Licenciatura em Engenharia Biomédica Física Médica 15. Ultra-Sons: Características e Mecanismos de Interacção com a Matéria Rui Alves Pires 2012/2013 Ultra-Sons (US) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 2 1 Tópicos a Estudar sobre Ultra-Sons Natureza Produção e propriedades dos US Mecanismos de interacção com a matéria Fundamentos (Física Médica) Propagação em tecido biológico Instrumentação e aquisição de imagem Apresentação de imagem por US Tecnologia e Aplicações (fora do âmbito) US Doppler Controlo de qualidade e optimização Efeitos biológicos FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons 3 Ultra-Sons/Som São uma forma de energia (mecânica) Requerem um meio material para se propagarem Provocam alterações no meio onde se propagam (posição, velocidade dos átomos/moléculas, pressão, densidade, temperatura) Compressão Ultra-Sons Rarefacção FEUCP, 2012/2013 4 2 Ultra-Sons/Som Tem origem no deslocamento das partículas do meio material FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons 5 Espectro Acústico Gama audível dos seres humanos: • 20 Hz – 20 kHz Ultra-Sons > 20 kHz Infra-Sons < 20 Hz Animais (gama audível): 0,1 Hz – 200 kHz Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 6 3 Espectro Acústico de Alguns Animais 16 Hz – 12 kHz 20 Hz – 20 kHz 40 Hz – 60 kHz 1 kHz – 70 kHz 1 kHz – 150 kHz (em 2 canais) Ultra-Sons 20 Hz – 150 kHz (incluindo eco-localização) FEUCP, 2012/2013 7 Técnicas de Ultra-Sons Energia mecânica (não-ionizante) Frequência > 20 kHz Fundamentos: envio de impulsos de US, detecção do eco reflectido e localização do reflector Aplicações: produção de imagens de objectos e estruturas estacionárias, ou em movimento; estudo das características dos tecidos biológicos Informação: gráfica, imagem 2D, 3D, medição de distâncias, volumes, fluidos em movimento. Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 8 4 Propagação do Som/US A propagação do som pode ser descrita como um fenómeno ondulatório. A sua propagação no meio provoca a vibração das partículas que a constituem. As partículas do meio não se movem ao longo do material: deslocam-se em relação a uma posição de equilíbrio transmitindo esse o movimento às partículas vizinhas. Desta forma propaga-se a perturbação no meio material para localizações distantes da origem. As ondas sonoras transportam energia, mas não transportam matéria. Ultra-Sons 9 FEUCP, 2012/2013 Propagação do Som/US Ondas Longitudinais: Vibração ∥ à direcção da propagação p > pref p < pref Sólidos, líquidos e gases Ondas Transversais: Vibração ⟘ à direcção da propagação Sólidos Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 10 5 Características do Som/US Frequência, f [Hz] Nº de ciclos por segundo λ Comprimento de Onda, λ [m] Distância a que correspondente um ciclo completo λ= v f Período, T [s] Duração de 1 ciclo completo T= Ultra-Sons 1 f FEUCP, 2012/2013 11 Velocidade de Propagação do Som/US Velocidade com que as perturbações mecânicas se propagam no meio material para distâncias afastadas do local onde tiveram origem. Varia consideravelmente para diferentes meios/materiais. Factores que determinam a velocidade de propagação do som/US: • densidade ρ do meio (massa/volume) • módulo de compressibilidade do meio (resistência à compressão), B (bulk modulus) Bmeio vsom num meio = ρmeio Gases: elevada compressibilidade (B reduzido) Sólidos, líquidos, tecidos biológicos: reduzida compressibilidade (B elevado) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 12 6 Modulo de Compressibilidade (B) É uma propriedade dos materiais Descreve a resistência oferecida pelo meio material à compressão. Representa o quociente entre a variação de pressão aplicada a um material e a variação do seu volume relativamente ao volume inicial. Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 B= Δp [N/m2 ] ΔV/V 13 Propagação de US na Matéria v = 1,54 mm/μs = 1540 m/s (em tecido “mole”) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 14 7 Propagação de US na Matéria A velocidade de propagação dos US na matéria não depende da sua frequência mas sim das características do meio: vUS/tecido mole = 1540 m/s 15 FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons Propagação de US na Matéria A frequência dos US não é afectada por variações da velocidade de propagação da onda quando atravessa tecidos com características diferentes. O comprimento de onda dos US, é que varia de acordo com o meio em que o feixe de US de propaga. Exemplo: λ5 MHz, músculo = 1575 m/s = 0 ,315 mm 5 MHz λ5 MHz, gordura = 1430 m/s = 0 ,290 mm 5 MHz Cálculo rápido para determinar o λ de um feixe de US com frequência f [MHz] em meio biológico (mole): Ultra-Sons λtecido mole [mm] = 103 × FEUCP, 2012/2013 1540 m/s 1,54 = f [Hz] f [MHz] 16 8 Propagação de US na Matéria Um feixe de US com maior frequência (menor λ) proporciona melhor resolução espacial (longitudinal) mas apresenta menor alcance em profundidade. A selecção da frequência de US para utilização em imagiologia depende da aplicação clínica pretendida. Regiões anatómicas espessas (abdominais, útero): • 3,5 – 5 MHz Regiões anatómicas superficiais (tiróide, mama): • 7,5 – 10 MHz Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 17 Propagação de US na Matéria Padrões de interferência ondulatórios Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 18 9 Propagação de US na Matéria Os US geram compressã o (+) e rarefacçã o (−) do meio, descritas através da pressão ou intensidade (valor máximo ou mínimo relativamente ao valor médio na ausência de perturbação). Onda simétrica: A(+) = A(−) Onda não simétrica (situação real): A(+) > A(−) • Pressão US típica: 1 MPa ≅ 10 patm • Pressão atmosférica: patm ≅ 105 Pa 19 FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons Pressão e Intensidade Relativas dos US Grandezas absolutas: • Pressão (p): força/área (10 patm) • Intensidade* (I): energia/tempo/área (mW/cm2) *depende da forma de onda US (continua/pulsada) Grandezas relativas • Pressão Relativa = 20 log (p2/p1) [dB] • Intensidade Relativa = 10 log (I2/I1) [dB] I ∝ p2 A escala logarítmica é útil (a intensidade do impulso de US pode exceder a intensidade do eco em 1 000 000 × ⇔ −60 dB!) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 20 10 Intensidades Relativas dos US Nível de Intensidade Sonora (dB) Relaciona valores de intensidade de um feixe de som (US) 1 dB = redução para 50% ⇒ − 3 dB 1 bell 10 redução para 10% ⇒ −10 dB I valor [dB] = 10 log10 1 I0 redução para 1% ⇒ −20 dB redução para 0,1% ⇒ −30 dB I1 1 ⇒ 10 log10 = −3 dB 2 2 I1 1 I2 = ⇒ 10 log10 = −10 dB 10 10 I2 = Espessura semi-redutora ⇒ reduz a intensidade dos US em 50% Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 21 Intensidade Relativa (Som) Nível de Intensidade Sonora (dB) Permite representar uma ampla gama de valores de intensidade (escala logarítmica) • limiar de audição: 0 dB (I = I0 = 10−12 W/m2) • conversação: +60 dB • limiar de dor: +120 dB 1 dB é a variação de intensidade mínima (típica) que o ouvido humano consegue detectar Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 22 11 dB, Pressão e Intensidade Relativas Valor Razão entre Intensidades Razão entre Pressões [dB] I2/I1 log(I2/I1) p2/p1 log(p2/p1) 0 1 0 1 0 3 2 0,3 1,414 0,15 6 4 0,6 2 0,3 12 16 1,2 4 0,6 20 100 2 10 1 40 10 000 4 100 2 60 1 000 000 6 1000 3 −3 0,5 −0,3 0,707 −0,15 −6 0,25 −0,6 0,5 −0,3 −20 0,01 −2 0,1 −1 −40 0,0001 −4 0,01 −2 Ultra-Sons 23 FEUCP, 2012/2013 Interacção dos US com a Matéria z meio = ρv Impedância Acústica (Z) [kg/m2s] • é uma característica do meio • é independente da frequência dos US Ztecidos moles ≈ constante Zosso ↑ Zar ↓ As variações de impedância no meio estão na origem da imagem por US (modo impulso-eco) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 24 12 Reflexão dos US na Matéria Quando um feixe de US encontra uma interface de separação de dois meios com características diferentes, sofre reflexão parcial ou total, especular ou difusa. Incidência Normal Incidência Oblíqua Θi = θf θ < 3° (para ângulos maiores há perda de eco) situação ideal Grande parte dos “ecos” que resultam na imagem por US provêm de fenómenos de reflexão difusa 25 FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons Reflexão dos US na Matéria Coeficiente de Reflexão (R) As razões entre as intensidades e as pressões de US reflectidas são determinadas pela impedância acústica dos dois meios envolvidos. RP = RI = pr z 2 cos θ1 − z1 cos θ2 = pi z 2 cos θ1 + z1 cos θ2 Ir z 2 cos θ1 − z1 cos θ2 = Ii z 2 cos θ1 + z1 cos θ2 2 Para um feixe de US com incidência ⟘: RP = Pr z 2 − z1 = Pi z 2 + z1 RI = I r z 2 − z1 = Ii z 2 + z1 2 A fracção reflectida é proporcional à diferença de impedâncias entre os 2 meios. Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 26 13 Reflexão dos US na Matéria Reflexão 27 FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons Reflexão e Transmissão dos US R = 68% T = 32% R = 68% T = 32% osso água R = 3,5% T = 96,5% água gordura R = 99,5% T = 0,5% Ultra-Sons R = 8,9% T = 91,1% fígado T = ~ 0% ar FEUCP, 2012/2013 pele 28 14 Refracção dos US na Matéria Descreve a variação na direcção do feixe de US que ocorre quando o feixe não incide perpendicularmente. Tem de ser considerada quando se orienta o feixe, pretendendo-se uma incidência ⟘ às estruturas de interesse. sin θ2 v 2 = sin θ1 v1 (aproximação para pequenos ângulos, < 10°) v1 v2 v2 < v1 θ2 v 2 ≈ θ1 v1 Ângulo crítico de reflexão total: sin θc = Ultra-Sons v1 v2 FEUCP, 2012/2013 29 FEUCP, 2012/2013 30 Interacção dos US com a Matéria Ultra-Sons 15 Dispersão dos US na Matéria Ocorre quando os US encontram centros dispersores (microestruturas, variações locais de densidade/compressibilidade do meio). Aumenta com a frequência dos US, podendo ser aproveitado para diagnóstico. A maioria dos órgãos/tecidos dispersam os US de uma forma característica, proporcionando uma “assinatura” que constitui informação diagnóstica útil para o clínico. A intensidade dos ecos detectados pode variar significativamente de tecido para tecido, dependendo da sua constituição e localização. FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons 31 Dispersão dos US na Matéria reflexão especular dispersão dispersão Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 32 16 Dispersão dos US na Matéria Estruturas hiperecóicas (claras) • elevada amplitude de dispersão (eco) Estruturas hipoecóicas (escuras) • reduzida amplitude de dispersão (eco) parede do escroto espessada (hiper) Ultra-Sons quisto na tiróide (hipo) 33 FEUCP, 2012/2013 Atenuação dos US no Meio Material Maioritariamente causada pela dispersão e absorção dos US no meio (gera um aumento de temperatura). A atenuação dos US (em dB/cm) é aproximadamente proporcional à frequência. Coeficiente de atenuação acústica do meio α = (atenuação/percurso)/(frequência) Unidade: dB/cm/MHz dB = 0,5 f cm tecidos moles atenuação provocada pelos tecidos moles, em média, em função da frequência Nota: A atenuação dos pulmões e no osso é consideravelmente superior à atenuação nos tecidos moles, não variando linearmente e como tal a regra dB = ½.f[MHz].L[cm], não é aplicável. Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 34 17 Atenuação dos US no Meio Material Coeficiente de atenuação de tecidos biológicos Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 35 Atenuação dos US no Meio Material Coeficiente de atenuação de tecidos biológicos (e.x. cérebro, 1 MHz) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 36 18 Atenuação dos US no Meio Material A atenuação do feixe aumenta com a frequência do feixe de US Frequê ncia ↑ Alcance ↓ Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 37 Atenuação dos US no Meio Material Alcance típico de um feixe de US em tecido “mole” A atenuação dos US nos tecidos limita o seu alcance, condicionando as frequências utilizadas para determinadas aplicações clinicas. Ultra-Sons 3 MHz ⇒ ----------------------------------------- 20 cm 5 MHz ⇒ ----------------------- 12 cm 7,5 MHz ⇒ ------------- 8 cm 10 MHz ⇒ ----- 6 cm FEUCP, 2012/2013 38 19 Técnica de Impulso-Eco 1. Os US são produzidos num transdutor e enviados em impulsos discretos. 2. Os impulsos são parcialmente reflectidos nas interfaces e heterogeneidades do meio. 3. os ecos resultantes das sucessivas reflexões são detectados no transdutor. 4. A informação contida no eco (amplitude e localização) é apresentada no monitor codificada numa escala de cinzentos. 39 FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons Técnica de Impulso-Eco Parâmetros de interesse • Direcção do eco detectado • Intensidade do eco • Distância entre a fonte de US e o reflector d 1 2d = v Δt d = v Δt 2 t1 = 0 ... t2 = teco Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 40 20 Propagação dos US na Matéria US em modo de onda contínua • (f , T, λ, v) US em modo de onda pulsada • (PRF, PRP, PD, SPL, DF,DT) FEUCP, 2012/2013 Ultra-Sons 41 Propagação dos US na Matéria PRP: Pulse Repetition Period [ms] Tempo que decorre entre 2 impulsos sucessivos PRF: Pulse Repetition Frequency [Hz] Nº de impulsos de US transmitidos por segundo PRF = 1 PRP PD: Pulse Duration [µs] SPL: Spatial Pulse Length [mm] PD = nT = n f SPL = nλ Comprimento espacial de um impulso DF: Duty Factor DF = PD PRP DT: Dead Time [ms] Intervalo de tempo em que não há emissão de impulsos (tempo morto) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 n = nº de ciclos do impulso 42 21 Síntese Os US são ondas de natureza mecânica e não constituem radiação ionizante Têm frequências superiores à gama audível (> 20 MHz). Propagam-se na matéria sob a forma ondulatória (ƒ, λ, v, T, PRF, PRP, etc.). Não se propagam no vazio. Transportam energia mas não transportam massa. A velocidade de propagação no meio depende das suas características (ρ, k) Para um mesmo meio, a velocidade não é influenciada pela frequência. A sua atenuação resulta dos diversos processos de interacção (absorção, dispersão, reflexão, …) e depende da frequência e da impedância do meio. A fracção reflectida aumenta com a diferença de impedâncias entre meios. O intervalo de tempo entre o impulso e o eco permite localizar o reflector. Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 43 Aplicações de US em Diagnóstico Modo A (Modulação de Amplitude) Modo B (Modulação de Brilho) Modo M (Movimento) Modo Doppler Modos Duplex e Triplex Os US também tem aplicações terapêuticas (fisioterapia) Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 44 22 Imagem médica: Resolução espacial limite para várias modalidades Modalidade Resolução [mm] Comentário Radiografia (screen/film) 0,08 Limitada pelo foco e detector Radiografia (digital) 0,17 Limitada pelo detector 0,050-0,1 Limitada pelo detector Mamografia (screen/film) Fluoroscopia 0,125 Limitada pelo detector e foco Tomografia Computorizada 0,4 Aproximadamente ½ do pixel Medicina Nuclear (planar) 7 Resolução ↓ c/ ↑distância ao detector Medicina Nuclear (SPECT) 7 Resolução ↓ para o centro da “slice” Medicina Nuclear (PET) 5 A melhor resolução espacial em MN Ressonância Magnética Nuclear 1 Resolução aumenta com ↑B Ecografia (5 MHz) 0,3 Limitada pelo λ da onda ultra-sonora Ref: Bushberg, The Physics of Medical Imaging, 2002 Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 45 Ultra-Sons FEUCP, 2012/2013 46 23