De forma semelhante ao que acontece com os conceitos de “direita” e “esquerda”, que discutimos da última vez, muitas outras simplificações didáticas tanto podem auxiliar nosso entendimento quanto nos dar uma equivocada impressão de simplicidade real aos assuntos a que se referem. Creio que seja bem este o caso, a propósito, quando visamos as relações entre empresas e políticos, ou melhor, entre “poder econômico” e “poder político”. Às vezes, os equívocos se dão em virtude de má interpretação, entretanto, alguns dos esquemas didáticos que mais nos atrapalham a compreender as relações econômicas, políticas e sociais – tanto neste quanto no século anterior – são fruto de uma filosofia cheia de equívocos já na origem, e não somente nos intérpretes, que é a filosofia de Karl Marx. De fato, com a ajuda de um outro filósofo, o italiano Antônio Gramsci, as ideias daquele pensador alemão foram responsáveis por infundir na sociedade, de forma lenta e meio camuflada, uma coisa que o economista Ludwig Von Mises chamou de “a mentalidade anticapitalista”. Ocorre que esta mentalidade semi-oculta transparece, por exemplo, quando a mídia insiste em sempre chamar os empresários de “corruptores” e os políticos de “corruptos”, como se a iniciativa maliciosa fosse exclusividade dos primeiros e corrupção fosse sempre por conta de ganância individual. Ora, não é preciso muito esforço para perceber que alguns esquemas são montados por iniciativa de políticos e servidores públicos, muitas vezes com intuito de engordar suas contas bancárias, mas frequentemente, também, para fortalecer um projeto político. Baseado em tais considerações não posso dizer que concordo que “onde há muito dinheiro envolvido, as ideologias tendem a ser suprimidas”. Entretanto, é importante lembrar, ainda, que a ascenção de quase todas as empresas doadoras milionárias do Brasil ocorreu em virtude de uma ideologia específica chamada “desenvolvimentismo”, um modelo de política econômica em que se atribui ao estado o papel central não só na regulação do mercado, mas também no seu intenso fomento – frequentemente selecionando “campeãs nacionais” – e visando forçar o processo de desenvolvimento do país. Não é à toa, portanto – nem por mera ganância capitalista – que algumas empresas tenham se tornado gigantes no governo “50 anos em 5” de JK, como a Andrade Gutierrez, ou durante o “milagre econômico” da Ditadura Militar, como a Camargo Correa e a Odebrecht, ou mesmo devido à intensa atividade do BNDES no período atual, caso da JBS-Friboi. Todas elas são crias de uma ideologia que promove uma relacão promíscua entre o Estado e o Mercado. Consequentemente, também não é à toa que tais campeãs nacionais tenham aumentado extraordinariamente seus lucros e doações de campanha exatamente após o lançamento do PAC, o principal elemento da política desenvolvimentista do governo atual. Não creio que caiba aqui fazer uma análise mais aprofundada sobre o desenvolvimentismo, até porque isso envolve conhecimentos específicos de economia que eu não possuo. Da mesma forma, não sei exatamente quais os mecanismos que uma reforma legal deveria criar para evitar interferências indevidas do mercado na política – e vice versa. Todavia, não posso deixar de destacar a importância de um olhar abrangente e cuidadoso sobre esses problemas para compreendê-los em toda a sua complexidade, expurgando preconceitos ideológicos que pairam no senso comum. Existem inúmeros projetos de lei sobre reforma política tramitando no Congresso, cada um deles com peculiaridades próprias e todos com alguma relevância. Todavia, há um complexo processo de síntese a ser realizado, pois cada contribuição não compõe, isoladamente, um novo sistema eleitoral. Algumas delas, aliás, se instituídas de forma isolada, podem ser um belo tiro no pé. Um sistema exclusivamente público de financiamento, por exemplo, pode até ser uma opção viável, todavia, podemos piorar as coisas se outras providências não forem tomadas em conjunto, como o fim da reeleição e a adoção do voto em legenda com lista fechada. Este seria justamente o caso se o STF vetasse o financiamento privado, pois, aí, um candidato à reeleição ficaria com toda a máquina estatal à sua disposição, enquanto os candidatos de oposição teriam que se contentar apenas com o fundo partidário. Além do mais, por se tratar de dinheiro público, a fiscalização deveria ser mais intensa, mas na disputa para deputados e senadores, com milhares de candidatos, o TSE simplesmente não teria condições para tal. Enfim, eu realmente julgo que uma reforma política deve ser conduzida, mas por meio de mecanismos constitucionais e pelo Congresso Nacional. Até compreendo a desconfiança de que os parlamentares tenham pouco interesse em conduzi-la, mas entendo que a tese de driblá-los através de uma “constituinte exclusiva” tem tudo para ser uma armadilha. Nossos políticos são resistentes, é verdade, mas eles já aprovaram leis incômodas para si, como a de Responsabilidade Fiscal, a da Transparência e a da Ficha Limpa. Assim, tenho certeza que com menos comodismo e mais paciência para agir na complexa e trabalhosa realidade política – este debate faz parte do processo – podemos ter esperanças de construir um sistema mais justo, sem corrermos o risco de dar passos para trás.