METODOLOGIA NA ESCOLA INFANTIL: CRITÉRIOS E PARÂMETROS DE ESCOLHA Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Especialista em Educação Infantil – NEI Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco Doutora em Educação – UFRN Nas últimas décadas os especialistas de educação infantil têm se dividido em duas perspectivas distintas para a educação infantil: uma que defende a inclusão de conteúdos e metodologias, considerando o nível de desenvolvimento, mas com uma ação pedagógica sistemática, a outra perspectiva, contrária a inclusão, defende que o conteúdo e a metodologia na educação infantil é o próprio brincar. Frente a essas duas perspectivas estão os professores, organizando o seu cotidiano escolar muitas vezes sem terem clareza dessas discussões. O reconhecimento da educação infantil, como um espaço que propicia o processo de construção da relação ensino-aprendizagem e de acesso ao conhecimento, culturalmente acumulado pela humanidade, traz a responsabilidade de pensar nas relações entre formas e conteúdos que possam contribuir para efetivar um trabalho pedagógico mais comprometido com uma intencionalidade educativa, trazendo para a vivência das crianças pequenas aspectos da vida contemporânea da sociedade brasileira. A inclusão de conteúdos e metodologias, considerando o nível de desenvolvimento, mas com uma ação pedagógica sistemática, tem sido outro desafio constante para os educadores da área. Nos cursos de formação continuada que temos ministrado para professores percebemos uma excessiva preocupação com a metodologia a ser adotada. Geralmente, solicitam oficinas pedagógicas de como fazer passo a passo uma determinada metodologia, acreditando ser a única responsável pelo sucesso de todo o processo de ensino-aprendizagem. Acompanhamos ao longo da história a euforia/entusiasmo dos professores a cada nova metodologia que surge, adotam e defendem como se fosse a "SALVADORA" dos problemas da educação. Foi assim com os "Centros de Interesse", os "Temas Geradores", a "Metodologia de Resolução de Problemas", entre outras, que logo eram abandonadas por uma nova "mania". Atualmente, uma grande maioria dos educadores vem considerando a Metodologia de Projetos como a única capaz de promover uma aprendizagem sistemática e eficiente. Muitas professoras entrevistadas recentemente apontam a Metodologia de Projetos como sendo capaz de "superar" todas as outras. No entanto, quando nos aprofundamos na forma com que estão "adotando" essa metodologia, percebemos que reproduzem muitos equívocos já adotados anteriormente em outras metodologias: determinam tempo para cada tema, adotam o livro didático ou lista de conteúdos prontos para escolher o tema, expõem o conteúdo informativamente, demostrando não ter consciência dos princípios que norteiam a metodologia que pretendem estar usando. Essas primeiras reflexões nos conduziram a estar olhando algumas metodologias no seu processo de construção, com a intenção de explicitar parâmetros e critérios que possibilitam entender as intenções nas tomadas de decisão no cotidiano escolar. Selecionamos quatro metodologias a saber: Centro de Interesse, Tema Gerador, Tema de Pesquisa e Metodologia de Projetos, por serem as que tem aparecido com mais frequência na educação infantil. Duas destas metodologias, a de Centro de Interesses e a de Projetos foram inspiradas na obra de educadores do início do século XX, que hoje consideramos como pertencentes a uma postura que é chamada de “escola nova” ou “escola ativa”, caracterizada como uma reação ao ensino formal, centrado na ação do professor e em conteúdos pré determinados por livros didáticos. Os autores classificados como escola-novistas, em geral são oriundos das transformações ocorridas do início aos meados do século XX (estão neste bloco, além de Dewey e Decroly, Ferrière, Freinet, Krupskaja, Makarenko, entre outros e no Brasil, os chamados pioneiros, Anísio Teixeira e Lourenço Filho), se caracterizam por terem desenvolvido experiências concretas de ensino, em geral ligadas a escolas para populações específicas (pequenas aldeias francesas, comunidades anarquistas, centros juvenis para adolescentes com problemas sociais, ...) e terem construído sua obra na reflexão sobre estas ações, aprofundando o conhecimento não só da ação pedagógica mas também dos aspectos sociais e psicológicos (tanto cognitivos quanto afetivos) envolvidos no processo de ensino aprendizagem. No geral, valorizam a ação do aluno, o “aprender a aprender”, o processo de aprendizagem mais do que o seu produto. A metodologia de Tema Gerador tem sua inspiração nas idéias de Paulo Freire e para muito de seus divulgadores, não pode ser entendida como um conjunto de receitas para ação dos professores, mas como um processo que permite conjugar ação-reflexão-ação, na geração de Projetos Pedagógicos próprios para escolas. Em comum com as outras duas, tem a valorização dos alunos e do processo de aprendizagem, apesar de, por suas origem histórica, privilegiar a realidade social e mudança de consciência política. Tema de Pesquisa é uma forma de trabalho particular, encontrada pelo NEI para articular as demandas da Educação Infantil com as influências oriundas do conhecimento das outras metodologias acima mencionadas. Metodologia de Centros de Interesses A metodologia idealizada por Ovídio Decroly levava em conta a evolução natural dos interesses da criança. Para ele a criança, que inicialmente é egocêntrica, só se interessa por ela mesma, para depois se interessar pela família, casa, escola, dessa forma, ampliando seu circuito de interesses até os problemas mais amplos da humanidade. O ponto de partida da metodologia de Decroly é o conhecimento dos fatos que se relacionam mais de perto com a vida das crianças, abrangendo temas como: a criança e suas necessidades e a criança e seu meio. Ele defendia que os Centros de Interesses permitiriam que a criança se interessasse no presente o que poderia necessitam no futuro. Propôs três fases para a efetivação da metodologia: Observação, Associação e Expressão. O aluno é convidado, no primeiro momento a observar o mundo ao redor, para descobrir os seus focos de interesse. Em seguida, na Associação, é incentivada a associar as observação e o focos de interesse ao que já sabe e ao que existe nos livros e outros recursos do conhecimento sistematizado. A expressão é o momento de síntese, onde através da livre expressão, desenho, escrita, ou outra linguagem de domínio da criança, ela registra o conhecimento adquirido. Atualmente é conferido um novo enfoque aos Centros de Interesses, partindo de temas centrais propostos pelos professores e escolhidos diretamente pelo conjunto das crianças. Segundo HERNÁNDEZ (1998, p.64) em linhas gerais os Centros de Interesses se apoiam num duplo ponto de partida psicopedagógico: Por um lado, destaca o princípio da aprendizagem por descoberta, que estabelece que a atitude para a aprendizagem por parte dos alunos é mais positiva quando parte daquilo que lhes interessa, e aprendem da experiência do que descobrem por si mesmos. E, por outro lado, um princípio da Escola Ativa, que se refere ao exercício da educação como prática democrática, que outorga às assembléias de classe a decisão sobre o que se deve aprender. Nesse sentido, a escolha do tema está vinculado à realidade da criança, sendo utilizado como critério de seleção o caráter significativo, surgindo na família, na escola, nas suas relações sociais, culturais, intelectuais e emocionais. Metodologia de Projetos de Trabalho Idealizado inicialmente por W.H. Kilpatrick, a partir da pedagogia de Jonh Dewey, defendia que a criança vai para a escola para resolver os problemas que enfrenta no seu dia-a-dia, o professor é um guia e auxilia a criança como uma pessoa mais experiente. Posteriormente, foi agregada a esta metodologia os estudos de Resolução de Problemas, e atualmente aparece ligada ao grupo de Barcelona, cujo principal representante é Cesar Coll. Segundo HERNÁNDEZ (1998, p.66), os Projetos de Trabalho, tratam de ensinar o aluno a aprender, a encontrar o nexo, a estrutura, o problema que vincula a informação e que permite aprender. Para o mesmo autor os Projetos de Trabalho se fundamentam em bases teóricas que respeitam os seguintes princípios: • aprendizagem significativa, a partir do que os alunos já sabem; • articulação com uma atitude favorável para o conhecimento; • previsão de uma estrutura lógica e seqüencial dos conteúdos na ordem que facilite sua aprendizagem; • sentido de funcionalidade do que aprender; • memorização compreensiva das informações; • e avaliação do processo durante toda a aprendizagem. Afirma ainda que: Definitivamente, a organização dos Projetos de Trabalho se baseia fundamentalmente numa concepção da globalização entendida como um processo muito mais interno do que externo, no qual as relações entre conteúdos e áreas de conhecimento têm lugar em função das necessidades que traz consigo o fato de resolver problemas que subjazem na aprendizagem (HERNÁNDEZ, p.63, 1998). MARTINS, M. C. (1999), sintetiza em três momentos a metodologia de Projetos: o 1º momento, Avaliação Inicial – é o de sondagem para levantamento de repertório, o 2º momento, Encaminhamento de Ações – é o de levantamento de propostas possíveis, avaliação e replanejamento e o 3º momento, Sistematização - é quando há uma apropriação do conhecimento construído. Metodologia de Tema Gerador A metodologia de Tema Gerador surge com bases teóricas na pedagogia de Paulo Freire, tendo como fonte principal o texto de “Pedagogia do Oprimido” e teve uma de suas sistematizações elaborada pela equipe que coordenou o Movimento de Reorientação Curricular no Municio de São Paulo na década de 90. Os Temas Geradores foram idealizados como um objeto de estudo que compreende o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática, pressupondo um estudo da realidade, onde emerge uma rede de relações entre situações significativas individual, social e histórica. Assim como, uma rede de relações que orienta a discussão, interpretação e representação dessa realidade. Por sua natureza os Temas Geradores têm como princípios básicos: • uma visão de totalidade e abrangência da realidade; • a ruptura do conhecimento no nível do senso comum; • adota o diálogo como sua essência; • exige do educador uma postura de crítica, de problematização constante, distanciamento, de estar na ação e de se observar e se criticar nessa ação; • aponta para a participação, discutindo no coletivo e exigindo disponibilidade dos educadores. O Movimento de Reorientação Curricular defende a opção da organização curricular interdisciplinar na escola pelo Tema Gerador pelas seguintes razões: por proporcionar um vínculo significativo entre conhecimento e realidade local; por não ser uma abordagem curricular burocraticamente preestabelecida; por envolver o educador na prática do "fazer e pensar currículo"; por relacionar realidade local com um contexto mais amplo; por entender que o conhecimento não está pronto e acabado e que a escola é também local de produção de conhecimento; por estabelecer uma relação dialética entre os conhecimentos do senso comum e os já sistematizados; por buscar uma forma interdisciplinar de apropriação do conhecimento. (SME/SP, p.15, 1991a) Os Temas Geradores se organizam em três momentos pedagógicos: estudo da realidade (ER). organização do conhecimento (OC). aplicação do conhecimento - AC). Em 1994, estes momentos foram caracterizados por Pernambuco como: Ao organizar uma aula, uma sequência de conteúdos, uma reunião com pais, estamos sempre atentos à situação inicial que gera o passo seguinte. É o momento de compreender o outro e o significado que a proposta tem sem seu universo e ao mesmo tempo permitir-lhe pensar, com um certo distanciamento, sobre a realidade na qual está imerso. É o momento da fala do outro, da descodificação inicial proposta pôr Paulo Freire, quando cabe ao professor, ou ao organizador da tarefa, ouvir e questionar, entender e desequilibrar os outros participantes, provocando-os a mergulhar na etapa seguinte. Este primeiro momento constitui o estudo da realidade (ER). Uma segunda fase ou momento é o de cumprir as expectativas: é quando, percebendo quais as superações, informações, habilidades necessárias para dar conta das questões inicialmente colocadas, o professor ou educador propõe atividades que permitam a sua conquista. Aqui predomina a fala do organizador. Apesar de não se perder de vista a fala do outro, o que orienta essa etapa é a tentativa de propiciar os saltos que não poderiam ser dados sem o conhecimento do qual o organizador é o portador. É o momento da organização do conhecimento (OC). O terceiro momento é o da síntese, quando a junção da fala do outro com a fala do organizador permite a síntese entre as duas diferentes visões de mundo ou, ao menos, da percepção de sua diferença e finalidade. É um momento em que uma fala não predomina sobre a outra, mas juntas exploram as perspectivas criadas, reforçam os instrumentos apreendidos, fazem um exercício de generalização e ampliação dos horizontes anteriormente estabelecidos aplicação do conhecimento (AC). Metodologia de Tema de Pesquisa O uso do Tema de Pesquisa foi a forma que o NEI escolheu para articular três dimensões básicas: o conhecimentos das áreas de conteúdo que se quer tornar disponível, o contexto sociocultural das crianças, ou suas realidades imediatas, e os aspectos vinculados diretamente à aprendizagem. Os Temas de Pesquisa estão sendo usados no NEI, desde a Reestruturação Curricular na década de 80, como uma forma de considerar as experiências de vida e valores socioculturais das crianças, garantindo o acesso a experiências, onde possam expressar, ampliar e atualizar suas idéias, conhecimentos e sentimentos. As principais referências utilizadas na construção do que hoje chamamos de Tema de Pesquisa foram as propostas de Madalena FREIRE (1983), em A paixão de conhecer o mundo e Sonia KRAMER (1989), em Com a pré-escola nas mãos. Contexto Sociocultural das Crianças, ou seja, pressupõe um conhecimento da realidade onde a criança está inserida, tanto das vivências anteriores com a família, quanto das experiências partilhadas com outras crianças e do grupo social a que pertencem, considerando os conhecimentos, os valores e as diversas linguagens que já trazem do cotidiano. Áreas de Conteúdo ou os conhecimentos produzidos e sistematizados nas áreas de Linguagem, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Sociais. Nível de Desenvolvimento das Crianças, sendo respeitadas as características próprias do desenvolvimento sócio-afetivo, cognitivo e psicomotor, ou seja, qual a estrutura do pensamento das crianças naquele momento de aprendizagem, como aprendem. O tema de pesquisa constitui-se num parâmetro básico da dinâmica pedagógica. Para definilo melhor, foram apontados alguns critérios balizadores: - precisa ser um assunto que gere questionamentos, necessidade de ir em busca de um aprofundamento maior, possibilitando, dessa forma, o diálogo; que contribua para uma visão mais ampla da realidade onde o indivíduo está inserido, favorecendo um melhor entendimento do mundo em que vive; unifique/aglutine conceitos de outras áreas do conhecimento, com a perspectiva de articular-se com outros conhecimentos, podendo ser ampliado para outros temas; envolva um componente afetivo do grupo, para ser significativo, ou seja, que todo o grupo esteja curioso e interessado em saber mais/investigar aquele determinado assunto. (Rêgo,1995). Segundo a mesma autora, esta metodologia também se articula em três momentos análogos aos utilizados metodologia de Tema Gerador, embora com algumas diferenças: por exemplo, no Tema Gerador o estudo da realidade pressupõe que os conteúdos partam da realidade local e para isso é necessário a pesquisa/estudo dos problemas da comunidade, já no tema de pesquisa os conteúdos surgem do contexto sócio-econômico-cultural-político. Estudo da realidade: é onde, a partir do que o grupo já sabe sobre o assunto, sistematizamse as questões a serem estudadas. Nesse momento, é a hora da professora, organizadora do trabalho, observar, ouvir e questionar as crianças, incentivando-as a verbalizarem, para que possam expressar o que já aprenderam em outras experiências anteriores sobre o tema, culminando com as questões que o grupo, crianças e professoras, conseguiu levantar para serem investigadas. Organização do conhecimento: caracteriza-se pela busca dos conhecimentos construídos historicamente pelo homem. A partir das questões inicialmente postas, a professora organiza atividades significativas que possibilitem às crianças avançarem no conhecimento. Nesse momento, a professora tem um papel fundamental, de articuladora do conhecimento, ou seja, como a "pessoa" que "sabe mais", orientando as crianças a se lançarem na busca das respostas aos questionamentos propostos pelo grupo, estejam elas em livros, bibliotecas, museus, especialistas acadêmicos, artistas, artesãos, e outros profissionais. Aplicação do conhecimento: caracteriza-se pela síntese de tudo que conseguiram aprender sobre o assunto, através de uma das formas de expressão humana. De posse das informações, professoras e crianças fazem uma síntese do que aprenderam e expressam de alguma forma, seja através do desenho, da imitação, da escrita, o novo conhecimento. Agora, a professora propõe uma volta às questões iniciais para uma retomada, pelo grupo, dos questionamentos gerados no estudo da realidade, que por sua vez geraram as atividades propostas. Em todos os estudos realizados, é produzido um registro coletivo, em forma de texto descritivo, para garantir um fechamento. Nesse momento, professoras e crianças contribuem com suas impressões, visões e conhecimentos. A partir dessas sínteses, as crianças poderão estruturar idéias transformadoras sobre o mundo em vivem. Critérios e Parâmetros de Escolha Ainda que preliminares, as primeiras análises em torno dessas metodologias nos revelam, no seu processo de construção, critérios comuns, mesmo que tenham origens e fundamentações teóricas próprias. Identificamos inicialmente sete critérios que perpassam todas elas, mesmo que cada uma defina um caminho diferente de atuar. Os critérios identificados foram: Dialogicidade - é importante que a metodologia propicie o diálogo, incentivando os alunos a exporem suas idéias e teorias, construindo a interlocução sobre a realidade circundante. Dando mais ou menos ênfase a atuação do professor, todas propõe que o processo de aprendizagem é de cada aluno individualmente e se dá em uma interação coletiva, mediada pela palavra e pela ação dos diferentes alunos que constituem cada turma e seu professor. Assim, além dos desafios cognitivos estabelecidos pela diferença dos olhares, é constituído um objetivo comum, partilhado pelo grupo, que dá suporte às demandas emocionais e o aprendizado em lidar com as diferenças. Conhecimentos prévio dos alunos - partir dos conhecimentos que as crianças trazem, significa deixá-las falar de suas experiências no cotidiano, explorando o vocabulário que elas já têm, investigando e questionando o significado que atribuem a diferentes termos. Antes que o professor a ensine, a criança possui uma série de idéias bastante estabelecidas sobre diversos conhecimentos, que, usadas como ponto de partida, permitem que ela participe como sujeito do diálogo e estabeleça uma relação de mudança ou permanência com os novos conhecimentos que está aprendendo. A criança é entendida como um ser que já viveu determinadas experiências e pertence a um meio familiar sócio-econômico-cultural particular, ou seja, encarada como um ser pensante, mesmo que seu tipo de pensamento se diferencie do tipo de pensar dos adultos. A criança pequena já traz para a escola um conhecimento do mundo em que vive. O professor deve partir desses conhecimentos, das representações que fazem da realidade, dando atenção às suas perguntas e curiosidades. Com certeza, elas têm uma ligação com o contexto sociocultural em que estão inseridas. Mesmo as crianças no início da oralidade, nos dias atuais, têm acesso aos meios de comunicação e dispõem de algumas informações, como também, já viveram um certo número de experiências, principalmente junto às suas famílias e, portanto, têm o que dizer. É importante que elas tenham a oportunidade de expressarem seu pensamento e que os questionamentos propostos pela professora lhes possibilitem ampliar essas experiências, indo em busca do conhecimento sistematizado Interdisciplinaridade - permite o diálogo entre as diferentes áreas de conhecimentos, na medida em que o objeto de estudo não domínio de uma única área. A complexidade da sociedade moderna aponta desafios que nenhuma área sozinha consegue dá conta de explicá-la. Portanto, é preciso considerar os conhecimentos das diferentes áreas para compreender o real. A escola não tem o poder de mudar sozinha a sociedade. No entanto, é preciso que os conteúdos nela trabalhados possibilitem uma visão crítica e mais ampla da realidade. Segundo as discussões promovidas pela SME/SP1 O problema que se coloca para nós é a necessidade de compreender a realidade para transformá-la. Conhecer ultrapassa o domínio da apreensão dos conteúdos e visa a aprender os processos de pensar, processos esses que englobam problematização, levantamento de hipóteses, observação, análise, comparação e síntese provisória, possibilitando a quem aprende a sistematizar e gerar novos conteúdos, novos conhecimentos. (SME/SP; s.d. p. 01). 1 Material mimeografado produzido pela Secretaria Municipal de Educação (SME) - São Paulo, para ser utilizado pelas Equipes Municipais de Educação Infantil (EMEI). Considerando ainda que nenhum campo do conhecimento dá conta sozinho de explicar as múltiplas relações da realidade, é a escola um espaço onde se dá a construção e reconstrução do saber socialmente produzido e sistematizado, nos diversos campos do conhecimento (SME/SP, s.d. p. 01). Dessa forma, a educação, como prática social, apresenta-se como um forte instrumento para a compreensão da realidade como um todo. A interdisciplinaridade surge, então, como uma possibilidade de trabalho na escola. Esse conhecimento é construído pela criança num processo que pressupõe continuidade e ruptura, resgate e escolha. Portanto, os conteúdos dessa realidade devem ser trabalhados pela escola de forma a favorecer uma aprendizagem significativa, possibilitando, ainda, uma atitude de aprender a aprender. Nível de desenvolvimento dos alunos – leva-se em conta as especificidades do desenvolvimento das crianças em cada fase de sua vida. Promover a construção do conhecimento pela criança significa, primordialmente, envolvê-la no seu processo de aprender. O sujeito como construtor do seu conhecimento nas interações histórico-sociais, ou ainda, nas trocas do sujeito com o meio em que vive. Em cada fase da vida, os interesses e possibilidades dos sujeitos se alteram. Considerar os interesses e possibilidades como pontos de partida para novas aquisições, adequá-las ao que já se vislumbra como possível, criar desafios que sejam significativos dos grupos, é uma das vantagens das metodologias ligadas à ação coletiva. Os limites dos grupos não são mais previamente estabelecidos pelos professores, mas se revelando no desenrolar dos trabalhos. Neste sentido, ao mesmo tempo são levadas em conta as estruturas mentais disponíveis e a sua possibilidade de desenvolvimento. Dialeticidade - permita o movimento, não se constituindo em momentos estanques para serem seguidos como receita. O caminho deve ser traçado inicialmente e revisto permanentemente durante o percurso. O conhecimento e a aprendizagem, também devem ser tratados dialeticamente. Essas metodologias não se constituem de fases estanques e distintas no tempo, há sempre um movimento. Os momentos ou fases definidos são uma forma de estar refletindo onde queremos chegar e qual direção podemos dar ao trabalho em cada momento, para não cair nos extremos de impor um conteúdo escolar centrado na fala de só um dos lados, do professor ou do aluno. Também permitem pensar o conhecimento como algo dinâmico, contraditório, mutante e em permanente construção, porque produzido pelos homens ao longo da história da humanidade e mediante a necessidade de entender os fenômenos, os acontecimentos, ou seja a realidade para atuar sobre ela, e, consequentemente modificá-la. Nessa perspectiva, a dinâmica pedagógica tem um caráter processual, de movimento, em função das necessidades surgidas, nas interações, não fazendo sentido o estabelecimento rígido de programas prévios de ensino, ainda que não se perca de vista os objetivos educacionais a serem atingidos. Indissociabilidade entre conteúdos e metodologias - os métodos não têm vida independente dos objetivos e conteúdos. Estas metodologias não tem como base um conteúdo determinado único. O trabalho pedagógico não se estrutura a partir de listas de conteúdo prontas e acabadas para serem transmitidas, sem nenhuma vinculação com a vida da criança fora da escola. O processo de construção do conhecimento é entendido como dinâmico, em constante movimento, não comportando conteúdos supostamente acabados. Nesse sentido, o conhecimento sistematizado nas diversas áreas surge como meio e não como fim em si mesmo. Privilegia-se mais a forma com que as diferentes áreas constróem o seu conhecimento e não a quantidade ou a dificuldade de um conjunto específico de informações. Conhecimentos científicos, sociais, conceituais, culturais e atitudinais - O conhecimento quando reduzido apenas à sua dimensão de ciência não permite uma leitura e atuação do/no mundo em que as crianças vivem. Segundo KRAMER (2000), o compromisso da escola com a cultura precisa incluir no mínimo duas dimensões: uma relativa às tradições culturais, aos costumes e valores dos diferentes grupos, suas trajetórias, experiências, seu saber, ou seja, que é produzido pelos grupos específicos de homens e que está disponível na sua história, o conhecimento da tradição; a outra relativa ao acervo cultural acumulado e sistematizado na literatura, no cinema, na música, na fotografia, no teatro, na pintura, na escultura, na poesia, nos museus, o conhecimento da ciência e da arte. O acesso aos diferentes tipos de conhecimentos produzidos pela humanidade contribui para a formação de crianças que estarão mais preparadas para conviverem com a heterogeneidade e a complexidade da sociedade contemporânea, pois resgata trajetórias, relatos, valores, diferenças, crenças, permitindo uma leitura crítica da realidade. Para KRAMER,(2000), a reflexão crítica da cultura que produzimos e que nos produz, suscita o repensar do sentido da vida, da sociedade contemporânea e, nela, do papel de cada um de nós. Construção de um projeto coletivo de escola - na medida em que cada uma destas metodologias viabiliza a construção de um projeto coletivo para os professores de uma escola, acaba também por possibilitar o enfrentamento dos diferentes tipos de heterogeneidade entre alunos. A opção por uma dinâmica pedagógica passa, necessariamente, pelo compromisso que se estabelece com: os princípios teóricos adotados, os objetivos, as características e vivências das crianças, o tipo ou área de saber que se quer proporcionar. A partir dos princípios teóricos que se estabeleceu como perspectiva para a educação na escola infantil, o fazer pedagógico visa sempre partir do que a criança vive e sabe, para ampliar esse universo e ainda faze-la se apropriar de uma forma de buscar esse conhecimento. Estas metodologias supõe a construção coletiva, a democratização das relações internas, as relações pedagógicas como centro e determinador das atividades administrativas e gerenciais do espaço escolar. Necessitam, portanto, de valorização do trabalho docente, de criação de estruturas de apoio material, de trocas experiências entre educadores, de acesso a novos conhecimentos e materiais didáticos, da participação dos pais e comunidades locais. Dependem de condições que vão além da boa vontade e do conhecimento de alguns professores. Atribuir a estas metodologias a capacidade de sozinhas e automaticamente, pela tentativa de sua adoção, resolver os problemas estruturais da escola como o desinteresse (de professores e alunos), a evasão, a repetência é matá-las: na impossibilidade de serem adotadas em toda sua dimensão, acabam sendo usadas pelos professores fragmentadamente, sem alterar as relações internas e externas da escola, levando ao desencanto com qualquer nova proposta. Relatos de alguns dos autores mencionados neste trabalho, como Hernández, SME/SP, e outras experiências educacionais não registradas aqui, mostram que a sua utilização não só é viável, mas também transformadora quando condições mínimas para a construção coletiva estão garantidas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGOTTI, J. André P.; DELIZOICOV, Demétrio(1990). Metodologia do ensino de ciências. São Paulo: Cortez, 1990. DEHEINZELIN, Monique. A fome com a vontade de comer: uma proposta curricular de educação infantil. Petrópolis: Vozes, 1994. FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. KRAMER Sônia. (Org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989. _______. Infância, cultura e educação. In PAIVA, A. et alli (orgs.) No fim do século: a diversidade do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. MARTINS, M. C. Projetos em ação no ensino de arte. In FREIRE, M. et alli (orgs.) Avaliação e Planejamento – A prática educativa em questão – Instrumentos Metodológicos II. Série Seminários. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1999. PERNAMBUCO, Marta M. C. A. Educação e Escola com Movimento: do ensino de ciências á transformação da escola pública. São Paulo, 1994. Tese (doutorado em Ensino de Ciências) FEUSP. _______. "Quando a troca se estabelece" e "Significações e realidade: conhecimento" In: PONTUSCHKA, Nidia (Org.) A ousadia do diálogo: interdisciplinaridade na escola., São Paulo: Loyola, 1993. RÊGO, M. C. F. D. Recortes e Relatos: a criança de dois e três anos no espaço escolar. Dissertação de mestrado do PPGEd/UFRN. Natal, 1995. SECRETARIA MUNICIPAL DE ENSINO/SP. A Educação Infantil e a Interdisciplinaridade. São Paulo: SME, 1990-1992. (mimeo. s/d). _______. Tema Gerador. São Paulo: SME, 1991. (série: Ação pedagógica na escola pela via da interdisciplinaridade).