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Formação de agenda na política de assistência social: o papel das conferências e
do sistema integrado de participação e deliberação
Cláudia Feres Faria e Eleonora Schettini M. Cunha
No campo de análise de políticas públicas, os padrões de ação de atores políticos e
sociais envolvidos nos processos decisórios constituem elementos analíticos
importantes desde as primeiras investigações na área, desenvolvidas a partir da década
de 1960. Inicialmente, os trabalhos produzidos identificavam exclusivamente os atores
considerados politicamente relevantes para esse processo, os quais representavam, em
maior ou menor grau, o Estado e os grupos de interesse.
Com o avanço dos debates e das investigações sobre políticas públicas nos anos 1970,
em resposta, sobretudo, às mudanças políticas e socioeconômicas ocorridas naquele
período, novas interpretações passaram a compor o leque de abordagens preocupadas
em compreender e explicar os processos de formação e de mudanças das políticas.
Dentre as mais proeminentes, destacam-se a abordagem institucional, de redes, da
teoria da escolha racional e a baseada no papel das idéias e do conhecimento nesses
processos (John, 1999; Campbell, 2002).
Essas teorias buscaram explicar as políticas públicas atribuindo menor ou maior
centralidade ao papel dos atores governamentais, políticos e sociais na escolha e na
mudança das mesmas. Dentre elas, ganharam destaque, por sua aplicabilidade,
sofisticação analítica e capacidade de gerar novas pesquisas empíricas: (a) a
abordagem dos Múltiplos Fluxos (multiple-streams), desenvolvida por John Kingdon
(2003), que trata do processo de formação da agenda de políticas públicas, e (b) a
abordagem das advocacy coalitions, desenvolvida por Paul Sabatier e por Hank
Jenkins-Smith (1999), que busca explicar as mudanças nas políticas.
Essa literatura confere centralidade a um conjunto de atores sociais e políticos em
“comunidades de políticas” ou “coalizões de defesa” na determinação da agenda
pública e do processo de mudança da mesma, ao enfatizar alianças de diferentes
grupos e indivíduos que compartilham interesses, ideias e crenças políticas, ampliando,
de fato, o número de participantes no processo de construção da agenda. Em que pese
a inclusão no número e nos tipos de atores envolvidos, autores filiados ao campo
discursivo de análise sobre políticas públicas se ressentem da ausência, nas
abordagens supracitadas, de explicações acerca da dimensão interativa através da qual
são estruturados os problemas, formadas as coalizões e mudadas as agendas (Hajer e
Wagenaar, 2003; Fischer, 2003; Goodin, 2008). Segundo Fischer (2003), os modelos
apresentados desconsideram o contexto no qual as comunidades ou coalizões de
defesa são formadas e, assim, prestam pouca ou nenhuma atenção às formas pelas
quais elas se estruturam. Além de crenças, afirma o autor, narrativas, discursos e
histórias contadas constituem também meios de interação que impactam o processo de
descoberta e formatação dos problemas, bem como de orientação das coalizões a
serem formadas.
A deliberação torna-se, assim, uma forma de interação importante na medida em que
ela pode promover contextos de “descobertas públicas” por meio de um processo de
troca de argumentos e de aprendizado social sobre como estruturar os problemas e as
possibilidades públicas de resolvê-los. Ademais, nessa abordagem, adverte Fischer
(2003), as coalizões políticas são reproduzidas e transformados via um conjunto amplo
de atores que não necessariamente se encontram face a face, mas que através de suas
atividades discursivas reforçam um conjunto particular de narrativas em um
determinado campo político. Tais narrativas podem ser representadas em diferentes
espaços dando densidade à ideia de um sistema integrado de participação e
deliberação, no qual nem todos estão presentes em todos os lugares, mas podem ser
representados pelas ideias, crenças e discursos construídos pelos atores afetados
nesses diferentes espaços.
Pensar a construção da agenda de políticas públicas como uma prática participativa e
argumentativa requer compreender, também, como ocorrem as conexões entre
diferentes níveis e atores em um espaço próprio, como as Conferências de Políticas
Públicas
As Conferências de Políticas Públicas são definidas oficialmente como espaços
institucionais de participação e deliberação acerca das diretrizes gerais de uma
determinada política pública podendo assumir caráter consultivo ou deliberativo (Brasil,
SG-PR/SNAS, 2010). Elas podem ser convocadas por lei, decreto, portaria ministerial
ou interministerial ou ainda por resolução do respectivo Conselho. Ao regulamentá-la,
os órgãos responsáveis pela convocação e realização das Conferências detalham o
tema e os objetivos e estabelecem as Comissões Organizadoras, definem os
cronogramas e o regulamento para implantação das reuniões municipais, estaduais
e/ou regionais e nacionais e para as eleições de delegados.
Neste sentido, as
conferências constituem espaços de participação, representação e deliberação que
requerem esforços diferenciados, tanto de mobilização social, quanto de construção da
representação política e do diálogo em torno da definição de uma determinada agenda
de política pública.
O objetivo desta proposta consiste em analisar as Conferências a partir da ideia de
sistema participativo e deliberativo, cuja origem se encontra nas discussões mais
recentes no interior da teoria democrática contemporânea.
Tal ideia pode ser identificada com o giro ocorrido na teoria deliberativa. Atenta para a
necessidade de mobilizar múltiplos tipos de ações em diferentes espaços com o intuito
de concretizar sua agenda inclusiva, este campo analítico vem buscando formas de
conectar esses tipos de ações em um “sistema integrado de participação e deliberação”
em diferentes níveis espaciais (Hendrix, 2006; Mansbridge, 2007; Goodin, 2007;
Dryzek, 2010; Faria, 2010; 2011). Seguindo Mansbrige et all. (2011), entende-se por
sistema um conjunto de partes distintas, mas interdependentes, conectadas de tal
forma que compõe um todo complexo, o que requer diferenciação e integração entre as
partes, bem como uma divisão funcional de trabalho e alguma interdependência
relacional, uma vez que a mudança em um componente pode gerar mudanças em
alguns dos outros.
Neste caso, acredita-se que diferentes espaços, distribuídos em subunidades que
apresentam regras e funções distintas, podem servir como input para a ação em outras
unidades com funções e responsabilidades diferenciadas (Dryzek e Goodin, 2010). Isto
não pressupõe, insiste Mansbrige et all (2011), que os componentes envolvidos em um
sistema precisem necessariamente ter uma função única ou precisem ser de tal forma
interdependentes que uma mudança em um produza automaticamente uma mudança
em todos os outros. Mas, ao mesmo tempo, pressupõe que algum nível de conexão e
coordenação entre essas partes seja indispensável.
A ideia de sistema na área da assistência social está associada aos princípios que
nortearam a regulação dessa política estabelecidos nos anos 1990 e efetivados na IV
Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003. Tais princípios previam um
sistema descentralizado e participativo que realizasse ações integradas de proteção
social. Municípios, estados e união deveriam funcionar com níveis diferenciados de
atribuições segundo competências específicas, mas, ao mesmo tempo, de forma
coordenada e articulada. Esse sistema, atualmente denominado Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), também prevê instâncias de participação, negociação e
deliberação, como Fóruns, Conselhos, Comissões Intergestores e Conferências, que
devem estar conectadas entre si, como forma de estabelecer integração intersistêmica
(Brasil, 2005; Cunha, 2009). A complexidade desse arranjo aponta para diferentes
possibilidades analíticas e, em especial, para o processo de formação de agenda, para
uma área de política pública que está em pleno processo de estruturação.
O desafio que nos propomos é utilizar as ferramentas analíticas oferecidas pela ideia de
sistema integrado de participação e deliberação na dinâmica das Conferências de
Assistência Social buscando compreender o processo de conexão e coordenação entre
as partes na formação de uma agenda de política pública para a área em questão. Para
isso, serão analisadas as conferências de assistência social dos níveis municipal,
estadual e nacional realizadas no ano de 2011.
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