1 EDUCAÇÃO MORAL OU EM VALORES NAS ESCOLAS: CONCEPÇÕES DE EDUCADORES EM ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS Maria Suzana De Stefano Menin (FCT/UNESP)1 Juliana Aparecida Matias Zechi (FCT/UNESP)2 Claudiele Carla Marques da Silva (FCT/UNESP)3 Alana Paula de Oliveira (FCT/UNESP)3 Apoio Financeiro: CNPq, auxílio à pesquisa e bolsas de Iniciação Científica. O presente trabalho descreve dados de uma pesquisa maior que objetiva investigar experiências brasileiras de educação moral ou educação em valores em escolas públicas de ensino fundamental (6º a 9º ano) e ensino médio, consideradas pelas escolas como bem sucedidas. As experiências foram coletas a partir de aplicação de questionário on line ou escrito a agentes escolares de escolas públicas em diversos estados brasileiros. Neste texto apresentamos uma análise quantitativa dos dados coletados, num total de 1059 respostas, uma análise qualitativa de 100 experiências selecionadas aleatoriamente e os resultados obtidos a partir da aplicação do ALCESTE. A maioria dos respondentes é favorável à Educação Moral (95%), justificando a sua importância ou apontando a formação da cidadania e a convivência harmônica, ou se referindo a uma crise de valores na família ou na sociedade. Os temas mais presentes referem-se ao ensino de valores, tais como o respeito. Comparece uma pluralidade de estratégias para essa educação, mesmo que não relacionadas a projetos pedagógicos maiores. Palavras-chaves: Educação moral, educação em valores, ética e escola. 1 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Univ. Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. E-mail: [email protected] 2 Mestre em educação pela Univ. Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. E-mail: [email protected] 3 Alunas do curso de Pedagogia da Univ. Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. Bolsistas PIBIC/CNPq 2 EDUCAÇÃO MORAL OU EM VALORES NAS ESCOLAS: CONCEPÇÕES DE EDUCADORES EM ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS O presente trabalho descreve dados da pesquisa “Projetos bem sucedidos de educação moral: em busca de experiências brasileiras”4 que objetiva investigar experiências brasileiras de educação moral ou educação em valores em escolas públicas de ensino fundamental (6º a 9º ano) e ensino médio, consideradas pelas escolas como bem sucedidas. Buscamos compreender o que os agentes escolares pensam sobre essa forma de educação. Para coletar a descrição de projetos de Educação Moral, aplicamos um questionário na forma on line ou escrito a coordenadores(as) pedagógicos(as), diretores(as) e professores(as) de escolas públicas em diversos estados brasileiros. Na Psicologia do desenvolvimento, desde Piaget (1930/1996, 1932/1977) já se tem uma discussão sobre como se constitui o desenvolvimento moral da criança e, em decorrência, podem ser pensadas as implicações e indicações educacionais. Se o desenvolvimento moral pode desembocar na autonomia, isto é numa moral construída pelos próprios sujeitos em função de relações de cooperação e de reciprocidade vividas com iguais e que tenha como finalidade o alcance de relações sociais justas e o bem estar da maioria das pessoas, os meios para essa educação não podem destoar desses fins (PIAGET, 1930/1996; PIAGET, 1968). Na literatura brasileira na área, muitos pesquisadores têm buscado descrever o que seria uma educação moral adequando finalidade e meios (AQUINO, ARAÚJO, 2000; ARAÚJO, 1996 e 2000; DIAS, 2005; LA TAILLE, 2006 e 2009; MENIN, 1996, 2002 e 2007; TOGNETTA, 2003; TOGNETTA, VINHA, 2007; VINHA, 2000; D´AUREATARDELI, 2003; TREVISOL, 2009). Sabemos que, no cotidiano escolar, a Educação moral pode ocorrer de diversas maneiras, de forma explícita e planejada ou implícita e casuística. Temos consciência, também, que na literatura da área são oferecidas diferentes definições para os termos “moral” e “Educação Moral”. Neste trabalho, no entanto, adotamos como 4 CNPQ-Processo: 470607/2008-4. Equipe: Maria Suzana De Stefano Menin (coordenadora da pesquisa); Maria Teresa C. Trevisol (vice-coordenadora); Alessandra de Morais Shimizu; Ana Valéria Lustosa; Denise Tardeli; Heloisa M. Alencar; Juliana Ap. M. Zechi; Leonardo Lemos de Souza; Luciana S. Borges; Márcia Simão; Patrícia Bataglia; Raul Aragão Martins; Solange Mezzaroba; Ulisses Ferreira Araújo; Valéria Amorim Arantes de Araújo. 3 ponto de partida, uma definição ampla de Educação Moral: aquela que tem por finalidade a transmissão, e/ou construção e prática, de princípios, valores, normas e regras que orientem as pessoas, no caso, escolares, a viverem o mais harmonicamente possível com os demais e dentro do que se considera, na cultura, como bom, correto, justo. Esclarecemos, ainda, que tomamos, neste texto, os termos “Educação moral” e “Educação em valores” como sinônimos, pois, mesmo que muitos valores não sejam morais (La Taille, 2009), constatamos que, normalmente, quando educadores se referem ao âmbito da educação em valores, estão implícitas escolhas e finalidades morais. Partindo dessa visão mais genérica de Educação moral, vemos que no Brasil, ao longo de nossa história, as relações entre escola e esta forma de educação se manifestaram de diferentes maneiras. Até bem pouco tempo, quando falávamos em Educação Moral, logo nos lembrávamos de “Educação Moral e Cívica”, disciplina obrigatória dos tempos de ditadura militar, entre os anos 60 e 80. Esta Educação se fazia nas escolas por meio de disciplina, professores e manuais específicos, e tinha como finalidade a formação do cidadão obediente às normas e às autoridades, além do controle da ordem social e da adequação às leis. Com a abertura democrática no final dos anos 80, os programas de Educação Moral e Cívica foram abolidos e, por alguns anos, vivemos nas escolas um vazio nessa área. A Educação Moral passou a ser assunto apenas de escolas confessionais, ou de certos professores que buscavam ou em critérios pessoais, ou na religião, os motivos, os conteúdos e os meios de fazê-la. A finalidade de uma Educação Moral religiosa geralmente é o ensinamento de valores que orientam a convivência das pessoas, mas que se baseiam na fé, na busca de salvação eterna, ou do perdão aos pecados (CORTINA, 2003). Até nos dias de hoje, pais que consideram importante que a escola dê uma Educação Moral tendem a colocar seus filhos em escolas religiosas, confundindo moral e religião. No final dos anos 90, por iniciativa governamental, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação (BRASIL, 1998) e neles aparece novamente a Educação Moral, agora mais voltada à Ética como um tema transversal de ensino. Nessa proposta, inspirada em autores da Psicologia do Desenvolvimento, como Piaget (1932/1977), há ênfase na construção e nas vivências de valores como respeito mútuo, solidariedade, diálogo e justiça em vários espaços escolares, e não como uma disciplina específica. Busca-se, uma educação mais democrática, laica, que conte com a participação de vários membros da escola e que construa valores nos alunos de modo 4 mais participativo, consciente, autônomo. No entanto, o ensino da Ética como um tema transversal dos PCNs, foi pouco assimilado pelas escolas brasileiras, públicas ou confessionais e a Educação Moral continuou ou não se fazendo de maneira expressa e planejada ou acontecendo ao sabor de preferências pessoais de professores. Mais recentemente, por volta do início dos anos 2000, graças a um incentivo crescente do Ministério da Educação (MEC) e de certas Secretarias Estaduais e Municipais, e em consonância com demandas mundiais e da globalização, propõe-se às escolas a inclusão da Educação em Direitos Humanos, na qual os princípios e os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) são focos de conhecimento, de vivencias e de possíveis incorporações pelos alunos. Acredita-se que a Declaração – por expressar um código reconhecido mundialmente com valores universalizáveis - é a melhor explicitação de princípios e valores éticos que temos até agora e que conhecê-la, compreendê-la, pô-la em prática é a melhor forma de educar moralmente. Surgem, então, projetos de Educação Moral nas escolas brasileiras, voltados para a aprendizagem e o exercício do respeito a diversos direitos humanos. Nesse transcorrer histórico da Educação Moral no Brasil, observamos que essa forma de educação passou a ser vista de diferentes formas, possibilitando o surgimento de diversas concepções sobre o tema. Sabemos que vivemos numa época na qual muitos apontam a existência de uma crise de valores (BAUMAN, 1998; JARES, 2005; LA TAILLE, 2009; e LA TAILLE e MENIN, 2009). A escola tem sido pressionada para retomar o tema da Educação Moral e, em decorrência, gestores são levados a se posicionar, a explicarem, definirem, e mesmo, planificarem formas de Educação moral gerando diferentes concepções. Assim, embora na literatura na área sejam também indicados fins e modelos pra educação moral, nosso objetivo nesta pesquisa é o de investigar as representações mais espontâneas que gestores escolares e professores têm de educação moral eu em valores nas escolas. METODOLOGIA O questionário completo da pesquisa apresenta 24 questões sendo algumas objetivas e outras dissertativas. As primeiras solicitações pedem aos sujeitos que digam se a escola deve dar Educação Moral, porque isso se justificaria, e como ela deveria ser. São questões que objetivam apreender as representações mais espontâneas dos participantes. 5 As demais questões de nosso instrumento de pesquisa se referem às experiências de educação moral que as escolas tenham realmente feito. Pedimos, inicialmente, uma descrição geral, e, depois, solicitamos esclarecimentos mais detalhados sobre os projetos: finalidades, conteúdos, meios empregados, participantes, tempo de duração, relações da experiência com a comunidade extra-escolar e se receberam formação específica para sua realização. A participação das escolas em responder ao questionário foi obtida após contato e autorização das Secretarias Estaduais de Educação dos diferentes estados brasileiros, e se deu, na maioria das vezes, por meio de envio de e-mail às escolas públicas com esclarecimentos sobre a pesquisa, um termo de livre consentimento e o questionário on line. Desse modo, foram obtidos, até março de 2010, 1059 questionários respondidos. Os respondentes, todos de escola pública, se constituíram de diretores (35%), coordenadores pedagógicos (28%) e professores (30%), tanto de ensino fundamental, como de ensino médio. A representação das escolas por estado foi muito desigual: dentre as 1059 respostas, obtivemos 7% da região Norte; 17,5% do Nordeste; 5% do Centro-oeste; 14% do Sul e 57% do Sudeste. Neste texto, serão abordadas as primeiras tendências dos dados coletados. Para tanto, apresentamos uma análise quantitativa obtida através do Survey Monkey, um programa de coleta e tabulação de dados, uma análise qualitativa de 100 experiências, escolhidas aleatoriamente dentre o banco geral de dados e os resultados mais gerais obtidos a partir da aplicação do software ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’ un Ensemble de Segments de Texte de Max Reinert, 2005). Este software realiza uma leitura do texto nele digitado e elabora um dicionário, faz um cálculo das matrizes de dados e classificação das unidades de contexto elementares. A partir disso, as respostas dos sujeitos são divididas em unidades com sentido e é obtida uma descrição das classes de resposta dos participantes da pesquisa. RESULTADOS Considerando o banco geral de dados com as 1059 respostas, um primeiro tratamento dos resultados resultou numa quantificação das respostas as questões construídas na forma de alternativas. Elas nos permitiram identificar algumas tendências mais gerais nas descrições das experiências. 6 A primeira delas mostrou que entre os respondentes, a grande maioria (96%), é a favor de que a escola dê Educação Moral. As questões que se seguiram no questionário buscaram saber se os respondentes já participaram de alguma experiência de Educação Moral (ou Educação em Valores, Ética na escola, Cidadania na escola ou Direitos Humanos), se ela poderia ser classificada como bem sucedida e passaram a descrever como ela ocorreu. Entre os respondentes, 72% afirmaram que participaram de alguma experiência, do ano de 2000 em diante. Dentre as alternativas existentes, foram apontadas experiências de “Cidadania na escola” (54%), “Ética na escola” (44%), “Direitos humanos” (36%), “Educação em valores” (39%) e “Educação moral” (19%). Cabe destacar que, geralmente, os respondentes classificaram a experiência em mais de uma temática. Na leitura das descrições de 100 experiências escolhidas aleatoriamente do banco geral de dados, constatamos que estas foram muito variadas e aparecem incluindo desde aulas expositivas sobre educação Moral, encontros dos alunos com os coordenadores pedagógicos em eventos de curta duração, cursos freqüentados por coordenadores e professores, como, embora em minoria, projetos bem amplos que envolvem grande número de agentes e durou todo o ano escolar. Voltando ao banco geral de dados, vimos que 94% dos respondentes afirmaram que a experiência relatada foi bem sucedida. Na análise qualitativa, vimos que uma das razões mais apontadas pelos agentes escolares para considerar as experiências como bem sucedidas foi a participação: participação dos alunos na gestão da escola; participação e envolvimento nos projetos propostos; participação nas discussões sobre valores e/ou direitos humanos; participação na conservação da escola. Houve também algumas falas que apontaram melhoras no comportamento dos alunos, na relação professor-aluno, diminuição de violência na escola, melhora na maneira de resolver conflitos e maior conscientização dos alunos a respeito de seus direitos e deveres. Constatamos, no banco geral de dados, que as experiências descritas foram longas: 49% delas duraram mais de seis meses na escola, 23% de 1 a 6 meses e 28% de 1 semana a 1 mês. Elas envolveram mais de 100 alunos e de trinta professores. A maioria das experiências incluiu também a equipe gestora (93%) e os funcionários da escola (73%). Algumas envolveram as famílias (64%) e entidades externas à escola (43%). 7 Na análise mais qualitativa das 100 experiências aqui examinadas, vimos que nos temas mais focados nos projetos, um dos valores morais que mais apareceu foi respeito: respeito mútuo ou respeito aos indivíduos. Seguiram-se outros valores como cidadania, diálogo, auto-conceito positivo, justiça, veracidade, solidariedade, amizade, honestidade, amor, paz, cooperação, tolerância. Outros temas compareceram ligados aos respeito a direitos humanos, conhecimentos de outras culturas, formação política, valor do aluno de escolas públicas e valorização profissional. Outros abordam direitos humanos específicos, como os direitos de portadores de necessidades especiais, de crianças, adolescentes e idosos. A resolução de conflitos de ordem interpessoal também apareceu como tema e finalidade da educação moral. Outros temas se mostraram muito genéricos, apenas se referindo a palavras como ética, moral, direitos humanos e religião, sem especificar o que seria focado. Os meios através dos quais os temas das experiências foram trabalhos se mostraram muito variados e em nenhuma delas foi usada uma estratégia única. Há desde a transmissão de valores através de aulas expositivas, leitura de textos, de documentos e estudos mais teóricos; como práticas mais diversificadas e dinâmicas incluindo: assembléias, debates, filmes, visitas a comunidade, visitas a museus, teatro, música, exposição de trabalhos à comunidade, depoimentos e pesquisas empíricas com os alunos ou feitas por eles. Alguns relatam também, a transmissão de valores através de aulas de ensino religioso. A finalidade mais apontada nas experiências foi a de consolidar, ou desenvolver, valores como respeito e cidadania. Além delas, os relatos falaram da necessidade de melhora na convivência entre os alunos, da diminuição da violência e/ou agressividade. Outras finalidades compareceram, tais como: consolidar a auto-estima dos alunos, combater ou repudiar preconceito e discriminação, aumentar a sensibilidade para com as necessidades dos outros. Alguns respondentes apontaram como finalidade a necessidade de resgatar valores (éticos ou morais) que, segundo eles, estão se perdendo por causa da sociedade corrompida e de resgatar valores que não são mais transmitidos pela família. Perguntamos no questionário se a experiência relatada foi provocada de alguma forma pela comunidade em volta da escola e 60% dos respondentes do banco geral de dados disseram que sim. No entanto, na leitura de 100 experiências, notamos que não ficou muito clara esta relação entre escola e comunidade. Parte das justificativas afirmou que a comunidade provocou a experiência devido aos problemas 8 que nela se apresentam, como violência no bairro, falta de preservação ou cuidado dos bens públicos. Outros relatam que a comunidade provocou a experiência pelas lacunas de presença e/ou de educação da família: pais não acompanham os filhos, grande ausência dos pais nas reuniões, estes só vêm à escola quando convocados. Outros ainda revelaram que a comunidade participou da experiência ajudando nos projetos e vendo os trabalhos produzidos pelos alunos. Quando questionados sobre a ocorrência, ou não, de mudanças no ambiente escolar com a experiência, 94% dos participantes do banco geral responderam afirmativamente. A resposta mais freqüente apontou mudanças no convívio escolar entre os alunos: melhora no relacionamento, menos agressões, aprendizagem de outras formas de resolver conflitos. Foram também citadas outras mudanças positivas como: maior preservação e cuidado com a escola, conscientização de direitos e deveres, os alunos ficaram líderes de turma mais preparados, e maior interesse pela vida escolar e, até pelos estudos. Assim, do ponto de vista das escolas, as experiências consideradas bem sucedidas produziram resultados concretos que foram bem visíveis. No entanto, percebemos que as formas de avaliação foram subjetivas baseadas mais em impressões que em medidas objetivas. Cerca de 80% das experiências do banco geral de dados foram avaliadas de formas diversas: desde conversas com os alunos pelos coordenadores ou professores, reunião entre professores, avaliação do projeto pela direção e coordenação, como análises estatísticas, diagnósticos, questionários, aplicação de fichas avaliativas, apresentações culturais para a comunidade, artigos na imprensa, entre outros. Finalmente, queríamos saber se as escolas receberam alguma formação para poder realizar esses projetos de Educação Moral que nos relataram. Apenas 29% das escolas com experiências relatadas no banco geral de dados receberam formação para esse tema. Entre essas, a maioria relata que participaram de cursos e palestras oferecidos pelas secretarias de educação de sua região. Outra análise que realizamos a partir dos dados do banco geral se deu com cerca de 800 respostas ao questionário. Para essa análise consideramos apenas as duas primeiras questões do questionário: “Em sua opinião, a escola deve dar Educação Moral ou Educação em Valores aos seus alunos? Por quê?” e “Se você respondeu SIM à questão anterior, diga, em resumo, como essa Educação poderia ser dar?”. As respostas a essas questões foram trabalhadas pelo software ALCESTE (2005). 9 Em relação a questão sobre se a escola deve ou não dar uma educação moral, obtivemos através do Alceste cinco classes de respostas: duas apontando a crise de valores presente, ou na família, ou na sociedade e a necessidade da escola supri-la dando Educação Moral; duas dando finalidades para essa educação ancoradas na formação de cidadania e convivência harmônica para conter a violência crescente que existe hoje em dia, e, uma última classe apontando que a escola deve ser um local de educação moral planejado pedagogicamente. Destacamos que, nas duas primeiras classes de resposta obtidas, os agentes escolares criticaram as famílias dos alunos, apontando-as como negligentes na formação em valores e lamentaram o peso de mais uma atribuição à escola – a educação moral. Eles acreditam que cabe à escola esta formação em razão da mesma ser mal feita ou inexistente em outros espaços sociais (MARTINS, SILVA, 2009; CAMINO, PAZ, LUNA, 2009; TREVISOL, 2009). Sobre a segunda questão a respeito de como realizar educação moral nas escolas, também surgiram cinco classes: três apontaram estratégias ou espaços específicos de Educação Moral: • torná-la parte da grade curricular em disciplinas como filosofia, sociologia e história ou ser um tema transversal a varias disciplinas; • ser baseada em resolução de conflitos e em situações problema do cotidiano e real; ou ainda, • ser realizada através de atividades diversificadas como palestras, debates e filmes. Outras duas classes apontaram novamente finalidades da Educação Moral, como resgatar valores para a formação de alunos cidadãos conscientes e fazê-lo com profissionais preparados além de contar com as famílias. Em síntese, a partir dessa análise do Alceste algumas tendências de respostas ficaram muito claras. A primeira é que a maior parte dos respondentes traz a educação moral como uma tarefa da escola. No entanto, dentro desse grupo vemos duas posições: uma em que a educação moral é aceita como de responsabilidade da escola apenas porque a família não mais a assume e outra que reconhece essa forma de educação tanto importante quanto outras que a escola realiza. A segunda indica uma pluralidade de estratégias nessa educação, mesmo que nelas não compareçam projetos pedagógicos bem traçados. 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Autores brasileiros vêm discutindo o que poderia ser considerado como um projeto adequado de educação moral (AQUINO, ARAÚJO, 2000; ARAÚJO, 1996 e 2000; DIAS, 2005; LA TAILLE, 2006 e 2009; MENIN, 1996, 2002 e 2007; TOGNETTA, 2003; TOGNETTA, VINHA, 2007; VINHA, 2000; D´AUREATARDELI, 2003; TREVISOL, 2009). Mesmo institucionalmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) defendem a Ética como um tema da educação e propõe procedimentos para realizá-la. Mais recentemente, o Ministério da Educação e Cultura tem incentivado programas de Educação em Direitos Humanos, tais como o programa “Ética e Cidadania” (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2007). Como pontos em comum entre esses autores e programas, podemos sintetizar algumas direções mais essenciais para a educação moral. Em primeiro lugar todos apontam que a escola deve imbuir-se do compromisso de educar moralmente seus alunos, e que esta educação não deve se limitar a uma disciplina específica, mas alcançar o maior número de espaços e de participantes escolares e mesmo da comunidade. Afirmaram, também, que nesta educação explicitem-se, discutam-se e reconstruam-se regras, valores e princípios que norteiem o como viver numa sociedade justa e harmoniosa, mesmo que a sociedade atual não se mostre, na maioria das vezes, assim. Além disso, todos concordam que essa educação se dê por meios baseados no diálogo, na participação, no respeito, enfim, procedimentos e estratégias que se coadunem com a construção de indivíduos autônomos. Assim, considerado essas indicações embasadas na Psicologia do Desenvolvimento Moral e voltando à descrição das experiências obtidas nessa pesquisa, destacamos que dentre elas apenas cerca de 10% poderiam ser consideradas, de fato, como experiências bem sucedidas. Pois, nessas experiências houve clareza de fins a alcançar e esses foram morais, suas estratégias foram planejadas envolvendo um compromisso maior da escola e foram embasadas em métodos democráticos, houve a participação de grande parte dos sujeitos escolares, incluindo um envolvimento da família e da comunidade e foram experiências de longa duração. Mesmo que grande parte das experiências até agora analisadas não tenham se mostrado verdadeiramente completas, ou “bem sucedidas” é preciso reconhecer que projetos considerados como positivos pelas escolas aconteceram e foram possíveis em instituições públicas, apesar de todas as dificuldades que a circundam. Além disso, a maioria das escolas não recebeu nenhuma formação específica em 11 Educação Moral, ou Cidadania, ou Direitos Humanos que tenha contribuído para a elaboração e execução de projetos, e mesmo assim, aconteceram iniciativas da própria escola e, de certa forma, foram eficazes. Assim, é preciso que aproveitemos este momento em que as escolas estão altamente mobilizadas para realizar a educação moral, a fim se incentivá-las a fazer isso e instrumentalizá-las da melhor forma possível. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, J. G.; ARAÚJO, U. F. (Org.). Em Foco: Ética e educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26. n.2., p. 53, jul./dez.2000. ARAÚJO, U.F. 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