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Peter Burke, uma história social da mídia e do conhecimentoi
Denis Gerson Simõesii
“A visão de um historiador frente às mudanças tecnológicas ocorridas junto
à mídia.” Esse pode ser o resumo do diálogo realizado com o Prof. Dr. Peter
Burke, em Porto Alegre, quando falou do seu livro Uma História Social da Mídia
(2004), escrito juntamente com Asa Briggs. Nesta entrevista o professor expôs
questões ligadas à história, Tecnologias da Informação e Comunicação, mídias e
educação. Com destaque internacional, Burke fez doutorado pela Universidade de
Oxford, é professor de História na Universidade de Cambridge e membro da
Emmanuel College. Publicou várias obras, entre elas A fabricação do rei (1994) e
Uma história social do conhecimento (2003).
1. O que o senhor pensa sobre redes sociais, sites, blogs?
É como quase tudo. Tem vantagens e desvantagens. Vantagens de
rapidez, onde, por exemplo, descobri que sentado, na minha sala de estudo,
querendo verificar algo, posso pegar um livro ou encontrar o que quero encontrar
consultando o Google e o Wikipédia. É até melhor, mas menos importante
morando em cidades com boas bibliotecas. Todos podem consultar o site
Wikipédia em locais onde não existem muitas bibliotecas, como na praia, na
África etc. Há desvantagens, pois a qualidade da informação é muito variável. Há
artigos excelentes no Wikipédia, outros menos. Também, outra vantagem do
Wikipédia sobre a enciclopédia britânica é a rapidez de revisão. Todos os dias as
informações estão mudando. Mas apesar disso, os estudantes não devem
esquecer os livros, pois há áreas de conhecimento com quase nada na internet.
Realizei algumas especializações e com isso, busquei detalhes biográficos na
Internet. Não encontrei nada. Vamos à coexistência de vários meios de pesquisa
e não a substituição do meio para outro meio.
2. Antigamente as pessoas faziam resumos de livros. Atualmente as
pessoas estão deixando de lado o costume de anotar, substituindo o papel e
a caneta por notebooks. O que o senhor acha disso?
No começo, era muito estranho. Havia estudantes que em vez de fazer
uma bibliografia, simplesmente diziam que encontravam o material na Internet.
Mas agora existem referências, em artigos, no Wikipédia... Então estou aceitando
melhor isso do que antes.
3. Como o senhor vê na sociedade ocidental atual o papel da mídia dentro
das relações de poder?
Como quase sempre, tem dois lados. Agora, nos governos, temos a
possibilidade de saber mais do que nunca sobre tudo na sociedade. Isso é muito
perigoso para a liberdade do individual. Por outro lado, é possível para os
indivíduos saberem muito mais dos segredos do governo do que antes. É
fenômeno é quase universal no mundo de hoje.
4. A questão da Internet, os meios eletrônicos, digitais, vem alterando um
pouco o aspecto da mídia nos últimos quinze anos. Quando o senhor
escreveu “A História Social da Mídia”, conta mais da mídia histórica, com
Gutenberg, dos movimentos mais antigos. Ocorreram alterações nas novas
edições do livro com a digitalização, nesse processo com o computador e a
mudança das mídias?
Agora temos uma terceira edição do livro. Felizmente, a minha parte não
precisou ser modificada. Quase nenhuma alteração. Mas Briggs [Asa Briggs,
autor do livro Uma História Social da Mídia junto com Burke] precisou reescrever
quase tudo do segundo capítulo exatamente para essa nova edição. Ocorreram
grandes mudanças.
5. O senhor trabalha muito a idéia da mídia como instrumento social. Como
Podemos ver a história da sociedade através da história da mídia, ou, a
mídia como reflexo da sociedade. Como faria essa análise?
É mais complicado... Eu gosto sempre de falar, escrever e pensar “as
mídias” no plural. Elas são meros reflexos da sociedade, pois têm muitas
possibilidades de mudar a própria sociedade. É uma relação dialética.
6. A questão que se coloca muito é a idéia da inovação. O que as idéias
passam a se alterar a partir das tecnologias e o que não se faz. A academia
hoje publica muitas vezes muitos livros, mas muito iguais. Qual o papel da
Academia e da mídia no processo de inovação das idéias?
A grande maioria dos livros acadêmicos, como a grande maioria das
comunicações, não são inovadoras. Mas há uns 5% que se diferenciam e são
muito importantes para a sociedade em geral. É bom pensar que Tim BernersLee [engenheiro britânico que inventou a World Wide Web] é acadêmico e que a
internet começou como meio de comunicação entre acadêmicos e depois abriu
para todo mundo. É uma forma de inovação.
7. Como o senhor vê a relação da educação e seu uso a partir das mídias?
Nós, professores, precisamos de uma educação no campo dos meios de
comunicação, para nos comunicarmos melhor. Quando comecei minha carreira
acadêmica, ninguém falou que eu precisaria aprender como dar uma palestra,
escrever um livro, falar no rádio ou aparecer na televisão. Sou autodidata. Talvez,
precisamos de algo mais eficiente, num nível de doutorado, estudando a
habilidade de comunicar, não só a habilidade de dar uma nova interpretação a
alguma coisa.
8. Referente à questão das suas obras. O senhor tem obras ligadas a
história que dialogam com temas da mídia, da sociedade, do conhecimento.
Todavia, essas obras giram em torno de uma realidade européia, saxônica,
chegando a dialogar também com fatos dos Estados Unidos, muitas vezes.
Paralelo a isso, não se vê citações de como se deu a contribuição latinoamericana nessa história. Isso se vê pouco não só no seu livro, mas na
literatura mundial. Como o senhor vê o papel da América Latina como
gestora de conhecimento na atualidade, em tempos em que líderes latinoamericanos passam a despontar no cenário global?
Não conheço suficientemente a situação na América Latina. Comecei a
estudar somente a vinte e cinco anos e não há cinqüenta [risos]. Penso que a
situação latino-americana tem características em comum com outros países da
“periferia” (destaco de modo diferenciado o termo “periferia”, pois trato-o em um
estado psicológico e não somente sociológico). Os intelectuais na periferia têm
um problema que foi muito analisado na história das ciências pelo sociólogo
Robert Merton, quando ele fala do Matthew Effect. Então, descobertas feitas por
cientistas “menores” são atribuídas pela posteridade a grandes nomes, como
Einstein e Nilton. Talvez também descobertas feitas aqui sejam atribuídas a
pesquisadores dos Estados Unidos... É uma reflexão.
i
Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Peter Burke antes da palestra “História Social da
Mídia”, no dia 15 de junho de 2010, promovida pelo Instituto de Ciências Humanas,
Artes e Letras – ICHLA da FEEVALE. Contou com participação de graduanda da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do mestrando Denis
Gerson Simões (Unisinos). A transcrição dos dados teve a colaboração de Jonathan
Reis, Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na UNISINOS,
onde é bolsista de iniciação científica, e membro do Grupo de Pesquisa CEPOS
(apoiado pela Ford Foundation). E-mail: <[email protected]>.
ii
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa
CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <[email protected]>.
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