Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Capsulite adesiva ARNALDO AMADO FERREIRA FILHO INTRODUÇÃO Capsulite adesiva ou ombro congelado é, dentre as síndromes dolorosas do ombro, a que mais tem suscitado controvérsias, tanto do ponto de vista diagnóstico como terapêutico. Isso se deve aos aspectos ainda obscuros da sua etiopatogenia, à sua história natural e características clínicas semelhantes às da distrofia simpático-reflexa e a sua associação com doenças aparentemente sem relação direta com o ombro. Duplay(1) (1872) descreve a rigidez dolorosa do ombro que chama de ankylose fibreuse de l’épaule. Atribui a etiologia do processo a aderências fibrosas da bolsa serosa subacromial e descreve seu tratamento pela manipulação do ombro sob anestesia, naquela época, feita com clorofórmio. Codman(2) (1934) cria a expressão ombro congelado (OC) para denominar os casos de rigidez dolorosa do ombro, de longa duração e de início muitas vezes relacionado com períodos de imobilização ou de desuso da articulação. Ele afirmava serem os ombros congelados “uma classe de casos difícil de definir, difícil de tratar e de explicar anatomopatologicamente”. Neviaser(3) (1945) estuda o OC e descreve alterações histológicas inflamatórias e fibrosas da cápsula articular e do re-vestimento sinovial do ombro responsáveis pela obliteração dos recessos articulares, principalmente do recesso axilar, e aderências da cápsula às estruturas circunvizinhas, inclusive à cabeça do úmero. Essas alterações provocam retração da cápsula com diminuição drástica da sua capacidade volumétrica e rigidez articular. Cria, então, a expressão capsulite adesiva (CA) para nomear exclusivamente ombros rígidos e dolorosos que apresentem aquelas alterações. Quigley(4) (1963) considera que “ombro congelado é um termo pouco preciso, errôneo e excessivamente utilizado e, por isso, ainda hoje, não tem o seu significado bem definido”. Grey(5) (1978), em face das peculiaridades da história natural, ao caráter autolimitante e possível cura espontânea em tempo variável observados no OC chamado primário ou idiopático, afirma ser sua evolução de “difícil previsão e possível a cura espontânea em um a dois anos”. (6-7) (1990/1992) afirma que, por estar associado a várias doenças, o OC deve ser considerado “mais um sintoma do que uma entidade clínica definida”. Concorre também para essa indefinição conceitual o fato de que, ainda hoje, nas formas chamadas idiopáticas, que representam cerca de 20% dos ombros congelados(5), não ser possível identificar causa desencadeadora ou doença associada. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO A CA não é a única causadora de rigidez dolorosa do om-bro, que pode também estar presente em outros processos patológicos que lesam as estruturas que compõem seu complexo mecanismo articular. Essas alterações limitam a mobilidade do ombro, pela dor que provocam, e dão origem a contraturas musculares e retrações miotendíneas secundárias, sem que haja, contudo, retração fibrosa da cápsula articular, que continua com sua capacidade volumétrica e seus recessos normais. É o que pode acontecer, por exemplo, nas bursites subacromiais, nas lesões do manguito do rotador, nas tendinites calcárias, nas tenossinovites da cabeça longa do bíceps, na osteoartrose glenoumeral, etc. Nesses casos, o bloqueio anestésico das estruturas comprometidas alivia a dor e permite a movimentação passiva do ombro. Dessa forma, nem sempre apenas o grau de limitação do movimento articular observado no exame clínico de ombros dolorosos é parâmetro suficiente, como pensam alguns(8-10), para que se possa firmar com segurança o diagnóstico de CA, uma vez que podem ser erroneamente considerados “congelados” ombros que realmente não o são. A descrição das alterações articulares progressivas da CA em quatro estádios característicos(11) esclarece a evolução do processo. No estágio I chamado pré-adesivo, há reação inflamatória sinovial; no estágio II, chamado sinovite adesiva aguda, há sinovite proliferativa e início do colabamento das pare-des dos recessos articulares e aderências da cápsula na cabeça do úmero; no estágio III, chamado maturação, há regressão da sinovite e franco colabamento do recesso axilar; e no estágio IV, chamado crônico, as aderências estão maduras e, retraídas, restringem fortemente os movimentos da cabeça do úmero em relação à glenóide. Nos estágios II, III e IV os espaços entre as superfícies articulares da glenóide e do úmero e o espaço entre o bíceps e o úmero estão muito reduzidos. Os recentes estudos artroscópicos(12-19), com os quais, por experiência própria, concordamos, confirmam a descrição de Neviaser(3,11) e Neviaser e Neviaser(20), exceção feita às aderências da cápsula à cabeça do úmero, e encarecem a importância da fibrose, do espessamento e do encurtamento do ligamento coracoumeral(7,15-16,21-22) (figuras 1 e 2). Dessa forma, ainda que a denominação ombro congelado continue sendo utilizada, na nossa opinião, capsulite adesiva deve ser preferida(3,11,20), por melhor definir essa peculiar condição clínica da articulação glenoumeral, caracterizada por dor, rigidez articular fibrosa de origem capsular, de início insidioso, muitas vezes relacionada a períodos de desuso do ombro, de evolução arrastada, associada ou não a outras doenças e que, em muitos casos, pode evoluir espontaneamente para cura. A classificação proposta por Zuckerman et al(23) – a mais abrangente de todas – divide a CA em: a) primária, ou idiopática, quando não há causa aparente ou associação com outras doenças; b) secundária, quando se identifica uma possível causa ou há associação com outras doenças. A CA secundária pode ser: 1) intrínseca, quando é desencadeada por lesão no próprio ombro (tendinites do manguito dos rotadores, tenossinovite da cabeça longa do bíceps, bursite, artrose acromioclavicular, etc.); 2) extrínseca, quando há associação com alterações de estruturas distantes do ombro, tais como lesões do membro superior (fraturas do punho e mão, infecções, etc.), doenças do sistema nervoso central e periférico (AVC, epilepsia, lesão de nervos do membro superior, etc.), lesões da coluna cervical com ou sem radiculopatia, doenças do coração (isquemia do miocárdio) e do pulmão (doença pulmonar crônica, tumores do ápice do pulmão) etc.; 3) sistêmica, quando há associação com doenças como a diabetes, doenças da tireóide, etc. ETIOPATOGENIA E FISIOPATOLOGIA E ANATOMOPATOLOGIA A grande diversidade de doenças e situações clínicas às quais pode estar associada a CA justifica a controvérsia etiopatogênica que ainda permeia os trabalhos que a estudam. Neviaser(3,11), Simmonds(17), Neviaser e Neviaser(20) e De-Palma(24) afirmam que a fibrose que provoca retração da cápsula é de origem inflamatória, conforme também observamos em todos os nossos casos. Entretanto, Lundberg(9), Ozaki et (15), Hannafin et al(25) e Bunker e Anthony(26) consideram ser a lesão capsular de natureza fibromatosa, semelhante à moléstia de Dupuytren, que também pode estar associada à dia-betes(27). O exame histológico nos nossos casos tem revelado hiperplasia sinovial, com acentuada neoformação vascular subjacente, áreas de proliferação fibroblástica, deposição de colágeno e alterações degenerativas da matriz colágena da cápsula articular e moderado infiltrado linfohistiocitário (figuras 3 e 4). Essa duplicidade de opiniões, baseada em exames anatomopatológicos bem documentados, indica não ser de uma única natureza a lesão que provoca a retração capsuloligamentar. Seja qual for a sua origem, a retração capsular é o denominador comum da CA, conforme se comprova pela obliteração do recesso axilar e grande diminuição da capacidade volumétrica articular reveladas pela artrografia e, ainda, pela atenuação do quadro doloroso e melhora da mobilidade do ombro conseguida pelos métodos de tratamento baseados na ruptura da cápsula articular (distensão hidráulica, manipulação sob anestesia e seção cirúrgica)(9). Devem-se salientar, dentro do quadro descrito, a fibrose e a retração precoces do ligamento (6,7,10,1416,25,28-30) situado no espaço rotatório em íntima união com a cápsula articular(31), como fator importante na limitação da rotação externa do úmero. A história clínica tem mostrado que, em muitos casos, a CA é secundária à imobilização prolongada do ombro ou a situações que levam ao seu desuso(1,5,24,27,32). Nessas condições, o bombeamento sanguíneo, que em parte é feito pela contração muscular, fica prejudicado pela falta de movimento e pode provocar a estagnação do sangue nos vasos de menor calibre. O resultado é uma deficiente circulação nutriente de capilares e pequenos vasos, hipóxia, acidose, exsudato, com conseqüente edema e alteração do tecido conjuntivo circunvizinho(33). Se-guem-se processo inflamatório, fibrose secundária e, final-mente, retração da cápsula articular. Da mesma forma, um estímulo de possível origem simpática, partindo do próprio ombro ou de órgão dele distante, pode desencadear dor, perturbação da mobilidade articular, alterações vasculares seguidas de edema, reação inflamatória, fibrose e retração capsular que realimentam, por via simpática, a dor e a grave impotência funcional(34). É possível que seja esse o vínculo entre a CA e a distrofia simpático-reflexa (DSR) clássica e na sua forma abortiva que só compromete o ombro(34). Com relação a essa provável ligação, é fundamental lembrar que, além de ser local freqüente de origem de dor, o om-bro é uma verdadeira encruzilhada por onde transitam ou para onde convergem impulsos dolorosos oriundos de outros locais como: a) de raízes nervosas cervicais, b) de estruturas osteoarticulares da coluna cervicodorsal, c) de estruturas vasculares, d) de áreas esplâncnicas distantes. Estas últimas, no ombro direito, podem estar relacionadas às doenças da vesícula biliar (colecistites, etc.), aos processos irritativos da cúpula diafragmática (abscessos e tumores hepáticos, etc.), às afecções do ápice do pulmão (tuberculose, tumores, etc.) e, no ombro esquerdo, às já mencionadas afecções do ápice do pulmão, à irritação da cúpula frênica esquerda (afecções do estômago, baço, etc.) e, principalmente, à isquemia do miocárdio, que também pode provocar dor irradiada para outras partes do membro superior esquerdo. A integração dessas possibilidades etiopatogênicas, segundo a origem dos estímulos dolorosos(6), pode ser exemplificada da seguinte forma: Entretanto, nem sempre se consegue identificar(5), conforme também verificamos nos nossos casos primários ou idiopáticos, a causa desencadeante da CA. No grupo das CA secundárias as alterações intrínsecas do ombro têm sido, em grande parte, responsabilizadas pelo início do processo. Dentre elas se destacam as lesões bursais, as tenossinovites bicipitais e as lesões do manguito rotador(24). Da mesma forma, outras lesões do membro superior (fraturas do antebraço, do punho, da mão, lesões de nervos periféricos, infecções, etc.) podem ser ponto de partida de estímulos dolorosos ou dificultar indiretamente a livre movimentação do ombro, constituindo-se, então, em importantes causas de CA(2, 6,9,24,26). A associação da CA com várias doenças(6,8-10,24,26,32-37) é relatada na literatura. Dentre elas destacam-se a diabetes, as doenças da tireóide, as alterações degenerativas cervicais, as doenças neurológicas centrais, a ação do fenobarbital usado no combate às crises convulsivas, a tuberculose pulmonar e a isquemia do miocárdio, etc. É conhecida a incidência de CA em 10% a 20% de diabéticos, proporção que aumenta para 36% nos insulino-depen-(9,26,32,38). Bunker e Anthony(26) referem que 42% dos seus pacientes com CA bilateral eram diabéticos. Alguns consideram o aumento de triglicérides e as hiperlipidemias(26,39), presentes na diabetes, na moléstia de Dupuytren a ela associa-(17), nas coronariopatias e na ação do fenobarbital(26,39), o elo que une essas alterações à CA. É possível que a associação das alterações vasculares, neurológicas periféricas e metabólicas presentes na diabetes explique não só o desencadear da doença, mas também a maior gravidade da CA nesses casos. Entretanto, a sua relação com doenças de outra natureza, como doenças da tireóide e auto-imunes, com processos degenerativos da coluna cervical, com lesões intrínsecas do ombro, com lesões traumáticas ou não de outras partes do membro superior e com lesões nervosas centrais e periféricas, etc., nos fazem supor que perturbações vasculares de origem vagossimpática, possíveis em todas as situações mencionadas, se-jam as responsáveis pelo desencadear do processo. Em favor dessa hipótese fala a história natural da CA, em tudo semelhante à da DSR típica, como se observa na síndrome ombro-mão típica e na forma abortiva que acomete so-mente o ombro, esta última incluída dentre as chamadas causalgias minor(39-40). Outro aspecto sugestivo dessa correlação é o efeito benéfico (analgesia, sedação e melhora do humor do paciente) dos antidepressivos tricíclicos (amitriptilina), tanto na CA (principalmente na fase hiperálgica) como na DSR. Sua ação analgésica pode estar relacionada com a inibição da reabsorção da serotonina nas terminações nervosas, agindo, dessa forma, como supressora da transmissão da dor, pelo prolongamento da ação da atividade da serotonina no receptor(34,41). É oportuno lembrar que situação semelhante ocorre na distrofia pós-traumática reflexa no membro inferior (atrofia de Sudeck), também classificada como uma forma de causalgia (34,41). Numa primeira série de 112 pacientes tratados por nós, em 33 (29,4%) não foi possível identificar a causa desencadeadora da CA; em 31 (27,6%), a causa foi lesão intrínseca do ombro; em 14 (12,5 %), foi doença neurológica, dos quais 13 com uso de fenobarbital (três AVC, 10 epiléticos e uma hérnia discal cervical); em 13 (11,6%), diabete insulino-dependen-te; em nove (8%), doença pulmonar crônica com PPD positivo; em sete (6,2%), lesões traumáticas do membro superior ipsilateral; e em cinco (4,4%), doenças da tireóide (um adenocarcinoma e quatro tireoidites). Sete pacientes (22,5%) tiveram acometimento bilateral (cinco diabéticos e dois com tireoidite). Alguns autores referem, sem identificar claramente, o que chamam de “predisposição constitucional”(10,24,32) em pacientes tensos que não suportam as pressões do estresse da vida diária e mostram menor tolerância à dor, perfil psíquico considerado como sendo fator facilitador para a instalação da CA. Mesmo sem poder comprovar estatisticamente nos casos que temos tratado, achamos que a labilidade psíquica que se observa em alguns pacientes é muito mais conseqüência do desgaste emocional provocado pela CA propriamente dita do que a existência daquele fator facilitador(4). EPIDEMIOLOGIA, QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO CLÍNICO A CA é doença freqüente que acomete mais o sexo feminino (2:1) na faixa etária dos 40 aos 60 anos, porém sem preferência para lado e dominância. A dor, de início insidioso que se agrava rapidamente, é o primeiro sintoma da doença que progride, em três fases(5,6,9,24, 27,42), com história natural característica, semelhante ao que acontece na DSR(32,34). A primeira fase, chamada aguda ou hiperálgica, tem início insidioso, mas, em pouco tempo, a dor diuturna no ombro cresce em intensidade, podendo ser acompanhada de fenômenos vasculares, como sudorese palmar e axilar. A dor recrudesce durante a noite, perturba o sono e pode afetar o psiquismo do doente. A mobilidade do ombro é muito dolorosa e os movimentos de abdução, de rotação interna e externa rapidamente perdem sua amplitude. Essa fase que, segundo Ree-(27), dura de dois a nove meses, para nós tem-se estendido, em média, por três a seis meses. O diagnóstico diferencial deve ser feito com as lesões agudas do manguito rotador e com a fase aguda da tendinite calcária (figura 5). A segunda fase é chamada de enrijecimento ou congelamento. A dor diminui de intensidade, deixa de ser contínua, mas persiste à noite e à tentativa de movimentação do ombro, que se apresenta rígido, com bloqueio completo da abdução e das rotações interna e externa. Conforme Reeves(27), e também para nós, essa fase dura cerca de 12 meses. Nesse período ocorrem, na maioria das vezes, erros de diagnóstico, atri-buindo-se o quadro clínico diretamente às lesões do manguito rotador na síndrome do impacto e às lesões do bíceps. O bloqueio anestésico subacromial é suficiente para desfazer a dúvida e, se ela perdurar, a artrografia – exame-chave para o diagnóstico – mostrará, mesmo que haja outra lesão concomitante, que a retração cápsulo-ligamentar é a causa da impotência funcional. Nessa fase não pode ser esquecida, no diagnóstico diferencial, a rigidez provocada pela luxação posterior inveterada do ombro, lesão relacionada com antecedente traumático, mas que também pode ocorrer nas convulsões espontâneas dos epiléticos ou, ainda, como conseqüência de cho-que elétrico acidental ou terapêutico (figuras 6, 7 e 8). A terceira fase, caracterizada pela liberação progressiva dos movimentos, que poderá levar muitos meses (de nove a 24 meses), é chamada de descongelamento, termo que compara o fenômeno à liquefação do gelo. É a restauração da elasticidade cápsulo-ligamentar perdida que, em muitos casos, pode acontecer de forma espontânea. Entretanto, a completa recuperação da mobilidade do ombro é de difícil previsão(5) porque a intensa fibrose capsular pode não ser completamente reversível na CA de longa duração. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Embora o exame radiográfico simples seja parco em informações quanto à CA propriamente dita, feito com técnica e incidências apropriadas é obrigatório como primeira abordagem para o diagnóstico de alterações concomitantes do om-bro. Por ele poderemos avaliar integridade das articulações glenoumeral e acromioclavicular, saber se o formato do acrômio é favorável à síndrome do impacto, afastar a presença de excrescências e depósitos calcários ectópicos e verificar se há, na cabeça do úmero, imagens ósseas comuns na osteopenia de desuso e nas perturbações vasculares de origem simpática. O exame ultra-sonográfico permite identificar estática e dinamicamente o espessamento e a menor elasticidade do ligamento coracoumeral(43) e mostrará se há lesões concomitantes do manguito rotador e da cabeça longa do bíceps. A artrografia do ombro – exame-chave – é o exame mais importante no diagnóstico da CA porque mostra a drástica redução do volume articular e a obliteração do recesso axi-(3,11,20). É interessante lembrar que, algumas vezes, a distensão capsular que se obtém pela introdução do contraste sobpressão, ao fazer a artrografia, pode romper aderências e amenizar o quadro clínico (figuras 9 e 10). Em alguns poucos casos nos quais há suspeita de outras lesões associadas, não diagnosticáveis pelos exames anteriores, mas que necessitem melhor avaliação, a artrorressonância magnética é recurso valioso. TRATAMENTO CLÍNICO E FISIOTERÁPICO Ainda que a cura gradativa e espontânea possa acontecer principalmente nas formas idiopáticas da CA(5,6,10,24,27,32,40) – possibilidade que, de início, leva alguns a minimizar sua importância – a forte dor contínua de difícil controle na fase hiperálgica, a urgência em combater a grave impotência funcional que se instala rapidamente e dificulta as atividades comuns da vida diária, a necessidade de abreviar a longa evolução da doença e a possibilidade de restarem seqüelas irreversíveis freqüentes nos casos mais graves impõem medidas terapêuticas enérgicas e precoces. É preciso salientar que é freqüente a demora em se firmar o diagnóstico de CA no início da sua fase aguda que, se tratada precocemente e com rigor, poderá abortar a clássica evolução da doença. Os vários métodos propostos para o tratamento da CA são o reflexo não só das controvérsias ainda existentes quanto à sua etiopatogenia, mas também da falta de concordância quanto à melhor maneira de tratá-la, nas suas três distintas fases. Dessa forma, seria fastidioso e, impossível mesmo, enumerar suas peculiaridades e discuti-las todas. Mesmo assim, há consenso de que o combate à dor e a mobilização precoce do ombro devem constituir o tratamento inicial de todos os pacien-(6,10,32,40,44) e discute-se, somente, o melhor modo de fazê-lo. O protocolo de tratamento mais usado é o seguinte: Fase hiperálgica 1) analgésicos potentes por via oral, 2) antiinflamatórios não hormonais por via oral, 3) corticóides de ação prolongada por via intramuscular (não utilizados nos diabéticos), 4) calcitonina (intramuscular ou spray nasal) durante dois a três meses, principalmente em diabéticos, por não poderem usar corticóides, 5) amitriptilina em dose adequada a cada paciente, 6) bloqueio do nervo supra-escapular(45) com infiltração de 8ml de anestésico local, sem adrenalina (preferimos a ropivacaína a 0,75% por sua ação prolongada), na fossa supraespi-nal e repetido, com intervalos de uma semana, segundo a necessidade de cada caso, 7) Tratamento fisioterápico: a) crioterapia durante 30 minutos duas a três vezes ao dia, b) neuroestimulação elétrica transcutânea (TENS), c) exercícios pendulares e exercícios de mobilização passiva suave do ombro, iniciados por fisioterapeuta e repetidos, em casa, duas a três vezes ao dia, pelo próprio paciente, que é estimulado a executá-los espontaneamente, ou naqueles me-nos cooperativos, auxiliados por familiares devidamente treinados. Fases de enrijecimento e descongelamento A medicação analgésica e antiinflamatória e sedativa (amitriptilina) é mantida segundo a necessidade de cada caso. O tratamento fisioterápico continua com exercícios passivos assistidos, exercícios autopassivos, agora precedidos de calor local durante 30 minutos para relaxamento muscular, e exercícios ativos livres quando a melhora da mobilidade permitir fazê-los. O paciente é estimulado a executar o programa de reabilitação no próprio domicílio, duas vezes ao dia, e o controle clínico e fisioterápico em consultório é, aos poucos, reduzido a cada 10 ou 15 dias, conforme o grau de dependência peculiar a cada paciente. Exercícios subaquáticos em piscina aquecida são úteis e, quando possível, são indicados como coadjuvantes do tratamento fisioterápico convencional. Essa fase do tratamento se estende, em média, por quatro meses. Fator extremamente importante no tratamento é o apoio psicológico ao paciente, que deve ser informado de modo otimista sobre sua doença, esclarecido sobre a eficácia dos recursos terapêuticos disponíveis e avisado de que, embora a evolução da CA possa ser lenta, há boas perspectivas de cura. É preciso, sobretudo, ganhar sua confiança para que se torne um parceiro ativo e consciente. Nas CA mais graves, que mostram pouco ou nenhum progresso na recuperação da mobilidade pelos métodos descritos e para as quais se prevê lenta evolução ou possível seqüela após longo curso da doença, estão indicados procedimentos que visam romper as sinéquias fibrosas e o recesso axilar colabado da cápsula articular, para que seja acelerada a reabilitação da mobilidade articular. A distensão hidráulica da cápsula articular – conhecido método para liberação das sinéquias fibrosas – (não utilizamos há muito tempo pela inconstância, nas nossas mãos, dos seus resultados), ainda é defendida por alguns(23,32). A manipulação do ombro sob anestesia geral – usamo-la muitas vezes no passado –, embora não permita o controle seguro da liberação pretendida pela ruptura das sinéquias fibrosas e do recesso axilar da cápsula articular e encerre riscos se feita intempestivamente, é procedimento ainda válido(1,12, 14,20,24,28), principalmente, quando não há possibilidade de tratamento cirúrgico por via artroscópica. A manipulação, que deve ser cuidadosa, é contra-indicada em pacientes com osteoporose, pelo risco de provocar fraturas. Sob bloqueio do plexo braquial (deixa-se um cateter de demora para bloqueios no pósoperatório imediato) e anestesia geral, a escápula do paciente é imobilizada por uma das mãos do cirurgião que, com a outra, segura o membro superior do doente na altura do cotovelo para diminuir o braço de alavanca e, assim, evitar força excessiva. É feita, então, a abdução do braço, no plano da escápula, até 180º, de forma a posicionar, no final do movimento, o epicôndilo medial em direção ao zênite. Nessa posição o úmero já estará com cerca de 20º de rotação externa. Escuta-se e sente-se, no ato, o crepitar característico da ruptura das aderências e do recesso capsular axilar. A seguir, são realizados movimentos muito cuidadosos de rotação interna e externa, sem tentar romper a cápsula articular; a resistência por ela oposta é o limite para os movimentos. É necessário insistir que os movimentos de rotação são os de maior morbidade na produção de fraturas. Terminada a manipulação, o braço é mantido na posição de abdução máxima preso pelo punho, primeiro, à cabeceira da maca e, depois, à do leito, que é colocado em proclive para impedir a perda da abdução conseguida. A partir de então, sob o efeito de bloqueio anestésico, que é repetido algumas vezes, o ombro é mobilizado a cada duas horas, voltando sempre à posição de abdução máxima mantida pela fixação do punho à cabeceira do leito. Desde o início é instituída a crioterapia durante 30 minutos, cada duas horas, para diminuir os fenômenos hemorrágicos e inflamatórios articulares provocados pela manipulação. O paciente é mantido internado durante dois dias e recebe alta sob forte analgesia para retornar ao tratamento fisioterápico ambulatorial já descrito (figuras 11, 12 e 13). TRATAMENTO CIRÚRGICO Os métodos descritos cedem lugar aos tratamentos cirúrgicos quando falham os procedimentos conservadores descritos. As ligamento-capsulotomias cirúrgicas por via aberta(6,24,29), de indicação limitada, que eram feitas em passado não muito distante, nos últimos anos perderam terreno para as ligamen-tocapsulotomias e sinovectomias por via artroscópica, hoje o tratamento de escolha para as CA recalcitrantes(15-16,21-22). A cirurgia por via artroscópica, além de menos agressiva e, portanto, potencialmente menos propícia à formação de novas bridas cicatriciais numa articulação já comprometida por aderências fibrosas, é também mais eficiente porque permite não só a capsulotomia completa e o amplo desbridamento sinovial, ambos difíceis nas operações abertas, como também possibilita o tratamento, no mesmo ato, das lesões intrínsecas do ombro. No paciente sob bloqueio do plexo braquial (é deixado cateter de demora para bloqueios pósoperatórios) associado à anestesia geral, fazem-se o desbridamento do tecido sinovial afetado, a abertura do espaço rotatório com secção do ligamento coracoumeral e a capsulotomia ânteroinferior e posterior próximo à borda da glenóide. Dessa forma, consegue-se a liberação dos movimentos articulares já no ato cirúrgico. O bloqueio anestésico do plexo braquial pósoperatório é repetido algumas vezes, por dois dias, durante os quais são executados exercícios passivos adequados, repetidos a cada duas horas, para manter a mobilidade conseguida(21). O esquema medicamentoso é o mesmo descrito acima e a crioterapia é feita durante 30 minutos a cada duas horas. É preciso salientar – e o paciente deve ser devidamente esclarecido – que o procedimento cirúrgico não restaura de imediato e completamente a mobilidade completa almejada; REFERÊNCIAS Duplay S. 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