International Journal of Cardiovascular Sciences. 2016;29(3):239-242 239 RELATO DE CASO Cintilografia de Perfusão Miocárdica Positiva em Paciente com Escore Coronariano Zero: É Possível? Abnormal Myocardial Perfusion Scintigraphy in Patient with Zero Calcium Score: Is it Possible? Felipe Villela Pedras, Bruno Villela Pedras, Marcos Villela Pedras Polonia, Dauro Villela Pedras, Flavia Paiva Proença Lobo Lopes Clínica de Medicina Nuclear Villela Pedras, Rio de Janeiro, RJ – Brasil Mulher, 68 anos, hipertensa e dislipidêmica, com precordialgia atípica. Escore de cálcio: zero. Devido aos sintomas, prosseguiu-se a investigação com a realização de cintilografia de perfusão miocárdica (CPM), tendo‑se observado moderada isquemia nas paredes anterior, septal e apical do ventrículo esquerdo, associado a outros marcadores indiretos de gravidade e a eletrocardiograma de esforço alterado. Angiotomografia de coronária (AngioTC) evidenciou artéria descendente anterior com lesão obstrutiva significativa, confirmada em cineangiocoronariografia. Após revascularização percutânea houve melhora dos sintomas, com normalização da CPM e do eletrocardiograma de esforço. Este relato enfatiza a importância da avaliação da probabilidade pré-teste de doença arterial coronariana para a correta indicação dos métodos de imagem. Introdução A avaliação da doença arterial coronariana (DAC) através de métodos não invasivos é uma conduta inicial frequente na abordagem de pacientes sintomáticos com suspeita de DAC. Os principais métodos utilizados são: teste ergométrico, ecocardiograma de estresse, cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) e, mais recentemente, a angiotomografia de coronária (angioTC) com o escore coronariano de cálcio (ECC).1-3 O ECC tem um excelente valor preditivo negativo, o que o torna um método bastante atraente; no entanto, deve ser interpretado com Palavras-chave Cintilografia, Doença das coronárias, Diagnóstico por imagem. cautela em casos de pacientes sintomáticos. O objetivo deste relato foi demonstrar que verdadeiras alterações perfusionais na CPM podem ocorrer em pacientes com ECC = zero. Relato do caso Paciente do sexo feminino, 68 anos, hipertensa e dislipidêmica, com precordialgia atípica. Estudo de ECC com valor absoluto de zero. Devido aos sintomas, apesar da ausência de aterosclerose coronariana detectável, foi realizada CPM em clínica privada situada no Rio de Janeiro, que mostrou área de moderada isquemia nas paredes anterior, septal e apical do ventrículo esquerdo (VE), com queda de fração de ejeção na etapa de esforço (Figura 1A). Eletrocardiograma de esforço, realizado para o estudo cintilográfico, mostrou critério exclusivamente eletrocardiográfico para isquemia miocárdica, com infradesnível descendente do segmento ST nas derivações DII, DIII, AVF, V3 a V6 e supradesnível de aVR (Figura 1B). AngioTC evidenciou artéria descendente anterior com lesão obstrutiva significativa (subocluída) no terço proximal (Figura 2A), sendo posteriormente confirmada em cineangiocoronariografia (Figura 2B). Foi realizada fusão de imagens por software da CPM com angioTC, confirmando área de defeito perfusional irrigada pela artéria coronária doente descendente anterior (Figura 2C). Paciente foi submetida à revascularização percutânea apresentando melhora dos sintomas, bem como normalização da CPM (Figura 1C) e do eletrocardiograma de esforço (Figura 1D). Correspondência: Flávia Paiva Proença Lobo Lopes Rua Carlos Góis, 375 2º andar – Leblon. CEP: 22440-040 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20160027 Artigo recebido em 11/03/2016, revisado em 20/05/2016, aceito em 24/04/2016. Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(3):239-242 Relato de Caso Pedras et al. Cintilografia Positiva e Escore Zero: É Possível? Figura 1 Em A: Cintilografia de perfusão miocárdica evidenciando hipocaptação do radiotraçador nas paredes anterior, septal e apical do ventrículo esquerdo na fase de esforço. Em B: Eletrocardiograma (fase de esforço) demonstrando infradesnivelamento descendente no segmento ST (derivações DII, DIII, aVF, V3, V4, V5 e V6), além de supradesnivelamento de aVR. Em C: Cintilografia de perfusão miocárdica demonstrando normalização das áreas previamente descritas de isquemia após a terapia. Em D: Normalização dos parâmetros eletrocardiográficos (de esforço) após revascularização percutânea. Discussão Existem muitos dados na literatura que demostram que a ausência de cálcio nas coronárias significa baixo risco de eventos cardíacos futuros, e o ECC fornece valor prognóstico incremental aos parâmetros clínicos em populações diversas de pacientes assintomáticos.1,2 Em pacientes diabéticos, inclusive, sabidamente de maior risco para eventos cardíacos futuros, aqueles com ECC = zero apresentam sobrevida em cinco anos similar a pacientes não diabéticos e sem calcificações.4 Entretanto, as implicações prognósticas de um ECC = zero em pacientes sintomáticos são menos confiáveis, não podendo ser excluída a doença coronariana em percentual significativo de casos. Um subestudo recente do trial multicêntrico CORE 64 5 investigou a correlação entre o ECC = zero e a ausência de estenose coronariana > 50% em uma população de 291 pacientes encaminhados para angiografia invasiva. Observou‑se que 14 (19%) de 72 pacientes com ECC = zero tinham pelo menos uma estenose ≥ 50%. Em meta-análise com um total de 3 924 pacientes e seguimento de 42 meses, Sarwar et al.2 demonstraram que a chance de eventos cardíacos futuros em pacientes sem cálcio nas coronárias foi significativamente maior naqueles sintomáticos. Nesse contexto, deve-se considerar que estenose coronariana significativa pode ocorrer na ausência de calcificações detectáveis no ECC e essa associação parece ser mais evidente em pacientes sintomáticos e de maior risco. Por outro lado, há mais de duas décadas a CPM é amplamente aceita como poderosa ferramenta na estratificação de risco de pacientes com suspeita ou diagnóstico conhecido de DAC.6 As imagens cintilográficas 240 Pedras et al. 241 Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(3):239-242 Relato de Caso Cintilografia Positiva e Escore Zero: É Possível? Figura 2 Em A: Angiotomografia computadorizada revela suboclusão no terço proximal da artéria descendente anterior. Em B: Cineangiocoronariografia evidenciando, também, suboclusão no terço proximal da artéria coronariana anterior. Em C: Fusão, por software, das imagens da cintilografia de perfusão miocárdica com a angiotomografia demonstrando concordância da área de defeito perfusional nas paredes irrigadas pela artéria descendente anterior. permitem a avaliação de alterações hemodinâmicas em todos os estágios da doença coronariana, incluindo a disfunção endotelial inicial, a doença da microcirculação e estenoses moderadas a acentuadas das principais artérias coronárias. Uma literatura extensa indica que a ausência de defeitos perfusionais na CPM implica bom prognóstico, com chance de eventos de aproximadamente 1% ao ano,7,8 evitando assim o prosseguimento para outras técnicas diagnósticas caras e/ou invasivas. Já em pacientes com alterações perfusionais importantes, o risco aumenta de acordo com a gravidade do defeito perfusional, sendo a cintilografia sabiamente utilizada não apenas para o diagnóstico, mas também para direcionar o melhor tratamento de cada paciente.7 Este relato de caso enfatiza a importância de se considerar a probabilidade pré-teste de DAC para indicação de exames específicos. Pacientes sintomáticos com probabilidade pré-teste moderada a alta de DAC, provavelmente se beneficiarão mais de testes funcionais, como a CPM, na estratificação de seu risco coronariano. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Pedras FV. Obtenção de dados: Pedras FV, Pedras BV. Análise e interpretação dos dados: Pedras FV, Pedras BV, Lopes FPPL. Redação do manuscrito: Pedras FV, Polonia MVP, Pedras DV, Lopes FPPL. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pedras FV, Lopes FPPL. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(3):239-242 Pedras et al. Relato de Caso Cintilografia Positiva e Escore Zero: É Possível? Referências 1. Greenland P, Bonow RO, Brundage BH, Budoff MJ, Eisenberg MJ, Grundy SM, et al; American College of Cardiology Foundation Clinical Expert Consensus Task Force (ACCF/AHA Writing Committee to Update the 2000 Expert Consensus Document on Electron Beam Computed Tomography); Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention; Society of Cardiovascular Computed Tomography. ACCF/AHA 2007 clinical expert consensus document on coronary artery calcium scoring by computed tomography in global cardiovascular risk assessment and in evaluation of patients with chest pain: a report of the American College of Cardiology Foundation Clinical Expert Consensus Task Force (ACCF/AHA Writing Committee to Update the 2000 Expert Consensus Document on Electron Beam Computed Tomography) developed in collaboration with the Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention and the Society of Cardiovascular Computed Tomography. J Am Coll Cardiol. 2007;49(3):378-402. 4. Raggi P, Shaw LJ, Berman DS, Callister TQ. Prognostic value of coronary artery calcium screening in subjects with and without diabetes. J Am Coll Cardiol. 2004;43(9):1663-9. 5. Gottlieb I, Miller JM, Arbab-Zadeh A, Dewey M, Clouse ME, Sara L, et al. 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