Entre-a-esquerda-e-a-direita_Pergunta02_ALFREDO

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De forma semelhante ao que acontece com os conceitos de “direita” e
“esquerda”, que discutimos da última vez, muitas outras simplificações
didáticas tanto podem auxiliar nosso entendimento quanto nos dar uma
equivocada impressão de simplicidade real aos assuntos a que se referem.
Creio que seja bem este o caso, a propósito, quando visamos as relações
entre empresas e políticos, ou melhor, entre “poder econômico” e “poder
político”.
Às vezes, os equívocos se dão em virtude de má interpretação, entretanto,
alguns dos esquemas didáticos que mais nos atrapalham a compreender as
relações econômicas, políticas e sociais – tanto neste quanto no século
anterior – são fruto de uma filosofia cheia de equívocos já na origem, e não
somente nos intérpretes, que é a filosofia de Karl Marx. De fato, com a
ajuda de um outro filósofo, o italiano Antônio Gramsci, as ideias daquele
pensador alemão foram responsáveis por infundir na sociedade, de forma
lenta e meio camuflada, uma coisa que o economista Ludwig Von Mises
chamou de “a mentalidade anticapitalista”.
Ocorre que esta mentalidade semi-oculta transparece, por exemplo, quando
a mídia insiste em sempre chamar os empresários de “corruptores” e os
políticos de “corruptos”, como se a iniciativa maliciosa fosse exclusividade
dos primeiros e corrupção fosse sempre por conta de ganância individual.
Ora, não é preciso muito esforço para perceber que alguns esquemas são
montados por iniciativa de políticos e servidores públicos, muitas vezes
com intuito de engordar suas contas bancárias, mas frequentemente,
também, para fortalecer um projeto político.
Baseado em tais considerações não posso dizer que concordo que “onde há
muito dinheiro envolvido, as ideologias tendem a ser suprimidas”.
Entretanto, é importante lembrar, ainda, que a ascenção de quase todas as
empresas doadoras milionárias do Brasil ocorreu em virtude de uma
ideologia específica chamada “desenvolvimentismo”, um modelo de política
econômica em que se atribui ao estado o papel central não só na regulação
do mercado, mas também no seu intenso fomento – frequentemente
selecionando “campeãs nacionais” – e visando forçar o processo de
desenvolvimento do país.
Não é à toa, portanto – nem por mera ganância capitalista – que algumas
empresas tenham se tornado gigantes no governo “50 anos em 5” de JK,
como a Andrade Gutierrez, ou durante o “milagre econômico” da Ditadura
Militar, como a Camargo Correa e a Odebrecht, ou mesmo devido à intensa
atividade do BNDES no período atual, caso da JBS-Friboi. Todas elas são
crias de uma ideologia que promove uma relacão promíscua entre o Estado
e o Mercado. Consequentemente, também não é à toa que tais campeãs
nacionais tenham aumentado extraordinariamente seus lucros e doações de
campanha exatamente após o lançamento do PAC, o principal elemento da
política desenvolvimentista do governo atual.
Não creio que caiba aqui fazer uma análise mais aprofundada sobre o
desenvolvimentismo, até porque isso envolve conhecimentos específicos de
economia que eu não possuo. Da mesma forma, não sei exatamente quais
os mecanismos que uma reforma legal deveria criar para evitar
interferências indevidas do mercado na política – e vice versa. Todavia, não
posso deixar de destacar a importância de um olhar abrangente e cuidadoso
sobre esses problemas para compreendê-los em toda a sua complexidade,
expurgando preconceitos ideológicos que pairam no senso comum.
Existem inúmeros projetos de lei sobre reforma política tramitando no
Congresso, cada um deles com peculiaridades próprias e todos com alguma
relevância. Todavia, há um complexo processo de síntese a ser realizado,
pois cada contribuição não compõe, isoladamente, um novo sistema
eleitoral. Algumas delas, aliás, se instituídas de forma isolada, podem ser
um belo tiro no pé.
Um sistema exclusivamente público de financiamento, por exemplo, pode
até ser uma opção viável, todavia, podemos piorar as coisas se outras
providências não forem tomadas em conjunto, como o fim da reeleição e a
adoção do voto em legenda com lista fechada. Este seria justamente o caso
se o STF vetasse o financiamento privado, pois, aí, um candidato à reeleição
ficaria com toda a máquina estatal à sua disposição, enquanto os
candidatos de oposição teriam que se contentar apenas com o fundo
partidário. Além do mais, por se tratar de dinheiro público, a fiscalização
deveria ser mais intensa, mas na disputa para deputados e senadores, com
milhares de candidatos, o TSE simplesmente não teria condições para tal.
Enfim, eu realmente julgo que uma reforma política deve ser conduzida,
mas por meio de mecanismos constitucionais e pelo Congresso Nacional.
Até compreendo a desconfiança de que os parlamentares tenham pouco
interesse em conduzi-la, mas entendo que a tese de driblá-los através de
uma “constituinte exclusiva” tem tudo para ser uma armadilha. Nossos
políticos são resistentes, é verdade, mas eles já aprovaram leis incômodas
para si, como a de Responsabilidade Fiscal, a da Transparência e a da Ficha
Limpa. Assim, tenho certeza que com menos comodismo e mais paciência
para agir na complexa e trabalhosa realidade política – este debate faz
parte do processo – podemos ter esperanças de construir um sistema mais
justo, sem corrermos o risco de dar passos para trás.
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