Seminário Coberturas de Madeira, P.B. Lourenço e J.M. Branco (eds.), 2012 93 Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia Rui Rosmaninho Câmara Municipal de Anadia [email protected] SUMÁRIO A construção do complexo desportivo que constitui o Velódromo Nacional visou a criação de um centro de alto rendimento para a prática de ciclismo de pista coberta e, ao mesmo tempo, um espaço de excelência para a prática do desporto, com condições para a coexistência simultânea de várias modalidades desportivas ou eventos, com carácter multiusos. PALAVRAS-CHAVE: MADEIRA, TRELIÇAS, PISTA, LVL 1. IMPLANTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO O local escolhido para a implantação da obra situa-se em Sangalhos, no concelho de Anadia, povoação com grande tradição no ciclismo nacional, onde existiu anteriormente uma pista de betão exterior. Recorde-se que na antiga pista de Sangalhos passaram grandes glórias do ciclismo nacional como Manuel Barbosa, Antonino Batista, Aquiles dos Santos, Venceslau Fernandes, Joaquim Santos, Lino Santos, Celestino Oliveira, entre outros. Sangalhos é ainda reconhecido a nível nacional pelo facto de aqui existirem algumas das mais importantes empresas do ramo do fabrico de bicicletas, peças e acessórios. A zona onde a obra foi implantada goza de excelentes condições de acessibilidade. Apesar de perto do centro urbano de Sangalhos, localiza-se na periferia do aglomerado edificado, junto à via rodoviária principal (EN 235) que liga a capital de distrito (Aveiro) à sede do concelho (Anadia). 2. CONTEXTO PROGRAMÁTICO O equipamento em questão visou colmatar uma lacuna no país que decorria da inexistência de condições para a preparação e formação de atletas de alta competição capazes de competir nas modalidades olímpicas de pista coberta, já que não dispunha de um edifício que satisfaça as actuais exigências em termos de áreas desportivas apropriadas, com pista “indoor” e restantes espaços de apoio, cumprindo os requisitos funcionais exigidos pela U.C.I. (“Union Cycliste Internationale”). Para além da vertente de formação de atletas, pretendeu criar condições para a realização de provas nacionais e internacionais na área do ciclismo de pista. Para a execução e projecção do complexo foi solicitado o apoio da “Federação Portuguesa de Ciclismo”. Após várias diligências, foi aconselhada a visita/estudo ao “Centre Mondial du Cyclisme” de Aigle, na Suíça, onde funciona a sede da U.C.I. (“Union Cycliste Internationale”). Este edifício é considerado uma referência para a prática da modalidade e serviu de base programática para a elaboração do edifício. Após a visita ao complexo de Aigle, a equipa projetista foi informada que a pista interior do Velódromo de Bordéus, em França, é uma referência em termos de piso desportivo, cuja Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia 94 configuração e desenho permite uma performance bastante elevada no que diz respeito a tempos realizados. A conceção do velódromo de Sangalhos teve como referencia o traçado desta pista de 250 metros, ao nível de desenho e cotagem. Figura 1 – “Centre Mondial du Cyclisme”, em Aigle, Suíça. No decorrer da obra, a empresa de construção adjudicou a subempreitada da execução da pista interior a um dos três construtores/projectistas de pistas de madeira existentes a nível mundial, que personalizou o traçado e executou a primeira pista na Europa em madeira lamelada. Figura 2 – “Vélodrome Stadium Axel Vega”, em Bordéus, França. 3. SOLUÇÃO ARQUITECTÓNICA / ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL O edifício assume uma linguagem arquitectónica com um carácter contemporâneo, baseado em linhas simples e minimalistas mas com profundo respeito pela envolvente paisagística. A nova construção pretendeu transmitir uma simplicidade formal e ao mesmo tempo destacarse como elemento simbólico estruturante do tecido urbano, de modo a não provocar impactes visuais ou ambientais negativos. Pretendeu apresentar uma imagem bem identificada do ponto de vista volumétrico e da linguagem arquitetónica. A intervenção arquitetónica proposta regeu-se por cinco diretrizes fundamentais: a construção de uma nave com uma pista de 250 metros; a implantação da edificação paralela à variante existente; a criação de uma vasta zona verde envolvente; a definição de zonas para parqueamento automóvel e a orientação do complexo de forma a tirar partido das condições ambientais do local, nomeadamente enfiamentos visuais e incidência solar. Rui Rosmaninho 95 Figura 3 – Alçado sudoeste voltado para os vinhedos existentes. A intervenção nos espaços exteriores circundantes visa a preservação e criação de áreas ajardinadas e arborizadas, com o intuito de formalizar uma atmosfera ambiental propícia para a prática desportiva e actividades de lazer. Os estacionamentos públicos localizam-se junto à rede viária e em parque de estacionamento anexo. A sua distribuição permite a distinção de zonas de estacionamento de apoio directo ao edifício e de um espaço geral para servir o público utente, com capacidade para satisfazer as necessidades aquando da realização de eventos. O edifício é composto por quatro volumes: os corpos A, B, C e D. A B D C Figura 4 – Composição da edificação e vista aérea do complexo. Uma das principais preocupações para a concepção do complexo foi a clara distinção dos espaços interiores para evitar possíveis conflitos entre as diferentes funções espaciais. Deste modo, destacam-se seis sectores: a área de evolução desportiva, o sector de público/espectadores, o sector de atletas e técnicos, o sector de serviços técnicos, o sector de restauração/utentes e o centro de estágios. A primeira é constituída por uma pista de 250 metros para a prática de ciclismo “indoor” e por um recinto central polivalente. Neste é possível a prática de várias modalidades desportivas, com área suficiente para implantar um campo rectangular de 44x25 m, que permite a sua subdivisão em função da sua utilização por duas classes de atletas, em simultâneo. A utilização plena do recinto rectangular permite a prática de várias actividades desportivas, nomeadamente: Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia 96 • Jogos desportivos colectivos em fases elementares e avançadas (andebol, basquetebol, voleibol, futebol de 5, etc.); • Jogos de raquete elementares e avançados (badmington, ténis, etc.); • Atletismo elementar (corridas planas, saltos, etc.); • Ginástica elementar e avançada (solo, aparelhos, acrobática, rítmica, etc.); • Dança elementar e avançada; • Desportos de combate (luta, judo, etc.); • Patinagem elementar. Os dois recintos desportivos localizam-se em pisos distintos de modo a poderem funcionar autonomamente ao mesmo tempo. A pista é construída e revestida em madeira, assente sobre estrutura fixa. A opção pelo piso em madeira deve-se às melhores performances de velocidade relativamente a um piso de betão. Figura 5 – Panorâmica geral da nave desportiva. O recinto retangular é constituído por módulos de madeira desmontáveis, de forma a manter o carácter multiusos do equipamento. De facto, o recinto interior poderá ser utilizado para outras práticas desportivas e eventos culturais. Com o decorrer da obra foram tomadas decisões politicas em termos de reestruturação desportiva que culminaram na decisão de ocupar o edifício com outras valências para além do ciclismo. Dotou-se o recinto central com equipamento para as modalidades de esgrima, ginástica, trampolins e judo. A iluminação da nave é efectuada por três fenestrações horizontais de considerável dimensão, cuja localização estratégica evita a incidência solar directa sobre as áreas de prática desportiva. A ventilação é efectuada através de caixilharias com painéis de abertura projectante e por um sistema mecânico de tratamento de ar ambiente de modo a garantir as temperaturas necessárias para a prática distinta de cada modalidade. A iluminação das zonas de prática desportiva principais foi concebida de forma a assegurar os níveis de luminosidade exigidos para treino, competição e transmissão televisiva. O sector de público/espectadores compreende o espaço de entrada (corpo D), as instalações sanitárias de apoio e as bancadas. Existem duas bancadas fixas de apoio à pista, implantadas simetricamente, com capacidade para cerca de 1000 lugares sentados. O acesso de espectadores portadores de deficiência motora é garantido através de plataformas elevatórias. Rui Rosmaninho 97 Ao nível do recinto central existe uma bancada telescópica com accionamento motorizado e capacidade para cerca de 1000 lugares. Poderá ser recolhida sempre que for necessário, dando carácter polivalente a esta área. O sector de atletas e técnicos distribui-se em dois níveis. O piso inferior compreende as áreas de vestiários/balneários para praticantes, os vestiários/balneários para professores/monitores/árbitros, o “healthclub”, os ginásios, uma sala de convívio para atletas e o gabinete médico. Este último funciona também como sala de primeiros socorros e gabinete anti-doping. Um pátio inferior ajardinado permite a iluminação natural dos compartimentos localizados ao nível do piso inferior, criando uma atmosfera exterior agradável para apoio directo aos ginásios e “healthclub”. No piso térreo localizam-se as áreas administrativas, uma sala polivalente (conferencias de imprensa, formação, etc.) e um gabinete de coordenação. O sector de serviços técnicos distribui-se, no edifício, em função de sete áreas diferentes: • Central térmica, para aquecimento de águas sanitárias; • Lavandaria; • Central de comando das instalações elétricas, iluminação e sinalização (executada a partir de armários contadores embutidos nas paredes e em compartimento ao nível do piso inferior); • Áreas para arrecadação de material desportivo, onde são armazenados os apetrechos e equipamentos necessários para a atividade desportiva (esta última comunica diretamente para o recinto principal de prática desportiva e possui acesso direto para o exterior); • Oficina; • Arrecadação para bicicletas. O sector de restauração/utentes não espectadores compreende o espaço de entrada principal (corpo B), a sala museu, a sala de restauração e a cafetaria/bar. A localização estratégica do balcão de atendimento permite o controle total sobre o edifício com um único funcionário, com rentabilização de meios humanos. No átrio destaca-se um painel mural cerâmico com motivos em alto relevo alusivos ao ciclismo, criado por um artista plástico da região. Figura 6 – Átrio principal onde se destaca o mural cerâmico do artista plástico Paulo Júlio. Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia 98 A sala de conferências possui uma parede de fundo constituída por duas placas de madeira amovíveis, permitindo aumentar a sua área para a cafetaria sempre que decorrerem eventos desportivos relevantes. O espaço de restauração e bar possui vista panorâmica para a poente, fazendo parte da composição do alçado frontal do edifício. O centro de estágios funciona no piso superior e é constituído por 16 quartos duplos, respectivas instalações sanitárias e duas salas de apoio. A planta elíptica da nave foi opção por uma questão de optimização da área interior, uma vez que é a forma que mais se assemelha ao desenho da pista interior. Figura 7 – Acesso principal ao complexo desportivo. 4. ASPECTOS CONSTRUTIVOS A madeira faz parte integrante do edifício e é o elemento mais marcante na imagem estética da edificação. Assume um papel de destaque em revestimento de paredes e pavimentos, na estrutura da cobertura da nave e na pista interior. Nos quartos, espaços administrativos e sala de conferências, os pavimentos são em soalho de bubinga. Átrio, sala museu, zona de restauração e cafetaria, possuem revestimento em placas de pedra lioz. Nos interiores destacam-se paramentos revestidos em placas de contraplacado folheado a faia vaporizada. Sanitários e balneários revestidos em mosaico cerâmico, tanto em paredes como pavimentos. As áreas para prática desportiva e espaços de circulação de público da nave possuem pavimento com pintura de base epoxídica. A questão estética, associada à leveza estrutural e o desenho curvo das treliças levaram á aplicação na cobertura da nave de uma estrutura de madeira lamelada. É construída em madeira de Abeto Austríaco e revestida superiormente com placas de OSB (aglomerado de partículas de madeira). O desenho arredondado da estrutura da cobertura pretende ser uma "repetição" do molde criado pela forma da pista inferior. A pista possui estrutura treliçada de suporte em madeira oriunda da República Checa. O revestimento superior foi executado em madeira LVL. Importada da Finlândia, possui elevada resistência e aderência, proporcionando um pavimento desportivo com maior firmeza, solidez e menos atrito. Este pavimento faz da pista de Sangalhos a primeira do género na Europa. Rui Rosmaninho 99 As paredes laterais de suporte da pista são revestidas em placas de OSB (aglomerado de partículas de madeira). Este revestimento cria uma espécie de desfiladeiro em madeira que permite a circulação em todo o perímetro na nave, com espaços amplos para divulgação de eventos e exposições. No exterior destacam-se os revestimentos fenólicos com acabamento em textura de madeira e as superfícies em zinco pré-envelhecido. São materiais que garantem uma significativa durabilidade e pouca manutenção, características imprescindíveis para um edifício público desta natureza. Figura 8 – Perspectiva noroeste do edifício. Figura 9 – Interiores dos quartos onde a madeira assume um papel de destaque nos revestimentos de paredes e pavimentos. Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia 100 5. CURIOSIDADES 19.200 m2 Área de construção do complexo desportivo. 9.100 m2 Área total de coberturas. 7.525 m2 Área da cobertura da nave. 118 m x 80 m Medidas dos eixos da planta de forma elíptica da nave. Abeto Austríaco Madeira utilizada na construção da estrutura, transformada em Itália e instalada por uma equipa alemã. 350 toneladas Capacidade de carga de uma das 5 gruas utilizadas. 670 m3 Volume de madeira lamelada utilizada na construção da estrutura da cobertura. 18 semanas Produção e montagem da estrutura da cobertura. Estrutura da pista A estrutura de suporte da pista foi colocada por uma equipa especializada de carpinteiros da República Checa. A base treliçada estrutural foi construída em madeira do mesmo país. Madeira LVL Madeira utilizada no pavimento da pista. Importada da Finlândia, possui elevada resistência e aderência, proporcionando um pavimento desportivo com maior firmeza, solidez e menos atrito. Pista em LVL É a única instalação do género na Europa. 500.000 pregos Utilizados na execução da pista, pregados à mão, um a um, para unir as réguas de LVL que compõem a superfície da pista de ciclismo. Um cuidado para garantir uma melhor ligação entre o prego e a madeira. 6.500 m2 Chapa de zinco pré envelhecido aplicado no revestimento de paredes exteriores e coberturas. 40 toneladas Vidro triplo anti-reflexo extra claro. Permite filmagens em condições óptimas e garante a robustez necessária à segurança da pista. Rui Rosmaninho 101 Figura 10 – Pormenor de acabamentos exteriores, onde predominam as fachadas ventiladas em zinco pré-envelhecido e em revestimento fenólico. Figura 11 – Pista interior em madeira LVL. Velódromo Nacional. Centro de Alto Rendimento de Anadia Figura 12 – A madeira é o material dominante na conceção do edifício. 102