sem cessar, afetando seus
companheiros.
Ele não apenas permanecia no palco, mas
ficava de costas para o público, olhandonos por trás de seus gigantescos óculos
escuros! Marcando o tempo com o corpo,
ordenando a um de nós com um movimento
de cabeça que fizesse um solo, ele também
podia fazer abruptamente um sinal para que
o conjunto marcasse pausas irregulares em
meio a uma frase, uma técnica retomada a
estilos de jazz mais antigos.
Ele também tinha um órgão Yamaha,
que era um tipo de precursor de toda a
tecnologia dos teclados: Miles equilibrava
acordes e tríades quando desejava,
orquestrando assim ainda mais a
interpretação diretamente. Mas, mesmo
que a forma de nossas apresentações
pudesse parecer relaxada, era difícil prever
o que iria acontecer e a música podia
mudar consideravelmente de uma noite
para outra. Em resumo, a força que Miles
exercia no palco era real e palpável, quer
ele tocasse ou não.
Quando ele entrava em cena, passado e
futuro não existiam mais, não havia nada
além do momento presente, a essência
da verdadeira improvisação, e aquilo
por que nós, músicos de jazz, lutamos
cotidianamente ao tocar. Tenho contado
muitas vezes a alunos ou a entrevistadores
até que ponto Miles se concentrava nos
instantes que antecediam nossa entrada
no palco. Calmo, absorto, aparentemente
mergulhado em seus pensamentos, todo
grupo percebia suas vibrações antes de
sair dos bastidores. Era menos solene do
que penetrante e podíamos sentir que
algo de sério iria começar. Isso foi uma
escola para mim. Aprendi a me apropriar
do instante e a confiar nele, dois aspectos
intangíveis que tentei integrar a minha
própria personalidade musical.
Miles tinha uma confiança absoluta no
menor de seus gestos, quer se tratasse
de seu próprio toque ou da regência do
conjunto. Nunca percebíamos a menor
hesitação. Isso implicava que todos que
estivessem tocando podiam, por osmose,
fazer passar a força da convicção e a
segurança de Miles em seu próprio toque.
Nessa época da minha vida, eu, às
vezes, duvidava de mim mesmo, mas
com a energia que ele irradiava, era
impossível pensar nisso. Isso era ainda
mais verdadeiro no estúdio. Quando a
luz ficava verde, percebíamos que tudo
que tocássemos poderia ser ouvido em
toda parte, em qualquer momento – um
verdadeiro juízo final!
Essa relação da gravação com a
posteridade pode facilmente provocar uma
experiência de nervosismo dependendo
da personalidade de cada um. Porém,
com Miles Davis, bastava se concentrar
e permanecer no momento, de ouvidos
atentos, prestes a se lançar na música
quando chegasse seu momento.
Precisei de 10 anos, ou mais, para assimilar
as lições aprendidas ao lado de Miles.
Essas lições me influenciaram em todas
as áreas: as técnicas instrumentais que
integrei ao saxofone soprano depois de
observar o estilo de Miles no trompete, em
especial no domínio rítmico; a aptidão para
“viver no momento presente”; a capacidade
de concentrar a energia dos outros músicos
como um elemento chave para dirigir um
grupo; sem esquecer o fato de encontrar em
si a confiança necessária para permitir que
os acontecimentos musicais ocorressem de
modo espontâneo e regular. Nos anos 1980,
eu chegava a me pegar pensando em Miles
em meio a um solo, o que, às vezes, podia
provocar uma mudança ou me inspirar em
uma nova direção.
Assim como Miles me relembrou um dia,
de modo espetacular, o fato de estar a seu
lado me fez participar, de certa maneira,
dessa linhagem do jazz que vem de Louis
Armstrong. Em consequência, tenho tentado
conservar a integridade e a honestidade que
pude observar durante minhas experiências
com Miles Davis e Elvin Jones. Recebi a
melhor formação que se poderia desejar,
uma aprendizagem de natureza grandiosa
com dois mestres da arte — o imperador,
Jones, e o príncipe das trevas, Miles Davis
—, um privilégio e uma honra que aceitei
com a consciência da responsabilidade que
permanece no tempo que me for permitido
estar neste planeta. Serei eternamente
grato pela chance que tive.
DAVID LIEBMAN
A CARREIRA DE DAVID LIEBMAN ESTENDEU-SE por QUATRO
DÉCADAS, A PARTIR DO INÍCIO COMO SAXOFONISTA NOS GRUPOS
DE ELVIN JONES E DE MILES DAVIS NOS ANOS 1970. ELE
PARTICIPOU DE CERCA DE 300 GRAVAÇÕES, DAS QUAIS DIRIGIU
OU CODIRIGIU QUASE 100. NO PLANO PEDAGÓGICO, LIEBMAN
É UM CONFERENCISTA FAMOSO E AUTOR DE VÁRIAS OBRAS
MARCANTES: SELF PORTRAIT OF A JAZZ ARTIST, A CHROMATIC
APPROACH TO JAZZ HARMONY AND MELODY E DEVELOPING A
PERSONAL SAXOPHONE SOUND.
176
Houve várias tentativas de fazer Miles
Davis voltar ao estúdio enquanto ele se
encontrava afastado. Abaixo, a equipe
da sessão de 15 de março de 1978, na
qual foi gravada apenas uma música,
ainda inédita.
Foto: Don Hunstein
QUEREMOS MILES
177
Em 30 de março de 1974, enquanto a Columbia deslocava uma
equipe para gravar no Carnegie Hall (Dark Magus), Miles Davis fez
subir ao palco, sem ensaio prévio, dois músicos: o saxofonista Azar
Lawrence, que não permaneceria no grupo, e o guitarrista Dominique
Gaumont, que permaneceu por alguns meses, acrescentando uma
voz solista suplementar, herdeira direta de Jimi Hendrix. A guitarra
elétrica afastou definitivamente o piano europeu e os teclados só permaneceram sob a forma do órgão Yamaha YC45, que era usado pelo
próprio Miles de um modo minimalista. Apenas o saxofonista Dave
Liebman representava ainda a herança instrumental e harmônica
europeia por sua formação dupla, como músico erudito e discípulo de
Coltrane. Embora ele tenha assimilado rapidamente as lições de Miles
em matéria de dinâmica, fraseado, energia e efeitos dramáticos, sua
virtuosidade e seu apego às virtudes discursivas do jazz o distinguem
do coletivo polirrítmico das percussões, das guitarras e do baixo. E,
quando em junho de 1974, Miles Davis prestou uma homenagem a
Duke Ellington, que falecera algumas semanas antes, com uma peça
estática, que se alongava por 32 minutos sobre as notas sustentadas
do órgão elétrico, David Liebman demonstrou uma perplexidade que
confirmava seu isolamento no grupo.
Assim, o saxofonista afastou-se para formar seu próprio grupo, no
qual se combinaram as influências de Miles Davis e de John Coltrane.
Ele foi substituído por Sonny Fortune, saxofonista negro especializado nos sax alto e soprano e também na flauta, que explorava a
veia pós-Coltrane de modo mais linear do que seu predecessor. Mas
o discurso individual perdera quase que toda a importância naquela
selva sonora meio que luxuriante e em decomposição que foi documentada em dois álbuns duplos, Agharta e Pangaea, gravados em
Osaka durante duas apresentações dadas no mesmo dia de fevereiro
de 1975. A música não passa de uma matéria orgânica de densidade
inextrincável, levada por um enorme groove interrompido aqui e ali
por um gesto do líder, segundo o princípio do off-on. A partir de abril,
na segunda parte de uma apresentação em Boston, Miles Davis con-
vidou a subir ao palco um jovem saxofonista tenor em quem ele acreditava ter reencontrado a chama de Coltrane, Sam Morrison. Sonny
Fortune não demorou a fazer as malas. No entanto, a atividade do
trompetista no palco tornou-se esporádica. Em outubro de 1975, ele
cancelou todas as apresentações e só voltou a fazê-las na primavera
de 1981.
A
RECLUSÃO. Nada ia bem na vida de Miles. No plano
musical, talvez ele tivesse chegado ao final da rota
que empreendera. Exasperado pelo sucesso do
jazz-rock branco, ele fracassou em seu objetivo de
atrair o público negro apesar da radicalização de
sua música na direção do funk. Seus relacionamentos conflituosos com os filhos Miles IV e Gregory
fizeram-no encarar seus fracassos pessoais e ele
entrou em uma depressão profunda. Os incidentes
de saúde se multiplicaram, agravados pelo consumo
de drogas, analgésicos e álcool. Em 9 de outubro
de 1972, ele bateu com sua Lamborghini em um
guard-rail e fraturou os tornozelos. Durante vários
meses, teve de andar com muletas, com gessos que
davam pouco suporte a seu quadril doente. Em 1973, ao escalar
o muro de seu jardim durante uma crise de paranoia, ele quebrou
novamente um tornozelo. Em 1975, seu quadril havia se deteriorado
a ponto de provocar várias luxações e ele teve de colocar uma nova
prótese em dezembro. A isso se acrescentavam diabetes, inflamação
das articulações, úlcera estomacal, pneumonias frequentes e novos
nódulos nas cordas vocais. Miles levava uma vida errática, repleta de
incidentes. Em 1972, ele foi acusado de sequestro por uma de suas
locatárias. Em fevereiro de 1973, ele foi preso por porte de arma
automática.
Durante 1973, Jackie Battle terminou o relacionamento com ele.
Miles adoeceu progressivamente em casa, em uma grande desor-
178
QUEREMOS MILES
179
Recluso em seu apartamento na Rua 77
Oeste, Miles Davis vivia com as cortinas
fechadas, afastado do mundo e saindo
apenas raramente. Ao lado, fotografado
em casa, pouco antes de ressurgir em
público.
Foto: Teppei Inokuchi
dem e em semi-escuridão, tendo como única luz a televisão permanentemente ligada. Apenas alguns amigos, cada vez mais raros,
companheiros de passagem, aproveitadores, traficantes e ratos
quebravam a solidão e o tédio cada vez maiores. Enquanto o consumo de cocaína lhe custava 500 dólares por dia, seu contrato com
a Columbia chegou ao fim.
A companhia outorga-lhe uma pensão - privilégio até então reservado
ao pianista Vladimir Horowitz -, na esperança de vê-lo voltar aos estúdios. Mas Miles deixou de praticar e de ouvir música e perdeu contato
com a atualidade musical. Quando incentivado a voltar a tocar, costuma responder: “Tocar o quê? Já toquei tudo.”
Alguns autores destacaram os exageros da autobiografia escrita
em parceria com Quincy Troupe. Como fez em relação aos anos 50,
Miles se compraz em dramatizar sua descida ao inferno. Assim,
Mark Rothbaum, seu empresário, declara: “A casa não era tão suja, e
quando estava, recebia uma faxina. E as histórias sobre as mulheres
eram pura fanfarronice. Miles não transou com dezenas de mulheres.
Ele estava com a Trixy, com a Loretta, e estava doente.”
Enquanto isso, a Columbia continua publicando álbuns – a maioria,
duplos – compilando inéditos: em 1974, Big Fun e Get up with It
reúnem faixas do período elétrico gravadas desde 1970; em 1976,
Walter Babies revela algumas joias desconhecidas dos anos 1967
e 1968; Circle in the Round (1979) e Directions (1981) resgatam o
catálogo da Columbia dos anos 1955 a 1970. Gil Evans consegue,
quanto a ele, reacender o interesse de Miles por um antigo projeto
sobre a Tosca de Puccini, embora sem nenhum resultado concreto.
Foram organizadas várias sessões entre 1975 e 1978, mas, quando
Miles aceita cooperar, só toca teclado e nada será aproveitado pela
Columbia. A partir de 1978, o novo vice-diretor do departamento de
jazz, George Butler, passa a visitar Miles diariamente. No dia do seu
aniversário, em 1979, Butler mandou entregar um piano na casa
de Miles. Foi preciso fazer uso de diplomacia para ele aceitar abrir a
porta. À noite, ligou para Butler, disse “Obrigado” e desligou.
Foto: Anton Corbijn.
queremos miles
181
star
people
O Icone
planetário
1980-1991
A eletricidade foi cortada no apartamento de Miles Davis, que vivia
somente à luz de vela e sem ar condicionado na atmosfera sufocante
do verão de 1979. O violoncelista e arranjador inglês Paul Buckmaster
assistiu a esta decadência. Miles o fez vir à Nova York na esperança
de repetir a experiência de 1972, que resultou em On the Corner.
Buckmaster passou longos períodos na casa de Gil Evans, que já
havia falhado duas vezes na tentativa de reviver a carreira de Miles
e que rapidamente perdeu o interesse pelo assunto. O violoncelista
tentou por duas vezes reunir uma orquestra. Em vão: Miles não apareceu nos ensaios. Logo depois, observando a condição degradante
do trompetista, Buckmaster soou o alarme e Dorothy, irmã de Miles,
veio de Chicago para restaurar a ordem na casa de seu irmão. Ela
pediu ajuda a Cicely Tyson. Desde seu romance em 1966-1967, Miles
e Cicely permaneceram bons amigos. Possessiva ou protetora – o
mínimo que poderia ser – Cicely consertou a vida de Miles. Eles se
casaram em outubro de 1981. Afastado, Paul Buckmaster retornou
a Londres. Mas outro personagem fez uma entrada decisiva na vida
do trompetista: Vince Wilburn, filho de Dorothy, que o tirou de se sua
“aposentadoria”.
182
O
homem do trompete. Dorothy deixou claro para No drummer, no band (“Sem baterista, sem banda”) se tornou o lema
seu irmão que era hora de dar um impulso para este
jovem, que ele incentivou a tocar bateria quando
tinha apenas seis anos. O jovem Vince Young se apresentou nos palcos de Chicago, entre funk, soul e jazz
fusion, sobretudo com grupo AL7, o que Miles ouviu
ensaiar ao fundo durante uma conversa telefônica
com Dorothy. Ignorando o conjunto formado por Pete
Cosey a seu pedido, Miles convocou o AL7 a Nova York
em abril de 1980, às custas da Columbia. Ele acompanhou por telefone os ensaios do grupo, cuja música
se assemelhava mais aos sucessos musicais do momento que às
abstrações sonoras experimentadas por Miles durante seus últimos
dez anos de atividade. O grupo era composto pelo tecladista Robert
Irving III, o guitarrista e cantor Randy Hall, o baixista Felton Crews e
Vince na bateria. No lugar do saxofonista Glenn Burris, bop demais
para o seu gosto, Miles impôs um estudante de David Liebman chamado, assim como o pianista de Kind of Blue, Bill Evans. Ao unir-se ao
grupo em estúdio, constatou, quando se digna a usar seu trompete, a
perda de seus meios técnicos. Em junho, o grupo retornou a Chicago,
antes que Miles fosse capaz de gravar a parte que lhe cabia. Fez
uma nova tentativa em janeiro de 1981, mas acabou julgando ter de
mudar de direção.
Esta foi a primeira das muitas reviravoltas que pontuaram os dez
anos finais de sua vida. À véspera de seu retorno ao palco, Miles hesitou em adotar a bubble gum music (como ele a nomeou em sua autobiografia), dos amigos de seu sobrinho. Ele lhes cedeu tempo para
amadurecerem e, mais cedo ou mais tarde, os fez retornar e assumir
posições decisivas na sua orquestra. Sua indulgência foi criticada
pelos amigos próximos - que inclui David Liebman, Al Foster, Cicely
Tyson e o jovem Bill Evans, que tornou-se seu confidente. Com o seu
novo saxofonista, o guitarrista Barry Finnerty e o percussionista
Sammy Figueroa, ele reconstruiu uma banda em torno de Al Foster.
queremos miles
do Miles, que contou com seu velho amigo dos anos 1972-1975. Bill
Evans lhe sugeriu Marcus Miller, baixista e multi-instrumentista com
educação musical extensa, que desempenhou um papel importante
nos anos seguintes. As sessões retomaram desta vez dentro de um
espírito mais aberto, longe do formato das anteriores, jam sessions
simples a partir de fragmentos melódicos. No entanto, estava longe
da confusão de sons dos anos 70, como se Miles tivesse tomado
consciência do impasse em que se encontrava às vésperas de sua
aposentadoria em 1975. Com exceção de uma concessão ao jazz
clássico em “Ursula”, acompanhado por um walking bass e de um
“chabada” mal disfarçado, a música se sustentava ainda pela batida
intensa da bateria, e a síncope violenta do baixo, mas ela estava
mais alerta, menos sombria, mais legível, com solos bem distribuídos, arejada, melódica, controlada e distribuída em formatos mais
curtos que no passado. Ao longo das sessões, o toque do trompete
ficou mais seguro e os jovens companheiros de Miles o convenceram
a abandonar o pedal wah-wah, através dos quais dissimulava suas
fraquezas. Antes de gravar uma última faixa, que abriu o álbum The
Man with the Horn, o trompetista recrutou um novo guitarrista que
David Liebman apresentou a Bill Evans: Mike Stern, um ex-aluno da
prestigiada Berklee College of Music em Boston.
U
MA AMÉRICA MUDADA. O lançamento de The
Man with the Horn, no outono de 1981, constituiu
um grande evento midiático, neste início de década,
num mundo em mudança. Desanimado pelas crises
da ideologia comunista, a contestação se calou. As
elites intelectuais e artísticas do mundo ocidental
foram seduzidas pelos valores do dinheiro e da comunicação, incentivando a criação de um liberalismo
selvagem, patrocinada por Ronald Reagan, eleito presidente dos Estados Unidos em 1980. Reagan relan-
Em 1981, Miles preparou o sua volta
aos palcos em sua casa, cercado por
jovens músicos que o acompanharam
(o baixista Marcus Miller, o guitarrista
Mike Stern, o percussionista Mino
Cinelu e o saxofonista Bill Evans
çou os programas militares em detrimento dos programas sociais,
ampliando o fosso entre as classes populares e as superiores. Os
negros pobres foram os primeiros atingidos, enquanto a ação afirmativa impulsionou a burguesia negra, que se aproximava do poder, com
a conquista da prefeitura de Atlanta, em 1982, por Andrew Young, e a
nomeação de Colin Powell como Chefe de Gabinete em 1989.
Ensinado de maneira acadêmica no mundo inteiro, o jazz experimentou um recuo em suas ambições vanguardistas, que favoreceu o
renascimento comercial e a renovação de seu prestígio em termos de
imagem, especialmente para os publicitários que solicitavam Miles
Davis em diversas ocasiões. Aparentemente mais midiático, somos
tentados a dividi-lo em dois setores. Por um lado, o legado de fusão
jazz-rock ofereceu uma música fácil de escutar por sua clareza melódica e seus ritmos atraentes. Tocado em estações de rádio FM, sob o
nome de smooth jazz (jazz suave, doce), alimentado de exotismos
do Caribe, do Brasil ou da África, era também marcado pelos aspectos
mais demonstrativos do funk (especialmente seus contrabaixistas
virtuosos, que praticavam a técnica percussiva dos slap) e técnicas
de produção que se desenvolveram nos estúdios da soul, a música
pop e a disco. Aproveitando-se dos avanços da música eletrônica
em termos de diversificação e de sons robóticos (sintetizadores,
drummachines, sequencers), geralmente era elaborada em estúdio,
instrumento por instrumento, ao custo de uma certa frieza.
No outro lado de uma fronteira estética que estava longe de ser permeável, os jovens estudantes de escolas de jazz continuavam a
praticar os instrumentos acústicos do jazz clássico e a explorar, com
mais ou menos ousadia, as possibilidades de improvisação interativa
através de um conhecimento técnico e instrumental e um conhecimento teórico sem precedentes. Esta nova ciência da improvisação
combinava o potencial da harmonia europeia clássica, da politonalidade e das tradições modais, ao mesmo tempo que ampliava as
conquistas dos anos 60, apoiando-se no quádruplo legado de John
Coltrane, de Bill Evans (o pianista), do segundo quinteto de Miles
assim como o seu velho amigo,
o baterista Al Foster, mais velho).
Como em muitas vezes no passado,
Gil Evans (centro) assistiu à estas
sessões de trabalho.
Fotos: Teppei Inokuchi.
Davis e até mesmo de Ornette Coleman. Em meio a esta mudança,
os jovens jazzmen negros se uniram, a partir de um reflexo comunitário, em torno de um hard bop renovado e rebatizado como neobop,
que eles apresentaram como sendo a música clássica de seu povo.
Alguns dentre eles fizeram desta um modelo que opunha às tentações da música pop destinada aos brancos e ao hip hop, expressão
da miséria e da violência em que mergulhavam os guetos negros.
U
MA RETOMADA PRECÁRIA. Miles Davis,
que saiu da cena musical por quase cinco
anos, se viu diante desta nova realidade:
por um lado, o smooth funk, praticado pelos
seus jovens protegidos de Chicago, a versão soft da música do gueto e, por outro,
os jovens improvisadores profissionais que
foram recomendados por David Liebman
e seu discípulo, Bill Evans. Estes foram os
dois pólos de atração que dividiram sua
música na primeira metade da década de
80, enquanto ele imediatamente se diferenciou da postura dos neoboppers, que ele
considerava retrógrada elegendo o seu líder,
o trompetista Wynton Marsalis, como um de
seus alvos favoritos, que retribuiu o favor.
O álbum The Man with the Horn podia parecer ter pouca unidade. As duas únicas
composições retidas da banda de Chicago
abriram a música de Miles Davis para uma novo público, que o fez
triunfar ao longo dos anos 80 e atraíram críticas de fãs do jazz sem
indulgência. Aqueles que apreciavam a sua música dos anos 70 preferiram o lado mais improvisado aos outros trechos, que pareciam
um pouco adocicados, em comparação com as tempestades elétricas e os ritmos de Agharta. Eles se deixaram seduzir pelo solo
184
queremos miles
185
Sob a influência de Cicely Tyson
(direita, acima, antes da partida do
trompetista para o concerto no Kix
Boston em junho de 1981), Miles
Davis adotou um estilo de vida
inspirado em dietas vegetarianas de
medicina chinesa e prática de natação
(página à esquerda), o que lhe
permitiu recuperar a saúde após anos
agonizantes.
Fotos: Anthony Barboza (à esquerda)
e Teppei Inokuchi (à direita)
186
Gravado entre 1980 e 1983, os
álbuns da retomada foram marcados
pela importância legada à guitarra
de Mike Stern (ou John Scofield
(página da direita, assim como pelo
fascínio crescente de Miles Davis
pelos sintetizadores, tocados por ele
mesmo no palco.
Foto: Didier Ferry.
especialmente desenfreado de Mike Stern na faixa de abertura “Fat
Time”. Mas a interpretação demasiadamente rock do guitarrista não
foi nenhuma unanimidade entre os que se alegravam ao ouvir Miles
reconectar-se com o lirismo e, por vezes, com um swing (“Ursula”), do
qual tinha se desviado durante seu período rock. Estas ambiguidades
deram o tom das primeiras aparições públicas que a Columbia tem o
cuidado de gravar entre 26 e 29 junho de 1981 no Kix , um clube de
Boston e, no Lincoln Center em Nova York no dia 5 de julho. O grupo
tinha um novo percursionista, o martinicano Mino Cinelu, e os ensaios
informais deixaram alguns músicos desamparados, mas no palco, a
música rapidamente tomava forma. O repertório incluiu duas canções
de The Man with the Horn (os acordes solenes da guitarra saturada na
introdução de “Back Seat Betty” abriram os próximos shows de Miles
Davis), além de “Kix” e “My Man’s Gone now” de George Gershwin. O
primeiro surpreendeu pela sua natureza rítmica híbrida entre swing,
reggae e funk, enquanto o segundo, dominado por um rítmico swing,
ressaltava o retorno à melodia, mesmo com a linha original habilmente disfarçada. Outra mudança ocorreu na atitude cênica de Miles:
tendo instalado em seu trompete um microfone sem fio, ele pode
mover-se no palco livremente enquanto tocava.
Durante a turnê de verão, uma nova música lúdica levou o publico
a alegrar-se, “Jean-Pierre”, replay matizado de blue notes e de síncope funk da cantiga de ninar “Dodô l’enfant do”, que ele ouviu
na década de 50 por Jean-Pierre, o filho caçula de Frances Taylor.
Pode-se detectar a sua prefiguração de fórmulas colocadas aqui
e ali nestas improvisações desde 1958. Gravado no Japão, essa
música foi o hit do álbum ao vivo lançado no verão de 1982, We
Want Miles, que também incluiu gravações de concertos no Kix
e no Lincoln Center. As turnês evidenciavam a fragilidade física
de Miles, vítima de várias pneumonias e afetado pela diabetes.
queremos miles
Quando Cicely Tyson se ausentou em janeiro de 1982 para gravar
um filme na África, Miles mergulhou na cocaína, no tabaco e no
álcool. Hospitalizado, ele logo sofreu um derrame que deixou sua
mão paralisada. Segundo seus médicos, ele não tocaria de novo.
Cicely retornou imediatamente e o apresentou a um médico chinês que o submeteu a uma série de sessões de acupuntura, uma
medicação à base de plantas e uma dieta rigorosa. Ela o levou para
nadar todos os dias e o encorajou a exercitar os movimentos de
suas mãos num teclado. Aos poucos, Miles retomou o trompete.
Em abril, ele viajou para Europa, onde apareceu em um estado de
extremo cansaço.
C
hromatic Funk E SINTETIZADORES.
Para o próximo disco, Star People, cuja gravação se estendeu do verão de 1982 ao mês de
fevereiro de 1983, o baixista Marcus Miller foi
substituído por Tom Barney e o guitarrista John
Scofield veio ajudar Mike Stern, que enfrentava
problemas de drogas. Scofield foi outro aluno
da Berklee College, e fez parte do quinteto de
David Liebman dois anos antes. Sua prática de
improvisação era mais sábia que a de Stern, e
sua relação com o rock era menos evidente. Ele
foi, entre outras coisas, um maravilhoso intérprete de blues, gênero cujo retorno foi notado
no repertório de Miles Davis em “Speak”, na
grande tradição enaltecida pelo trompetista em
Blue Haze em 1954 e “Star People” inspirado no bluesman Lightnin’
Hopkins. “Come Get It”, que incluiu a introdução de acordes de abertura “Back Seat Betty”, foi uma fervente jam session em um baixo
187
188
Metralhadora ou pistola na mão, Miles
Davis aparece na capa do álbum You’re
Under Arrest (1985), com a postura de
bandido, roupas chamativas e trompete
gravado com seu nome, prenunciando
uma imagem que, desde então, se
tornou a norma no gangsta rap.
Fotos : Anthony Barboza.
ostinato, inspirado por Otis Redding. O biógrafo dos anos elétricos de
Miles, Paul Tingen, usou a expressão relevante cromatic funk (funk
cromático) para descrever uma parte desse repertório de contornos melódicos virtuosos, angulares cromáticos e muito distante das
inclinações de Miles para as novas músicas populares negras. Foram
muitas vezes fragmentos de solos colocados no papel por Gil Evans,
de volta ao estúdio. Eles foram retomados em uníssono novamente
pela guitarra e pelo saxofone, tais como “Star on Cicely”, um trecho
de solo de Mike Stern, ou “Speak” e “It Gets Better”, extraídos de solos
de John Scofield.
Os músicos reclamaram da edição, que julgam datada de Teo Macero,
assinando aqui a sua última produção para Miles Davis. Mas os sons
muito adulterados da bateria e as partes de sintetizador de Miles pareciam igualmente incongruentes. Ambas as faixas gravadas ao vivo
(“Come Get It” e “Speak”), no entanto, provocaram lamentações de
que a Columbia nunca tenha lançado os concertos da época, que destacavam a influência de John Scofield, e sua relação muito natural com
o blues, a angularidade do seu toque e sua colocação ritmicamente
estimulante. Em Decoy, gravado durante o verão de 1983 e lançado em
maio de 1984, Scofield estava agora sozinho na guitarra, oferecendo
novamente três interpretações de solo como tema, incluindo “That’s
What Happened” extraído de “Speak” do álbum precedente. Miles Davis
também reatou com a primeira equipe de The Man with the Horn: Darryl
Jones no baixo e Robert Irving III nos teclados, que também era diretor musical e coprodutor, em parceria com o sobrinho de Miles, Vince
Wilburn. A excessiva presença da percussão e o som muito metálico de
Darryl Jones fortaleceram e modernizaram a coloração funk do baixo.
Pelo conhecimento de diversos instrumentos e de sua programação,
Robert Irving III deu mais credibilidade aos sintetizadores, mas ele
puxou o álbum para o pop. Enquanto Miles retomou o controle total
de suas faculdades, Decoy se situou exatamente entre esta abordaqueremos miles
gem e as abstrações cromáticas de funk incorporados pelas linhas de
Scofield. Se a faixa-título, o interlúdio “Robot 415” assim como “Code
M.D.” mostrou que Irving havia absorvido as ideias harmônicas de Miles
e sua tendência para a angularidade, os papéis desempenhados pelas
máquinas (sintetizadores e bateria eletrônica) ameaçavam a coesão
do álbum. No entanto, o álbum durava apenas quarenta minutos —
parte do material gravado foi considerado, segundo George Butler,
insuficientemente comercial para ser lançado. Num paradoxo, tendo
em vista a falta de material, foi ainda necessário incluir duas faixas
gravadas em concerto para completar os trechos retidos em estúdio.
U
MA GUINADA HESITANTE. Bill Evans reclamava
que a música se tornou muito carregada e que não
havia mais espaço para improvisação. De fato, no
palco, o saxofonista parecia ter sido deixado de lado.
Em setembro, Branford Marsalis estava em estúdio e foi encarregado de belas partes de improvisação em Decoy (“Decoy” e “That’s Right”). Miles
Davis tentou, em vão, levá-lo para a orquestra, e em
novembro de 1983, Bill Evans tirou suas conclusões. Ele se afastou, ao mesmo tempo em que Mino
Cinelu cedeu seu lugar a Steve Thornton. O repertório
tomou um rumo cada vez mais pop na gravação do
álbum You’re Under Arrest, onde sintetizadores e bateria eletrônica
tornaram-se ainda mais presentes. O projeto inicial foi um álbum de
versões de músicas que estavam na moda, com arranjo de Gil Evans.
Iniciada no outono de 1983, a gravação foi interrompida por uma
nova operação nos quadris de Miles, seguida de pneumonia. As
sessões retomaram em janeiro de 1984, mas Gil Evans parecia
ter perdido toda a motivação. Miles Davis aproveitou a chegada do
saxofonista Bob Berg em maio para gravar uma série de jam ses-
189
sions informais em funk cromático e abandonar as baladas. Das
cerca de quarenta músicas gravadas, apenas ficaram “Something
on Your Mind” da associação Disco D -Train, “Human Nature”, escrito
por Steve Porcaro para o grupo Toto, mas popularizado por Michael
Jackson, e “Time After Time” da cantora pop Cyndi Lauper, que
marcou o retorno de baladas e foi para o Miles dos anos 80 o que
“Autumn Leaves” significou para o de 60. Exceto essa última, as
outras duas baladas foram regravações, porque no final de 1984,
Miles decidiu refazer em poucos dias tudo novamente. Ele retomou
um outro trecho do solo de John Scofield para a faixa principal,
“You’re Under Arrest”, substituiu algumas músicas de Al Foster pelas
de seu sobrinho, chamou John McLaughlin para “Ms. Morrisine” e
“Katia”. Abrindo o álbum, “One Phone Call Street Scenes” era uma
montagem narrativa curiosa evocando as numerosas passagens
de Miles pela polícia, incluindo as vozes de Sting, Marek Olko (promotor de eventos polonês que tentou trazer Miles para cantar na
Rússia) e de Miles em pessoa, ao que se acrescentam sirenes,
rugido de pneus, apitos, cheiradas de cocaína e tilintar das algemas.
O disco terminou com um grand finale: a cantiga de ninar “JeanPierre”, que segue uma outra de caixa de música acompanhada
por vozes de crianças logo encobertas pelo som de uma explosão
nuclear. Enquanto os sinos dobravam, ouvia-se Miles dizer: “Ron,
eu lhe disse para apertar o outro botão”. Será que se tratava de
Ron Lorman, engenheiro de som, ou de Ronald Reagan, que tinha
sido reeleito após lançar o projeto “Star Wars”? Na capa do disco
lançado no outono de 1985. Miles estava desconfiado, segurando
uma metralhadora de brinquedo na mão. Demagogia à deriva, falta
de coerência e abuso de sintetizadores digitais com sonoridade
chamativas e bateria eletrônica levaram Al Foster a pedir demissão
em janeiro de 1985, após doze anos de lealdade. John Scofield faria
o mesmo no verão seguinte.
I
NTERVALO, RUPTURA E DECEPÇÂO. Se You’re Under
Arrest foi um sucesso imediato, o mundo do jazz estava
preocupado com o futuro do trompetista. O acaso da vida
lhe daria algumas esperanças. No dia 14 de dezembro,
Miles recebeu em Copenhague o prêmio da fundação
Sonning, criado pela viúva do escritor dinamarquês Carl
Johann Sonning. Para a ocasião, o trompetista dinamarquês Palle Mikkelborg compôs uma suíte orquestral, encomendado pelo big band da rádio dinamarquesa. Concebida
em sete movimentos, um para cada cor do arco-íris, a peça
foi intitulada “Aura” em referência à aura pessoal de Miles.
Palle Mikkelborg, que reivindicava ser influenciado por
Miles Davis, Gil Evans, Charles Ives e Olivier Messiaen, atribuiu à cada letra do alfabeto um valor da escala cromática,
compondo em função do nome de Miles Davis e dos vencedores anteriores - entre os quais Igor Stravinsky, Leonard
Bernstein, Isaac Stern e Olivier Messiaen. Lisonjeado, o
trompetista concordou em tocar sobre o último movimento, “Violet” e até tomou a iniciativa de uma longa jam
session. Em meados de Janeiro de 1985, avisou a Palle
Mikkelborg que ele queria gravar a obra.
Ele voltou a Copenhague em 31 de janeiro com Vince Wilburn e
aproveitou a vinda à cidade para trazer John McLaughlin para o
projeto. Desta vez, ele estava decidido que tocaria a totalidade dos
movimentos, exceto “Indigo”, um tributo ao seu segundo quinteto
que valorizava o piano e despertava no trompetista a sua aversão
às referências ao passado. Apesar da inadequação da bateria elétrica, as suntuosas partituras de Palle Mikkelborg reconectaram
sem nostalgia a criatividade ambiciosa dos grandes álbuns de
Miles Davis e Gil Evans. No entanto, a Columbia iria esperar quatro
anos até lançar o álbum, que saiu quase despercebido. O trompe-
190
191
Em 1985, em Copenhagen, Miles
Davis gravou “Aura”, uma longa
suíte composta por trompetista
dinamarquês Palle Mikkelborg como
um tributo à aura do musico. Pela
primeira vez em mais de 20 anos, ele
retomava a posição de solista em um
grande conjunto orquestral.
Foto: Kirsten Malone.
tista guardou mágoa. Por conta disso, ele assinou com a Warner.
Miles Davis ainda criticava a Columbia por tê-lo negligenciado em
favor da nova estrela no trompete, Wynton Marsalis, e de ter comprometido o seu sucesso com o público mais jovem, continuando a
vendê-lo sob o rótulo de contemporary jazz. Mas Miles tinha outras
preocupações. Tendo se tornado altamente intrusiva, Cicely Tyson
causou a saída de Chris Murphy, road manager de Miles desde
1973, e de Mark Rothbaum, seu empresário desde 1978. Ela colocou os negócios de seu marido nas mãos de dois advogados que
Miles logo acusaria de incompetência. A ruptura foi onerosa e ele
precisou vender a famosa casa da Rua 77 Oeste que ele acabara de
renovar inteiramente conforme a vontade de Cicely. O casal tinha
um alto padrão de vida entre os dois apartamentos em Nova York e
uma luxuosa casa de praia em Malibu, na Califórnia. Miles precisava
de dinheiro e seu novo empresário, David Franklin, obteve para ele
um contrato com a Warner de um milhão de dólares. Mas o músico
não demorou muito tempo para se queixar de seu novo contrato.
A discordância era a respeito dos direitos de edição. Ele declarou
que não iria mais escrever música, deixando para aos outros a
tarefa de compor seu repertório. Seu descontentamento poderia
ter um outro motivo: ele rapidamente compreendeu que, se a sua
nova gravadora estava disposta a promover a sua música com
os recursos destinados ao pop, isso lhe custaria a liberdade. Os
dirigentes da Warner se opuseram, na verdade, a qualquer tomada
de riscos e esperavam de Miles Davis música de entretenimento
destinada as estações de rádio FM, seguindo o modelo do esquecido smooth jazz.
P
ROJETOS abandonaDOS. Em setembro
de 1985, seu novo produtor na Warner, Tommy
LiPuma, rejeitou abertamente que houvesse
sessões com a banda com a qual ele se apresentava ao vivo, e que esta não constaria mais em
seus discos. Muitos de seus projetos não tiveram
seguimento: com o iniciador de On the Corner,
Paul Buckmaster, com o baixista Bill Laswell, que
produziu dois anos antes Future Shock de Herbie
Hancock, com Steve Porcaro do grupo pop Toto,
para o qual Miles já reprisara a canção “Human
Nature “. Ele retomou contato com um dos colegas
de seu sobrinho, Randy Hall, que havia assinado
os dois eventuais sucessos de radio do The Man
with the Horn. Tendo se tornado um cantor e produtor de sucesso, Hall trabalhava com o produtor e multi-instrumentista
Zane Giles. Ambos começaram a compor para Miles Davis no mesmo
espírito do produtor britânico Trevor Horn, que fez seu nome nos discos
de bandas Frankie Goes To Hollywood e Art of Noise, com uma utilização
massiva e ultrajante de novas máquinas musicais. Um número grande
de convidados foi convidado, de Al Jarreau a Prince, passando por Chaka
Khan. O novo projeto, chamado Rubberband (em homenagem a uma
canção por Hall e Gilles), deu origem a um intenso trabalho de estúdio
em Los Angeles, do qual participou Zane Gilles (guitarra, baixo, bateria, baterias eletrônicas, teclados), Randy Hall (guitarra e programação), Adam Holzman, Neil Larsen e Wayne Linsey (teclados), Cornélio
Mims (baixo) Glenn e Burris Mike Paolo (sax), Steve Reid (percussão),
192
Concebido sob medida para
acomodar o som de Miles Davis, o
álbum Tutu foi realizado através da
técnica de multipista por Marcus
Miller (abaixo à esquerda) e
correspondeu às expectativas do
produtor da Warner, Tommy LiPuma,
(de costas ao lado, durante as
sessões de gravação, em 1986).
Fotos: Teppei Inokuchi
Vince Wilburn (bateria eletrônica) assim como Mike Stern (guitarra).
Entusiasmado, Miles Davis estava prestes a sair em turnê com este
grupo. Mas o projeto foi repentinamente cancelado sem explicação.
Miles Davis não teceu nenhum comentário sobre esse fato em sua autobiografia. Dos dez trechos gravados entre outubro e final do inverno de
1985, apenas “Rubberband”, “Wrinkle”, “Carnival Time” e “I Love What
We Make Together” (rebatizada de “Al Jarreau” , o nome do cantor para
quem foi escrita) surgiriam sob a forma de reprise cênica pelo grupo
oficial de Miles.
A
queremos miles
VOLTA DE MARCUS MILLER. Assim
como as sessões de Rubberband não
satisfizeram os amantes do jazz, elas
foram, ao que parecem, também muito
ousadas para conquistar o mercado
visado pela Warner. Um novo projeto surgiu por acaso, entre janeiro e março de
1986. Miles Davis fez uma encomenda
ao pianista George Duke, acompanhada
de uma gravação do grupo Irakere,
que mistura música cubana, jazz e
rock. O pianista lhe retorna três títulos,
incluindo “Backyard Ritual”, em uma fita
demo realizada com a ajuda de máquinas. Miles decidiu usá-la como está,
incluindo um solo de saxofone falso
(“A stupid little saxophone”, como diria
Duke), sem que fossem regravados por
músicos de verdade, com exceção da
percussão e uma parte de baixo adicionado por Marcus Miller. Este último tinha
uma longa trajetória, desde The Man with the Horn e We Want Miles, e
às suas habilidades como baixista e multi-instrumentista, ele acrescentou bons créditos como produtor, compositor e arranjador, ao lado
de David Sanborn, de Aretha Franklin e de George Benson. Assim, ele
propôs começar a trabalhar em novas músicas para Miles no Capitol
Studio, em Los Angeles.
Com o auxílio do programador de sintetizador Jason Miles, Marcus Miller
construiu uma série de orquestrações compostas por máquinas as quais
ele acrescenta seus próprios instrumentos (baixo, guitarra, sax soprano,
clarone, bateria), além de percussões aqui e ali de Paulinho da Costa e de
Steve Reid, a bateria de Omar Hakim na faixa “Tomaas” e o violino elétrico
de Michal Urbaniak em “Don’t Lose Your Mind”). Uma vez que as músicas
estavam terminadas, Miles Davis se juntou a ele no estúdio para gravar
sua parte de trompete em uma só tomada sobre uma música que ele
ouviu pela primeira vez. O resultado, Tutu, muitas vezes grandioso pela
amplitude que os arranjos conferem a estas melodias, embora minimalistas, (“Tomaas”, “Splatch”), culminando com a faixa de abertura homônima e “Portia”, um maravilhoso tributo ao Gil Evans de Sketches of Spain.
Em uma linha diferente, a música “Perfect Way”, emprestada do grupo
pop Scritti Politti, ilustrava a dificuldade que Miles conheceu em “Human
Nature”. Na verdade, a força destas paradas de sucesso encontrava-se
frequentemente em seus arranjos, que permaneceram quase de acordo
com as originais nas versões do trompetista, substituindo-se a voz pelo
instrumento para repetir a melodia com algumas variações. Certamente,
quando interpretava as baladas dos anos de 50, era muitas vezes com
pose de crooner, mas sabia disfarçá-las através de suas visões de arranjador minimalistas. Poderia ter sido o motivo para que Prince rejeitasse
a um projeto de colaboração que já estava bem avançado. Miles Davis,
Jason Miles e Paulinho DaCosta já tinham acrescentado suas partes à
música “Can I Play With U?” enviada pelo cantor durante as sessões de
Rubberband.
193
194
Com imagens do fotógrafo Irving Penn,
Tutu foi um grande sucesso comercial.
Foto: Guy LeQuerrec (à esquerda)
Irving Penn (à direita).
queremos miles
195
196
P
RINCE E OS OUTROS. Miles era
fascinado por Prince, que ele comparou a Duke Ellington pelas cores e
a Thelonious Monk pelo ritmo. Prince
declarou deter gravações de jam sessions com Miles Davis, e conhecer
imagens não divulgadas de um concerto beneficente dado para a noite de
Ano Novo 1987-1988 em Paisley Park
Studios de Minneapolis, durante o qual
o trompetista tocou, com a orquestra
de Prince durante alguns minutos “Full
Nelson”, que encerrava o álbum Tutu,
e aproximava-se demasiadamente da
estética de Prince. Mas no passado,
Miles sempre conseguira ficar longe
de seus modelos, fossem eles Charlie
Parker, Ahmad Jamal ou James Brown.
Ele nunca tinha procurado encontrar
em estúdio Jamal ou Brown. Uma sessão com Jimi Hendrix tinha sido programada, mas a má vontade de Miles — e
de Tony Williams — havia feito tudo ir por água abaixo. Observava-se
outra mudança nos hábitos de Miles Davis. Ele que, desde que havia
deixado o quinteto de Charlie Parker, não tinha mais aceitado, com
poucas exceções, colocar-se a serviço dos outros músicos, começou
a gravar como sideman e, ainda, para cantores. Eles certamente
tinham um lugar importante em sua imaginação, mas, em sua
orquestra, o cantor era ele mesmo. Em 1985, ele se misturou à nata
do showbiz no álbum de Sun City dos Artists Against Apartheid. Ele
o fez certamente por uma boa causa, como ele toma emprestado o
queremos miles
título de Tutu do bispo negro da África do Sul, Desmond Tutu . No final
de 1985, ele gravou um instrumental com o grupo pop Toto, “Don’t
Stop Me Now”, de Steve Porcaro. Em 1987, ele deixou-se convidar pelo
grupo Scritti Politti na canção “Oh Patti”. Em 1988, ele gravou com
Cameo, uma de suas bandas funks favoritas, com o cantor italiano
Zucchero e com sua amiga, a cantora de soul Chaka Khan (incluindo
“Sticky Wicked” de Prince). Em 1989, o trompetista ainda gravou duas
músicas do álbum Prisoner Of Love de seu saxofonista Kenny Garrett,
participou do regravação de “Birdland”, hit de seu amigo Joe Zawinul
no álbum Back on the Block de Quincy Jones. Ele estava presente em
oito músicas de Mystic Jazz, de um obscuro tecladista italiano, Paolo
Rustichelli. Em 1990, ele homenageou a cantora Shirley Horn, a quem
apadrinhou no começo da carreira, em Nova York cantando com ela a
faixa homônima do álbum You Won’t Forget Me.
Com Marcus Miller, Miles Davis reencontrou o caminho para os estúdios de cinema em 1987, trinta anos depois de Ascensor para o
cadafalso, em Siesta um filme de Mary Lambert. O roteiro, que se
passava na Espanha, levou o baixista a escrever na sequência com
Gil Evans de Sketches of Spain, algumas bonitas sequências com as
ferramentas técnicas de Tutu. Com Robert Irving, Miles já havia gravado no final de 1985, a música do episódio “Prisoners” da série de
televisão Alfred Hitchcock Presents e do filme Street Smart, de Jerry
Schatzberg, em 1987. Depois de aparecer na televisão em um episódio de Miami Vice (no papel de um gerente de bordel) e na série Crime
Story, ele interpretou um trompetista no filme Dingo, de Rolf de Heer,
e compartilhou as partes de solo de trompete com Chuck Findley nas
composições de Michel Legrand, que trouxe Miles pela primeira vez,
a sua música na década de 50. Finalmente, se ele refez seus passos
na trilha sonora do filme Hot Spot - um local muito quente de Dennis
Hopper, menos uma abordagem nostálgica e mais um comovente
tributo aos pais do blues; ao lado de John Lee Hooker e Taj Mahal.
197
Tornando-se um ícone midiático e figura
do showbiz chamativa da década de 80,
Miles Davis foi convidado para aparecer
em comerciais (canto inferior direito,
para as vespas da Honda), para apoiar
grandes causas (acima, SunCity, contra
o apartheid ) para participarem discos
(Cameo, Chaka Khan, Scritti Politti ou o
primeiro álbum de Kenny Garrett) e até
mesmo para interpretar papéis, como na
série Miami Vice (centro inferior) e nos
filmes Os Fantasmas Contra-Atacam e
Dingo (em cima).
Concessão à moda ou ao desejo de reprise de canções pop como Time
forjar novos standards o repertório After Time, um hit. (Cyndi Lauper
dos anos de 80 foi marcado pela
acima)
198
R
OTINAS E dança DAS CADEIRAS. Enquanto
isso, a banda de Miles Davis continuava em turnê.
De 1985 até 1988, apesar da fragilidade física persistente, Miles esteve constantemente na estrada.
Então foi de se admirar que a Warner tenha deixado de lado as várias gravações de shows que ela
mesma tinha mandado fazer. Ela parecia até tê-las esquecido ou perdido, quando, em 1996, cinco
anos após a morte do trompetista, a multinacional
atende finalmente às demandas dos empresários
de Miles para realizar uma compilação de gravações ao vivo (um simples e não um duplo como
havia sido sugerido). Foi preciso então recorrer às
fitas que o engenheiro de som trabalhava à partir da mesa de sonorização por noites seguidas, a
pedido de Miles, que gostava de ouvir cada concerto para comentá-los
com os seus músicos. Foi como se os dirigentes da Warner temessem
publicar uma música que escapasse de seu controle, demasiadamente
fora de norma para obter os retornos sobre o investimento que eles
buscavam. No entanto, para muitos fãs do jazz, o grupo se instalava
em uma rotina.
De um repertório formatado para os padrões da música pop, estagnado em grooves imutáveis, enclausurados em arranjos sobrecarregados de sintetizadores. Aqueles músicos que tinham talento para
a carreira solo foram-se um a um: os guitarristas Mike Stern e Bobby
Broom, os saxofonistas Bob Berg e Gary Thomas, o pianista Kei Akagi,
o percussionista Mino Cinelu. Todos se queixavam de, noite após
noite, repetir os arranjos de Tutu ou dos álbuns pop e funk para os
quais Miles emprestava parte de seus repertórios. A improvisação
não tinha mais espaço e, quando cabia a Miles o momento de solo,
este sofria de falta de interação com a rítmica.
A banda parecia se dividir em dois: de um lado, os jazzmen, amantes da
liberdade, de outro, os músicos da rítmica, que vêm do funk e soul, executantes perfeitos que, quando saíssem da sombra de Miles Davis, se
queremos miles
199
Na segunda metade da década de 80,
os shows se tornaram verdadeiros
espetáculos, com efeitos de miseen-scène tais como estes painéis
nos quais figuravam os nomes dos
músicos e que Miles Davis erguia ao
fim de cada solo. Abaixo, no Zenith de
Paris, em novembro de 1989.
Foto: Annie Delory
desvaneceriam para a posição de segundo plano de cantores em voga
em funções de acompanhadores ou produtores. De 1985 até a morte
do trompetista, a rítmica vivia como um jogo das cadeiras permanente,
sem trazer à banda grandes alterações. Fora Benny Rietveld, que veio
do entorno de Prince, foram os músicos próximos ao sobrinho de Miles
que se sucediam no baixo: Angus Thomas, Felton Crews, Darryl Jones e
Richard Patterson. A partir de outubro, a banda tinha duas estantes de
partitura de teclado (além de Miles), onde desfilaram Bobby Irving, Adam
Holzman, Joey DeFrancesco, John Beasley e Kei Akagi, que viu-se sozinho ao final de 1989, antes de dar lugar em 1991 para Deron Johnson.
O set de percussão dobrou quando Steve Thornton foi acompanhado
por Marilyn Mazur, entre outubro de 1985 e junho de 1986. Mino Cinelu
cedeu o seu lugar em 1987 e o seguiram Ruby Bird, Marilyn Mazur novamente, Munyungo Jackson, John Bigham (nas percussões eletrônicas)
e, de junho a novembro de 1990, o filho de Miles e Margaret Eskridge,
Erin Davis. Depois disso, o lugar permaneceria vago até a morte de Miles
Davis. Finalmente, durante alguns meses, a estante de saxofone seria
igualmente duplicada por um segundo tenor, o de Gary Thomas.
O
S ÚLTIMOS cÚMPLICES. Depois de ter gostado do
espírito solista do guitarrista Robben Ford, especialista
em um blues mais pronunciado do que o de Scofield, o
trompetista se lançou em uma corrida para encontrar
um guitarrista, agora olhando mais para os músicos
negros. Em outubro de 1987, ele finalmente consegue
por as mãos no que procurava. Usuário de um híbrido
entre baixo elétrico e a guitarra batizada lead bass, José
“Foley” McCreary assumiu aqui e ali um papel de solista
em uma veia blues-rock pós-Hendrix, mas ele sabia,
acima de tudo, integrar-se na polirritmia orquestral no
modelo das guitarras de Prince ou de James Brown. Anteriormente,
a banda havia sofrido uma alteração significativa com a substituição, em fevereiro de 1987, de Vince Wilburn por Ricky Wellman. Miles
emprestou este último do Soul Searchers de Chuck Brown, criador em
Washington, na década de 70, do gênero em resposta à onda disco, a
go-go music, que misturava elementos variados do funk, da música
latina, de jazz e de música africana. O virtuosismo de Ricky Wellman, a
extensão de seu vocabulário, seu senso de espaço e de nuance garantiram uma fluidez à música de Miles Davis, confirmada pela chegada de
Foley. Ambos manteriam uma grande cumplicidade com o trompetista.
Um outro personagem adquiriu a confiança de Miles, o saxofonista
Kenny Garrett, que, exceto pela substituição por Rick Margitza no tenor,
durante o verão de 1989, ocupou lugar de destaque; um cargo fixo em
sua estante de música à partir de fevereiro de 1987. Ao contrário de
seus colegas jazzmen, Kenny Garrett se sentia à vontade na banda
de Miles Davis, que ofereceu-lhe um lugar privilegiado para a improvisação. O saxofonista percorreu a tradição do jazz ao mais alto nível na
Duke Ellington Orchestra, sob a direção de Mercer Ellington e no Jazz
Messengers de Art Blakey. Miles tinha conhecimento de jazz contemporâneo, mas também era impregnado de funk, assim como dominava
a relação com o público. Ele improvisava longos chorus de uma forma
que não se assemelhava em nada com as graves efusões pós-Coltrane.
Pintura e desenho tomaram um papel crescente na vida de Miles
Davis, que estampava suas obras em seus discos, em particular na
capa do Amandla. Ele reuniu as viravoltas suaves e incisivas do alto
bop com o toque hiper-rítmico dos saxofonistas de James Brown,
cujas estruturas baseadas em níveis ascendentes se apoiavam no
aparecimento periódico de fórmulas giratórias destinadas a realimentar a inspiração do solista e a reconquistar a atenção do público.
Assim, muitas vezes foi ele que concluía a música ou foi convidado
para um solo, como se fosse impossível sucedê-lo. Mais do que qualquer outra coisa, ele se prestou ao jogo de perguntas e respostas ao
qual Miles teve o hábito de dedicar-se desde o início de 80. No palco, o
trompetista circulava entre os músicos ora elogiando-os, ora fazendo
propostas às vezes enigmáticas, distribuindo elogios ou incentivos e,
em alguns casos, criando armadilhas e até os desqualificando. Mais
do que nunca, ele conduzia a banda com o olhar, sinalizando por trás
de seu trompete com objetivo de prepará-la para uma mudança de
200
Junto no palco, em 1987, com o
guitarrista Foley e o saxofonista
Kenny Garrett, dois de seus músicos
favoritos nos últimos anos. À
esquerda, o baixista Darryl Jones.
Foto: Guy Le Querrec
201
Em fevereiro de 1987, Miles Davis
participou de um desfile de moda
no Club Tunnel, em Nova York para
o estilista japonês Kohshin Satoh,
de quem elogiou a roupa. Também
convidado, Andy Warhol (à direita) foi
o cicerone de Dark Magus.
Foto: Susumu Shirai.
202
Pintura e desenho tomaram um papel
crescente na vida de Miles Davis,
que estampava suas obras em seus
discos, em particular na capa do
Amandla.
N
direção inesperada, remodelando o jogo coletivo de um concerto para
o outro, ouvindo todas as noites o concerto dado para poder alterá-lo
no dia seguinte.
A ESTRADA COM MILES. A apreciação da
música de Miles Davis, neste momento, se
diferia de acordo com o testemunho recolhido, seja esse dos solistas John Scofield e
Bob Berg ou dos membros da rítmica. Estes
mostraram outra maneira de ouvir o trabalho
orquestral dando uma atenção detalhada à
estas mecânicas de precisão que constituíam os grooves no lugar das tomadas
de riscos do fluxo narrativo improvisado.
Durante todo o concerto, a banda, coroando
a encenação e refinando as nuances, adquiria uma perfeição na sua área, mostrando
as capacidades divinatórias do trompetista.
Seus músicos lembraram-se de um Miles
muito diferente da lenda: afetuoso, carinhoso, atencioso, alegre e bem -humorado.
O homem certamente apreciava o sabor
da volta à vida, ao sucesso, à riqueza. Sem
dúvida, ele desfrutava da companhia de jovens músicos de quem faz-se pigmalião. Notava-se uma mistura de paternalismo e maiêutica na
atenção equilibrada que lhes presta. Ele desprendia uma aura que fazia
com que se esquecesse o outro lado da moeda, em certas ocasiões,
quando ele se mostrava arrogante, rude, cruel, impiedoso, capaz de
violência física, sempre disposto a intimidar, seduzido por seu persona
de bad boy. Mas tocar com Miles Davis continuava sendo uma escola
como nenhuma outra.
queremos miles
Os músicos, muitas vezes descobertos por aqueles próximos a Miles,
eram convidados a aprender o repertório, ouvindo as gravações disponíveis. Os felizardos assistiam aos ensaios que precediam as turnês.
Ensaios organizados pelo diretor artístico do grupo (Adam Holzman
e Robert Irving) com as novas músicas, às vezes, na presença de
Miles. Mas muitas vezes, eles entravam em palco sem ter ensaiado
e encontravam o trompetista, que os julgava, antes de mais nada, por
suas vestimentas. Miles Davis, que durante muito tempo se recusou a
dar atenção ao público, entregando a sua música descompromissada,
agora levava sua banda como um verdadeiro entertainer. Envolvido
em todos os tipos de jogos de cena, apresentava seus músicos com
cartazes, respondia a perguntas do público, sorria e fazia caretas,
notando as meninas bonitas da primeira fila. A magnitude das mangas e pernas de seus figurinos extravagantes, desenhados por estilistas como Issey Miyake, Gianni Versace e o seu protegido, o designer
japonês Kohshin Satoh, escondiam a silhueta diminuta de um homem
que estava com os dias contados.
Esta paixão pela alta costura era associada ao seu interesse por
desenho, que ele praticava a cada momento quando estava em turnê.
Foi Cicely Tyson que o incentivou durante a sua convalescença, em
1982, e seus primeiros desenhos apareceram na capa de Star People.
Seu relacionamento com Cicely se desfez até o divórcio em 1989. Em
1984, outra mulher apareceu em sua vida. Jo Gelbard, que se tornou
sua professora de pintura e sua parceira em 1988. Quando mudaram-se para um novo apartamento com vista para o Central Park, Jo o
decorou com mobiliário de Memphis Group, fundado em Milão pelo
designer Ettore Sottsass.
Foi sob a influência desta escola que eles começaram a pintar juntos e faziam projetos para decorar o dispositivo cênico dos shows.
Quando Jo chama a atenção de Miles sobre o pintor afro-americano
Jean-Michel Basquiat, vemos aparecer diversos materiais integrados
203
O
a abstrações pintadas onde Miles dissimulava máscaras e totens de
inspiração africanas. No outono de 1989, na capa do álbum Amandla,
aparecia marcado: “Cover art by Miles Davis and Jo Gelbard”.
S PARADOXOS DE AMANDLA. Com
exceção de João Bighame e de George
Duke que assinaram uma faixa, Marcus
Miller foi, como em Tutu, o autor de quase
todo o repertório de Amandla, cuja gravação se estendeu de junho de 1987 à
janeiro de 1989. Observamos uma relativa recuada dos robôs musicais em favor
dos verdadeiros músicos. A música não
era gravada ao vivo, mas, em partes, instrumento por instrumento. Miles estava
mais presente que em Tutu, mesmo que,
às vezes contentava-se em dar sua opinião por telefone, uma prática que havia
sido sistematizado desde Decoy. Assim
evitava que passasse longos dias no
estúdio e caiu como uma luva à política de
produção do estúdio Warner, muito rígida.
Miles cedeu, e só vem na hora marcada
para gravar e regravar a sua parte até que
ela fique perfeita. Em Amandla, com exceção de Kenny Garrett, onipresente, os
membros do grupo (Foley, Wellman, De
Francesco) constavam apenas como visitantes ocasionais. A volta ao
último baterista do grupo Weather Report, Omar Hakim, assim como as
diversas percussões ressaltavam a sua vontade de afastar-se do jazz
em benefício da diversidade da música rítmica da África e da diáspora
negra. No entanto, o interesse especial de Miles pelo zouk demonstrava uma falta de distância para uma área então em plena expansão,
a da música internacional que ele só conseguia vislumbrar através do
prisma do sucesso comercial. Assim, não tirou muita vantagem da presença do guitarrista Jean-Paul Bourelly, que poderia ter aberto os seus
olhos sobre a atualidade das músicas, prospectiva com as quais Miles
parecia ter perdido todo o contato. De fato, desde as primeiras notas
improvisadas no estúdio, o guitarrista percebeu que, para o produtor
Tommy LiPuma, ele era um intruso indesejado.
A volta do piano nas mãos de Joe Sample na balada “Amandla” conciliou Miles Davis temporariamente com o seu público de jazz, exceto
para aqueles fãs que viam isso como uma renúncia. Em “Mr. Pastorius”,
Marcus Miller conseguiu fazer o trompetista tocar sem surdina numa
época em que sua tendência era esconder sistematicamente suas
fragilidades por trás da Harmon. Além disso, um acontecimento inesperado ocorreu durante a gravação das bases: uma balada refinada,
para a qual Miles forneceu uma sequência simplificada na tradição do
blues, funk para permitir que Miles improvisasse de acordo com seus
hábitos de então, sem restrição harmônica. No início de seu solo, o
trompetista deixa a entender ao baixista e compositor que ele quer
tocar em cima das harmonias originais do tema tocado à moda antiga
em walking bass, como nos tempos de Paul Chambers. Bastou Miles
Davis sair do estúdio para que Marcus Miller trouxesse Al Foster para
que ele acrescentasse um bom e velho swing chabada que o baterista
executou com lágrimas nos olhos. O resultado foi atraente, mas contribuiu para que Amandla fosse um disco certamente agradável, mas
menos coerente e intenso que Tutu. Uma faixa pouco notada pelos
críticos, “Jilli” chama a atenção de João Bigham, autodidata multi-instrumentista que o trompetista manteve algum tempo sob a sua
proteção. Davis teria composto outras músicas para ele, que infelizmente não tiveram a sorte de agradar ao produtor Tommy LiPuma.
204
queremos miles
205
Os figurinos extravagantes,
desenhados pelo estilista Kohshin
Satoh, contribuíram para a imagem
de um artista que não temia
livrar-se das normas.
Em show em Tokyo em 1988.
Fotos: Shigeru Ushiyama
206
Concessão ou mudança? O homem
que, antigamente, tocava de costas
para o público, agora o cumprimentava
após shows. Ao lado, no Festival “Jazz
surson 31” em Toulouse, no dia 20 de
outubro de 1987. Foto: Guy Le Querrec
J
azz retrô e hip hop. Depois de sua conva- abrangendo diferentes campos da arte. No plano musical o hip hop
lescença, resultado de pneumonia no inverno de
1988-1989, as turnês se tornaram menos frequentes. Mesmo tentando estar à altura, Miles
Davis era um homem diminuído pela doença, os
remédios e a paranoia, que afetou seu relacionamento com Jo Gelbard. Ele falava em se aposentar assim como fez seu pai anteriormente, que
vivia como um gentleman farmer, com os cavalos
que possuía na Costa Oeste. Mas também evocava a perspectiva de um disco com Prince, de
quem inscreve várias músicas em seu repertório
na primavera de 1991. Em 8 de julho do mesmo
ano, ele se prestou a um projeto que ia contra a
sua natureza, aceitando tocar novamente os arranjos de Gil Evans,
em Montreux, sob a pressão amigável de Quincy Jones, para que
ele conduzisse uma orquestra de grandes dimensões. Ele o fez a
contragosto, ensaiando com má vontade e deixando Wallace Roney
tocar em seu lugar na maior parte do repertório, que não correspondia
nem mais à sua linguagem, nem às suas capacidades técnicas. No
entanto, dois dias depois, na Grande Halle de la Villette para o Festival
JVC em Paris, ele tomou a iniciativa de um concerto de retrospectiva, intitulada “Miles and Friends”. Num repertório que voltava à Dig
(1951), desfilavam os músicos que foram associados à sua carreira:
Jackie McLean (o veterano), Wayne Shorter, Herbie Hancock, Chick
Corea, Dave Holland, Joe Zawinul, John McLaughlin, Steve Grossman,
Al Foster, Bill Evans (sax), John Scofield e os componentes de sua
orquestra regular. Alguns viram este momento como uma despedida.
No entanto, Miles estava envolvido na gravação de um novo disco
produzido por Easy Mo Bee. Ainda incapaz de atingir ao público jovem
negro, Miles Davis não podia retardar a aproximação com o mundo do
hip hop, uma cultura de rua nascida nos guetos da década de 70 e
queremos miles
se apoiava na dupla MC (master of ceremony) e DJ (discjockey). A
primeira praticava a arte verbal, o rap, o segunda previa o acompanhamento musical de um par de toca-discos e uma coleção de LPs,
do qual ele extraía breves passagens usadas como ritmos breakbeats
ou que ele executava em movimentos rápidos, de vai e vem sob a
agulha, para obter ritmos (scratch). O trabalho nos toca-discos foi
gradualmente combinado com o uso de bateria eletrônica, de teclados eletrônicos e de sampler eletrônico, que permitiu armazenar
qualquer som ou sequências de som para desviá-los. Sequenciadores
concluíram o equipamento do DJ, oferecendo-lhe a possibilidade de
formar ostinatos sob forma de ondas sonoras chamadas de loops.
No início de 1989, Miles Davis participou de gravações do álbum de
Quincy Jones, Back on the Block, uma super-produção envolvendo
figuras históricas do jazz e as novas estrelas do funk, do soul e do
hip hop. Ele comentou com o cofundador da marca Def Jam, Russell
Simmons, sobre as condições de produção de rap, música da “patota”
com um orçamento pequeno, que ele não deixava de comparar com
os enormes custos de Amandla.
Ele ambicionava a um modo de produção menos pesado, onde ele
seria mais envolvido. Tendo tido recomendações dos artistas de hip
hop pelos dirigentes de Def Jam, ele reteve Easy Mo Bee (OstenS Harvey
Jr), rapper e produtor de 26 anos, e associou seu agente, Gordon Melzer,
como coprodutor, visivelmente seduzido por este grupo desprovido de
qualquer formação acadêmica de música.
Mas outros colaboradores estavam previstos: o tecladista oficial, Deron
Johnson, que deveria garantir a coesão dos trechos concebidos por
Easy Mo Bee, John Bigham, a quem Miles Davis encomendou músicas e
Prince, que enviou canções. Ele também estava em contato com outras
figuras do rap como Flavor Flav e Chuck D. do grupo Public Enemy e
Nikki D. A gravação de Doo-Bop, preconcebidas como um álbum duplo,
começou em julho de 1991. Easy Mo Bee estabelecia a base de cada
207
MILES em
SEU ATELIÊ
Quando eu me encontrei em sua casa, em
Manhattan, quarta-feira, 5 de junho de
1991 às 11h00, a primeira coisa que eu vi
foi um ateliê.
O resto da história todos conhecem.
Após quatro dias intermináveis de espera,
Miles Davis me recebe em três tempos:
primeiro round, duro, feroz (segurar,
aguentar, deixar passar os golpes,
prever, boxe normal). Segundo round, o
desaparecimento: ele desce e me deixa
só. Eu penso que já era, adeus entrevista,
perguntas e respostas, vacas, porcos,
galinhas, eu sei de cor a lista dos caras
bem mais espertos do que eu que ele
rejeitou sem sequer dizer adeus. Terceiro
round: ele se trocou, ele mudou, iniciam-se
alguns dos dias mais intensos de minha
vida. Por quê? Eu não tenho a menor ideia.
Ele está morto agora. Ele queria que nos
revêssemos durante todo o mês de
agosto. Que eu me instalasse por lá um
tempo. A primeira coisa que eu vi foi um
ateliê. Telas pousadas em cavaletes, óleos
abertos, moldura encostada nas paredes,
algumas ferramentas – lápis, pastel, tinta,
sem material visível para o óleo – plantas
verdes, uma mesa feita de madeira
preciosa, a tigela com frutas frescas, além
de dois trompetes: o primeiro envernizado
de tinta vermelha, a que conhecemos,
o segundo em cristal, um presente de
aniversário, ou uma brincadeira, eu não me
lembro. Não, eu não toquei nos trompetes.
Nenhuma mancha no chão ou proteções
para os móveis. Ateliê seco, impecável,
sem sequer um vestígio do trabalho.
Os músicos que pintam, desenham,
fotografam, etc. É difícil levá-los a sério.
Não é necessariamente inteligente:
as fotos de Milt Hinton merecem mais
do que uma visão distanciada. Quem
não se derreteria diante das colagens
minuciosa exuberância de Satchmode?
Você já viu como são engraçadíssimos os
pássaros desenhados por Michel Portal?
Por fim, Django, entre viagens de pesca,
pintava. Louis Sclavis expôs suas fotos do
momento. A abstração acrílica de Daniel
Humair é por sua vez reconhecida pelos
pintores... Em cada um de seus
gestos diferidos, ocorre um impulso que,
na maioria dos casos, para proteger-se,
sem dúvida, é considerado com simpatia.
Melhor dizer com a elevação, desdém
afetuoso, um que de condescendência sem
malícia, enfim com desprezo.
O primeiro desenho que Miles Davis me dá,
uma bola de gude preta no fundo branco,
silhuetas de mulheres africanas, datado
de uma quarta-feira de 3 de julho de
1985. Uma capa de disco (Qual? Eu terei
que procurar) é de seu gosto. Corpos e
cabeças de mulheres africanas, callipyges
e cabelos muito curtos. Miles despacha
esse desenho em pé, com uma caneta
altamente automática, ele assina. A cena
acontece em Lyon, rápida ida e volta para
uma breve entrevista. Ele fala do blues, ele
volta ao assunto, com essa agressividade
discreta dos que têm medo. Medo que
você não ouça, que não retenha, que não
compreenda a importância. No próximo 14
de julho, em Montreux, eu vejo um após
o outro os seus dois concertos (16 e 20
horas). Sim, é a época do auge quando se
lamenta que não toque mais, ou que
toque de costas. O segundo desenho,
pastel, representa uma máscara africana
ou um ser vivo. Miles tinha esboçado de pé
em sua casa, na entrada, logo antes de nos
separarmos em junho de 1991 nas costas
de um convite. Convite que anunciava a
exposição de suas telas na Galeria Nerlino,
96 Greene St. Desenho de um personagem
flutuando sobre um fundo preto e algumas
palavras escritas entre os espaços:
“FORUS / WAIT TO YOUR HEAR / WHAT PRINCE
WROTE”
5 de junho, flashback, 11h00. Miles
Davis: em sua casa, atrasa. Ele quer o
momento certo. Ele não quer nada mais
ou tão pouco nada menos. Antes que ele
desça, a governanta se comporta como é
exigido pela sua categoria. Instalo todos
os meus apetrechos num canto, gravador,
aparelhos, fichas, colas. Estou pronto.
Ele desce. Mostra-se frio, hostil, fala em
dinheiro, me testa. Eu aguento. Enfim,
golpe de sorte, ele não duvidou por um
segundo que eu sei exatamente o que
me espera, com relação ao idioma Inglês.
Que seja dito em minha defesa, ele tinha
um jeito muito estranho de praticá-lo. Aí
eu fico quase bobo, ele escolheu o canto
oposto, o da janela, o mais incômodo para
mim. Tiro o meu chapéu, o artista! Ring.
Astúcia de boxeador. Eu admiro. Eu vejo
o meu material do outro lado, dane-se,
é inútil. Estou nu. Seu canto, ele o ocupa
num primeiro momento como um menino
mal educado. Ele tem onze anos e, às
vezes, tem onze mil anos. Tem exatamente
sessenta e cinco anos. Miles, em sua casa,
é como o Miles em cena. No palco, na
última década, ele reúne pequenas trupes,
assim como músicos relaxados entrariam
no estúdio. Ofertas, convites, partilha.
Ela vai de um a outro, daí a reputação
desejada de vê-lo tocar “de costas”. De
costas para quem exatamente? Não é para
seus bateristas, com certeza. Miles em sua
casa, caminha e leva o outro no papo.
Como em cena. Ele nos leva consigo.
De quadro em quadro. Ele leva você na
conversa. Ele arrasta a perna. Todas
estas cirurgias de quadril. Ele parece
um adolescente ferido, um cadáver que
reconhece a terra. Tem os olhos animais
mais humanos do mundo, ligeiramente
cercados de azul. Fino círculo sob fundo de
porcelana luminoso. Quando ele finalmente
resolve acabar com a sua representação
voluntária, o seu round de observações, ele
é o que é, exatamente ele: tímido, elegante,
delicado, extremamente educado, rude.
No começo, ele só fala de pintura. Descreve
cada obra. Suas telas são figurativas,
carregadas de sentido, transportadas
por uma espécie de fúria de pintar que
nem sequer nos perguntamos se ela se
justifica. Meu gravador dorme no outro
Foto: Shigeru Ushiyama.
extremo da sala. Eu tento fixar o que ele
diz. Eu faço o que posso. Ele, nenhuma
colher de chá. Ele é grosso, cortês, amável,
difícil, bem educado, delicado. Suas mãos
dançam como pássaros. Ele se mexe, ele
desenha, ele fala com sua voz rouca. Cada
som de sua voz soa como a sua música.
Poderíamos dizer: como o blues.
É verdade. Ele sabe que ele o toca.
– Você já pintou um auto-retrato?
– Pelo amor de Deus! Já chega a minha cara.
– Mas eu vi um, não é?
– Não, é de Jo, Jo Gelbard, minha esposa
Eu pinto com ela, ela me desenha o tempo
todo. Você tá vendo esse olho? Esse é o
meu olho...
– Seu rosto, você diz...
– O quê?
– ... mudou no decorrer de sua vida.
– Está sempre mudando. Tenho quarenta
rostos diferentes. Meu corpo está mudando.
O corpo se lembra de tudo. Mudo quando
nado. Ele se torna assim ou assado. Eu
não quero mais ele assim. O clima é muito
melhor na Califórnia, mas a energia é em
Nova York que você a encontra. Eu quero
pintar cada vez mais a forma e a cor que me
vêm.
– Você desenha mulheres? Qual parte do
corpo você prefere?
– A bunda, as nádegas, você também, não?
( ele está tocando em um teclado). Eu
odeio esses acordes de merda.
Gil sempre dizia que o acorde está
perdido. O acorde é muito solitário. Até
que o próximo seja tocado, qualquer
acorde soa estranho. O seguinte entra em
consonância, é ótimo, podemos finalmente
pensar em começar a tocar, é uma coisa
muito delicada, sabe? Como pintar.
Entendo. Bruxo tímido. Passados os ritos
de observação, ele muda. Ele desaparece
(telefone, conversa, a senhora wasp
traz suco de laranja, o tempo passa, fico
pensando nessa entrevista que se limitará
a conversas sobre pintura). Troca de roupa.
Ele troca frequentemente de figurino. Tem
mil roupas. Desce de novo. Escada, Moulin
Rouge, o rosto cinquenta anos mais novo,
camisa de seda preta sobre peito nu, calça
de couro. Um turbante prende o cabelo
remendado. Está com mil anos. Parece
com a mãe, desaparecida há muito tempo.
Ele é quem diz. Acaba de renascer. Parece
ter dezesseis anos. Podemos conversar.
As telas em volta nos encaram. Entrevista
infinita.
FRANCIS MARMANDE
CRONISTA dO jornal LE MONDE E dA REVISTA JAZZMAN,
FRANCIS MARMANDE É PROFESSOR UNIVERSITÁRIO,
AUTOR DE “LA CHAMBRE D’AMOUR” (ED. DU SCORFF) E DE
“L’INDIFFÉRENCE DES RUINES” (PARENTHÈSES), ENTRE
OUTROS
210
queremos miles
211
Miles Davis deixa o Zénith de Paris
numa limousine, em 20 de setembro
de 1986.
Foto: Claude Gassian.
212
Miles Davis deixa o Zenith de Paris em
limusine, no dia 20 de setembro de 1986.
Foto: Claude Gassian
Eterno rapaz furioso ou gênio apaziguado
pelos anos?
Retrato Miles “pouco importa a idade”.
Foto: Annie Leibovitz
trecho à partir da caixa de ritmo e da amostragem, o trompetista tocava
por cima, e Deron Johnson acrescentava o sintetizador assim como
linhas de baixo. Até a morte de Miles, em setembro, apenas seis títulos
foram gravados; “Mystery”, “The Doo-Bop Song”, “Chocolate Chip”, “Blow”,
“Sonya” e “Duke Booty”. Eles foram completados com uma reprise de
“Mystery”, ligeiramente encurtado e remixado, assim como dois solos
de Miles retirados de Rubberband do inverno de 1985-1986, reabilitados
por Easy Mo Bee.
U
m FIM DE VIDA . O que teria sido Doo-Bop se Miles Davis
tivesse vivido mais tempo? Presumivelmente, ele estaria
operando uma virada decisiva. Após as escolhas radicais
que ele tinha feito em 1964-1975, sua música tinha se
tornando cada vez mais formatada, como se estivesse se
rendendo a frivolidade dos anos 80. Um desenvolvimento
para o qual Miles parecia ser o espectador, cedendo aos
poucos às ordens daqueles que tinham tomado o seu destino em mãos, até a reprise a contragosto do repertório de Gil Evans no
festival de Montreux. Algumas semanas antes de sua morte, Doo-Bop
tenderia a romper com esta situação. O hip hop é uma arte crua, uma
arte de recuperação, e o som deste último álbum era permeado da
lembrança de velhos teclados vintage, já procurados na época pelo
acid jazz, e da música que surgiria até a virada do século. Será que
Miles, se tivesse vivido na década de 90, teria sido capaz de ouvir o
progresso do rap freestyle, o surgimento do drum n’ bass e da jungle, de
investir em esferas mais criativas da música eletrônica? Teria ele visto
o impacto imediato de sua música dos anos 80 dar lugar a profunda e
persistente influência do segundo quinteto e às inúmeras bandas dos
anos 70 tocando a música da virada do século? Em 1980, Miles era
um homem à margem do mundo como podemos constatar no olhar
desamparado – observado pelo jornalista Claude Carrière – quando
conduzido para fora do palco no festival de Nice por um esquadrão de
seguranças, o trompetista encontrava-se frágil, o velho amigo Clark
Terry, que está tentando alcançá-lo. Desde meados da década de 70,
ele se manteve a par da vida musical por intermediários. Foi Francesca
queremos miles
Spero, que ficou encarregada em lhe transmitir sugestões de Def Jam
em matéria de hip hop. Em relação ao hip-hop, Def Jam lembra que foi
poupado das produções mais radicais para mostrar-lhe o que havia
de mais melódico e jazzy. Esse depoimento corrobora o de Branford
Marsalis, que recriminou Miles por querer apropriar-se de uma realidade
musical muito distante dele. Para David Liebman, ao voltar ao palco, no
final dos anos 70, Miles não sabia aonde ir porque tinha deixado de ter
contato com a cena musical criativa e não viu surgir os músicos que
poderiam tê-lo ajudado a dar um desdobramento frutífero à sua música
dos anos 70: “Deveria ter escolhido gente como Blood Ulmer, Shannon
Jackson ou Vernon Reid”. Os dois primeiros acompanharam a adoção
por Ornette Coleman do “funk harmolódico”, o terceiro foi fundador, por
volta de 1985, da Black Rock Coalition.
O
ÚLTIMO ATO DE FÚRIA. No início do mês de
setembro, Miles Davis foi internado no Saint
John’s Hospital de Santa Monica por causa de
pneumonia, vindo a falecer em 28 de setembro de
1991, aos 65 anos de idade. Vários boatos espalhados por uma imprensa sedenta por escândalos
fizeram dele uma vítima da AIDS, pois passou a
desenvolver pneumonias e infecções periódicas
logo após o surgimento da epidemia. Ter sobrevivido tanto tempo aos estragos conjugados da
anemia falciforme e da toxicomania é um verdadeiro milagre. Mas, até que ponto esse assunto é
relevante? Não traz nada decisivo nem sobre o
artista, nem sobre a obra, nem sobre a lenda. Após
questionar-se sobre as causas da morte, o biógrafo inglês Ian Carr
foi taxativo. Deu a seguinte interpretação dos últimos momentos de
Miles: recusando-se a se deixar entubar na sua última hospitalização,
Miles debateu-se e a fúria provocou um forte derrame, que o levou
ao coma. Assim teria morrido Miles Davis, com fúria, como vivera,
marcado desde muito cedo pelo terrível furacão que devastou St.
Louis em 1927.
213
Miles Runs
the Voodoo
Down
The Sorcerer, Prince of Darkness, Dark Magus. Miles Davis é o anjo
negro do jazz, repleto de uma aura de mistério fascinante, inacessível, tendo provado os extremos. Ele se estabelece como uma força
oculta alquimista que se transmuta em música-presságio do futuro
do jazz, mestre vodu iniciando o jazz ao mundo paralelo. Miles Runs
The Voodoo Down. Em 1969, o ano da virada elétrica, obviamente
fascinado pelo Voodoo Child de Jimi Hendrix, Miles ressalta em uma
faixa o lado dark de sua música.
A música de Miles Davis é negra não porque ela canta uma negritude,
mas porque ela absorve e rejeita um certo brilho que o jazz carrega
desde o início. Da irradiação, solar e magistral de Louis Armstrong, a
pulsão alegre do swing de Count Basie, a obra serena e majestosa de
Duke Ellington, todos aqueles que o precederam, Miles Davis coloca
em oposição uma arte que procura entender os campos obscuros,
transforma o tocar em um drama e perverte as regras conscientemente. Ao contrário do que já se ouvia, ele imprime em sua música
o frescor do cool, a dramaturgia flamenca, a disfunção medida das
formas, as misturas que desagradam, as pulsações que açoitam.
Com um empenho decididamente autêntico que consegue acarretar
aqueles que os acompanham. A maioria destes - com algumas notáveis exceções (John Coltrane, Bill Evans, Wayne Shorter) – parece,
uma vez afastados de seu controle, escapar a este lado obscuro e
recuperar o território mais iluminado. Miles, por sua vez, continua a se
orientar em direção ao que não existe, o que não tem lugar, o que não
é legítimo: ele acredita na capacidade do jazz de se metamorfosear.
Embora sempre retornando a ele, Miles Davis se recusou a dialética
do blues, o sofrimento transmutado em lamentos, a condição dolorosa ultrapassada pelo canto. Na Juilliard School, ele zomba de uma
professora, explicando que ele, filho de boa família, a quem nunca
faltou nada, pode muito bem tocar o blues. Ele tem esse orgulho
de pensar que o jazz não para nos portões de sua comunidade e se
queremos miles
Vincent Bessières
recusa o considerar como uma linguagem acabada, uma ginástica
virtuose, uma arte que tem seus códigos fechados.
Ao longo de sua carreira Miles foi atravessado pelo desejo aparentemente contraditório de não afastar-se de sua origem musical e a
angústia de encontrar-se nela enclausurado. Para ele, a genialidade
caracteriza-se na invenção constante de novas perspectivas e, por
isso, Miles Davis, retorna ao jazz. Ele mostra o seu avesso como em
um jogo de espelhos em que domina o que deles se reflete. Quando
a música tende para a repetição, ele busca a sua oposição. Criança,
ele cresceu ao som da formação swing, mas com a adolescência,
passa a sonhar com o frenesi do bebop. Fortalecido por Bird e Dizzy
Gillespie, constrói uma orquestra que surpreende pela doçura de sua
sonoridade e a leveza de seus arranjos. O cool floresce? Ele afunda na
bruma do w, abraça a música áspera de Thelonious Monk, vai procurar
os tenores loucos de Sonny Rollins e de John Coltrane. As linhas do
jazz tradicional o enfadam, os caminhos “normais” e pré-definidos o
chateiam, ele tenta evitá-los, utiliza os padrões modais como forma
de erguer-se acima da multidão. Ele abandona o Rolls Royce da rítmica pelo nervosismo de uma Ferrari que não perdoa erros de pilotagem. O segundo quinteto é esta enorme bola de fogo através da
qual Miles encontra o gosto pelo risco e a emoção que isso traz. E, no
entanto, as liberdades e as iniciativas desta atitude dão lugar a um
caldo sulfúrico, com músicas de climas saturados de eletricidade e
dilacerados por guitarras distorcidas. Mais uma vez, Miles oscila. A
pulsação do funk volta a tornar-se o coração palpitante da música,
envolvido nos ritmos da diáspora africana em um entrelaço sonoro
que Miles atravessa com seu trompete ligado na wah-wah.
O que fazer depois de tanto barulho? Miles opõe o silêncio à avalanche de som. Quando ele retorna, é para tocar cantigas e canções.
Ele acredita em sintetizadores e máquinas, depois de ter tido os
melhores músicos ao seu lado, Marcus Miller prova-lhe que não está
215
necessariamente errado. E quando o pop começa a tomar conta, ele
vai se conectar com o som da rua antecipando assim a reconciliação
do jazz com o hip hop.
Miles Davis impõe o movimento ao jazz o que é para ele tanto sorte
quanto acaso, pois invalida qualquer noção de “tradição” em favor
de uma única crença: o jazz nunca deve voltar atrás, a não ser na
hora da sua morte. Essa ideia não é do agrado de todos. É a antítese
do conforto, da rotina, das pequenas satisfações. Por isto, poucos
atingem a sua grandeza. Este é o seu drama. Miles acostumou o jazz
à revolução. Miles Davis fornece um exemplo ainda pior, uma vez que
persiste como inesgotável. Sua sombra paira sobre o jazz do século
XXI, perpetuado por aqueles que o conheceram e que são agora grandes figuras da nossa época, mas também por todos os músicos que
trazem consigo uma parte de seu patrimônio artístico.
Multíplice, a sua música irradia o campo do jazz uma vez que os caminhos que ele abriu são muitos e frutuosos. As percepções de uma
obra no noneto de Birth of Cool modelaram os arranjos para uma
formação média e permitiram que instrumentos até então ausentes
das orquestras de jazz fossem integrados.
O disco Prestige é uma bíblia para todos aqueles que continuam,
meio século depois, a explorar as virtudes das normas e cultivam a
expressividade nos arquétipos da forma. Kind of Blue abriu passagem para além dos horizontes do jazz, a moda de sua utilização é
agora comum. Favorecendo a sugestão, a economia, a escolha das
notas, o domínio do tempo e do espaço, o intérprete de canções
que foi Miles, deu a sua legitimidade a uma linha “alternativa” da do
trompete, recusando a ostentação e o brilho que eram o padrão que
dominava aos que tocavam este instrumento. As cores da orquestra
de Gil Evans transformaram a forma de se escrever para a big band,
dissimularam os contornos, ampliaram a paleta, distenderam a
harmonia. A “liberdade controlada” do segundo quinteto tornou-se
referência para o jazz contemporâneo que na prática, individual
e coletivamente, em função das personalidades desse grupo era
reconhecido pelo seu justo valor. Além disso, ela deu origem a um
nova possibilidade do jazz, a conversão de Miles para a eletricidade
impôs aos trompetistas a ambivalência de seu instrumento, tanto
que a maioria sente-se no dever de mostrar as duas faces, uma
acústica, outra “ligada”. As sobreposições de polirritmias dos anos
afro-funk antecipam uma cultura cujas medidas complexas não
podem ser dissociadas do groove, que alimenta parte da reflexão
sobre as formas de trabalho no jazz de hoje, enquanto o uso do
wah-wah aplicado ao trompete inspirou músicos, nas fronteiras do
jazz e da eletrônica, para quem a frase conta menos que a textura
ou o modelo das sonoridade totalmente transformado pela eletricidade. As reprises dos anos pop introduziram a idéia de ir buscar no
repertório ao redor novos sucessos e demonstrar que as máquinas
poderiam ser usadas para orquestrar todo um universo de som.
Embora não findado, o encontro com o hip hop antecipou uma tendência natural para uma aproximação com o jazz, que desde então
resultou em muitas tentativas de hibridação.
É claro, Miles Davis não é o único herói do jazz, nem a figura titular
de uma música que continua a ser partilhada entre o seu passado
glorioso e o desejo de inventar-se um futuro. Mas é o exemplo que
logo volta quando o conservadorismo e as dúvidas se instalam. Todo
mundo gosta do Miles; pode-se, mesmo, não gostar de tudo do Miles.
Além do arquetípico do músico cool, distante, elegante, sem concessão, Miles incorpora um modelo de audácia e de invenção. Miles
Davis é o jazz. Miles Davis é uma lenda. Ambos se contemplam há
quase três quartos de século. Um não caminha sem o outro, não é
concebível sem o outro. No mais intimo do que é o jazz, o confronto
de vozes individuais na meada do século, Miles Davis afirmou uma
singularidade, que além das emoções que ela nos traz, é exemplar.
Mas Miles Davis, é um e múltiplo, personalidade dupla como gostava
de enfatizar, assunto nunca esgotado, sua percepção foge sempre
aos que tentam circunscrevê-lo. A exposição We want Miles não é
exceção. Só pode ser uma homenagem entre tantas a um artista.
216
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Todos os direitos reservados para os documentos
cuja proveniência não pode ser identificada. Os fotógrafos e/ou detentores dos direitos que não conseguimos identificar, apesar das pesquisas realizadas,
são convidados a contatar o editor.
Capa
Miles Davis fotografado por Anton Corbijn, Montreal,
Canadá,1985 @ANTON CORBIJN
p. 4
Miles Davis, festival d’Antibes-Juan-les-Pins, julho de
1969. Foto de Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir
p. 10
Vista da Rua 52, Nova York, 1947. Foto de William P.
Gottlieb.
p. 12
*N° 1: Miles Davis (à direita) e seu irmão Vernon (2º
à esquerda), Pâques 1939. © Cortesia de Anthony
Barboza Collection. *N° 2: Vista de uma rua de Saint
Louis depois da passagem de furacão, Saint Louis,
Missouri, 1927. © Historical Manuscript Collection,
Universidade do Missouri. *N° 3: Miles Davis, sua
irmã Dorothy Mae, seu irmão Vernon e sua mãe
Cleota H. Henry Davis, Pâques 1939. *N° 4: Dorothy
Mae (à direita), irmã de Miles Davis. *N° 5: O pai de
Miles Davis, com a roupa de formatura da escola de
odontologia da Universidade Northwestern, Evanston,
Illinois. *N° 6: Miles Davis aos 8 ou 9 anos, Pâques
1939. Cortesia de Anthony Barboza Collection.
p. 14
*Charlie Creath e seus Jazz-O-Maniacs, Saint Louis,
por volta de 1922 (da esquerda para a direita):
Sammy Long (saxofone alto), Willie Rollins (saxofone em ut), Marge Creath (piano), Charlie Lawson
(trombone), Charlie Creath (corneta), Alexandre
Lewis (bateria). © Frank Driggs Collection.
p. 15
Ao alto:
*O conjunto de Dewey Jackson, Castle Ballroom,
Saint Louis, 1937 (da esquerda para a direita): Willie
Rollins (saxofone alto e barítono), Bradford Nichols
(saxofone tenor), Clifford Batchman (saxofone alto
e barítono), Eugene Phillips (guitarra), Earl Martin
(bateria), Dewey Jackson (trompete), Wendell
Black (trompete, humorista), Robert Parker (piano),
Singleton Palmer (contrabaixo). © Frank Driggs
Collection.
Embaixo:
*Floyd Campbell’s Singing Syncopators, Saint Louis,
Missouri, 1929 (da esquerda para a direita): Clifton
Byrdlong (saxofone alto), Sammy Long (saxofone
alto), Harvey Lankford (trombone), James Barlow
(contrabaixo, tuba), Floyd Campbell (bateria, voz),
Gus Perryman (piano), Walter “Crack” Stanley (trompete), William Calloway (banjo), Cecil Thornton (saxofone tenor). © Frank Driggs Collection.
p. 16-17
*N° 1: Eddie Johnson’s Crackerjacks, Saint Louis,
Missouri, 1932 (da esquerda para a direita):
Freddie Martin (saxofone alto), Singleton Palmer
QUEREMOS MILES
(tuba), Ernest “Chick” Franklin (saxofone tenor),
Walter Martin (saxofone alto), Lester “Spareribs”
Nichols (bateria), Benny Jackson (banjo), Winfield
Baker (trombone), James Talphy (trompete), Harold
“Shorty” Baker (trompete) e, sentado, Eddie Johnson
(piano). *N° 2: Original Saint Louis Crackerjacks, 1936
(da esquerda para a direita): Elmer Ming (trompete),
William “Bede” Baskerville (guitarra, arranjos), Levi
Madison (trompete), Freddy Martin (saxofone alto),
Nick Haywood (baterista), Austin Wright (cantor),
Kermit Haynes (tuba, contrabaixo), Chick Finney
(piano), George Smith (trompete), Ernest “Chick”
Franklin (saxofone tenor), Walter Martin (saxofone
alto). *N° 3: O conjunto de George Hudson, Saint
Louis, meados dos anos 1940 (da esquerda para a
direita): Jimmy Britton (cantor), Singleton Palmer
(contrabaixo), Robert Parker (piano), John “Bones”
Orange (trombone), Earl Martin (bateria), Clark Terry
(trompete), Ed Batchman (trompete), Paul Campbell
(trompete), George Hudson (trompete), Cyrus Stoner,
Sr. (trompete), Fernando Hernandez (trombone),
Bill “Weasel” Parker (saxofone tenor), Robert Horne
(trombone), Cliff Batchman (saxofone alto), Willie
Rollins (saxofone barítono), Edgar Hayes (saxofone
tenor), Tommy Starks (saxofone alto). © Frank Driggs
Collection.
p. 18 *Rhumboogie Orchestra de Eddie Randle, Club
Rhumboogie, Elks Club, Saint Louis, Missouri, dezembro de 1943 (da esquerda para a direita): não identificado (bateria), Tommy Dean (piano), Irvin “Broz”
Woods (trompete), Miles Davis (trompette), não identificado (saxofone tenor), não identificado (saxofone
alto), Walter Martin (saxofone alto), não identificado
(saxofone tenor), Eddie Randle (trompete). © Frank
Driggs Collection.
p. 24-25
Ao alto (da esquerda para a direita):
Souvenirs de clubes de jazz da Rua 52 em Nova York:
souvenir do Three Deuces, por volta de 1950; souvenir do The Onyx, 1937-39 ; menu do The Hickory
House; souvenir do Famous Door; folheto do clube
Bop City; cartaz anunciando um concerto de apoio a
“Wild” Leo Parker, organizado em 20 de fevereiro de
1949 no Royal Roost; programa de inauguração do
Birdland, 1949; menu do Club Samoa; caixa de fósforos do Three Deuces; souvenir do Jimmy Ryan’s; souvenir do Kelly’s Stable (em vinhetas, os proprietários
Ralph Watkins et George Lynch); caixa de fósforos do
Royal Roost; souvenir do Club Downbeat. © Collection
Norman Saks.
p. 26
*O quinteto de Charlie Parker, Three Deuces, Nova
York, 1947 (da esquerda para a direita): Charlie
Parker, Miles Davis e Max Roach (oculto), Duke Jordan
(de costas). © Frank Driggs Collection.
p. 28
*Coleman Hawkins e Miles Davis no palco do Three
Deuces, Nova York, 1947. Foto de William P. Gottlieb.
p. 29
*A big band de Dizzy Gillespie, Club Downbeat, Nova
York (provavelmente em 1947). Foto de William P.
Gottlieb
p. 30
*Charlie Parker, Miles Davis, Allen Eager, Kai Winding,
no palco do Royal Roost, Nova York, 1948. Foto de
Herman Leonard. © Herman Leonard Photography
LLC/CTSIMAGES.com.
p. 19
Cartaz para os Blue Devils de Eddie Randle, por volta
de 1940. © DR.
p. 32
Conjunto de etiquetas de 78 rotações da marca Dial
Records e Savoy Records. coleção particular. DR.
p. 20
Ao alto:
*Lucky Thompson, Dizzy Gillespie, Charlie Parker
e Billy Eckstine, no palco, 1944. Foto de Charles
“Teenie” Harris © 2004 Carnegie Museum of Art,
Charles “Teenie” Harris Archive.
Embaixo, à esquerda:
Menu e leque do Club Plantation, Saint Louis.© DR
Embaixo, à direita
*O conjunto de Billy Eckstine em uma apresentação, 1944. Foto de Charles “Teenie” Harris © 2004
Carnegie Museum of Art, Charles “Teenie” Harris
Archive.
p. 33
Sans titre (Bird of Paradise), 1984. Quadro de JeanMichel Basquiat. coleção Stéphane Samuel e Robert
M. Rubin. © Espólio de Jean-Michel Basquiat – ADAGP,
Paris 2009. Foto de Robert McKeever.
p. 21
Horn Players 1983. Quadro de Jean-Michel Basquiat.
The Broad Art Foundation, Santa Monica. © Espólio
de Jean-Michel Basquiat – ADAGP, Paris 2009. Foto
de Douglas M. Parker Studio.
p. 23
*Howard McGhee e Miles Davis, Nova York, N.Y., por
volta de setembro de 1947. Foto de William P. Gottlieb.
p. 34-35
*”Fats” Navarro, Kai Winding, Miles Davis, Clique Club,
Nova York, janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection.
p. 36
Miles Davis, por volta de 1950. © DR.
p. 39
Ao alto:
*O noneto de Birth of the Cool em sessão de gravação
para a Capitol (da esquerda à direita): Junior Collins
(trompa), Bill Barber (tuba), Kai Winding (trombone),
Max Roach (bateria, atrás de um biombo), Gerry
Mulligan (saxofone barítono), Miles Davis (trompete), Lee Konitz (saxofone alto), Al Haig (piano),
Joe Shulman (contrabaixo). Nova York, 21 de janeiro
de 1949. Foto de William “PoPsie” Randolph. © 2009
Michael Randolph/www.PoPsiePhotos.com
Embaixo, à esquerda:
Miles Davis, partitura original de “Deception” (parte
do trompete). Collection Miles Davis Properties LLC.
Embaixo ao centro
Classics in Jazz, primeira edição 33 rotações de gravações conhecidas sob o título de Birth of the Cool,
Capitol, anos 1950. © Archives Cohérie Boris-Vian.
Embaixo, à direita
*Capa original do álbum Birth of the Cool, Capitol, por
volta de 1955. coleção particular. DR.
p. 40
*Miles Davis, com Lee Konitz e Gerry Mulligan durante
as sessões de gravação de Birth of the Cool, Nova
York, 21 de janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection.
p. 42-43
Juliette Gréco e Miles Davis, Paris, maio de 1949.
Foto de Jean-Philippe Charbonnier. © Jean-Philippe
Charbonnier/Rapho.
p. 44
À esquerda:
Programa do Festival International de Jazz em Paris,
maio de 1949. Ilustração de Charles Delaunay. © BNF.
À direita:
*Hot Lips Page, Tommy Potter, não identificado, “Big
Chief” Moore, Sidney Bechet, Al Haig, Charlie Parker,
Max Roach, Miles Davis, Kenny Dorham, Aeroporto
Idlewild, Nova York, maio de 1949. coleção Jazz
Magazine. DR.
p. 45
Ao alto:
*Miles Davis, James Moody, Tadd Dameron (oculto),
Barney Spieler e Kenny Clarke, Sala Pleyel, Paris,
maio de 1949. Foto de Pierre Delord. © Pierre Delord/
Midiateca de Villefranche-de-Rouergue.
Embaixo:
*Miles Davis, Boris Vian e Michèle Léglise-Vian, Paris,
maio de 1949. © DR.
p. 46-47
*Miles Davis, nos bastidores do Shrine Auditorium,
Los Angeles 15 de setembro de 1950 (apresentação
de Billy Eckstine organizada por Gene Norman na
série “Just Jazz”). Foto de Bob Willoughby. © Bob
Willoughby.
p. 48
Ao alto, à esquerda:
*Oscar Pettiford, Miles Davis e Bud Powell, Clique Club,
Nova York, janeiro de 1949. © Frank Driggs Collection.
Ao alto, à direita:
*Milt Jackson, Oscar Pettiford, Graham Forbes, Miles
Davis e J. J. Johnson, Club Downbeat, Nova York,
1952. Foto de Marcel Fleiss. © Marcel Fleiss.
Embaixo, à direita:
*Atrás, da esquerda para a direita: Roy Porter, Specs
Wright, Bernie Peters, Jimbo Edwards (proprietário do
clube Bop City), “Pat”(sobrenome?) (bateria), Betty
Bennett (voc), Kenny Dorham, Dizzy Gillespie (ao
piano), Miles Davis, “Don” (Lanphere?). No primeiro
217
plano: Ernie Lewis, Sonny Criss, Milt Jackson, Carl
Perkins, Jimmy Heath, Henry “Cowboy” Noyd, Oyama
Johnson, Percy Heath, clube Bop City, São Francisco,
setembro de 1950. coleção Jazz Magazine. DR.
p. 51
Chet Baker, Miles Davis e Rolf Ericson, Lighthouse
Cafe, Hermosa Beach, Los Angeles, agosto/setembro de 1953. Foto de Cecil Charles. © Cecil Charles
ctsimages.com
p. 53
*Miles Davis em sessão de gravação para a Blue Note,
estúdio Rudy Van Gelder, Hackensack, New Jersey, 6
de março de 1954. Foto de Francis Wolff. © Mosaic
Images LLC.
p. 55
*Miles Davis diante da entrada da loja de discos
Prestige, Nova York, por volta de 1955. Foto de
Esmond Edwards. © Esmond Edwards/ctsimages.
com
p. 56
*Jackie McLean, J.J. Johnson e Miles Davis em ensaio
para a Blue Note, maio de 1952. Foto de Francis Wolff.
© Mosaic Images LLC.
p. 57
*Jimmy Heath, Percy Heath, Miles Davis e Gil Coggins,
em sessão de gravação para a Blue Note, WOR Studio,
Nova York, 20 abril de 1953. Foto de Francis Wolff. ©
Mosaic Images LLC.
p. 58
*Miles Davis e Horace Silver em sessão de gravação para a Blue Note, estúdio Rudy Van Gelder,
Hackensack, New Jersey, 6 março de 1954. Foto de
Francis Wolff. © Mosaic Images LLC.
p. 59
Folheto de uma apresentação de Miles Davis no
Open Door, Nova York, 1954. coleção Institute of Jazz
Studies, Newark.
p. 60-61
Conjunto de capas de discos de 33 rotações de Miles
Davis (da esquerda para a direita; de cima para baixo):
Blue Haze, Prestige LP 7054; Miles Davis and Horns,
Prestige LP 7025; Walkin’, Prestige LP 7076; Bags’
Groove, Prestige LP 7109; Conception, Prestige LP
7013; Dig, Prestige LP 7012; Miles Davis Volume 1 Blue
Note LP 1501; Blue Moods, Debut Records 120; Miles
Davis and the Modern Jazz Giants, Prestige LP 7150;
Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet, Prestige
LP 7034; The Musings of Miles, Prestige LP 7007; Miles
Davis Volume 2, Blue Note BLP 1502; Collectors’ Items,
Prestige 7044. coleção particular. DR.
p. 63
*Miles Davis, Oscar Pettiford e Gil Coggins em sessão
de gravação para a Blue Note, WOR Studio, Nova York,
9 de maio de 1952. Foto de Francis Wolff. © Mosaic
Images LLC.
p. 64
*Percy Heath, Miles Davis e Gerry Mulligan, Newport
Jazz Festival, Rhodes Island, 17 de julho de 1955.
Foto de Herman Leonard. © Herman Leonard
Photography LLC/CTSIMAGES.com.
*Miles Davis e Lester Young em apresentação,
Amsterdã, novembro de 1956. Fotos de Ed van
der Elsken. © Ed van der Elsken/Nederlands
Fotomuseum Rotterdam, cortesia Annet Gelink
Gallery, Amsterdã.
p. 66
*Miles Davis nos estúdios da Columbia em 1956.
Atrás, Philly Joe Jones e Paul Chambers. Foto de
Carole Reiff. © Carole Reiff Photo Archive.
p. 80
*Miles Davis e Sonny Rollins, 1957. Foto de Bob
Parent. © Bob Parent.
p. 68
Ao alto:
Da esquerda para a direita: Red Garland, Miles Davis,
Paul Chambers e Cannonball Adderley, Columbia
Studio, Nova York, 1958. Foto de Dennis Stock. ©
Dennis Stock/Magnum Photos.
Embaixo:
Miles Davis e Red Garland, Columbia Studio, Nova
York, 1958. Foto de Dennis Stock. © Dennis Stock/
Magnum Photos.
p. 69
*Miles Davis, Cannonball Adderley e John Coltrane,
Columbia Studio, Nova York, 1958. Foto de Dennis
Stock. © Dennis Stock/Magnum Photos.
p. 70
*Miles Davis, Café Bohemia, Nova York, 1956. Foto de
Marvin Koner, © Marvin Koner/Corbis.
p. 71
Ao alto:
Miles Davis e Cannonball Adderley, Café Bohemia,
Nova York, abril de 1955. Foto de Carole Reiff. © Carole
Reiff Photo Archive.
Embaixo:
*Miles Davis, Café Bohemia, Nova York, 1956. Foto de
Marvin Koner. © Marvin Koner/Corbis.
p. 72
Da esquerda para a direita:
*Capa do álbum Miles (também chamado The New
Miles Davis Quintet), Prestige LP 7014. coleção particular. DR.
Capa do álbum ‘Round About Midnight, Columbia.CL
949, lançado em 4 de março de 1957. coleção particular. DR.
p. 73
*Conjunto de capas de discos de 33 rotações de
Miles Davis: Cookin’ with the Miles Davis Quintet,
Prestige LP 7094; Relaxin’ with the Miles Davis
Quintet, Prestige LP 7129; Steamin’ with the Miles
Davis Quintet, Prestige LP 7200; Workin’ with the
Miles Davis Quintet, Prestige LP 7166. coleção particular. DR.
p. 75
*Miles Davis e George Avakian, Columbia Studio, Nova
York, 1956. Foto de Carole Reiff. © Carole Reiff Photo
Archive.
p. 78-79
p. 82
*Primeira e segunda versões da capa do álbum Miles
Ahead, Columbia CL1041. coleção particular. DR.
p. 83
Gil Evans e Miles Davis (ao cornetim) durante a
gravação de Miles Ahead, Columbia Studio, maio de
1957. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music
Entertainment.
p. 84
À esquerda:
*Louis Malle e Miles Davis durante a gravação da
música de Ascensor para o cadafalso, Le Poste
parisien, Paris, dezembro de 1957. Foto de Vincent
Rossell. © Vincent Rossell/Cinémathèque française.
À direita:
*Miles Davis com Jeanne Moreau, Paris, dezembro de
1957. © Rue des Archives/AGIP.
p. 85
Reconstituição para a transmissão Cinepanorama
(ORTF) de Miles Davis improvisando diante de uma
projeção do filme Louis Malle Ascensor para o cadafalso, Paris, 13 de dezembro de 1957. Foto de Gérard
Landeau. © Institut National de l’Audiovisuel.
p. 87
Miles Davis e, ao fundo, John Coltrane e Cannonball
Adderley, provavelmente, 1957. Foto de Bob Parent.
© Bob Parent.
p. 88
À esquerda:
*Retrato de Miles Davis, por volta de 1958. DR.
À direita:
*Capa do álbum Porgy and Bess, Columbia, CS 8085
(estéreo), 1958. coleção particular. DR.
Capa do álbum Milestones, Columbia.CL 1193, lançado em 19 de março de 1958. coleção particular. DR.
p. 89
*Imagens tiradas da sessão de fotos para a capa do
álbum Milestones, fevereiro de 1958. Fotos de Dennis
Stock. © Dennis Stock/Magnum Photos.
p. 90
*Miles Davis, Columbia Studio, Nova York, julho de
1958. Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony
Music Entertainment.
p. 92-93
*Miles Davis durante a gravação de Porgy and Bess,
Columbia Studio, Nova York, verão de 1958.
Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music
Entertainment.
p. 94
*Bill Evans e Miles Davis no palco, 1958. Foto de
Chuck Stewart. © Chuck Stewart.
p. 96
*Miles Davis fumando um cigarro durante uma das
sessões de gravação de Kind of Blue, Columbia
Studio, Nova York, 22 de abril de 1959.
John Coltrane, Cannonball Adderley, Miles Davis e Bill
Evans durante a gravação de Kind of Blue, Columbia
Studio, Nova York, 22 de abril de 1959.
Miles Davis durante a gravação de Kind of Blue,
Columbia Studio, Nova York, 22 de abril de 1959.
Fotos de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music
Entertainment.
p. 98-99
Da esquerda para a direita, de cima para baixo
Anotação da sessão de gravação datada de 2 de
março de 1959 (primeira sessão) correspondendo
às faixas “Freddie Freeloader” (92290), “So What”
(62291) e “Blue in Green” (62292). © The New York
PublicLibrary for the Performing Arts, Fundo Teo
Macero. Duas notas manuscritas do produtor Irving
Townsend: uma recapitulando os títulos das faixas
do álbum, sua ordem e duração, abril de 1959, e
outra indicando a divisão dos títulos por lado com o
número da matriz. © The New York Public Library for
the Performing Arts, fundo Teo-Macero.
*Miles Davis, Paul Chambers e Bill Evans durante uma
das sessões de gravação de Kind of Blue, Columbia
Studio, Nova York, 22 de abril de 1959. Foto de Don
Hunstein. © Cortesia de Sony Music Entertainment.
Bill Evans, manuscrito do texto de capa de Kind of
Blue, 1959. © The New York Public Library for the
Performing Arts, fundo Teo-Macero.
*Capa do álbum Kind of Blue, Columbia CL CL1355,
lançado em 17 de agosto de 1959. coleção particular. DR.
p. 100
Miles Davis e Gil Evans durante a gravação de
Sketches of Spain, Columbia Studio, Nova York, 19591960. Foto de Vernon Smith. © Vernon L. Smith.
p. 101
*Capa do álbum Sketches of Spain, Columbia, CS 8271
(estéreo), 1960. coleção particular. DR.
p. 103
Miles Davis e Gil Evans no estúdio durante uma
sessão de gravação de Sketches of Spain, Columbia
Studio, novembro de 1959. © Vernon L. Smith.
p. 104
Miles Davis e Wayne Shorter no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/
Lebrecht Music & Arts.
p. 106
Ao alto, à esquerda:
218
*Miles Davis com uma algema no punho, pouco
depois de ser agredido pelos policiais na frente do
Birdland, Nova York, 26 de agosto de 1959. © Ullstein
Bild/Roger-Viollet.
Diversos recortes de jornais, 1959. DR.
Embaixo, à direita:
Miles Davis e seu advogado Harold Lovett, na saída da
prisão, Nova York, agosto de 1959. Foto de Fred Klein.
Bettmann/Corbis ©.
p. 109
*Capa do álbum “Someday My Prince Will Come”,
Columbia, CS 8456 (estéreo), lançado em 1961.
coleção particular. DR.
Miles e Frances Davis, Londres, 25 de setembro de
1960. © Rue des Archives/AGIP2.
p. 111
Miles Davis de capa de chuva, São Francisco, 1961.
Foto de Leigh Wiener. © Leigh Wiener.
p. 112
Capas dos álbuns In Person at the Blackhawk,
Friday Night (vol. 1), Columbia LE10018, e In Person
at the Blackhawk, Saturday Night (vol. 2), Columbia
P17384, 1961. coleção Paris Jazz Corner. DR.
p. 113
Fachada do clube The Black Hawk com Miles Davis no
letreiro, São Francisco, abril de 1961. Foto de Leigh
Wiener. © Leigh Wiener.
p. 114
De cima para baixo:
*Capa do álbum Miles Davis at Carnegie Hall,
Columbia CL 1812, lançado em 1962.
Capa do álbum Quiet Nights, Columbia CL2106, lançado em 1962. coleção particular. DR.
Hank Mobley (saxofone tenor) e Miles Davis com a
orquestra de Gil Evans, Carnegie Hall, Nova York, 19
de maio de 1961. Foto de Vernon Smith. © Vernon
L. Smith.
p. 115
*Miles Davis e Gil Evans durante uma das sessões
de gravação do álbum Quiet Nights, agosto de 1962.
Foto de Don Hunstein. © Cortesia de Sony Music
Entertainment.
p. 117
Ao alto:
Miles Davis e Tony Williams no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/
Lebrecht Music & Arts.
Embaixo, à esquerda:
*Capa do álbum Seven Steps to Heaven, Columbia
CS8851, lançado em julho de1963. coleção particular. DR.
Embaixo, à direita:
Miles Davis e Ron Carter no palco, Berlim, setembro
de 1964. Foto de Jan Persson. © JazzSign/Lebrecht
Music & Arts.
p. 118
Miles Davis, Herbie Hancock, Tony Williams e Ron
Carter no palco, Berlim, setembro de 1964. Foto de
Jan Persson. © JazzSign/Lebrecht Music & Arts.
p. 120
QUEREMOS MILES
Da esquerda para a direita:
*Miles Davis, Philharmonic Hall, Nova York, 12 de
fevereiro de 1964. Foto de Vernon Smith. © Vernon
L. Smith.
Capa do álbum My Funny Valentine/In Concert,
Columbia CL 2306 ouCS 9106, lançado em fevereiro
de 1965. coleção particular. DR.
*Miles Davis e George Coleman, Philharmonic Hall,
Nova York, 12 de fevereiro de 1964. Foto de Vernon
Smith © Vernon L. Smith.
p. 122
Miles Davis, Sala Pleyel, Paris, 1964. Foto de Philippe
Gras. © Philippe Gras.
p. 125
Miles Davis, aeroporto de Orly, 6 de novembro de
1967.
Foto de Christian Rose. © Christian Rose.
p. 127
*Fachada do clube Plugged Nickel anunciando Miles
Davis no letreiro, Chicago, dezembro de 1965. ©
Cortesia da Sony Music Entertainment.
p. 128-129
(Da esquerda para a direita)
Ao alto:
Capa do álbum Sorcerer, Columbia CS 9532, lançado
em 1967. coleção particular, DR.
Wayne Shorter, “E.S.P.”, partitura manuscrita (parte
do trompete) sem data, provavelmente 1965. ©
Miyako Music (Irving Music Inc.); Herbie Hancock,
“Little One”, partitura manuscrita (parte do trompete)
sem data, provavelmente 1965 © 1981 Hancock
Music; Wayne Shorter, “Capricorn”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente
1967, © Miyako Music (Irving Music Inc.). coleção
Miles Davis Properties, LLC.
Ao meio
*Capa do álbum Miles Smiles, Columbia CS9401,
lançado em 1967; capa do álbum E.S.P., Columbia,
CS9150, 1965. coleção particular, DR.
Wayne Shorter, “Pinocchio”, partitura manuscrita,
sem data, provavelmente 1967, © Miyako Music
(Irving Music Inc.). coleção Miles Davis Properties,
LLC.
Embaixo:
*Capa do álbum Nefertiti, Columbia, CS 9594, lançado em 1968; capado álbum Filles de Kilimanjaro,
Columbia CS9750, lançado em 29 de janeiro de 1969.
coleção particular. DR.
Herbie Hancock, “The Sorcerer”, partitura manuscrita (parte do baixo), sem data, provavelmente
1967 © 1982 Hancock Music; Wayne Shorter,
“Dolores”, partitura manuscrita (parte do trompete) sem data, provavelmente 1966, © Miyako
Music (Irving Music Inc.). Collection Miles Davis
Properties LLC.
p. 130
*Miles Davis, Herbie Hancock e Wayne Shorter em
ensaio para a Columbia, por volta de 1967-1968. Foto
de Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 132
Ao alto:
Miles Davis no festival de Randalls Island, sem data.
Foto de Hank Parker. © Cortesia de Sony Music
Entertainment.
Embaixo:
Capa da Playboy, setembro de 1962. © Playboy
Magazine.
p. 133
Ao alto:
*Miles Davis ao volante de sua Ferrari, 1969. Foto de
Baron Wolman. © Baron Wolman.
Embaixo:
*A Ferrari 275 GTB/4 de Miles Davis em um estacionamento. Foto de Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 134
*Miles Davis em sua casa, retrato extraído da série
realizada para a capa do álbum In a Silent Way,
Nova York, 1969. Foto de Lee Friedlander. © Lee
Friedlander, Fraenkel Gallery, São Francisco.
p. 136
À esquerda:
*Miles e Betty Davis em 1969. Foto de Baron Wolman.
© Baron Wolman.
À direita:
*Capa do álbum Miles in the Sky, Columbia CS 9628,
lançado em 1968. coleção particular. DR.
família Klarwein.
Embaixo, à direita:
Mati Klarwein, Evil, quadro que ilustrou (verso) o
àlbum Live-Evil, 1971. Galeria Albert-Benamou. ©
família Klarwein.
p. 147
Revista Rolling Stone, datada de 13 de dezembro de
1969. © Rolling Stone Magazine
p. 148
À esquerda:
*Miles Davis e o boxeador Sugar Ray Robinson, em
roupa de transpiração, 1969. Foto de Corky McCoy.
© Cortez McCoy.
À direita:
Capa do álbum A Tribute to Jack Johnson, Columbia
KC 30455, lançado em 24 de fevereiro de 1971. coleção particular. DR.
p. 149
Miles Davis, Antibes, 1969. Foto de Thierry Trombert.
© Thierry Trombert.
p. 137
Miles Davis na Sala Pleyel, Paris, 1969. Foto de Guy Le
Querrec. © Guy Le Querrec/Magnum Photos.
p. 151
Miles Davis treinando, por volta de 1969. Foto de
Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 138-139
*Miles Davis em sua casa na Rua 77 Oeste em
Nova York, junho de 1969. Foto de Don Hunstein ©
Courtesy of Sony Music Entertainment.
p. 152
Ao alto:
Cartaz anunciando as apresentações
do Grateful Dead e de Miles Davis no
Fillmore West, São Francisco, de 9 a 12
de abril de 1970. Wolfgang’s Vault
p. 140-141
Partituras de “Frelon Brun” (da esquerda para a direita
e de cima para baixo): partituras de Miles Davis,
Wayne Shorter, Herbie Hancock e Tony Williams, sem
data, provavelmente 1968. © Jazz Horn Music Corp.
Collection Miles Davis Properties, LLC.
p. 142
*Capa do álbum In a Silent Way, Columbia CS 9875,
lançado em 30 de julho de1969. coleção particular.
DR.
p. 143
Miles Davis, festival d’Antibes-Juan-les-Pins, julho de
1969. Foto de Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir.
p. 144-145
Ao alto:
*Miles Davis e Teo Macero, Columbia Studio, Nova
York, janeiro de 1970. Fotos Don Hunstein. © Cortesia
de Sony Music Entertainment.
Embaixo:
Miles Davis, Chick Corea, Dave Holland, Jack
DeJohnette, Ronnie Scott’s, Londres, 2 de novembro de 1969. Foto de David Redfern. © Redferns/
Gettyimages.
p. 146
Ao alto:
Quadro de Mati Klarwein que ilustrou o álbum Bitches
Brew, 1970. © família Klarwein.
Embaixo, à esquerda:
Mati Klarwein, Live, quadro que ilustrou (face) o
àlbum Live-Evil, 1971. Galeria Albert-Benamou. ©
Quadro de imagens, da esquerda para a direita e
de cima para baixo
*Capa do álbum Black Beauty, Miles Davis at Fillmore
West, CBS/Sony (Japão) SOPJ 39/40. Gravado em
Fillmore West, São Francisco, 10 de abril de 1970.
coleção particular. DR.
Cartaz do festival Berliner Jazztage, Alemanha, 1971.
coleção Günther Kieser © Günther Kieser.
Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis,
Elvin Bishop e Mandrill no Fillmore
West, São Francisco, de 6 a 9 de abril
de 1971. Wolfgang’s Vault.
*Capa do álbum Live at Fillmore,
Columbia, G 30038. Gravado na apresentação no
Fillmore East. Nova York, junho de 1970. coleção
Paris Jazz Corner, DR.
p. 153
Miles e Betty Davis, nos bastidores do festival da ilha
de Wight, Reino Unido, agosto de 1970. Foto de Fred
Lombardi. © Frederick Lombardi.
p. 154-155
*Miles Davis em apresentação em Tanglewood,
Berkshire, Massachusetts, 18 de agosto de 1970. No
centro, Gary Bartz. Foto de Amalie R. Rothschild. ©
Amalie R. Rothschild.
p. 156
Miles Davis, Koseinenkin Hall, Tóquio, Japão, 19 de
junho de 1973. Foto de K. Abe. © K. Abe/CTSIMAGES.
COM.
219
p. 158
Miles Davis no cabeleireiro, por volta de 1969. Foto de
Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 159
Miles Davis e Michael Henderson, festival Newport
em Paris, TNP, Paris, 25 de outubro de 1971. Foto de
Jean-Pierre Leloir. © Jean-Pierre Leloir.
p. 160-161
*Miles Davis dentro de casa e diante de seu armário,
em sua residência na Rua 77 Oeste, Nova York, 1971.
Fotos de Anthony Barboza. © Anthony Barboza.
p. 162
*Jackie Battle, Miles Davis e Betty Davis no enterro
de Jimi Hendrix, falecido em 18 de setembro de 1970.
Foto de Bob Peterson. © Time&Life/Gettyimages.
p. 164
De cima para baixo:
*Miles Davis compondo em casa, no teclado, por volta
de 1970. © Condé Nast Archive/Corbis.
O grupo de Miles Davis em apresentação, Ahmanson
Theatre, Los Angeles, 2 de maio de 1973 (da esquerda
para a direita): Reggie Lucas (guitarra), Cedric
Lawson (teclado), David Liebman (saxofone), Pete
Cosey (guitarra), Miles Davis (trompete), Michael
Henderson (baixo elétrico), Badal Roy (tabla),
Mtume (percussões). Ausentes da imagem: Khalil
Balakrishna (sitar) e Al Foster (bateria). Foto de Urve
Kuusik. © Cortesia de Sony Music Entertainment.
40AP 741-2. Gravado ao vivo no Carnegie Hall, Nova
York, em 30 de março de 1974. coleção particular. DR.
Capa do álbum Agharta, CBS/Sony (J) 28AP 2167-8
(edição japonesa). Gravado ao vivo em 1º de fevereiro
de 1975 em Osaka, Japão. coleção particular. DR.
Face da capa do álbum Get Up With It, Columbia KG
33236, lançado em 22 de novembro de 1974. coleção
particular. DR.
*Capa do álbum Star People, Columbia FC 38657, lançado em 1983 (ilustração de Miles Davis) coleção
particular. DR.
p. 172
Ao alto: David Liebman e Miles Davis nos bastidores,
1974;
Embaixo, à esquerda: Mtume nos bastidores, 1974;
Embaixo, à direita: Reggie Lucas nos bastidores,
1974.
Fotos de Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 188-189
À esquerda:
*Capa do álbum You’re Under Arrest, Columbia FC
40023, lançado em 1985. coleção particular. DR.
À direita:
*Fotos tiradas na sessão para a capa do álbum You’re
Under Arrest, 1985. Fotos de Anthony Barboza. ©
Anthony Barboza.
p. 175
Ao alto:
As mãos de Miles Davis e seu trompete, 1974.
Embaixo:
Miles Davis, Dominique Gaumont (provavelmente) e
David Liebman (de costas) no palco, 1974. Fotos de
Corky McCoy. © Cortez McCoy.
p. 176
Foto da sessão de gravação de 2 de março de 1978
(da esquerda para a direita): não identificado, Larry
Coryell (guitarra), Masabumi Kikuchi (teclados),
Eleana Steinberg, T.M. Stevens (baixo elétrico), Miles
Davis, George Pavlis (teclados), Al Foster (bateria)
e Teo Macero (produtor). Foto de Don Hunstein. ©
Cortesia de Sony Music Entertainment.
p. 166
Publicidade para o álbum On the Corner, quarta capa
de Jazz Journal, vol. 26, n° 3, março de 1973. ©
Cortesia de Sony Music Entertainment.
p. 178
*Miles Davis, em sua residência, com as cortinas
fechadas, Nova York, por volta de 1980. Foto de Teppei
Inokuchi. © Teppei Inokuchi.
p. 167
Da esquerda para a direita, de cima para baixo:
Face da capa do álbum On the Corner, Columbia KC
31906, lançado em 11 de outubro de 1972. coleção
Paris Jazz Corner. DR.
Verso da capa do álbum On the Corner, Columbia KC
31906, lançado em 11 de outubro de 1972. coleção
Paris Jazz Corner. DR.
Face da capa do álbum Miles Davis in Concert, Live at
Philharmonic Hall, Columbia KC 32092. Gravado ao
vivo em 22 de setembro de 1972 no Lincoln Center
em Nova York. coleção particular. DR.
Capa, face-verso do álbum Big Fun, Columbia
PG32866, lançado em 19 de abril de 1974. coleção
particular. DR.
p. 180
Retrato de Miles Davis, Montreal, Canadá, 1985.
Foto de Anton Corbijn. © Anton Corbijn.
p. 168-169
Miles Davis, festival Newport em Paris, Palais des
Sports, Paris, 15 de novembro de 1973. Fotos de
Christian Rose © Christian Rose.
p. 184
Miles Davis em uma piscina, 1988. Foto de Anthony
Barboza. © Anthony Barboza.
p. 170
Da esquerda para a direita, de cima para baixo:
Capa do álbum Pangaea, CBS/Sony (J) SOPZ 96-97.
Gravado ao vivo em 1º de fevereiro de 1975 em Osaka,
Japão. coleção particular. DR.
Capa do álbum Agharta, Columbia PG 33967 (edição
americana). Gravado ao vivo em 1º de fevereiro de
1975 em Osaka, Japão. coleção particular. DR.
Face da capa do álbum Dark Magus, CBS/Sony (J)
p. 182-183
Da esquerda para a direita:
Ensaios na casa de Miles Davis, Nova York, primavera de 1981 (da esquerda para a direita): Al Foster
(bateria, parcialmente oculto), Marcus Miller (baixo
elétrico), Mike Stern (guitarra); Marcus Miller (baixo
elétrico); Marcus Miller (de costas) e Gil Evans;
Marcus Miller (baixo elétrico), Mike Stern (guitarra),
Mino Cinelu (percussões), Miles Davis; Bill Evans
(saxofone soprano) e Miles Davis. Fotos de Teppei
Inokuchi. © Teppei Inokuchi.
p. 186
Miles Davis diante de sua Ferrari 308GTSi amarela,
partindo para a apresentação no Kix de Boston, junho
de 1981, Nova York. À direita, Cicely Tyson. Foto de
Teppei Inokuchi © Teppei Inokuchi.
p. 186
*Capa do álbum The Man with the Horn, Columbia FC
36790, lançado em 1981. *Capa do álbum We Want
Miles, Columbia C2 38005, lançado em 1982.
p. 187
Darryl Jones, Miles Davis e John Scofield em apresentação, Palais des Congrès, Paris, outubro de 1983.
Foto de Didier Ferry. © Ferry/Dalle.
p. 190
Miles Davis e, no segundo plano, Palle Mikkelborg —
durante a gravação do álbum Aura, Dinamarca, 1985.
Foto de Kirsten Malone. © Kirsten Malone.
p. 193
Ao alto:
Miles Davis durante a gravação do álbum Tutu, 1986.
Embaixo:
Marcus Miller, Miles Davis e, de costas, o produtor
Tommy LiPuma, durante a gravação do álbum Tutu,
1986.
Fotos de Teppei Inokuchi. © Teppei Inokuchi.
p. 194
*Miles Davis recebendo um disco de ouro por Tutu,
Paris, 1988. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le
Querrec/Magnum Photos.
p. 195
Retrato de Miles Davis utilizado na capa (face) do
álbum Tutu, 1986. Foto de Irving Penn. © Irving Penn
(Cortesia de Warner Bros).
p. 197
Da esquerda para a direita e de baixo para cima:
Imagem extraída do documentário The Making of Sun
City (direção de Steve Lawrence), 1986 © Artists
United Against Apartheid.
Capa do álbum Sun City, Artists United Against
Apartheid, Razor & Tie RE 2007, lançado em 1985.
Imagem extraída do longa metragem Dingo (direção
de Rolf de Heer), 1991. © Les Films du paradoxe.
Cartão postal promocional do grupo de rock inglês
Scritti Politti com Miles Davis, provavelmente 1988.
Foto de Ebet Roberts. coleção particular. DR.
Capa do álbum Machismo de Cameo, Atlanta Artists
836 002-2, lançado em 1988. Miles Davis participa
da música “In the Night”.
Capa do 45 rotações maxi “Time After Time”, CBS
12AP3037 (Japão), lançado em 1985. No lado B,
“Katia”.
Capa do álbum Prisoner of Love de Kenny Garrett,
Atlantic Jazz 782046-2, lançado em 1989. Miles
Davis participa de duas faixas, “Big ‘Ol Head” e “Free
Mandela”.
Capa do álbum da trilha sonora original do filme
Os Fantasmas Contra-Atacam (direção de Richard
Donner), A&M Records 393921-2, lançado em 1988.
Miles Davis interpreta “We Three Kings of Orient Are”
com Larry Carlton, David Sanborn e Paul Shaffer.
Capa do álbum CK de Chaka Khan, Warner Bros.
925707-2, lançado em 1988. Miles Davis participa
da faixa “I’ll Be Around”.
Imagem extraída da série Miami Vice (Segunda temporada, episódio 28 “Junk Love”), primeira transmissão em 8 de novembro de 1985 © Universal Studios.
Imagem extraída de um anúncio publicitário para as
motos Honda, maio de 1986. © Honda Motors.
p. 198
*Miles Davis segurando uma placa com o nome Foley,
Zénith, Paris, novembro de 1989. Foto de Annie
Delory. © Dalle/APRF.
p. 200
Darryl Jones (guitarra baixo), Miles Davis (trompete), “Foley” McCreary (baixo líder), Kenny Garrett
(saxofone alto) em apresentação no festival “Jazz
sur son 31”, Haute-Garonne, em 20 de outubro de
1987. Foto de Guy Le Querrec. © Guy Le Querrec/
Magnum Photos.
p. 201
Miles Davis e Andy Warhol desfilam para o costureiro
Kohshin Satoh, no clube Tunnel, Nova York, fevereiro
de 1987. Foto de Susumu Shirai. © Susumu Shirai.
p. 203
I Can U Can’t, quadro de Miles Davis. coleção André
Martinez e Odile Martinez de la Grange. Foto de Alex
Krassovsky.
*Capa do álbum Amandla, Warner Brothers 25873,
lançado em 1989. coleção particular, DR.
p. 204-205
Miles Davis em apresentação, Tóquio, agosto
de 1988. Fotos de Shigeru Ushiyama. © Shigeru
Ushiyama.
p. 207
Miles Davis no festival “Jazz sur son 31”, Haute
Garonne, 20 de outubro de 1987. Foto de Guy Le
Querrec. © Guy Le Querrec/Magnum Photos.
p. 209
As mãos de Miles Davis desenhando. Foto de Shigeru
Ushiyama. © Shigeru Ushiyama.
p. 210-211
*Miles Davis deixando o Zénith de Paris, 20 de
setembro de 1986. Foto de Claude Gassian. © Claude
Gassian.
p. 213
*Retrato de Miles Davis, 1989. Foto de Annie
Leibovitz. © Annie Leibovitz/Contact Press Images.
220
LISTA DAS OBRAS EXPOSTAS
Nota: As fotografias e as capas de álbuns que figuram na exposição e constam do catálogo não estão
mencionadas na lista a seguir. Elas estão assinaladas com um asterisco no índice das ilustrações.
INTRODUÇÃO
Arquivos audiovisuais
Teffpunkt Jazz (extrato), ensaio de Miles Davis com a
Erwin Lehn Orchestra, Alemanha, 1957. © SWR.
Segmentos sonoros
Montagem da voz de Miles Davis e de erros de estúdio
extraídos dos arquivos da Columbia. © SME.
I. DE SAINT LOUIS À RUA 52
Discos e álbuns (78 rotações)
Be-Bop, With All the Stars of the New Movement, volumes 1 e 2, anos 1940, Dial, IJS.
Charlie Parker, The New Sound in Modern Music, anos
1940, Savoy Records, IJS.
New Sounds in Modern Music, Savoy, annos 1940,
IJS.
New Jazz/52nd Street Jazz, RCA “Hot Jazz Series Vol.
9”, anos 1940, LAJI.
Charlie Parker, Bird of Paradise/Dexterity, 1947, 78
rotações Dial Records n° 1032, LAJI.
Segmentos musicais
Jimmie Lunceford, Uptown Blues (Eldridge-C. Battle),
1939, OKeh.
Erskine Hawkins and His Orchestra, Tuxedo Junction
(Dash-Hawkins-Johnson), 1939, Bluebird.
Coleman Hawkins and His Orchestra, Body and Soul
(Green-Heyman-Sour-Eyton), 1939, RCA Victor.
Duke Ellington/Jimmy Blanton, Mr. J.B. Blues
(Ellington-Blanton), 1940, RCA Victor.
Count Basie and His Orchestra, Tickle-Toe (L. Young),
1940, Columbia.
Louis Armstrong and His Orchestra, Down in Honk
Tonk Town (Smith-McCarron), 1940, Decca.
Benny Goodman and His Sextet, Air Mail Special
(Goodman-Mundy-Christian), 1941, Columbia.
Metronome All Stars, One O’Clock Jump (Basie), 1941,
Victor.
Jay McShann and His Orchestra, Hootie Blues
(McShann-Parker), 1941, Decca.
Billie Holiday com Eddie Heywood Orchestra, All of Me
(Simons-Marks), 1941, OKeh.
Charlie Parker Quintet, “Groovin’ High” (D. Gillespie),
“Big Foot” (Ch. Parker) e “Ornithology” (Ch. Parker-B.
Harris), em apresentação no Royal Roost, Nova York,
1948, The Complete Live Performances on Savoy. ©
Savoy Jazz-Denon Records.
Impressos
Menu do Club Plantation, Saint Louis, sem data, LAJI.
Catálogo Be-Bop Jazz, Dial Records, anos 1940, LAJI.
“A Night in Manhattan”, in The Record Changer, vol. 8,
n° 2, fevereiro 1949, IJS.
Instrumentos
Três embocaduras de trompete que pertenceram a
Miles Davis, coleção MDP.
Quadros
Jean-Michel Basquiat, Sem título (Bird of Paradise),
1984, 152,5 x 106,5 cm, coleção Stéphane Samuel e
Robert M. Rubin, Nova York.
Fotografias (originais)
Fotos de família (autor anônimo): retrato de Miles Davis
aos 8 ou 9 anos, 4,4 x 3,8 cm; Miles, Dorothy Mae, Vernon
e Cleota Davis, Pâques 1939, 6,3 x 8,9 cm; Quatro meninos dentre os quais Miles e Vernon Davis, Pâques 1939,
8,9 x 6,3 cm; Edna e Dorothy Mae Davis, 8,9 x 6,3 cm;
Edna e Vernon Davis, 6,3 x 8,9 cm; os membros do Violet
Thimble Club, East St. Louis, 8 x 10 cm; retrato de Miles
Davis II com a roupa da formatura na escola de odontologia da Universidade Northwestern, anos 1920, 17 x 12
cm. coleção Anthony Barboza.
Retrato de Irene Birth, anos 1940, coleção MDP.
QUEREMOS MILES
Fotografias (cópias)
Autor anônimo, Andrew Preer Cotton Club Orchestra,
1925. © coleção Frank Driggs.
Autor anônimo, Oliver Cobbe e sua Brunswick
Recording Orchestra, 1930. © coleção Frank Driggs.
Autor anônimo, Harry Sweets Edison na orquestra
de Count Basie, Famous Door, NYC, 1938, coleção
Frank Driggs.
William P. Gottlieb, Miles Davis ao piano e Howard
McGhee no trompete, Nova York, 1947.
William P. Gottlieb, o quinteto de Charlie Parker no
Three Deuces, 1947.
Herman Leonard, Miles Davis no Royal Roost
(segundo plano, Max Roach e Kai Winding), 1948. ©
Herman Leonard Photography LLC/CTSIMAGES.com.
Herman Leonard, “What is Bop?” clube Bop City,
Nova York. © Herman Leonard Photography LLC/
CTSIMAGES.com.
William P. Gottlieb, Banner na entrada do Three
Deuces anunciando o quinteto de Charlie Parker,
Nova York, 1947.
Autor anônimo, Miles Davis no Three Deuces, com o
trompete preparado, 1947. © coleção Frank Driggs
J.-L. Bédouin, Henri Bernard. Ilustrações de Fernand
Léger, Félix Labisse e Jean Dubuffet, 1947, coleção
Roger Lajus.
Marian McPartland “Crowds Jam Paris Jazz Festival”
in Down Beat, vol. 16, n° 12, datado de 1º de julho de
1949, coleção Musée des Beaux-Arts de Montréal.
Boris Vian, “Quelques mots sur Miles Davis” in Jazz
News, n° 5, maio 1949, Archives Cohérie Boris-Vian.
“Trois jeunes vedettes” (sobre Charlie Parker, Miles
Davis e Max Roach) in La Revue du jazz, n° 5, maio
de 1949, coleção Philippe Baudoin.
“Le Festival de Pleyel, les impressions de Johnny”
“Scat” James” in La Revue du jazz, n° 6, junho-julho
de 1949, coleção Philippe Baudoin.
André Hodeir “Miles Davis l’insaisissable” in Jazz Hot,
n° 32, abril 1949, coleção particular.
Catálogo Debut Records, por volta de 1954, IJS.
Catálogo Blue Note Records, por volta de 1954, IJS.
Catálogo Prestige Records, 1957, IJS.
Reprodução de um folheto de uma apresentação de
Miles Davis no Open Door, Nova York, 1954, IJS.
“Dope menace keeps growing” in Down Beat, vol. 17,
n°23, datado de 17 de novembro de 1950, LAJI.
Outros
Fac-símile do diploma do término dos estudos de
Miles Davis no Lincoln High School, East Saint Louis,
1944.
Rádio TSF de tipo catedral, Philco, modele 80 JR,
Estados Unidos, 1933, coleção particular.
Instrumento
Surdina Harmon que pertenceu a Miles Davis, coleção MDP.
II. OUT OF THE COOL
Arquivos audiovisuais
“O existencialismo em Saint-Germain-des-Prés”
(trecho), Les Actualités françaises, primeira transmissão. 20 de setembro de 1951, ORTF, 1951. © INA.
Discos
L’Âge d’or de Saint-Germain-des-Prés, chansons,
jazz, spectacles et souvenirs, caixa com quatro discos 33 rotações e um livro concebido por Guillaume
Hanoteau, Philips P4L 0056, coleção privada
Jacques-Prévert, Paris.
Miles Davis, Classics in Jazz, part 1, 45 rotações
Capitol EAP 1-459, anos 1950, coleção particular.
Miles Davis, Classics in Jazz, part 2, 45 rotações
Capitol EAP 1-459, Archives Cohérie Boris-Vian.
Segmentos musicais
Miles Davis, “Boplicity” (M. Davis) e “Deception” (M.
Davis), The Birth of the Cool, 1949. © Capitol Records.
Miles Davis, “Dig” (M. Davis), Dig, Prestige, 1951.
Concord Music Group ©.
Miles Davis, “Tempus Fugit” (B. Powell), Miles Davis
Volume 2, Blue Note, 1954. © Capitol Records.
Miles Davis, “Blue Haze” (M. Davis), Blue Haze,
Prestige, 1954. © Concord Music Group.
Miles Davis, “Walkin’” (R. Carpenter), Walkin’,
Prestige, 1957. © Concord Music Group.
Miles Davis, “Bags’ Groove” (M. Jackson), Bags’
Groove, Prestige, 1955. © Concord Music Group.
Miles Davis, “My Funny Valentine” (R. Rodgers-L.
Hart), Cookin’ with the Miles Davis Quintet, Prestige,
1956. © Concord Music Group.
Miles Davis, “Oleo” (S. Rollins), Relaxin’ with the Miles
Davis Quintet, Prestige, 1958. © Concord Music
Group.
Impressos
Reprodução do cartaz do Festival International de
Jazz de Paris 1949, coleção Sarah Tenot.
Programa do Festival International de Jazz em Paris
1949 (ilustração de Charles Delaunay), 1949, coleção Olivier Franc.
Programa da noite de abertura do Festival
International de Jazz de Paris 1949 (terça-feira 8 de
maio de 1949), 1949, coleção Olivier Franc.
America, n° 5 “Jazz 47” incluindo contribuições de
Jean-Paul Sartre, Jean Cocteau, Hughes Panassié,
Charles Delaunay, Boris Vian, Robert Goffin, André
Hodeir, Frank Ténot, C. de Razinsky, A. Bétonville,
Partituras manuscritas
John Lewis, “Rouge”, conjunto de nove partituras à
tinta (partes de trompete, trombone, trompa, tuba,
saxofone barítono, contrabaixo e bateria), por volta
de 1949, coleção MDP.
Miles Davis, “Deception”, conjunto de sete partituras
a lápis (partes de trompete, trombone, tuba, saxofone alto, saxofone barítono, contrabaixo, regente),
por volta de 1949, coleção MDP.
Fotografias (originais)
Daniel Filipacchi, Miles Davis e Kenny Clarke, Paris,
1949, 23,5 x 18 cm, coleção Frank Driggs.
Jean-Philippe Charbonnier, Juliette Gréco e Miles
Davis, 1949, série de três fotos, 11 x 17 cm para uma
24 x 18 cm para as outras, coleção Dr Emily Mayhew.
Autor anônimo, Hot Lips Page, Miles Davis e Kenny
Dorham no balcão de um café parisiense, Paris, 1949.
© coleção Frank Driggs.
Autor anônimo, “Hot Lips” Page e “Big Chief” Russell
Moore examinando plantas e gravuras de Paris, Paris,
1949, coleção particular.
Autor anônimo, “Big Chief” Moore assinando o livro
de visitas da prefeitura de Paris, Paris, 1949, coleção
particular.
Autor anônimo, Miles Davis com Sidney Bechet e Big
Chief Moore, Paris, 1949, coleção particular.
Cecil Charles, Chet Baker, Miles Davis e Rolf Ericson
no Lighthouse de Hermosa Beach, 1953, prova de cor,
8,5 x 8,5 cm, LAJI.
Fotografias (cópias)
Autor anônimo, Hot Lips Page, Miles Davis e Kenny
Dorham no balcão de um café parisiense, Paris, 1949.
© coleção Frank Driggs.
Autor anônimo, Tommy Potter, Boris Vian, Kenny
Dorham, Juliette Greco, Miles Davis, Michèle Vian e
Charlie Parker, Paris, maio 1949. DR
Pierre Delord, Tadd Dameron-Miles Davis Quintet na
Sala Pleyel, maio de 1949, série de sete fotografias.
© Midiateca de Villefranche-de-Rouergue, França.
Willy Ronis, palco de Saint-Germain-des-Prés, 1955.
© Willy Ronis/Rapho.
Popsie Randolph, Miles Davis e Al Haig durante uma
das sessões de gravação de Birth of the Cool, 1949. ©
Michael Randolph/www.PoPsiePhotos.com
Autor anônimo, Miles Davis tocando trompete
durante uma das sessões de gravação de Birth of
the Cool, 1949. © Frank Driggs.
Francis Wolff, Miles Davis, Art Blakey, Jimmy Heath,
abril de 1953. © Mosaic Images LLC.
Francis Wolff, Miles Davis em estúdio para a Blue
Note, março de 1954. © Mosaic Images LLC.
Autor anônimo, Thelonious Monk, Miles Davis, Gigi
Gryce e Max Roach, por volta de 1954. DR.
III. MILES AHEAD
Arquivos audiovisuais
The Sound of Miles Davis (segmento), transmissão
televisiva da CBS, apresentada por Robert Herridge,
1959, DR.
Documentos de arquivos
Nota de Marcel Romano recebendo Miles Davis na editora NEF para a assinatura do contrato da música de
Ascensor para o cadafalso, 1957, 15 x 10 cm, coleção
J. de Mirbeck-Urtreger.
Nota comprovando recebimento assinada por Miles
Davis, 1957, 15 x 10 cm, coleção J. de MirbeckUrtreger.
Conjunto de documentos relativos à produção do
álbum Kind of Blue: folha da sessão de gravação de
2 de março de 1959 (job n° 43079); folha da sessão
de gravação de 22 abril de 1959 (job n° 43079); três
notas manuscritas pelo produtor Irving Townsend:
uma recapitulando títulos, ordem e duração das
faixas do álbum, a segunda definindo a divisão das
faixas por face com os títulos definitivos, a terceira
listando os músicos do disco e a ordem em que
aparecem na capa do álbum; manuscrito do texto de
capa redigido por Bill Evans; comunicação interna de
I. Townsend (21 de maio de 1959) justificando a solicitação de pagamento de 100 dólares suplementares
a três dos músicos; cópia de um demonstrativo de
pagamento dos músicos que participaram da sessão de gravação de 22 de abril de 1959; lista dos
números de telefone dos músicos que participaram
do álbum; comunicação de Teo Macero (datado de
10 de agosto de 1959) solicitando uma inversão de
títulos na face 2, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Nota manuscrita definindo a ordem das faixas do
disco Porgy and Bess (aprovada por Gil Evans), 1958,
fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment.
Pannonica de Koenigswarter, Les Musiciens de jazz
et leurs trois voeux, dois blocos Hermès contendo o
manuscrito, coleção Shaun de Koenigswarter.
Duplicata do programa de apresentação de Miles
Davis no Carnegie Hall, Nova York, 1961, coleção MDP.
Folder anunciando o programa do concerto “Jazz at
Town Hall”, New York, em 27 de dezembro de 1958
com Miles Davis & His Great Sextet, Sonny Rollins, J.J.
Johnson, Art Blakey e Anita O’Day, Schomburg Center
for Research in Black Culture.
Discos e capas
Miles Davis, Ascenseur pour l’échafaud, musique originale du film de L. Malle, 33 rotações Fontana 33/25
660.213, 1958, Archives Cohérie Boris-Vian.
Collectif, Music For Brass, 1956, Columbia CL 941, IJS.
Segmentos musicais
Miles Davis, “The Duke” (D. Brubeck), Miles Ahead,
Columbia, 1957. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “Gone, Gone, Gone” (G. Gershwin-I.
Gershwin-D. Heyward), Porgy and Bess, Columbia,
1958. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “Will o’ the Wisp” (M. de Falla), Sketches of
Spain, Columbia, 1960. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, Kind of Blue (in extenso) 1959. © Sony
Music Entertainment.
Filme
Louis Malle, Ascensor para o cadafalso (segmento),
1957. © N.E.F./Pyramide.
Impressos
Cartaz do filme Ascensor para o cadafalso de Louis
Malle, desenho de Willy Mucha, 1958, coleção
Cinémathèque française.
Cartaz do filme Ascensor para o cadafalso, ilustração sob forma de fotomontagem, 1958, coleção
Cinémathèque française.
Registro da música original de Ascensor para o cada-
221
falso por Miles Davis, Éditions Continental, 1958,
coleção MDP.
Programa do Festival de jazz de Newport, 1955, coleção particular.
Programa da turnê Birdland ‘56, 17 e 18 de novembro
de 1956, LAJI.
Jazz Hot, n° 126, novembro de 1957, coleção particular.
“Louis Malle: o problema da música de filme é um
problema horrivelmente complicado ” em Jazz Hot
n° 155, junho de 1960, coleção particular.
Miles Davis and Group, fascículo editado pela
Columbia para fazer a promoção de Miles Davis,
1959, IJS.
“Miles Davis olha para seu alter ego Gil Evans”, Down
Beat, vol. 28 n° 24, 16 de fevereiro de 1961, coleção
Musée des Beaux Arts de Montréal.
“It Ain’t Necessarily So”, segmento de Porgy and
Bess, 1935, partitura impressa, coleção Philippe
Baudoin.
“Miles’ Delight”, in Ted Joans, All of Ted Joans and No
More, Beat Generation Jazz Poems (nova edição revisada), Excelsior Press Publishers, New York, 1961,
coleção Robert Rubin.
Fotografias (originais)
Pannonica de Koenigswarter, Miles Davis em
“Cathouse”, polaróide, 12 x 8 cm, coleção Shaun de
Koenigswarter.
Instrumentos
Trompete Martin Committee, gravado com o nome
de “Miles Davis” no pavilhão, que pertenceu a Miles
Davis durante os anos 50, Elkhart, Indiana, Estados
Unidos, 1957, coleção William Collins III, Sherman
Jazz Museum.
Saxofone tenor Selmer “Balanced Action” que pertenceu a John Coltrane durante os anos 1950, coleção
Ravi família Coltrane.
Cornetim Martin Magna utilizado por Miles Davis
entre 1957 e 1959 aproximadamente, coleção
Wallace Roney, doação de Miles Davis.
Impressos
Down Beat, vol. 27, n° 1, 7 de janeiro de 1960, IJS.
Down Beat, vol. 29, n° 23, 30 de agosto de 1962, coleção Robert Rubin.
Down Beat, vol. 31, n° 23, 13 de agosto de 1964,
Centre d’information du jazz.
Down Beat, vol. 33, n° 5, 10 de março de 1966, coleção particular.
Down Beat, vol. 34, n° 7, 6 de abril de 1967, coleção
Musée des Beaux-Arts de Montréal.
Down Beat, vol. 34, n° 26, 28 de dezembro de 1967,
coleção Jazzinstitut Darmstadt.
Down Beat, vol. 35, n° 26, 26 de dezembro de 1968,
coleção Robert Rubin.
Down Beat, (edição japonesa), novembro de 1960,
coleção Kiyoshi Koyama.
Down Beat, (edição japonesa), outubro de 1961, coleção Kiyoshi Koyama.
Down Beat, (edição japonesa), abril de 1962, coleção
Kiyoshi Koyama.
Orkester Journalen, n° 4, abril de 1960, IJS.
Jazz Journal, vol. 13, n° 10, outubro de 1960, coleção
Musée des Beaux-Arts de Montréal.
Jazz Hip, n° 36, verão de 1963, coleção Jazzinstitut
Darmstadt.
Jazz Hip, n° 37, 1964, coleção Jazzinstitut Darmstadt.
Jazz Hot, n° 189, julho-agosto de 1963, coleção
particular.
Jazz Hot, n° 236, novembro de 1967, coleção particular.
Jazz Magazine, n° 57, março de 1960, coleção particular.
Jazz Magazine, n° 64, novembro de 1960, coleção
Jazz Magazine.
Jazz Magazine, n° 98, setembro de 1963, coleção
Jazz Magazine.
Jazz News, vol. 6, n° 4, 24 de janeiro de 1962, coleção
particular.
Jazz Podium, agosto de 1967, coleção Jazzinstitut
Darmstadt.
Metronome, n° 10, vol. 78, outubro de 1961, IJS.
Playboy, setembro de 1962, coleção Robert Rubin.
Swing Journal, julho de 1964, coleção Kiyoshi
Koyama.
Swing Journal, primavera de 1965 (número especial),
coleção Kiyoshi Koyama
Swing Journal, junho de 1966 (número especial),
coleção Kiyoshi Koyama.
Swing Journal, agosto de 1968, coleção Kiyoshi
Koyama.
“The World Jazz Festival”, 1964, Tóquio, Japão, programa oficial, coleção Kiyoshi Koyama.
Partituras manuscritas
Miles Davis, “So What” (folha com algumas notas de),
provavelmente 1961, coleção MDP.
Gil Evans, “Gone Gone Gone”, conjunto de partituras
de orquestra (18 músicos) e solo de trompete do
arranjo de Gil Evans, segmento de Porgy and Bess,
1958, coleção MDP.
Gil Evans, “[There’s a] Boat That’s Leaving”, parte de
solo de trompete do arranjo de Gil Evans, segmento
de Porgy and Bess, 1958, coleção MDP.
Gil Evans, “The Song of Our Country”, parte de trompete do arranjo de Gil Evans para o segundo movimento de Bachianas Brasileiras no. 2, de Heitor
Villa-Lobos, 1960, coleção MDP.
Fotografias (cópias)
Vincent Rossell, Miles Davis e Louis Malle durante a
gravação da música de Ascensor para o cadafalso,
1957. © Vincent Rossell/Cinémathèque française.
Janet Urtreger, retrato de Miles Davis em Paris, 1957.
© Jeanne de Mirbeck-Urtreger.
André Sas, René Urtreger, Barney Wilen, Kenny Clarke,
Pierre Michelot e Miles Davis, no palco do Club St
Germain, Paris, novembro de 1957. © Dalle.
Don Hunstein, conjunto de fotos tiradas durante a
sessão de gravação de 22 de abril de 1959. © SME.
Dennis Stock, Miles Davis escutando na cabine durante
uma sessão de gravação, 1958. © Magnum Photos.
Don Hunstein, Vista do estúdio da Columbia na Rua
30 em Nova York vazio. © SME.
Don Hunstein, Miles Davis em estúdio dirigindo John
Coltrane, Cannonball Adderley e Philly Joe Jones,
março de 1958. © SME.
Don Hunstein, Miles Davis em estúdio com a orquestra de Gil Evans durante a gravação de Porgy and
Bess, 1958. © SME.
Don Hunstein, Gil Evans e Miles Davis, cornetim
embaixo do braço, durante a gravação de Porgy and
Bess, 1958. © SME.
Don Hunstein, Miles Davis de costas, diante de sua
estante, durante a gravação de Porgy and Bess,
1958. © SME.
Don Hunstein, Miles Davis editando Porgy & Bess
com Gil Evans e Cal Lampley, julho de 1958. © SME.
Don Hunstein, Miles Davis e Gil Evans examinam
uma partitura durante a gravação de Miles Ahead,
1957. © SME.
IV. MILES SMILES
Arquivos audiovisuais
Jazz – gehört und gesehen F : 51 – Das Miles Davis
Quintett, captação televisionada da apresentação
do Miles Davis Quintet na Stadthalle de Karlsruhe
(Alemanha) em 7 de novembro de 1967. © SWR.
Miles e Frances Davis chegando à estação de trem
em Paris, em 25 de julho de 1963, ORTF. © INA.
Segmentos musicais
Miles Davis, “Someday My Prince Will Come” (F.
Churchill-L. Morey), Someday My Prince Will Come,
Columbia, 1961. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “Stella by Starlight” (V. Young-N.
Washington), My Funny Valentine, Columbia, 1964.
Sony Music Entertainment ©.
Miles Davis, “Filles de Kilimanjaro” (M. Davis), Filles
de Kilimanjaro, Columbia, 1968. © Sony Music
Entertainment.
Instrumentos
Elementos de um conjunto de bateria Grestch utilizado por Philly Joe Jones e Tony Williams: surdo, tom,
caixa grave, anos 1960, coleção Cindy BlackmanSantana.
Caixa Gretsch “C.O.B.”, anos 1960, coleção La
Baguetterie.
Prato de condução Turkish K Zildjian 22’’ que pertenceu a Tony Williams nos anos 1960, coleção Cindy
Blackman-Santana.
Par de chimbaus Zildjian Turkish K 14’’ e prato de condução Zildjian Turkish K 18’’, coleção Cindy BlackmanSantana.
Trompete Martin Magna com verniz azul-esverdeado
que pertenceu a Miles Davis, coleção Wallace Roney,
doação de Miles Davis.
Fotografias (cópias)
Corky McCoy, Wayne Shorter ao saxofone e Herbie
Hancock ao piano durante um ensaio no estúdio, por
volta de 1967-68. © Cortez McCoy.
Corky McCoy, Herbie Hancock escutando Wayne
Shorter ao piano, por volta de 1967-68. © Cortez
McCoy.
Vernon L. Smith, Miles Davis, George Coleman e Ron
Carter, Nova York, Philharmonic Hall, 1964, SME.
Partituras manuscritas
Autor anônimo [J.J. Johnson?], “From Saint Louis”,
partes de trompete, trombone, saxofone tenor,
anotadas “Miles [Davis]”, “Hank [Mobley]”, “J.J.
[Johnson]”, provavelmente 1962, coleção MDP.
Miles Davis/Gil Evans, “Filles de Kilimanjaro”, partes
de trompete, saxofone tenor, contrabaixo e bateria,
1968, coleção MDP.
Herbie Hancock, “Little One”, parte de trompete, 1965
(© 1981 Hancock Music), coleção MDP.
Herbie Hancock, “The Sorcerer”, parte do baixo, 1967
(© 1982 Hancock Music), coleção MDP.
Wayne Shorter, “Capricorn”, parte de trompete, 1967,
coleção MDP.
Wayne Shorter, “Dolores”, parte de trompete, 1966,
coleção MDP.
Wayne Shorter, “E.S.P.”, parte de trompete, dedicada
“Para Miles”, 1965, coleção MDP.
Wayne Shorter, “Footprints”, parte de contrabaixo,
1966, coleção MDP.
Wayne Shorter, “Pinocchio”, 1967, coleção MDP.
Discos
Miles Davis, Someday My Prince Will Come, conjunto
de cinco discos de 45 rotações destinados a jukeboxes com reprodução da capa e das etiquetas, 1961,
coleção Robert Rubin.
Documentos de arquivos
Carta de Michel J. Vermette para Stanley West, datada
de 27 de janeiro de 1964, informando-o de que Miles
Davis desejava passar dois meses de verão na Riviera
fazendo uma apresentação por semana, fac-símile
cortesia da Sony Music Entertainment.
Carta de Teo Macero, datada de 20 de novembro
de 1968, indicando o detalhe do álbum Filles de
Kilimanjaro e o desejo de Miles Davis de mudar
todos os títulos em francês, fac-símile cortesia da
Sony Music Entertainment.
Capas de discos
Miles Davis in Europe, Columbia CL2183 (Mono),
1963, coleção particular.
Miles in Tokyo, CBS/Sony SONX60064, 1969, coleção
Superfly Records.
Miles in Berlin, CBS SBPG62976, 1969, coleção Paris
Jazz Corner.
V. MILES ELÉTRICO
Segmento musical
Miles Davis, “Spanish Key” (M. Davis), Bitches Brew,
Columbia, 1969. © Sony Music Entertainment.
Filmes
Murray Lerner, Miles Electric : A Different Kind of Blue
(segmento), 1970. © Eagle Rock Entertainment.
Impressos
Cartaz anunciando as apresentações de Miles Davis
e do Grateful Dead no Fillmore West, abril de 1970,
53,4 X 35,5 cm, Wolfgang’s Vault.
Cartaz anunciando as apresentações de Miles
Davis e de Leon Russell no Fillmore West, outubro
de 1970, 53,4 X 35,5 cm, Wolfgang’s Vault.
Cartaz anunciando as apresentações de Miles
Davis, Elvin Bishop e Mandrill au Fillmore West, de
6 a 9 de maio de 1971, 53,4 x 35,5 cm, Wolfgang’s
Vault.
Rolling Stone n° 48, 13 de dezembro de 1969, com
Miles Davis na capa, coleção Robert Rubin.
Down Beat, vol. 36, n° 25, 11 de dezembro de 1969,
coleção Centre d’information du jazz.
Instrumentos
Trompete Martin Committee, acabamento negro
e cobre, gravado com o nome de “Miles Davis” no
pavilhão, usado por Miles Davis entre 1969 e 1974,
coleção Wallace Roney, doação de Miles Davis.
Piano eletromecânico Fender Rhodes, modelo
Suitcase 73. Estados Unidos, 1967, coleção Olivier
Grall.
Câmara de eco com faixas “Echoplex”, 1970 (início
da década), coleção Musée de la Musique, Paris.
Conjunto de percussão (cuíca, gongo, caxixi e
estrutura metálica) usado por Airto Moreira, cerca
de1970, coleção Airto Moreira.
Partituras manuscritas
Hermeto Pascoal, “Nem Um Talvez”, conjunto de
três partituras (partes de trompete, piano e baixo),
1970, coleção MDP.
Hermeto Pascoal, “Igrejinha” (ou “Little Church”),
conjunto de cinco partituras (partes de trompete,
piano e baixo), 1970, coleção MDP.
Wayne Shorter, “Paraphernalia”, parte de guitarra,
1968, coleção MDP.
Wayne Shorter, arranjo de “Guinnevere”, canção de
David Crosby, conjunto de oito partituras (partes
de trompete, saxophone soprano, clarone, dois pianos elétricos, piano Fender Rhodes e baixo), 1970,
coleção MDP.
Joe Zawinul, “Direction” (sic), 1968, coleção MDP.
Fotografias (cópias)
Guy Le Querrec, Miles Davis na Sala Pleyel, Paris,
1969. © Magnum Photos.
Don Hunstein, Miles Davis em sua casa, 1969. ©
SME.
Fotografias (originais)
Amalie R. Rothschild, Miles Davis multi, Tanglewood,
August 18, 1970, prova assinada e numerada 7/250,
carimbo no verso, coleção da artista, Florença.
Lee Friedlander, Retrato de Miles Davis, 1969, 43,2 x
43,2 cm, Fraenkel Gallery, São Francisco.
Quadros
Mati Klarwein, Live, óleo sobre tela, quadro que foi
face da capa do álbum Live-Evil, 1971, 70 x 70 cm,
Galerie Albert Benamou, Paris.
Mati Klarwein, Evil, óleo sobre tela, quadro que foi
verso da capa do álbum Live-Evil, 1971, 70 x 70 cm,
Galerie Albert Benamou, Paris.
Mati Klarwein, Miles Over the Machu Picchu
(Zonked), oléo sobre tela, 1971, coleção Stella
Benabou Shapiro e Dorian Hendrix Shapiro.
Kazuya Sakai, Miles in the Sky (Miles Davis), acrílico
sobre tela, 1976, (3 painéis de uma série de sete),
coleção Guillermo Navone.
Documentos de arquivos
Cópia de uma mensagem de Bruce Lundvall (datada
de 1º de abril de 1969) recomendando que a publicidade para Miles Davis fosse feita na imprensa
“marrom”, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Cópia de uma carta de Corinne Chertok (datada de
agosto de 1969) observando que Miles Davis exige
ser considerado como coautor de “In a Silent Way”,
fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment.
Folha de bloco de anotações mencionando o aluguel
de sinos, de dois pianos elétricos Fender e de um
clarone para as sessões de gravação dos dias 19, 20
e 21 de agosto de 1969, fac-símile cortesia da Sony
Music Entertainment.
Folha da sessão de gravação de 19 de agosto
de 1969, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Folha da sessão de gravação de 21 de agosto de 1969,
fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment.
222
Notas manuscritas de Teo Macero sobre a montagem “Pharoah’s Dance” e “Miles Runs the Voodoo
Down”, 1969, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Nota manuscrita de Teo Macero definindo a distribuição das faixas de Bitches Brew por face e nomeando
os compositores, 1969, fac-símile cortesia da Sony
Music Entertainment.
Prova da capa de In a Silent Way apresentando o
título inicial Mornin’ Fast Train from Memphis to
Harlem, 1969, Sony Music Archives.
Mensagem datilografada de Teo Macero a Clive Davis
(datada de 23 de outubro de 1969), anotada à mão
por esse último em relação aos adiantamentos pagos
a Miles Davis, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Memorando de Teo Macero, datado de 14 de novembro de 1969) informando seus superiores sobre o
desejo de Miles Davis de dar a seu álbum o título de
“Bitches Brew”, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Mensagem de Clive Davis (datada de 17 de novembro
de 1969) solicitando a Bill Graham que Miles Davis
seja programado no Fillmore, fac-símile cortesia da
Sony Music Entertainment.
Mensagem assinada de Miles Davis (datada de 8 de
janeiro de 1970) a Clive Davis solicitando ser assalariado da Columbia, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Cópia de um telegrama (datado de 9 de janeiro de
1970) de Miles Davis para Walter Dean exprimindo
sua insatisfação depois do cancelamento de uma
sessão de gravação, fac-símile cortesia da Sony
Music Entertainment.
Relatório de vendas da Columbia datado de 18 de
setembro de 1972, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
VI. ON THE CORNER
Arquivos audiovisuais
Teppei Inokuchi, Miles in Studio, 1972, com, entre
outros, Al Foster, David Liebman, Badal Roy, Michael
Henderson. © Teppei Inokuchi.
Corky McCoy, Miles Davis em um ringue de boxe em
treinamento, 1969 © Cortez McCoy.
Desenhos
Corky McCoy, On the Corner, ilustração na face do
álbum, lápis sobre papel vegetal, 1972, 39,5 x 35 cm,
coleção Cortez McCoy.
Corky McCoy, Water Babies, série de três desenhos
representando personagens, lápis, 124 x 31 cm, 224
x 31 cm et 324 x 31 cm, coleção Cortez McCoy.
Corky McCoy, Water Babies, ilustração utilizada na
capa do álbum, lápis sobre papel vegetal, 48 x 34 cm,
coleção Cortez McCoy.
Corky McCoy, Live & Electric, projeto da capa do
álbum, por volta de 1973, 35,5 x 28,5 cm, coleção
Cortez McCoy.
Discos
Miles Davis, Molester (parte I & II), versões estéreo e
mono, 45 rotações, Columbia 4-45709, 1972, coleção
particular.
Miles Davis, Holly-Wuud, versões estéreo e mono, 45
rotações, destinado a rádios, IJS.
Miles Davis, Vote for Miles, 45 rotações, destinado a
rádios, Columbia 4-45822, 1972, coleção particular.
Documentos de arquivos
Prova de anúncio publicitário para o lançamento do
álbum Jack Johnson, 1971, fac-símile cortesia da
Sony Music Entertainment.
Folha da sessão de gravação de 1º de junho de 1972,
fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment.
Folha da sessão de gravação de 6 de junho de 1972,
fac-símile cortesia da Sony Music Entertainment.
Notas manuscritas de Teo Macero relativas à montagem do álbum On the Corner, 1972, fac-símile cortesia
da Sony Music Entertainment.
Memorando de John Berg a Teo Macero (datado de 13
de março de 1973) em relação à solicitação de Miles
Davis de retirar os nomes dos músicos dos créditos
do álbum In Concert, 1973, fac-símile cortesia da
Sony Music Entertainment.
QUEREMOS MILES
Segmentos musicais
Miles Davis, “Great Expectations” (M. Davis-J.
Zawinul) (segmento), Big Fun, Columbia, 1969. ©
Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “Ife” (segmento) (M. Davis), Big Fun,
Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “On the Corner” (M. Davis), On the Corner,
Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment.
Miles Davis, “Black Satin” (M. Davis), On the Corner,
Columbia, 1972. © Sony Music Entertainment.
Impressos
Pôster promocional de Miles Davis em um ringue de
boxe, por volta de 1971, coleção Robert Rubin.
Cartaz Berliner Jazz Tage 71, ilustração de Günther
Kieser, 119 x 84 cm, coleção particular.
Reprodução de uma publicidade para On the Corner,
quarta capa do Jazz Journal, vol. 26 n° 3, março de
1973
Down Beat, vol. 41, n° 18, 18 de julho de 1974, coleção
Jazzinstitut Darmstadt.
Instrumentos e material de amplificação
Amplificador Yamaha modelo RA-200 com o nome de
Miles Davis, utilizado em turnê entre 1973 e 1975,
Japão, coleção MDP.
Trompete em ut Martin “Magna” personalizado com
pintura verde, gravado com o nome de Miles Davis,
Elkhart, Indiana, Estados Unidos. coleção IJS.
Sintetizador EMS Synthi Aks, anos 1970, coleção
Olivier Grall.
Órgão elétrico Yamaha YC 45 D, anos 1970, coleção
Olivier Grall.
Guitarra elétrica Gibson SG que pertenceu a
Dominique Gaumont, anos 1970, coleção Michèle
Codin.
Partituras manuscritas
Paul Buckmaster, “On/Off”, três páginas de partituras originais, regente da composição que serviu de
base para as faixas “Black Satin”, “One And One”,
“Helen Butte”, “Mr Freedom X”, 1972, coleção do
artista.
Paul Buckmaster, “Piece #3”, das páginas de partituras originais, regente da composição que serviu
de base para a faixa “Ife”, 1972, coleção do artista.
Fotografia (original)
Takashi Arihara, O grupo de Miles Davis nos bastidores, Tóquio, 2 de agosto de 1975, foto dedicada por
cada um dos músicos do grupo, 33 x 40 cm, coleção
Kiyoshi Koyama.
Fotografias (cópias)
Don Hunstein, Miles Davis e Teo Macero diante dos
estúdios da Columbia, 1971, SME.
Don Hunstein, Miles Davis e Teo Macero nos estúdios da Columbia, novembro de 1971, SME.
Outros
Saco de boxe Everlast que pertenceu a Miles Davis,
anos 1980, coleção MDP.
VII. SILÊNCIO
Documentos de arquivos
Cópia de uma carta (datada de 11 de dezembro
de 1975) de Teo Macero a Miles Davis, que estava
hospitalizado, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Nota manuscrita de Teo Macero a respeito de um
álbum de Miles Davis em projeto com o título The
World & the Light, 1976, fac-símile cortesia da
Sony Music Entertainment.
Carta de contratação de Yomiuri Shimbun a respeito de um projeto de turnê de Miles Davis de
21 dias no Japão (23 de maio a 12 de junho de
1977), 1977, fac-símile cortesia da Sony Music
Entertainment.
Segmento musical
Miles Davis, “He Loved Him Madly” (M. Davis), Get Up
With It, 1974. © Sony Music Entertainment.
Fotografia (cópia)
Don Hunstein, Miles Davis em estúdio, março de
1978, SME.
VIII. STAR PEOPLE
Roupas
Kohshin Satoh, casaco vermelho ornamentado que
pertenceu a Miles Davis, por volta de 1988, coleção
MDP.
Nancy e Lélia Campbell (“Samething”), casaco vermelho com motivos coloridos usado por Miles Davis
no verso da capa do álbum “Amandla”, por volta de
1989, coleção MDP.
Kohshin Satoh, casaco e calça usados por Miles
Davis na capa do livro The Best to Best, por volta de
1989, coleção MDP.
Kansai, casaco negro com um motivo de dragão
na frente, usado por Miles Davis na capa do álbum
You’re Under Arrest, por volta de 1985, coleção MDP.
Kansai, casaco branco com strass usado por Miles
Davis no vídeo clipe Tutu Medley, por volta de 1986,
coleção MDP.
Gianni Versace, casaco usado por Miles Davis
durante a apresentação Miles & Friends, por volta
de 1991, coleção MDP.
Documentos audiovisuais
60 Minutes (segmento), 1989. © CBS News Archive/
BBC Motion Gallery.
Arsenio Hall Show (segmento), 1989. © CBS.
Conspiracy of Hope for Amnesty International (segmento), 1986. © MTV Network/Amnesty International.
Days With Miles (direção Per Møller Hansen), documentário sobre a realização do álbum Aura, 1989,
DR (Dinamarca).
Decoy (vídeo clipe) (direção Annabel Jankel/Rocky
Morton), 1984. © Sony Music Entertainment.
Desfile da coleção Kohshin Satoh 1987-88 no clube
Tunnel, Nova York, com a participação de Miles Davis
e de Andy Warhol, 1987. © Kohshin Satoh.
Dingo (direção Rolf de Heer) (segmento), 1989. ©
Les Films du paradoxe.
The Doo Bop Song (vídeo clipe), 1992. © Warner Music
Group.
Fantasy (vídeo clipe), 1992. © Warner Music Group.
The Making of Sun City (dir. Steve Lawrence) (segmento), 1985. © Global Vision Inc.
Miami Vice, segunda temporada, episódio 28, “Junk
Love” (segmento), 1985. © Universal Studios.
Miles Davis & Quincy Jones Live at Montreux (segmento), 1991. © Warner Music Group.
Night Music (segmento), 1989. © Broadway Video.
Saturday Night Live (segmento), 1981. © Broadway
Video.
Publicidade para Honda Scooters, 1986. © Honda
Motor Europe (South) S.A.S.
Publicidade para Van Aquavit (dir. Anthony Barboza).
© Anthony Barboza.
The Today Show (trecho), 1982. © NBC Universal,
New York.
Tutu Medley (vídeo clipe) (dir. Spike Lee), 1986. ©
Warner Music Group.
Discos
Miles Davis, We Want Miles, 33 rotações Columbia
autografado por Miles Davis, IJS.
Impressos
Kohshin Satoh e Miles Davis, Kohshin The Best to
Best Miles, Kamakura (Japão), Yobisha, 1992, coleção particular.
Kohshin Satoh, catálogo outono-inverno 1987, coleção Kohshin Satoh.
Magazine Mr., n° 9, setembro 1988, Japão (foto: Taishi
Hirokawa), coleção Kohshin Satoh. Instrumentos
Trompete Martin Committee personalizado em vermelho, pertencera a Miles Davis, gravado com seu nome,
c. 1985, col. MDP.
Trompete Martin Committee prateado que pertenceu a
Miles Davis, gravado com seu nome, c. 1985, col. MDP.
Set de bateria Yamaha de cor violeta composta de uma
caixa clara, de um tom médio, de um tom baixo e de
uma grande caixa (com nome de Al Foster) e um conjunto de címbalos Paiste, início de 1980, col. Al Foster.
Guitarra baixo Fodera “ Monarch Deluxe”, col. Marcus Miller.
Guitarra baixo Kramer “ The Duke ” preta, col. Foley
McCreary.
Pedal de efeito, Pro Co modelo RAT,1980, col. John
Scofield.
Pedal de efeito chorus Ibanez modelo CS 9,1980, col.
John Scofield.
Guitarra baixa Schecter Jazz preta, 1980, col. Darryl
Jones.
Sintetizador programável Oberheim modelo
OB-Xa, utilizado por Miles Davis no palco,
col. MDP.
Sintetizador polifônico programável Roland modelo
D-50, utilizado por Miles Davis no placo, col. MDP.
Manuscritos Miles Davis/Quincy Troupe, Miles, The Autobiography,
primeiras páginas anotadas do manuscrito, 1990,
21,5 x 28 cm, Schomburg Center For Research in Black
Culture, New York Public Library, Astor, Lenox & Tilden
Foundations, Nova York.
Quadros Miles Davis, Twelve Things, óleo sobre madeira, assinado e datado de 21 junho de 1984, 65,5 x 95 cm,
col. MDP.
Miles Davis, Fourteen Things, óleo sobre madeira,
cerca de 1984, 50 x 65 cm, col. MDP.
Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira, cerca de
1984, 50 x 65 cm, col. MDP.
Miles Davis e Jo Gelbard, Amandla, ilustração realizada para a capa de disco do álbum (projeto não realizado), 1989, 65,5 x 50,5 cm, col. Warner Music Group.
Miles Davis e Jo Gelbard, Amandla, ilustração para
a capa de disco do álbum (projeto não realizado),
1989, 76,5 x 50,5 cm, pintura e desenho, col. Warner
Music Group.
Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira, 1990, 58
x 114 cm, col. MDP.
Miles Davis, sem título, óleo sobre madeira 1990, 114
x 58 cm, col. MDP.
Miles Davis e Jo Gelbard, Nothin’ But a Move, 1991,
106,7 x 101,5 cm, col. Jo Gelbard.
Miles Davis e Jo Gelbard, 1991 Paris Set, tela que serviu de modelo para o cenário do concerto de Miles
Davis na Grande Halle de La Villette, Paris, 1991, 106,7
x 142,2 cm, col. Jo Gelbard.
Fotografias (originais)
Anton Corbijn, Miles Davis Montréal, 1985, 160 x
110cm, coleção da artista.
Annie Leibovitz, três retratos de Miles Davis, 1989-90,
coleção da artista.
Irving Penn, três fotografias realizadas para o álbum
Tutu (frente e verso e interior), 1986, 52,5 x 50,5 cm,
col. Warner Music Group.
Outros Disco de Ouro de Tutu, 1988, Warner Bros. França,
col. MDP.
Seis painéis apresentando os músicos no palco :
“Kenny” [Garrett], “Foley” [McCreary], “Deron”
[Johnson], “ Richard” [Patterson], “Ricky” [Wellman]
e “Me” [Miles Davis], 1991, col. MDP.
Case de trompete em couro de Miles Davis, col. MDP.
Credencial dos bastidores com a silhueta de Miles
Davis, 1989, col. MDP.
Metralhadora de brinquedo apresentada na capa
de You’re Under Arrest, aprox. 1985, col. Anthony
Barboza.
Lista de abreviações:
IJS: Institute of Jazz Studies, Newark; INA: Institut
national de l’Audiovisuel; LAJI: L.A. Jazz Institute,
Los Angeles; MDP: Miles Davis Properties, LLC,
Los Angeles; NYPL: New York Public Library for the
Performing Arts, Music Division, Coleção Teo Macero;
SME: Sony Music Entertainment, Nova York.
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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
APRESENTAÇÃO DO AUTOR
Franck Bergerot, Miles Davis, Introduction à l’écoute du jazz moderne,
Paris, Le Seuil, 1996.
Gary Carner, The Miles Davis Companion, Four Decades of Commentary,
Nova York, Schirmer Books, 1996.
Ian Carr, Miles Davis, the Definitive Biography, Nova York, Harper Collins,
1999.
Jack Chambers, Milestones I – The Music and Times of Miles Davis to
1960, Toronto, University of Toronto Press, 1983.
Jack Chambers, Milestones II – The Music and Times of Miles Davis to
1960, Toronto, University of Toronto Press, 1985.
George Cole, The Last Miles: The Music of Miles Davis, 1980-1991, Ann
Arbor, University of Michigan Press, 2004.
Laurent Cugny, Électrique Miles Davis, 1968-1975, reedição, Marseille,
Tractatus & Co, 2009.
Laurent Cugny, Las Vegas Tango, une vie de Gil Evans, Paris, P.O.L.,
1989.
Gregory Davis, Dark Magus, The Jekyll and Hyde Life of Miles Davis, São
Francisco, Backbeat Books, 2006.
Miles Davis e Quincy Troupe, Miles – L’autobiographie, Suisse, In Folio,
2007.
Larry Fisher, Miles Davis and David Liebman, Jazz Connections, Nova
York, Edwin Mellen Press, 1996.
Alain Gerber, Miles, Paris, Fayard, 2007.
Alain Gerber, Miles Davis le blues du blanc, Paris, Fayard, 2003.
Ashley Khan, Kind of Blue, le making-of d’un chef d’oeuvre, Marseille,
Éditions Le Mot et le Reste, 2009.
Jan Lohmann, The Sound of Miles Davis, the Discography, a Listing of
Records and Tapes, 1945-1991, Copenhague, JazzMedia APS, 1991.
Dennis Owsley, City of Gabriels, The History of Jazz in St. Louis, 18951973, Saint Louis, Reedy Press, 2006
Kohshin Satoh e Miles Davis, Kohshin The Best to Best Miles, Kamakura
(Japão), Yobisha, 1992.
John Szwed, So What, the Life of Miles Davis, Nova York, Simon &
Schuster, 2004.
Paul Tingen, Miles Beyond, the Electric Explorations of Miles Davis, 19671991, Nova York, Billboard Books, 2001.
Quincy Troupe, Miles Davis, Bordeaux, Le Castor Astral, 2009.
Ken Vail, The Live of Miles Davis, 1947-1961, Londres, Sanctuary
Publishing Ltd, 1996.
Richard Williams, Miles Davis, l’homme à la chemise verte, Paris,
Éditions Plume, 1993.
Jeremy Yudkin, Miles Davis, Miles Smiles, and the Invention of Post Bop,
Bloomington, Indiana University Press, 2008.
Redator chefe da revista Jazz Magazine,
Franck Bergerot é autor de Miles Davis,
introduction à l’écoute du jazz moderne
(Seuil, 1996) assim como de Jazz dans
tous ses états : histoire, styles, foyers,
grandes figures (Larousse, 2006). Ele
supervisionou os primeiros volumes de
uma edição integral de Miles Davis para
“Masters of Jazz “.
Convidamos os leitores a consultar o site de Peter Losin, extremamente
completo no que se refere à discografia e às sessões de gravação:
http://www.plosin.com/milesAhead/
AGRADECIMENTOS
A biografia incluída neste catálogo não
poderia ter sido realizada sem os trabalhos ou os depoimentos de André Hodeir,
Ian Carr, Jack Chambers, Laurent Cugny,
Quincy Troupe, Jan Lohmann, Enrico
Merlin, Bob Belden, David Liebman, Larry
Fisher, Paul Tingen, Ken Vail, Peter Losin,
John Szwed, Ashley Kahn, George Porter,
Jeremy Yudkin. Também não teria sido
possível realizá-la sem as escutas anotadas que precederam a redação de meu
livro Miles Davis, introduction à l’écoute
du jazz moderne publicado pela Seuil em
1996 e o lançamento, sob meus cuidados, das reedições em CD das primeiras
gravações Miles Davis para Masters
of Jazz, “Young Miles” (volume 1 à 3).
Agradecimentos a Vincent Bessières,
Christian Bonnet, Claude Carrière, Marion
Challier, Guillaume de Chassy, Christophe
Devillers, Marc Ducret, François-Marie
Foucault, Patrick Fradet, Frédéric Goaty,
Gisèle e Christian Lhernault, Jean-Pierre
Lion, Jeanne de Mirbeck, Patrick Raffault,
Jean-Charles Richard e Malo Vallois. F.B.
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