PRECONCEITO Dimitri Sales.1 Somos todos iguais em direitos, embora possuímos diferenças reais quando pensamos em nossas características pessoais. Cada pessoa é única e, por isso mesmo, imprescindível para a total compreensão de nossa sociedade. Somados, formamos o conjunto extraordinário: podemos amar, somos difíceis de entender, ricos de valores e tradições culturais, diversos nas raças, idiomas, sexualidades, jeitos de se vestir, comportamentos... Enfim, cada um de nós carrega uma infinidade de singularidades que nos diferencia uns dos outros, embora a todos, independente de qualquer situação pessoal, sejam assegurados direitos e deveres de cidadania. Mas não é sempre assim que toca a banda! A nossa formação história nos ensinou a considerar algumas práticas como corretas ou erradas. Mais ainda, a considerar as pessoas a partir de suas singularidades, atribuindo-lhes privilégios em razão da sua posição social, cor da pele ou orientação sexual. Tudo que se diferencia do padrão considerado “correto”, é diminuído, excluído do exercício de direitos, tratados de forma marginal. No Brasil, durante mais de 300 anos, ser negro importava ser considerado uma pessoa ruim, de menor valor para a sociedade e, portanto, passível de ser escravizado. Assim diziam as leis e afirmava a maioria da sociedade. Considerados como uma máquina, homens e mulheres afrodescendentes eram descartados quando não mais “serviam” para os serviços desumanos a que eram, pela força bruta, submetidos. Essas pessoas não possuíam direitos e dignidade em razão de suas singularidades. A conversa hoje é outra: as nossas características pessoais não devem servir para negar direitos, senão para afirmar a nossa grandeza enquanto seres humanos e encher-nos de orgulho. Somos diferentes e isso nos faz especiais! Ainda que eu não possa escolher como se orienta o meu desejo afetivo e sexual, o fato de ser uma lésbica, um gay, um bissexual, uma travesti 1 Mestre e Doutorando em Direito Constitucional (PUC/SP). Advogado. Membro da Comissão de Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB/SP. Foi o primeiro Coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]. ou uma pessoa transexual não autoriza a exclusão social e a negação da cidadania. É preciso conscientizar a população que, diferentemente do que afirma o senso comum, a homossexualidade, travestilidade e transexualidade não são doenças, desvios de personalidade, pecados ou resultados das escolhas individuais de cada pessoa. Sendo um traço indissociável da personalidade, é preciso fazer-se respeitar e orgulhar-se, pois caráter, inteligência, competência são atributos que conquistamos ao longo de nossa vida, independentemente da nossa capacidade de amar, seja o amor por alguém do mesmo sexo ou pessoa do sexo oposto! À todas as populações vulneráveis em seus direitos é necessário a realização de políticas públicas destinadas à promoção da inclusão social plena, garantia do exercício dos direitos e preservação de sua cultura. Com isso, deve-se tornar visível aos olhos de todos que negros, lésbicas e gays, travestis e transexuais, pessoas com deficiência, idosos, índios estão em todos os cantos de nossas cidades: em nossas famílias, nas escolas, nos clubes, nas praças... A exclusão de qualquer pessoa pode representar um prejuízo geral, afinal estamos inseridos na mesma sociedade! O preconceito é um problema grave que persiste enraizado na cultura brasileira. Para vencê-lo é preciso conhecimento, políticas públicas e a compreensão de que as nossas diferenças somam-se para enriquecer a história da sociedade brasileira. O som agora é outros: todos os ritmos, todas as notas, todos os instrumentos, todas as toadas ao mesmo tempo, no mesmo palco, compondo e executando as canções de todas as cores, línguas, gostos, desejos, sabores, prazeres... Chamem todos os sambistas e as passistas, os rappers e os funkeiros, as drag queens e os solistas líricos, afinem a cuíca, o pandeiro e o violão, pois já passou da hora de iniciarmos o maior espetáculo da vida: a dança de todos nós!