1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências da Saúde Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos Efeitos da administração aguda e crônica de topiramato sobre as respostas comportamentais de ratos naive e abstinentes ao etanol Aluno: Décio Dutra Junqueira Ayres Orientadora: Profa. Dra. Elaine Cristina Gavioli Co-orientadora: Profa. Dra. Vanessa de Paula Soares-Rachetti Natal 2015 2 Décio Dutra Junqueira Ayres Efeitos da administração aguda e crônica de topiramato sobre as respostas comportamentais de ratos naive e abstinentes ao etanol Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos. Orientadora: Profa. Dra. Elaine Cristina Gavioli Co-orientadora: Profa. Dra. Vanessa de Paula Soares-Rachetti Natal 2015 3 4 “Ainda que eu ande Pelo vale da sombra da morte O teu amor lança fora o medo Ainda que eu me encontre Bem no meio das tempestades da vida Não voltarei, pois perto estás Eu não temerei o mal Pois o meu Deus comigo está E se o meu Deus comigo está A quem eu temerei? A quem eu temerei? Oh, não! Nunca me deixou Na tempestade ou na paz Oh, não! Nunca me deixou Quando bem ou quando mal Oh, não! Nunca me deixou Oh, o Senhor nunca me deixou Eu posso ver a luz Que está vindo ao coração que espera Incomparável, gloriosa luz E haverá um fim aos problemas Mas até este dia Viverei sabendo que estás aqui Eu não temerei o mal Pois o meu Deus comigo está E se o meu Deus comigo está A quem eu temerei? A quem eu temerei? Oh, não! Nunca me deixou Na tempestade ou na paz Oh, não! Nunca me deixou Quando bem ou quando mal Oh, não! Nunca me deixou Oh, o Senhor nunca me deixou” Juliano Som 5 Dedico este trabalho aos meus pais, Newton Emmanuel Junqueira Ayres in memoriam e Maria Jose dos Santos Dutra, pelo amor e apoio incondicional a todos os meus sonhos e objetivos. 6 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus por tudo, pois sua vontade é boa, perfeita e em todo tempo Deus é bom! Nayara Santos e Aldair Sarnento que compartilharam do nosso desafio em sair do Maranhão e juntos tentarmos o doutorado na UFRN, À professora Dra. Telma Lemos e ao Professor Dr. Cícero que nos receberam em Natal e nos direcionaram ao Programa de Pós-Graduação, À professora Dra. Elaine Gavioli, por ter acreditado em nossa força de vontade em querer crescer; por ter confiado em mim quando nem mesmo eu acreditava. Por ter incentivando mais do que eu poderia imaginar, por muitas vezes fazer acreditar que era possível, mesmo quando as circunstâncias eram desfavoráveis, por sempre apresentar aquela palavra acolhedora. E, claro, por sua orientação, sem a qual seria absolutamente impossível chegar até aqui! Sua forma contagiante e motivadora em conduzir este trabalho, foi a peça fundamental para minha formação e amadurecimento científico. À co-orientadora, Dra. Vanessa de Paula Soares Rachetti, pela dedicação e paciência nos meus primeiros passos na pesquisa. Por acreditar em mim! Por nunca desanimar, apesar do meu despreparo. Pelo apoio em todos os momentos! Pelo caminho, por me fazer enxergar pequenos detalhes fundamentais na pesquisa e por ter contribuindo não só para minha formação científica, mas também para a minha formação pessoal. Toda a minha gratidão às Profas. Elaine e Vanessa que imprimiram em mim uma parte de sua história, me marcando durante essa jornada, sem dúvida parte do meu sucesso também é de vocês! Aos bastidores do laboratório de Farmacologia Comportamental, representado por amigos como Manara, Nathaly, Ephifânio, Mara, Rebeca, Camila, Marana, Jarmilla, Aldo, Anthony e Raliny! Pela companhia agradável e pelos momentos de descontração nos experimentos, tornando o trabalho no laboratório ainda mais prazeroso. 7 À Lisiane, Victor, Íris, Júlia, Laila, amigos fundamentais que sempre participaram em épocas distintas e indispensáveis de discussão e formação de ideias e hipóteses que contribuíram enormemente com cada experiência compartilhada! Pela disponibilidade em ensinar, de fato, vocês foram preciosos em minha formação. A minha querida esposa, Adriana Junqueira em sonhar os meus sonhos, fortalecer em minhas fragilidades, cuidar de minha vida, me amar como sempre me amou, não deixar o nosso sonho morrer, ser um alicerce em nossa casa, ser uma inspiração em minha vida. Por ter me dado a honra de ser pai, duas vezes em meio ao doutorado. Certamente, o seu apoio, preocupação, carinho e amor foram indispensáveis para que eu concluísse mais essa etapa da minha vida. Ao meu pai, in memoriam, minha primeira fonte de inspiração e admiração. A minha mãe por todo apoio, amor incondicional, fonte inesgotável de motivação doação, abdicação, ensinamento, amparo e paciência durante a minha existência. Por me fornecerem todas as condições para escolher o meu futuro, me amparando financeiramente em todo o meu caminho, por todo amor e carinho dedicados a mim durante a minha vida e pela certeza que eu sempre terei a qualquer momento, alguém para me apoiar e me dar forças para seguir em frente. Aos meus queridos irmãos Hermília, Gypson e Hilda por estarem ao meu lado sempre que precisei, por mostrarem que sem família não somos absolutamente nada, pelo apoio financeiro, espiritual, emocional e motivacional. Lalá, nossa querida babá, que com tanto zelo cuida de nossa filha nos permitindo concentrar e estudar nesta etapa tão importante de nossas vidas. A todos os meus familiares (sogro, sogra, cunhado e cunhada) e amigos, que estão sempre em meu coração e fazem parte da minha vida seja na igreja, seja na universidade, seja onde for. Mesmo com a distância sempre foram presentes e importantes na minha vida. Vocês contribuíram diretamente para mais essa conquista. 8 A todos os professores e funcionários do programa de Pós-Graduação em, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica de Medicamentos que contribuíram para a minha formação científica, em especial aos técnicos dos laboratórios de Farmacologia, Flávio, Carla e César. À UFRN, ao PPgDITM e ao órgão de fomento CAPES. Enfim, pelo início, pelo meio e pelo que há de vir. Muito obrigado, meu Deus! 9 RESUMO O topiramato é um agente antiepiléptico que tem se mostrado promissor no tratamento da enxaqueca, controle da obesidade e em diversos transtornos psiquiátricos, incluindo o transtorno bipolar. Estudos clínicos apontam o uso do topiramato para alívio da impulsividade comportamental associada ao consumo abusivo, fissura e sintomas psíquicos decorrentes da retirada do etanol. Considerando o perfil farmacocinético, farmacodinâmico e a alta tolerabilidade do topiramato na clínica comparada aos ansiolíticos e antidepressivos disponíveis, é de grande interesse investigar o potencial ansiolítico e antidepressivo deste fármaco em ratos naive e abstinentes ao etanol. No presente estudo, foi investigado se o tratamento agudo e crônico com topiramato altera comportamentos relacionados à ansiedade, à depressão, e aos decorrentes da retirada do etanol após consumo crônico forçado. Ratos Wistar adultos machos foram tratados com topiramato (10 e 40 mg/Kg/mL) ou solução salina, por gavagem, 60 minutos antes dos testes do labirinto em cruz elevado (LCE), campo aberto (CA) e teste de natação forçada (TNF). Observou-se que tanto a administração aguda quanto a administração crônica do topiramato (40 mg/Kg/mL) promoveu ação ansiolítica em animais naive e ação antidepressiva, após tratamento agudo, sem alteração da atividade locomotora. Em outra série experimental, ratos foram submetidos a concentrações crescentes de etanol (2-6%) durante 21 dias, como única fonte de dieta líquida, enquanto que o grupo controle recebeu água ad libitum. Após a exposição crônica, o etanol foi substituído por água e os animais foram avaliados no LCE, CA, rota-rod, reconhecimento de objetos e TNF. Os ratos expostos cronicamente ao etanol exibiram comportamento ansiogênico, 72 h após a retirada da droga. Além disso, déficits de memória e comportamento do tipo depressivo, sem alteração na atividade locomotora e coordenação motora, foram observados em ratos abstinentes em longo prazo. Em uma terceira etapa desta pesquisa, foi avaliado o efeito da administração aguda e crônica de topiramato (40 mg/Kg/mL) no LCE, CA e TNF em ratos abstinentes (a curto e longo prazo) ou não abstinentes a exposição forçada com etanol por 21 dias. A administração aguda e crônica com topiramato (40 mg/Kg/mL) reverteu o comportamento ansiogênico de ratos abstinentes em curto e longo prazo, sem afetar a locomoção. No entanto, a administração crônica de topiramato não contrabalanceou o comportamento do tipo depressivo de ratos abstinentes ao etanol. Em conclusão, o topiramato induziu um efeito ansiolítico após a administração aguda e crônica em ratos naive e abstinentes ao etanol. Também foi visto que, a administração aguda do topiramato provoca ação do tipo antidepressiva em ratos naive, porém este efeito se dissipa após tratamento crônico. O modelo animal aqui proposto para estudar o efeito da retirada do etanol simula os comportamentos ansiogênicos e depressivos encontrados em humanos. Neste modelo, o topiramato não foi bem sucedido em aliviar o comportamento tipo depressivo de ratos abstinentes. Contudo, topiramato parece ser uma opção terapêutica relevante para o tratamento da ansiedade, inclusive aquela provocada pela retirada do etanol. Palavras-chave: topiramato; abstinência ao etanol; ansiedade; transtorno de humor; rato. 10 ABSTRACT Topiramate is an antiepileptic agent that has shown promise in treating migraine, obesity control and several psychiatric disorders, including bipolar disorder. Clinical studies report the use of topiramate for relief of behavioral impulsivity associated with abuse, cracking and psychological symptoms resulting from ethanol withdrawal. Considering its pharmacokinetic and pharmacodynamic properties and its high tolerability compared to the available clinical anxiolytics and antidepressants, it is interesting to investigate the anxiolytic and antidepressant potential of this drug in naive and ethanol abstinent rats.The present study investigated the effects of acute and chronic treatment with topiramate in behaviors related to anxiety, depression, and ethanol withdrawal after forced chronic consumption. Adult male Wistar rats were treated with topiramate (10 and 40 mg/kg/ml) or saline by gavage 60 minutes prior to the elevated plus maze tests (EPM), open field (OF) and forced swimming test (FST). It was observed that acute and chronic administration of topiramate (40 mg/kg/ml) promoted anxiolytic actions in naive animals and antidepressant effects after acute administration without impairment of locomotor activity. In another experimental series, rats were submetted to increasing concentrations of ethanol (2-6 %) for 21 days as the only source of liquid diet while the control group received water ad libitum. After chronic exposure, the ethanol was replaced by water, and the animals were evaluated in the EPM, OF, rota-rod, object recognition and FST. The rats chronically exposed to ethanol exhibited anxiogenic-like behavior 72 h after withdrawal. Furthermore, memory deficits and depressive-like behavior without alteration in locomotor activity and coordination were observed in protracted abstinent rats. In a third moment of this study, we evaluated the effect of acute and chronic administration of topiramate (40 mg/kg/ml) in the EPM, OF and FST in naïve and in early and protracted abstinent rats. Acute and chronic administration of topiramate (40 mg/kg/ml) induced anxiolytic-like effects in early and protracted abstinent rats, without affecting locomotion. By contrast, the chronic administration of topiramate did not counteract the depressive-related behavior of ethanol abstinent rats. Indeed, the acute administration of topiramate induces antidepressant-like effects in naive rats, but it dissipates after chronic treatment. In conclusion, topiramate showed anxiolytic effects after acute and chronic treatment in naive and abstinent rats. Additionally, acute topiramate induced antidepressive-like behavior in naïve rats, but this effect dissipates after chronic administration. The animal model herein proposed to study the ethanol abstinence induced anxiogenic- and depressive-like behaviors, similar to that found in humans through withdrawal. In this animal model, topiramate did not reverse the depressant-like effects of ethanol withdrawal. Finally, topiramate seems to be an interesting therapeutic approach for the treatment of anxiety, including that caused by ethanol abstinence. Keywords: topiramate; abstinence to ethanol; anxiety; mood disorder; rats. 11 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS 5-HT Serotonina ACTH Hormônio Adrenocorticotrófico AMPA Ácido α-amino-3-hidróxi-5-metil-4-isoxazolpropiônico ANOVA Análise De Variância ATV Área Tegmental Ventral AVP Vasopressina BDNF Fator Neurotrófico Derivado Do Cérebro BZD Benzodiazepínicos CA Campo Aberto Ca+2 Íon cálcio CEUA Comissão De Ética No Uso De Animais Cl- Íon cloreto CRF Hormônio liberador de corticotropina DA Dopamina DRL-72 Differential Reinforcement of Low rate EtOH Etanol GABA Ácido gama-aminobutírico GIRK Canais de Potássio responsivos a receptores acoplados à proteína G GLU Glutamato Gly Glicina GlyR Receptor de Glicina HCO3 Bicarbonato HPA Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal IMAO Inibidores da Enzima Monoamino Oxidase i.p. Via Intraperitoenal ISRS Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina LCE Labirinto em Cruz Elevado MAO Monoamina Oxidase Na+ Íon sódio 12 NAc Núcleo Accumbens nAChR Receptor Nicotínico Neuronal de Acetilcolina NF Nado Forçado NMDA N-Metil D-Aspartato NPY Neuropeptídeo Y PVN Núcleos Paraventriculares Hipotalâmicos RNA Ácido Ribonucleico RNAm RNA Mensageiro RO Reconhecimento de Objetos SNC Sistema Nervoso Central TA Tempo Gasto Explorando o Objeto Familiar A TB Tempo Gasto Explorando o Novo Objeto B TDM Transtorno Depressivo Maior TAG Transtorno de Ansiedade Generalizada TNF Teste do Nado Forçado v.o. Via Oral 13 LISTAS DE TABELAS Tabela 1: Sinais e Sintomas para diagnóstico de depressão maior ............. 22 Tabela 2: Principais sistemas de neurotransmissores envolvidos na mediação dos efeitos do etanol.................................................................. 29 Tabela 3: Principais sítios de ação do topiramato..................................... 35 Tabela 4: Cronograma de tratamento com topiramato e testes comportamentais............................................................................................ 44 14 LISTAS DE FIGURAS Figura 1: Fisiopatologia da Depressão................................................. Figura 2: Esquema simplificado do sistema 25 dopaminérgico mesocorticolímbico no encéfalo humano................................................ 27 Figura 3: Estrutura química do topiramato........................................... 33 Figura 4: Esquema representativo do protocolo de consumo forçado de etanol e do período de abstinência.................................................. 45 Figura 5: Esquema representativo da administração aguda de topiramato no período de abstinência.................................................... 46 Figura 6: Esquema representativo da administração sub-crônica de topiramato no período de abstinência.................................................... 47 Figura 7: Efeito do tratamento com diazepam em ratos naive submetidos ao teste labirinto em cruz elevado....................................... 49 Figura 8: Efeito do tratamento com nortriptilina 30 mg/kg, vo, em ratos naive submetidos ao teste da natação forçada....................................... 49 Figura 9: Efeito da administração aguda de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o.) em ratos naive submetidos ao teste de LCE................................... 50 Figura 10: Efeitos agudo (A, C) e sub-crônico (B, D) da administração de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o) em ratos naive no teste de campo aberto...................................................................................................... 51 Figura 11: Efeito agudo (A) e sub-crônico (B) da administração de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o) no teste da natação forçada................ 51 Figura 12: Comportamento de ratos abstinentes ao etanol em curto prazo (72 h) submetidos ao labirinto em cruz elevado............................ 53 Figura 13: Comportamento de ratos abstinentes em curto (5 dias) e longo prazo (19 dias) ao etanol submetidos ao campo aberto............. 54 Figura 14: Comportamento de ratos abstinentes em longo prazo submetidos ao teste do rota-rod ............................................................. 54 Figura 15: Efeitos da retirada em longo prazo do etanol sobre os índices de reconhecimento em ratos abstinentes ou não ao etanol....... 55 15 Figura 16: Comportamento de ratos abstinentes em longo prazo ao etanol submetidos ao teste da natação forçada...................................................... 56 Figura 17: Efeitos da administração aguda de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes ou não ao etanol submetidos ao teste do LCE............................................................................................................ 57 Figura 18: Efeitos da administração sub-crônica de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes ou não ao etanol submetidos ao teste do LCE............................................................................................................ 58 Figura 19: Efeito agudo (A) e sub-crônico (B) da administração de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes em curto e longo prazo ou não abstinentes ao etanol no teste de campo aberto................................ 59 Figura 20: Efeito da administração sub-crônica de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes em longo prazo ou não abstinentes ao etanol no tempo de imobilidade no teste da natação forçada........................................ 59 16 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 17 1.1 Transtornos Psiquiátricos: Bases Neurais e Farmacoterapia ......................... 17 1.1.1 Transtornos de ansiedade..................................................................... 17 1.1.1.1 Bases neurais da ansiedade................................................................ 18 1.1.1.2 Farmacoterapia da ansiedade............................................................ 20 1.1.2 Transtornos depressivos....................................................................... 21 1.1.2.1 Etiopatologia da depressão .............................................................. 22 1.1.2.2 Farmacoterapia da depressão............................................................. 25 1.1.3 Toxicodependência do etanol................................................................ 26 1.2 Topiramato....................................................................................................... 32 1.2.1 Aspectos farmacodinâmicos e farmacocinéticos................................... 32 1.2.2 Transtornos psiquiátricos e o topiramato.............................................. 35 2. OBJETIVOS....................................................................................................... 38 2.1 Geral................................................................................................................. 38 2.2 Específicos....................................................................................................... 38 3. MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................. 39 3.1 Animais............................................................................................................. 39 3.2. Habituação ao experimentador....................................................................... 39 3.3. Drogas............................................................................................................. 40 3.4. Aparatos.......................................................................................................... 41 3.4.1. Labirinto em cruz elevado (LCE)................................................................. 41 3.4.2 Rota-rod......................................................................................................... 41 3.4.3. Campo aberto (CA) ..................................................................................... 42 3.4.4. Avaliação da memória de reconhecimento de objetos................................. 42 17 3.4.5. Teste de natação forçado (TNF) ................................................................. 43 3.5 Desenho experimental..................................................................................... 44 3.5.1 Procedimento experimental 1 ....................................................................... 44 3.5.2 Procedimento experimental 2 ..................................................................... 44 3.5.3 Procedimento experimental 3 ..................................................................... 45 3.6 Análise estatística............................................................................................. 47 4. RESULTADOS................................................................................................... 48 4.1. Efeito comportamental do topiramato em animais naive................................. 48 4.2. Padronização do protocolo de abstinência ao etanol...................................... 52 4.3. Efeito comportamental do topiramato em animais abstinentes ao etanol....... 56 5. DISCUSSÃO...................................................................................................... 60 6. CONCLUSÃO.................................................................................................... 72 7. REFERÊNCIAS.................................................................................................. 73 APÊNDICE............................................................................................................. 99 ANEXO................................................................................................................... 100 18 1. INTRODUÇÃO 1.1 Transtornos psiquiátricos: bases neurais e farmacoterapia 1.1.1 Transtornos de ansiedade A ansiedade em si é um fenômeno emocional comum e útil aos seres humanos, que antecipa o perigo e organiza os comportamentos de defesa apropriados, funcionando com valor adaptativo frente às alterações do meio ambiente que nos cerca (Farb e Ratner, 2014). Entretanto, em sua forma patológica, pode interferir significativamente com a vida do indivíduo e afetar desde processos fisiológicos até o convívio social (Nuss, 2015). Segundo Hettema (2001), a ansiedade é uma doença caracterizada por um excesso de preocupação, medo e tensão que leva a uma incapacidade do indivíduo na realização das suas tarefas diárias. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição (DSM-V), afirma que a ansiedade deve ser considerada patológica quando "a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo em áreas sociais e ocupacionais”. Ainda, de acordo com o DSM-V, os transtornos de ansiedade identificam-se como o excesso de ansiedade e preocupação por um período superior a 6 meses e podem ser classificados em: transtorno de ansiedade de separação; transtorno de pânico; agorafobia; fobia específica; transtorno de ansiedade social (fobia social); transtorno de ansiedade generalizada (TAG); transtorno de ansiedade induzido por substância química, dentre elas, o etanol; transtorno de ansiedade associado a outra condição médica e transtorno de ansiedade sem outra especificação. Atualmente os índices de transtornos de ansiedade têm aumentado de forma significativa. O TAG é um tipo de transtorno, que apresenta-se como um importante problema de saúde pública, visto que é um transtorno bem prevalente em locais de assistência à saúde pública, representando 11,5% dos atendimentos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2013). O TAG é mais prevalente em adultos, especialmente do sexo feminino, do que em 19 adolescentes e idosos, porém o prognóstico clínico é considerado pior quando identificado antes dos 25 anos de idade (Fernandes e Osório, 2015). Em todos os transtornos de ansiedade, existem alguns componentes sintomáticos presentes que se dão pela ativação ou desativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), acarretando em manifestações cognitivas, somáticas, comportamentais e emocionais (Grillon, 2002). As manifestações cognitivas expressam os pensamentos de apreensão, sensação de tensão, irritabilidade, nervosismo, insegurança e mal-estar indefinido. Asmanifestações somáticas englobam sintomas físicos ousomáticos relacionados à hiperatividade autonômica (boca seca, taquicardia, hiperpnéia, falta de ar, sudorese, náusea, diarréia, disfagia, entre outros), hiperventilação (tontura, pressão no peito, parestesia, tremores, dores, entre outros) etensão muscular. As manifestações comportamentais são expressas por meio da insônia, inquietação, comportamentos fóbicos e rituaiscompulsivos. As manifestações emocionais envolvem vivências subjetivas de desconforto e desprazer (Braga et al., 2011). 1.1.2 Bases neurais da ansiedade Segundo Graeff e Hetem (2004), o circuito em nível cerebral envolvido na ansiedade inclui estruturas encefálicas formadas pela amígdala, hipocampo, hipotálamo medial, substância cinzenta periaquedutal, tálamo e córtex préfrontal. A amígdala possui conexões nervosas com o neocórtex e estruturas límbicas mais profundas e funciona como interface sensório-emocional entre elas, avaliando e classificando o tipo e o grau do estímulo. O resultado é transmitido ao hipotálamo medial e substância cinzenta periaquedutal. Esta, então, seleciona e organiza as reações comportamentais e fisiológicas de defesa apropriadas. O hipotálamo medial regula o funcionamento da hipófise que, através da secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), estimula as glândulas suprarrenais a secretar cortisol e epinefrina. Como as situações de ameaça geralmente necessitam de atividade vigorosa (luta ou fuga), há ativação do córtex adrenal, bem como do ramo do sistema nervoso autônomo, ao levarem a liberaçãode glicocorticóides, cujas ações nos tecidos-alvos são catabólicas, que ajudarão a promover a 20 mobilização de fontes de energia do corpo para enfrentamento da situação ameaçadora (Graeff, 2007; Braga et al., 2011). Nos transtornos de ansiedade, Seedat e colaboradores (2004) demonstraram haver hiperativação da amígdala em contraste com uma hipoativação do córtex pré-frontal medial, do córtex anterior do cíngulo e do hipocampo. A hiperatividade da amígdala leva a uma resposta exagerada ao medo, que se torna persistente; enquanto que, a hipoatividade do córtex préfrontal leva a uma reduzida capacidade para regular o medo e a sua extinção (Seedat et al., 2004). Na etiopatologia dos transtornos da ansiedade, vários neurotransmissores são implicados, uma vez que eles participam, em maior ou menor grau, da modulação e regulação dos comportamentos defensivos. A noradrenalina é uma monoamina comumente implicada na defesa e na ansiedade. A teoria geral do papel da noradrenalina nos transtornos da ansiedade é que os pacientes afetados poderiam ter uma regulação noradrenérgica deficitária, com aumentos ocasionais de atividade. De todos os transtornos de ansiedade, o transtorno de pânico e o de estresse póstraumático são os que apresentam evidências mais importantes de anormalidade de função noradrenérgica (Sun et al., 2015). A serotonina (5-HT) participa em inúmeros processos fisiológicos e patológicos dos transtornos mentais. A neurotransmissão serotoninérgica está envolvida na regulação do sono, do humor, na vigilância e funções cognitivas, como o processo de aprendizagem e memória. Além da regulação destes processos, esta tem demonstrado exercer um duplo papel na regulação da ansiedade; esta parece exercer um papel ansiogênico na amígdala, enquanto que ansiolítico na substância cinzenta periaquedutal dorsal (Lin et al., 2014). Em situações de perigo, há a estimulação do sistema de defesa por meio da amígdala e a ativação dos neurônios serotoninérgicos situados nos núcleos dorsais da rafe que inervam a amígdala e a susbtância cinzenta periaquedutal, facilitando a defesa na primeira e inibindo nesta última, tendo, portanto, um sentido adaptativo (Lin et al., 2014). O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório no sistema nervoso central (SNC) dos mamíferos. Ele está envolvido numa grande variedade de processos fisiológicos que estão associadas com funções 21 emocionais, cognitivas e motoras. O glutamato atua sobre receptores ionotrópicos (NMDA, AMPA e cainato) e metabotrópicos (mGluR). Evidências experimentais consistentes indicam que as anomalias da transmissão glutamatérgica estão envolvidas na fisiopatologia da ansiedade (Pitsikas N., 2014). Em particular, tem sido sugerido que as perturbações de ansiedade são o resultado de interrupções do equilíbrio entre a inibição e excitação das redes neuronais, devido a uma maior atividade excitatória do sistema glutamatérgico (Linden e Schoepp, 2006; Wieronska e Pilc, 2009). O GABA, por ser um neurotransmissor encontrado em todo o sistema nervoso central, exerce uma ação inibitória sobre neurônios serotoninérgicos dos núcleos dorsais da rafe, na substância cinzenta periaquedutal e no sistema extrapiramidal (Mohler, 2012). O papel do GABA na ansiedade é sustentado em razão da eficácia dos benzodiazepínicos na diminuição da ansiedade, sobretudo no TAG (Mohler, 2012). Existem 2 subtipos de receptores GABA: GABAA e GABAB. O GABAB possui um papel importante na ansiedade, dado que, em determinados estudos efetuados em ratos verificou-se que uma deleção do GABAB denota um fenótipo ansiogênico nos mesmos. Similarmente, agonistas do receptor GABAB, como o baclofeno, possuem propriedades ansiolíticas (Nuss, 2015). A neurotransmissão GABAérgica na amígdala tem respostas promissoras para a modulação de comportamentos relacionadas com a ansiedade. De fato, as infusões dos agonistas do receptor GABAA na amígdala diminuem as medidas de medo e ansiedade em várias espécies animais, enquanto que infusões de antagonistas do GABAA tendem a produzir efeitos ansiogênicos (Barbalho et al., 2009). 1.1.1.2 Farmacoterapia da ansiedade Na clínica, as substâncias mais frequentemente utilizadas com fins ansiolíticos são os benzodiazepínicos e os antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina. O mecanismo de ação dos benzodiazepínicos se caracteriza pela ativação do sítio benzodiazepínico no receptor GABAA. Um dos efeitos colaterais mais pronunciados dessa classe de substâncias é o potencial significativo para a tolerância e dependência (Blednov et al., 2015). Já 22 os antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina são eficazes no controle da ansiedade, porém apresentam alguns pontos negativos, tais como demora em produzir efeito terapêutico (2 a 8 semanas), além de promoverem disfunção sexual (Nestler et al., 2002). Considerando estas limitações terapêuticas, novos fármacos ansiolíticos com menos desvantagens clínicas são mandatórios. 1.1.2 Transtornos depressivos Assim como a ansiedade, a depressão também está inclusa nos transtornos psiquiátricos crônicos mais prevalentes na sociedade e afeta 350 milhões de indivíduos de todas as idades ao redor do mundo (OMS, 2012). A depressão maior (denominação oficial), de acordo com o DSM-V (2013), é uma doença incapacitante, que compromete a saúde física e limita a atividade dos indivíduos acometidos. Produz alteração do humor e causa perturbações cognitivas e afetivas, afetando de forma negativa a qualidade de vida dos pacientes (Accortt et al., 2008). Apesar de ser a principal causa de incapacitação de indivíduos de ambos os sexos, a prevalência da depressão é 50% maior entre as mulheres (OMS, 2012). É evidente que o diagnóstico da depressão em oposição à maior parte das doenças, não se baseia em testes de diagnóstico objetivos, mas sim em um conjunto altamente variável de sinais e sintomas. A depressão não deve ser vista como uma doença única, mas uma síndrome heterogênea composta por numerosas doenças de causas e fisiopatologias diferentes (Nestler et al., 2002). De acordo com o DSM-V (2013), o transtorno depressivo maior é um transtorno psiquiátrico caracterizado por cinco ou mais entre os nove sintomas citados na Tabela 1 e exige a presença de, pelo menos, um dos dois primeiros sintomas mencionados (humor deprimido ou anedonia), presentes na maior parte do tempo, com uma duração mínima de duas semanas. 23 Tabela 1. Sinais e sintomas utilizados no diagnóstico de depressão maior. Sinais e sintomas Humor deprimido Anedonia Perda ou ganho de peso (>5% de alteração em um mês) Insônia ou hipersonia Retardo ou agitação psicomotora Fadiga ou perda de energia Sentimentos de culpa ou baixa auto-estima Diminuição da capacidade de concentração Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio Fonte: DSM-V (2013) O DSM-V (2013) estabelece subtipos de depressão definidas por conjuntos de sintomas específicos, dentre eles destaca-se: transtorno depressivo maior; transtorno disruptivo da desregulação do humor, transtorno depressivo persistente; transtorno disfórico pré-mestrual; transtorno depressivo induzido por substância química (por exemplo, etanol); transtorno depressivo associado à outra condição médica; transtorno depressivo sem outra especificação e outros transtornos depressivos não especificados. 1.1.2.1 Etiopatologia da depressão A origem da depressão possui vários eventos envolvidos, dentre elas as causas genéticas e ambientais, além dos circuitos neurais na base de diversos mecanismos neurobiológicos. Estudos epidemiológicos mostram que aproximadamente 40% dos quadros depressivos têm origem genética (Kerner, 2015). Apesar de muitos esforços para consolidar essa informação em laboratório, tem sido difícil delinear um modelo para dar base genética ou identificar fatores de risco específicos. Há muitas razões para esta dificuldade, incluindo o fato de que a depressão é um fenômeno complexo, com muitos genes possivelmente envolvidos, assim, qualquer único gene pode produzir um efeito relativamente pequeno e, portanto, seria difícil de detectar experimentalmente. É também possível que diferentes genes possam contribuir 24 para a depressão em cada caso, o que complica ainda mais a procura dos genes da depressão (Kerner, 2015). Em meados de 1960, surgiu a primeira hipótese para explicar a etiologia da depressão. A hipótese monoaminérgica postula que a depressão é causada por uma deficiência monoaminérgica na fenda sináptica envolvendo principalmente 5-HT e noradrenalina (Schildkraut, 1965), as quais são restabelecidas pela farmacoterapia antidepressiva. De fato, a medicação antidepressiva tem por objetivo aumentar a concentração de monoaminas na fenda sináptica, o que consequentemente acarreta em longo prazo, na plasticidade nos circuitos neuronais (Nemeroff e Owens, 2002). O tratamento da depressão foi descoberto por acaso, por duas classes de agentes antidepressivos eficazes: os antidepressivos tricíclicos e os inibidores da monoamina oxidase. Os agentes tricíclicos originais surgiram a partir pesquisa de anti-histamínico, enquanto que os inibidores da monoamina oxidase foram derivados de trabalho sobre drogas anti-tuberculose (Nestler et al., 2002). A disponibilidade de antidepressivos clinicamente ativos também tornou possível desenvolver e validar uma ampla gama de testes comportamentais que estuda os fenótipos da depressão em modelos animais. Além disso, esses medicamentos e testes comportamentais representam importantes ferramentas para estudar a função cerebral em condições normais e para identificar uma gama de proteínas no cérebro que possam servir como alvos para novos tratamentos antidepressivos (Nestler et al., 2002). Muitas regiões do cérebro têm sido implicadas na regulação das emoções, incluindo as regiões do córtex pré-frontal e córtex cingulado, hipocampo, estriado, amígdala e tálamo. O conhecimento da função dessas regiões cerebrais, em condições normais sugere os aspectos da depressão: neocórtex e hipocampo, podem mediar aspectos cognitivos da depressão, tais como deficiências de memória e sentimentos de inutilidade, desesperança, culpa e tendências suicidas. O estriado, particularmente o estriado ventral ou núcleo accumbens [NAc] e amígdala, são áreas do cérebro relacionadas à memória emocional e poderiam, como resultado, mediar os sintomas de anedonia, ansiedade e apatia (Lener e Iosifescu, 2015). Dada à importância dos chamados sintomas neurovegetativos de depressão, incluindo o excesso 25 ou falta de sono ou apetite, bem como uma perda de energia de interesse em outras atividades agradáveis. O papel do hipotálamo também tem sido especulado (Lener e Iosifescu, 2015; Wise et al., 2014). Evidências também relacionam o desenvolvimento da depressão com a hiperestimulação do eixo HPA, sendo a descoberta biológica mais consistente para o estudo da fisiopatologia da depressão maior (Pariante e Lightman, 2008; Frodl e O'Keane, 2013; Maric and Adzic, 2013). Percebe-se que em uma situação de risco, as células dos núcleos paraventriculares hipotalâmicos, secretam CRF e vasopressina que atuam sinergicamente na ativação do eixo HPA. Na hipófise anterior, CRF e vasopressina estimulam a liberação do ACTH, que por sua vez atua no córtex da glândula suprarrenal, promovendo a síntese e liberação de glicocorticoides, como o cortisol em humanos e a corticosterona em roedores (Nemeroff, 1996; Cunha et al., 2010). Em suporte a esta hipótese, pesquisas demonstram níveis aumentados de cortisol na saliva, plasma e urina, bem como aumento de tamanho e atividade das glândulas hipófise e suprarrenal na maioria dos pacientes com diagnóstico de depressão maior (Nemeroff e Vale, 2005; Pariante e Lightman, 2008). Pesquisas têm relacionado a disfunção dos fatores de crescimento neuronal com a neurobiologia da depressão. Esta hipótese surgiu originalmente a partir da descoberta que eventos estressores agudos ou crônicos diminuem a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) no hipocampo em roedores e que diversas classes de antidepressivos revertem tal efeito, prevenindo os efeitos deletérios do estresse que foram produzidos a partir do excesso de glicorticóide (Duman et al., 1997; Duman, 2004). Suportando tal hipótese, níveis reduzidos de BDNF hipocampal também foram encontrados em cérebros post-mortem de pacientes deprimidos (Chen et al., 2001). Outra evidência que fornece suporte a esta hipótese, está em estudos que mostram que a atrofia neuronal e a perda de células em regiões límbicas é de fundamental importância no desenvolvimento da depressão (Duman e Monteggia, 2006; Sapolsky, 2001). A atrofia observada primeiramente em estudos post-mortem é mais notável no hipocampo, região responsável pelo aprendizado, memória e controle do eixo HPA e que também se encontra alterada na depressão (Duman e Monteggia, 2006). Estudos mostram que a atrofia pode ser consequência da retração dendrítica, inibição da neurogênese 26 ou neurotoxicidade e morte dos neurônios hipocampais (Sapolsky, 2001). O principal suspeito para tais danos são os hormônios esteróides produzidos pela glândula suprarrenal em resposta ao um evento de estresse; o hipocampo possui muitos receptores para glicocorticóides que quando ativados cronicamente podem promover apoptose neuronal (McEwen, 1999). Ainda, corroborando com a atrofia hipocampal já descrita para o quadro de depressão, estudos mostraram que várias formas de estresse, como choques imprevisíveis, isolamento social, privação materna, diminuem a expressão de BDNF no hipocampo de animais (Duman e Monteggia, 2006). Todos estes fatores que influenciam na fisiopatologia da depressão apesar de distintos podem interagem entre si, como ilustra a figura 1. Figura 1. Fatores que contribuem para a fisiopatologia da depressão. 1.1.2.2 Farmacoterapia da depressão Os fármacos utilizados no tratamento da depressão maior atualmente têm como objetivo aumentar a concentração de monoaminas na fenda sináptica, o que consequentemente acarreta em longo prazo, na plasticidade nos circuitos neuronais (Nemeroff e Owens, 2002). Tal evento ocorre porque o tratamento com antidepressivos estimula a atividade neuronal e promove aumento da 27 expressão do BDNF (Russo-Neustadt e Chen, 2005). No tratamento crônico, mas não no agudo, os antidepressivos aumentam o nível de proliferação neuronal hipocampal (Sairanen et al., 2005). Os antidepressivos atualmente usados na clínica são divididos didaticamente em quatro grandes classes: inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), antidepressivos tricíclicos, inibidores da enzima monoamino oxidase (IMAO) e, os recentemente aprovados para uso, agonistas de receptores de melatonina (Catena-Dell'Osso et al., 2012; Berton e Nestler, 2006; Krishnan e Nestler, 2008). Os efeitos terapêuticos dessas classes de fármacos aparecem após semanas de uso, conferindo de início somente efeitos adversos, o que dificulta a adesão ao tratamento (Lafer et al., 2009; Thase e Denko, 2008). Como exemplo de efeitos colaterais, destacam-se: problemas sexuais, perda ou ganho de peso, desconforto no trato gastrointestinal e alterações cardiovasculares (Duman e Monteggia, 2006). Baseando-se na gama de efeitos colaterais, eficácia limitada e na demora em produzir o efeito antidepressivo, é necessário identificar novos alvos terapêuticos para o tratamento da depressão maior (Berton e Nestler, 2006). 1.1.3 Toxicodependência do etanol A dependência ao etanol é um importante problema de saúde pública com reflexos sócio-econômicos em todo o mundo (American Psychiatric Association, 2013). Dentre as drogas de abuso existentes na atualidade, o etanol é uma das mais frequentemente utilizadas; por ser lícita na maioria dos países, alcança um grande número de pessoas em todo o planeta. A prevalência anual do uso mundial de álcool chega a ser oito vezes maior que a do abuso de drogas ilícitas, chegando a 42 % da população mundial segundo a organização mundial de saúde (2009). O termo adição, também conhecido como toxicodependência ou dependência de substâncias psicoativas, de acordo com o DSM-V (2013), é conceituada como uma doença crônica e recorrente caracterizada com um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos que indicam que o indivíduo perdeu o controle do uso da substância e continua a usá-la 28 apesar de reconhecer as consequências adversas deste uso. Além disso, a toxicodependência pode ser definida didaticamente como um ciclo que inclui diversas fases, como aquisição/experimentação da droga, dependência, tolerância, abstinência e recaída (Peck e Ranaldi, 2014). A abstinência é um conjunto de modificações orgânicas que se dão em razão da suspensão brusca do consumo da droga geradora de dependência e o componente final do ciclo de dependência de drogas é a recaída, ou seja, a retomada do uso da droga (Peuker et al., 2010) Há provas consideráveis, a partir de modelos animais e de seres humanos, que todas as drogas de abuso convergem em um circuito comum no sistema límbico do cérebro (Koob e Le Moal, 2001). A via dopaminérgica mesolímbica tem sido alvo de estudos sobre drogas de abuso ao longo do tempo. Essa via inclui os neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral (ATV) do mesencéfalo e suas projeções para o córtex pré-frontal e para o núcleo accumbens (NAc). O etanol, através da ação principalmente no receptor GABAA, pode inibir terminais GABAérgicos na ATV e, portanto, desinibir os neurônios dopaminérgicos da ATV e, da mesma forma, inibir terminais glutamatérgicos que inervam os neurônios do NAc (Koob e Le Moal, 2001), como pode ser visto na figura 2. Figura 2. Esquema simplificado do sistema dopaminérgico mesocorticolímbico no encéfalo humano. Os neurônios dopaminérgicos se originam na área tegmental ventral (ATV) em direção ao núcleo accumbens (NAC) http://www.medicinageriatrica.com.br, 2014) e ao córtex pré-frontal (Fonte 29 No SNC, o etanol atua em diversos receptores e sinapses neuronais (Spanagel, 2009). Após a administração aguda dessa droga, ocorre um aumento da inibição mediada pelos neurotransmissores GABA e glicina. Ocorre também uma inibição da entrada de Ca2+ pelos canais de cálcio dependentes de voltagem, a ativação de alguns tipos de canais de K+, a inibição dos receptores ionotrópicos de glutamato e a inibição do transporte de adenosina (Harris et al., 2008). O etanol facilita a abertura dos canais de Cl- e aumenta a ação de GABA nos receptores GABAA. O etanol, assim como a taurina e a β-alanina, parece também ativar os receptores de glicina (GlyR) possivelmente pela interação do etanol com a subunidade α1 desse receptor mediado pela ativação de fosfoquinase C. O resultado dessa ativação é o aumento da liberação de dopamina no NAc. A taurina, particularmente, parece aumentar a liberação de dopamina pela ativação simultânea de GlyR e dos receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChR) (Ericson et al., 2011; Molander e Söderpalm, 2005). Os neurônios dopaminérgicos da ATV expressam diversas subunidades de nAChR e sua ativação aumenta a taxa de disparo dos neurônios dopaminérgicos, principalmente da região posterior de ATV, os quais conectam-se ao NAc (Leslie, 2013). Dessa forma, o consumo agudo de etanol aumenta os níveis de acetilcolina na ATV, os quais ativam os nAChR e aumentam a liberação de dopamina no NAc (Joslyn et al., 2008). A inibição dos efeitos excitatórios de glutamato pelo etanol ocorre nas mesmas concentrações cujo etanol produz os efeitos depressivos no SNC (Krystal, 2003). O etanol também inibe a abertura de canais de cálcio sensíveis à voltagem, reduzindo a despolarização do nervo terminal e, consequentemente, diminuindo a liberação de neurotransmissores para a fenda sináptica. A diminuição da excitabilidade neuronal ocorre pela ativação dos canais de potássio ativados por receptores acoplados à proteína G (GIRK) (Bodhinathan e Slesinger, 2013). Em suma, o etanol interage com múltiplos sistemas de neurotransmissores, conforme resumido na tabela 2. 30 Tabela 2. Principais sistemas de neurotransmissores envolvidos na mediação dos efeitos do etanol. Sistema de Neurotransmissor GABAA NMDA Efeitos produzidos pelo etanol Liberação de GABA e aumento da densidade do receptor Inibição dos receptores pós-sinápticos NMDA; no uso crônico de etanol, superexpressão Dopamina Aumento DA sináptica e dos efeitos recompensadores ligados ao NAc Glicina Opióides Aumenta a liberação de glicina no NAc e ativação de GlyR Liberação de β-endorfinas e encefalina após Acetilcolina administração aguda de etanol; liberação de dinorfina durante abstinência Aumenta a liberação de ACh após administração aguda de etanol e ativação de nAChR seguido de um aumento da liberação de dopamina no NAc Adenosina Aumento da liberação de adenosina no estriado e ativação de receptores A1 e A2A A exposição aguda ao etanol está relacionada, dependendo da dose, com efeitos ansiolíticos, sedativos, anticonvulsivantes e prejuízos na coordenação motora, devidos, principalmente, a facilitação na neurotransmissão GABAérgica mediada por receptores de tipo GABAA e/ou prejuízo da neurotransmissão glutamatérgica mediada por receptores de tipo N-Metil-D-Aspartato (NMDA), promovendo uma depressão do SNC (Krystal, 2003). Com a exposição prolongada ao etanol ocorrem alterações adaptativas (plasticidade ou alostasia) nos sistemas de neurotransmissores. Assim, Cagetti et al. (2003) observaram, em regiões hipocampais de ratos abstêmios ao etanol consumido cronicamente, uma redução funcional do receptor GABAA acompanhada por alterações no RNAm e expressão protéica de subunidades deste receptor (aumento da expressão das subunidades α4 e γ2, e diminuição da expressão das subunidades α1 e δ). 31 Além disso, estudos demonstram redução do complexo de receptores GABAA - benzodiazepínicos, principalmente no lobo pré-frontal de etilistas (AbiDargham et al., 2014). Similarmente foi visto, no núcleo central da amígdala de ratos sob privação de etanol após seu consumo crônico, um aumento da função do receptor NMDA devido a um aumento na expressão de várias subunidades deste receptor associado a um aumento no nível de RNAm destas subunidades (Roberto et al., 2006). A redução ou a completa descontinuação do consumo crônico do etanol resulta nos sinais e sintomas da síndrome de abstinência. Esta síndrome decorre de alterações neurobiológicas em níveis moleculares, celulares e de sistemas que ocorrem nos mesmos sistemas de neurotransmissores envolvidos com a administração aguda da droga e que são alterados com a dependência (Koob e Le Moal, 2001). A síndrome de abstinência ao etanol é um processo diverso e temporalmente dinâmico, tem início 6 a 8 horas após a parada da ingestão, sendo caracterizada por agitação, ansiedade, alteração do humor, náuseas, vômitos, taquicardia e hipertensão arterial, podendo ocorrer complicações como alucinações e convulsões. A persistência de alguns destes sintomas, principalmente a ansiedade e alterações do humor, está relacionada com a recaída de etilistas abstêmios (Peuker et al., 2010). Estas alterações ocorrem, de certo modo, devido a uma hiperexcitabilidade do SNC, principalmente devido à diminuição na neurotransmissão GABAérgica e um aumento da função glutamatérgica (Batistela, 2009). Neste sentido, Tsai et al. (2014) mostraram um aumento no nível de glutamato e uma redução no nível de GABA no fluído cerebroespinal de etilistas durante a retirada da droga. O aumento da liberação de noradrenalina, afeta diversos sistemas do organismo através da ativação simpática, resultando em reações fisiológicas, tais como taquicardia por ativação de receptores β-adrenérgicos, hipertensão por ativação de receptores α-adrenérgicos, aumento da força de contração do músculo cardíaco por ação adrenérgica inotrópica positiva, náuseas e vômitos devido à redução do esvaziamento gástrico, piloereção, midríase, tremores, aumento do consumo de oxigênio e aumento da temperatura corporal em até 2 °C (Laranjeira et al., 2000). É sugerido que a elevação na liberação de noradrenalina ocorra por hiperexcitação de neurônios noradrenérgicos, 32 promovido pela liberação de glutamato e, por uma diminuição da inibição destes neurônios através da redução funcional de adrenoreceptores inibitórios pré-sinápticos do subtipo α2 (Nutt et al., 1990). Uma diminuição de dopamina e 5-HT no NAc também foi observada na retirada do etanol. Esta diminuição tem sido relacionada ao reforço negativo e sintomas afetivos negativos, como disforia e ansiedade, observados durante abstinência da droga (Weiss et al., 1996). Estes sintomas afetivos negativos estão associados com a recaída de etilistas abstêmios. Inúmeros estudos clínicos mostram que pacientes com dependência ao etanol, com ou sem transtorno de ansiedade ou depressão associada, exibem marcantes sintomas de ansiedade e depressão após a retirada da droga e que os mesmos diminuem, na maioria dos casos, após quatro a cinco semanas sem o etanol (Wetterling e Junghanns, 2000; Driessen et al., 2001; Willinger et al., 2002; Haynes et al., 2005). A farmacoterapia da síndrome de abstinência ao etanol possui duas fases: o tratamento da crise de abstinência e a manutenção. Os dependentes em crise de abstinência de etanol devem ser tratados em local silencioso e com baixa iluminação. Para evitar lesões devido à agitação, deve ser fornecida sedação adequada, além das correções de desequilíbrios eletrolíticos e nutrição necessária (Kattimani e Bharadwaj, 2013). Os benzodiazepínicos são os medicamentos mais utilizados nesta etapa, uma vez que agem reduzindo gradualmente os efeitos causados pelo uso do etanol e, assim, minimizando os sintomas de abstinência. O objetivo principal da farmacoterapia na crise de abstinência é a prevenção de alguns sintomas como convulsões, arritmias e delírios; podendo ser dividida em duas fases: a substituição do etanol por uma droga sedativo-hipnótica de ação prolongada e, posteriormente, a retirada dessa droga de maneira gradativa (Kattimani et al., 2013). Quando o dependente apresenta delírio na abstinência de etanol, utilizam-se benzodiazepínicos por via intravenosa, acompanhado ou não de antipsicóticos, os benzodiazepínicos exercem seus efeitos de sedativos hipnóticos através do seu mecanismo de ação, pois são agonistas GABA, ou seja, medeiam a transmissão sináptica inibitória através do SNC (Ritvo e Park, 2007). Porém, devido ao potencial de indução de dependência, estudos estão sendo realizados para se buscar uma alternativa ao uso desta classe de 33 fármacos (Friedmann et al., 2008; Krupitsky et al., 2007). Existindo assim uma grande lacuna a ser ocupada no desenvolvimento de fármacos para esse fim. Com isso, neste estudo avaliou-se a possibilidade de incluir no tratamento da crise de abstinência, o topiramato, visando o emprego de um agente terapêutico mais bem tolerado na clínica que os benzodiazepínicos e que pudesse apresentar eficácia na redução da severidade dessa síndrome. 1.2 Topiramato 1.2.1 Aspectos farmacodinâmicos e farmacocinéticos O topiramato foi inicialmente sintetizado em 1979 como um fármaco antidiabético, por atuar inibindo a enzima frutose-1,6-bisfosfatase e, assim, a via da gliconeogênese. Contudo, a inabilidade do topiramato em reduzir os níveis glicêmicos em ratos determinou a interrupção prematura desta linha de pesquisa. A similaridade estrutural do topiramato com a acetazolamida, a qual produz efeitos anticonvulsivantes, encorajou pesquisas para testar uma possível atividade anticonvulsivante deste composto. Nos dias de hoje, o topiramato é conhecido devido sua ação antiepiléptica (Khan et al., 2003; Jonhson et al., 2003). O nome químico do topiramato é 2,3:4,5-Di-O-isopropilideno-beta-Dfrutopiranose sulfamato e sua fórmula molecular é C12H21NO8S, como ilustrada na Figura 1 (Kenna et al., 2009). O topiramato possui peso molecular de 339 g/mol e constante de dissociação (pKa) de 8,7, além de alta solubilidade em água (Langtry et al., 1997). Em geral, o topiramato tem características farmacocinéticas mais favoráveis do que outros anticonvulsivantes, como a carbamazepina, o valproato, a fenitoína ou o fenobarbital, favorecendo a adesão do paciente ao tratamento. O perfil farmacocinético do topiramato é caracterizado por absorção rápida e quase completa com pico de concentração plasmática de 2 horas da administração, não afetada por alimentos, cinética linear, tornando-se possível prever mudanças na concentração de plasma com alterações da dose ou regimes de dosagem (Kenna et al., 2009). Além disso, o topiramato é eliminado 34 predominantemente na urina, com uma meia-vida de eliminação de 21 h, e não é extensivamente metabolizado in vivo. Seu metabolismo é 30 % hepático e 70 % excretado via renal, de maneira inalterada na urina (Kenna et al., 2009; Shank et al., 2000). Ainda, devido à fraca ligação às proteínas plasmáticas (917 %), diferentemente de anticonvulsivantes benzodiazepínicos e da fenitoína, a probabilidade de interação com outros medicamentos devido este aspecto é bastante remota (Bourin et al., 2009). Figura 3. Estrutura química do topiramato (Fonte: www.drugs.com/pro/topiramate-tablets.html). Com relação aos aspectos farmacodinâmicos do topiramato, testes in vitro sugerem que este fármaco afeta a atividade neuronal e produz seu efeito por vários mecanismos, incluindo a modificação dos potenciais de ação dependentes de Ca+2 e Na+, o aumento da atividade GABAérgica e inibição da condutância mediada por receptores de glutamato do tipo AMPA (Gryder e Rogawski, 2003). Em cultura de neurônios neocorticais, o topiramato reduz a ativação da corrente de Na+ (Mclean et al., 2000) e, em cultura de neurônios hipocampais, em concentrações compatíveis com doses terapêuticas, reduz a frequência e a duração do potencial de ação (White et al., 2005). Sugere-se que a atenuação do canal de Na+ voltagem-dependente promovido pelo topiramato possa ser devido à estabilização deste canal no seu estado inativo (Rigoulot et al., 2004). Este mecanismo de ação atribuído ao topiramato é compartilhado com outros anticonvulsivantes, tais como fenitoína, carbamazepina, lamotrigina (White, 1997). Ainda, conforme mencionado acima, o topiramato é responsável pela modulação negativa do canal de Ca+2 tipo L, o que limita as funções do sistema de segundos mensageiros dependentes de cálcio (McKinney e Murphy, 2006). Estudos demonstraram também que o topiramato aumenta a frequência da ativação de receptores GABAA em culturas de neurônios cerebelares e corticais; e que este não age por meio dos sítios de ligação GABA ou 35 benzodiazepínicos no receptor GABAA, devendo, portanto, exercer o seu efeito nas correntes GABAA mediada por interação com outros sítios do receptor GABAA (White et al., 2000), e reduz a atividade do glutamato por indução de um efeito inibitório nos receptores do tipo AMPA/cainato (Gibbs et al., 2000; Gryder e Rogawski, 2003). Os receptores GluR5 do Cainato, são considerados o primeiro sítio de ação do topiramato. Estes receptores estão presentes nos terminais gabaérgicos das células piramidais e interneurônios do núcleo basolateral da amígdala. Os GluR5KRs na região pré-sináptica, modulam a liberação do GABA de forma bidirecional e dependente da concentração de agonistas (Braga et al., 2003). O topiramato também tem efeito inibitório sobre algumas isoenzimas da anidrase carbônica, mais especificamente as isoenzimas II e IV (Rigoulot et al., 2003). Nos trabalhos de Sun e Alkon (2001), foi demonstrado que ativadores da anidrase carbônica fazem com que haja um aumento no efluxo de HCO3nos receptores gabaérgicos, de forma a fazer com que o mecanismo inibitório que ocorre normalmente devido à entrada de Cl- (hiperpolarização), se torne excitatório (despolarização). A inibição da anidrase carbônica pelo topiramato, faz com que haja um aumento da ação inibitória GABAérgica (Rigoulot et al., 2003), corroborando com White et al. (2000). Resumidamente, os sítios alvo de ação do topiramato estão descritos na tabela 3. A este respeito, o topiramato pode ser uma ferramenta farmacológica interessante para o tratamento de diversos transtornos psiquiátricos, a citar, a ansiedade, a depressão e os sintomas psíquicos decorrentes da retirada do etanol. Tabela 3. Principais sítios de ação do topiramato. Local de ação Mecanismo de ação Receptores AMPA Inibição dos receptores Receptores Cainato GluR5 Dessensibilização Anidrase Carbônica (II e IV) Inibição da atividade Receptores GABAA Ativação Canal de Ca+2 Modulação negativa (inibição) 36 Canal de Na+ Atenuação e/ou estabilização no estado inativo 1.2.2 Transtornos psiquiátricos e o topiramato O topiramato tem sido promissor em várias situações na clínica, como é possível observar em algumas literaturas aqui citadas. Além da ação antiepiléptica, o topiramato tem mostrado ação neuroprotetora (Khan et al., 2003; Jonhson et al., 2003) por promover redução do dano neuronal e tem atuado na prevenção da enxaqueca (Silberstein et al., 2007). Porém, este fármaco tem ganhado destaque principalmente pelo seu uso no controle da obesidade (Reas e Grilo, 2015; Khorassani, et al., 2015). Ainda, estudos têm demonstrado que o topiramato é um medicamento que apresenta bons resultados quando administrado em pacientes com transtorno de estresse póstraumático (Berlant, 2002; Berlant, 2004; Batki et al., 2014). Assim, como é usado para o tratamento da avidez e controle do consumo excessivo de alimentos e cocaína (McElroy et al, 2012; Kampman et al., 2013). Segundo o estudo duplo cego (Berlin, et al., 2013) e o estudo controlado com placebo, (Rosenberg et al., 2013), sugere-se que o topiramato possa ser efetivo no tratamento de pessoas viciadas em jogos. O topiramato tem sido investigado como um tratamento para uma variedade de transtornos psíquicos, incluindo a fobia social (Van Ameringen et al., 2004), transtorno obsessivo-compulsivo (Berlin et al., 2013), transtornos afetivos, tanto uni quanto bipolar (Mclntyre et al., 2002; Mowla e Kardeh, 2011). Há evidências de que o topiramato possa ser útil no tratamento simultâneo da dependência de álcool e tabagismo (Johnson, 2004). Em um estudo clínico duplo-cego randomizado Johnson et al. (2003a), demonstraram que o topiramato foi eficaz em reduzir a avidez pelo consumo da droga e melhorou a qualidade de vida dos indivíduos etilistas que receberam, durante 12 semanas, o tratamento com o topiramato. Evidências mais recentes vêm confirmando o potencial do topiramato no tratamento da dependência ao etanol (Johnson et al., 2007, Arbaizar et al., 2010, Johnson et al., 2010, Johnson e AitDaoud, 2010). Além disso, tem sido investigado o uso do topiramato para aliviar a impulsividade comportamental associada ao consumo abusivo, fissura 37 e sintomas psiquiátricos da retirada do etanol (Johnson et al., 2003; Johnson et al., 2004; Johnson et al., 2007; Rubio et al., 2009; Paparrigopoulos et al., 2011; Blodgett et al., 2014; Kranzler et al., 2014; Martinotti et al., 2014). Um número cada vez maior de estudos pré-clínicos referenda os efeitos benéficos do tratamento com topiramato em modelos animais de dependência ao etanol (Gabriel e Cunningham, 2005; Hargreaves e McGregor, 2007; Nguyen et al., 2007; Farook et al., 2009; Breslin et al., 2010; ZalewskaKaszubska et al., 2013). Por outro lado, poucos estudos pré-clínicos têm investigado o potencial ansiolítico e antidepressivo do topiramato em ratos naive (Hargreaves e McGregor, 2007; Molina-Hernandez et al., 2010; MolinaHernández et al., 2013). Ainda, poucos estudos em animais visaram investigar os efeitos do topiramato nos sintomas psíquicos induzidos pela retirada do etanol (Cagetti et al., 2004; Farook et al., 2007). Com relação aos efeitos colaterais do topiramato, convém destacar que este medicamento possui um perfil favorável quanto aos efeitos adversos quando comparado a outras medicações antiepilépticas, sendo os sintomas classificados como leves a moderados. Em humanos, foram observados com mais frequência, parestesias, alteração do paladar, anorexia e fadiga (Fritz et al., 2005). Ainda, um dos efeitos colaterais mais frequentes, apresentado por cerca de 10 % dos indivíduos que tomam o topiramato, é a dificuldade cognitiva (Biton et al., 2001). Com o uso do topiramato foram evidenciadas diminuição da concentração, da fluência verbal, da memória de reconhecimento de objetos e memória de trabalho (McCabe e Eslinger, 2000; Werz, 2006; De Lima et al., 2007). De fato, quando utilizado em pacientes com epilepsia, avaliados através de ressonância magnética funcional, foi observado que o topiramato provoca um declínio na ativação do córtex pré-frontal que é responsável entre outras funções, pela memória de trabalho (Jansen et al., 2006). Desta forma, observa-se um cenário que ilustra a baixa disponibilidade farmacológica para tratar os transtornos psiquiátricos oriundos da retirada do etanol e que apresenta limitações para o uso, além de consideráveis efeitos adversos que prejudicam a adesão ao tratamento. Como visto anteriormente, o topiramato parece ser promissor para o tratamento da ansiedade e da depressão, assim como na toxicodependência do álcool, devido às vantagens apresentadas, com perfil favorável com relação 38 aos efeitos colaterais em relação aos fármacos atuais. Portanto, é de grande interesse a validação pré-clínica e clínica de um fármaco com o perfil farmacocinético e farmacodinâmico do topiramato no alívio de tais transtornos psiquiátricos. 39 2. OBJETIVOS 2.1 Geral O objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos do tratamento com topiramato sobre os comportamentos relacionados à ansiedade, à depressão e locomoção em ratos naive e abstinentes ao etanol. 2.2 Específicos 1) Investigar os efeitos do tratamento agudo e crônico com topiramato em ratos naive submetidos ao labirinto em cruz elevado (LCE), campo aberto (CA) e teste do nado forçado (TNF); 2) Avaliar os efeitos causados pela abstinência ao etanol em curto e longo prazo nos comportamentos relacionados à ansiedade, atividade locomotora, memória e depressão, a fim de validar o modelo de retirada do etanol em nossas condições experimentais; 3) Avaliar o efeito do tratamento agudo com topiramato em ratos abstinentes em curto prazo ao etanol submetidos ao teste do LCE e CA; 4) Investigar o efeito do tratamento sub-crônico com topiramato em ratos abstinentes em longo prazo ao etanol submetidos ao teste do LCE, CA e teste do nado forçado (TNF). 40 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. Animais Para a realização deste estudo, foram utilizados ratos Wistar machos com um tempo de vida de aproximadamente 90 dias no início do experimento, provenientes do biotério do Departamento de Biofísica e Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DBF-UFRN). Os animais permaneceram em ambiente controlado sob ciclo claro-escuro de 12 horas (ciclo claro das 06:00 às 18:00) e temperatura ambiente de 23ºC ± 1ºC. Todos os animais foram mantidos em número de 5 em gaiolas plásticas de polietileno de 41x34x16 cm. Todos os procedimentos experimentais deste estudo foram realizados sob aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UFRN (protocolo N° 007/2012), sendo realizadas todas as adequações para minimizar o número de animais usados e o seu sofrimento. Ao final dos procedimentos experimentais, a eutanásia dos animais foi realizada com tiopental sódico (dose superior a 100 mg/Kg/mL). 3.2. Habituação ao experimentador Anteriormente ao início dos experimentos (dois dias), cada animal foi manuseado pelo experimentador (habituação ou handling) numa sessão de cinco minutos durante dois dias. Este procedimento permitiu aos animais uma melhor adaptação ao pesquisador durante os testes, reduzindo alterações comportamentais causadas pelo estresse da manipulação. 41 3.3. Drogas Topiramato (Laboratórios Eurofarma Ltda, São Paulo, Brasil) foi solubilizado em solução salina, administrado via oral (v.o.) agudamente ou por 21 dias nas doses de 10 e 40 mg/Kg. O topiramato foi administrado 60 minutos antes dos testes comportamentais. Nortriptilina 30 mg/Kg/mL (Novartis Biociências, São Paulo, Brasil), um antidepressivo tricíclico, foi solubilizada em solução salina e administrada v.o. 30 minutos antes do teste da natação forçada. Diazepam 1mg/Kg/mL (Cristália Laboratório Farmacêutico, São Paulo, Brasil), um ansiolítico benzodiazepínico, foi solubilizado em Tween 80 (0,5%) e soluça salina e administrado por via intraperitoenal (i.p.), 30 minutos antes do teste labirinto em cruz elevado. Os animais controles foram administrados com os mesmos veículos, pelas mesmas vias e utilizando os mesmos volumes que os fármacos acima citados. Etanol 99% (Neon comercial Ltda, São Paulo, SP, Brasil) solubilizado em água potável foi disponibilizado à vontade para os animais em concentrações crescentes (2 % durante os 3 primeiros dias, 4 % por mais 3dias, 6 % durante os 15 dias restantes de exposição ao etanol). Durante os experimentos com ingestão forçada de etanol, os animais foram divididos em dois grupos: grupo controle e grupo etanol. No grupo etanol, os animais recebiam como única fonte de dieta líquida, o etanol e ração à vontade. Já no grupo controle, estes receberam por 21 dias, água e ração ad libitum. 42 3.4. Aparatos 3.4.1. Labirinto em cruz elevado (LCE) O LCE consiste de um aparato com dois braços abertos (48 x 10 cm) e dois braços fechados (48 x 10 cm) com as mesmas dimensões. Ambos se originam de uma plataforma central (10 x 10 cm) e estão dispostos de forma que os dois pares de braços idênticos estejam opostos um ao outro. O aparato está erguido a 50 cm do chão e possui o piso na cor de madeira clara, mas de forma que contrasta com o indivíduo analisado (branco). No início do teste, cada animal foi colocado na plataforma central com a face voltada para o braço fechado. Após o término do teste de cada indivíduo (5 min), o labirinto foi cuidadosamente limpo com um papel toalha embebido de água. O teste no LCE foi realizado no período entre 7:00 e 12:00 hs da manhã. O comportamento do animal foi registrado por uma câmera filmadora, acoplada a um computador, sob baixa iluminação (lâmpada vermelha de 60 watts voltada para a parede). Os seguintes parâmetros foram avaliados: número de entradas em cada braço do labirinto; tempo gasto nos braços abertos; nos braços fechados e na plataforma central. Conforme previamente descrito por Pellow et al. (1985), um aumento seletivo nos parâmetros espaço-temporais de exploração dos braços abertos do labirinto revela um efeito do tipo ansiolítico. 3.4.2 Rota-rod A avaliação da coordenação motora dos ratos foi feita pelo teste do rota-rod como previamente descrito por Rozas et al. (1997). O aparelho é constituído basicamente por um cilindro distante da superfície da mesa, o qual roda a uma velocidade selecionada pelo experimentador e acionado por um motor. Para a sessão de treino, os ratos foram submetidos ao aparelho de rotarod em duas velocidades distintas: 8 e 20 rpm, por 5 minutos para cada uma. Com o objetivo de avaliar a coordenação motora, uma sessão de teste foi realizada 24 h após a sessão de treino. Na sessão de teste, as seguintes 43 velocidades foram adotadas: 8, 14, 20, 26 e 32 rpm. A latência para cair da barra de rotação na sessão de teste para cada uma das velocidades testadas foi registrada. 3.4.3. Campo aberto (CA) O teste do CA foi introduzido por Calvin Hall em 1934 (Hall, 1934) e é baseado na observação da atividade locomotora espontânea dos roedores quando expostos a um novo ambiente. O aparato consiste de uma caixa de fórmica branca, com fundo negro quadrado, com dimensões de 60 x 60 x 60 cm. Durante o teste, cada animal foi posicionado no centro do aparato. O parâmetro avaliado para esse estudo foi a distância percorrida, em metros, pelos animais ao longo de 15 minutos. A atividade do animal foi registrada por uma câmera de vídeo, que foi posteriormente analisada com auxílio do software ANYMaze (Stoelting, USA). O teste foi realizado em uma sala silenciosa, com temperatura constante de 22ºC ± 1ºC e luz branca indireta (20 W) sob o CA. Após o teste com cada animal, foi realizada a limpeza do aparato com papel-toalha embebido em água. 3.4.4. Avaliação da memória de reconhecimento de objetos O teste foi realizado no aparato do CA, conforme previamente descrito Reus et al. (2008). Todos os animais foram submetidos a uma habituação ao CA, por 10min para livre exploração na ausência de objetos. 24 horas depois da sessão de habituação, o treinamento foi realizado pela exposição de dois objetos idênticos (A1 e A2) inseridos no CA por 5min (sessão treino), posicionados em cantos adjacentes, 10 cm das paredes. 24 horas depois da sessão de treino, a tarefa foi repetida a fim de avaliar a memória de longa duração. No dia do teste, um objeto anteriormente apresentado (A2) foi substituído por um objeto novo (B) e esta sessão teve a duração de 5min. Todos os objetos tinham texturas semelhantes (liso), cores (azul) e tamanhos 44 (peso 150-200 g), mas formas diferentes. O índice de reconhecimento foi calculado nas sessões de treino e teste, e este índice reporta a seguinte relação: TB / (TA + TB) (TA = tempo gasto explorando o objeto familiar A; TB = tempo gasto explorando novo objeto B). Entre o período de exploração de cada animal, os objetos foram lavados com água. O comportamento de exploração dos objetos foi definido manualmente através da cronometragem do tempo gasto cheirando ou tocando o objeto com o nariz e/ou patas dianteiras. O parâmetro de locomoção (ou seja, distância percorrida) no aparato foi analisado pelo software AnyMaze (Stoelting, USA). 3.4.5. Teste do nado forçado (TNF) O TNF é um teste comportamental para avaliação da atividade antidepressiva de alguns compostos e se baseia na exposição dos animais a uma situação aversiva e desconfortável. Para a realização do teste do nado forçado foi utilizado um recipiente circular com 40 cm de altura e 30 cm de diâmetro, contendo aproximadamente 25 cm de água com temperatura de 22ºC ± 1ºC (adaptado de Porsolt, 1978). Neste teste, os animais foram colocados individualmente em um cilindro plástico. Os animais foram colocados no recipiente por dois momentos, denominados de sessão treino e sessão teste. Na sessão treino, os animais foram mantidos na água durante 15 min. e nenhum comportamento foi registrado. Já na sessão de teste, 24 h após a sessão treino, os animais foram mantidos no cilindro com água por 5 minutos, e os seguintes comportamentos foram registrados: tempo de imobilidade, tempo de climbing e tempo de natação, todos em segundos. Foi considerado como imobilidade quando o animal se movimentava apenas o necessário para manter a cabeça fora da água. Já o climbing foi considerado quando o animal realizava o comportamento de escalada das paredes do cilindro, na tentativa de sair da situação. O comportamento de natação foi avaliado através da subtração do tempo de duração total do teste (i.e., 300 s) e dos comportamentos de imobilidade e climbing. O comportamento de cada animal foi registrado por uma vídeo câmera e a água do recipiente foi trocada para cada animal. 45 3.5. Desenho experimental 3.5.1 Etapa 1: Efeitos comportamentais do topiramato em ratos naives Nesta etapa, avaliou-se o efeito do topiramato em animais naive com base nas doses utilizadas em estudo prévios da literatura (Cagetti et al., 2004; Hargreaves e McGregor, 2007). Inicialmente, investigou-se os efeitos da administração aguda (v.o.) de topiramato nas doses de 10 e 40 mg/Kg/ ou solução salina em ratos submetidos aos testes do labirinto em cruz elevado, campo aberto e teste do nado forçado. Posteriormente, a fim de avaliar os efeitos da administração repetida, ratos naive tratados por 21 dias (v.o.) com topiramato 10 e 40 mg/Kg/ ou solução salina foram submetidos aos testes do campo aberto e nado forçado de acordo com o esquema ilustrado na tabela 1). Foram utilizados o diazepam e a nortriptilina como controle positivo para os testes do LCE e (TNF), respectivamente. Tabela 4. Representação ao longo do tempo dos testes comportamentais realizados em ratos Sub crônico Agudo naive e tratados com topiramato. Administração (v.o.) de topiramato 10 ou 40 mg/kg Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 … Dia 20 Dia 21 Dia 22 Teste comportamental LCE CA TNF (sessão treino) TNF (sessão teste) … CA TNF (sessão treino) TNF (sessão teste) LCE labirinto em cruz elevado; CA: campo aberto; TNF: teste de nado forçado 3.5.2 Etapa 2: Padronização do protocolo de abstinência ao etanol O modelo de abstinência ao etanol aqui utilizado foi adaptado do estudo de Cabral et al. (2006). Ao atingirem aproximadamente 60 dias de vida, os animais do grupo etanol foram submetidos a exposição forçada de etanol, 46 como única fonte de dieta líquida em concentrações crescentes, visando reduzir uma possível aversão à bebida. Nos três primeiros dias de exposição ao etanol, os animais receberam uma solução líquida contendo 2 % de etanol; em seguida, esta foi substituída para a concentração de 4 %, na qual permaneceu por três dias e, por fim, foi substituído por uma solução líquida contendo uma concentração de 6 % de etanol, mantendo-se durante 15 dias, totalizando o regime de consumo crônico forçado de etanol de 21 dias. No 21º dia, a solução de etanol foi substituída por água potável ad libitum durante todo o período de abstinência. Avaliações comportamentais em animais abstinentes foram realizadas através dos LCE, CA, rota-rod, reconhecimento de objetos e TNF, como ilustrado na figura 4. Para os animais do grupo controle foi disponibilizada água potável ad libitum durante o período que os animais do grupo etanol receberam solução de etanol. Os ratos foram divididos em dois grupos, os quais foram tratados com água (grupo controle) e solução de etanol durante 21 dias (grupo experimental – ratos abstinentes). Os testes comportamentais iniciaram 72 h após a substituição do etanol por água. Figura 4. Esquema representativo do protocolo de consumo forçado de etanol e do período de abstinência. Conforme demonstrado, a concentração de etanol foi crescente ao longo do período de consumo, permanecendo na concentração de 6 % até o 21° dia. Após o consumo, seguiu-se o período de retirada do etanol, cujos animais foram submetidos, nos tempos aqui determinados, aos seguintes testes comportamentais: labirinto em cruz elevado (LCE), campo aberto (CA), rota-rod, reconhecimento de objetos (RO) e natação forçada (TNF). 3.5.3 Etapa 3: Efeito da administração aguda e subcrônico de topiramato em animais abstêmios ao etanol 47 Os animais abstêmios foram tratados de modo agudo e subcrônico, por 21 dias, com topiramato 40 mg/Kg/mL, por via oral. Os animais controles foram administrados com solução salina no mesmo volume e via do topiramato. Experimento 1) Efeito da administração aguda de topiramato sobre comportamentos relacionados à ansiedade e atividade locomotora em ratos abstêmios Decorridos 21 dias de consumo forçado de etanol, a solução de etanol foi substituída por água e, após 72 horas de abstinência, os animais foram tratados com topiramato (40 mg/Kg/mL, v.o.) ou solução salina e, 60 minutos depois, estes foram submetidos ao teste de LCE. No dia seguinte, os mesmos animais foram novamente administrados com topiramato (40 mg/Kg/mL) ou salina e, 60 minutos mais tarde, submetidos ao teste do CA. Figura 5. Esquema representativo da administração aguda de topiramato (dias 24 e 25) após 3 e 4 dias de abstinência ao etanol. Após o consumo crônico de etanol, seguiu-se o período de retirada do etanol, cujos animais foram submetidos, nos tempos aqui determinados, aos seguintes testes comportamentais: labirinto em cruz elevado (LCE) e campo aberto (CA). Experimento 2) Efeito da administração subcrônico de topiramato sobre comportamentos relacionados à ansiedade, depressão e atividade locomotora em ratos abstêmios. Decorridos 21 dias de consumo forçado de etanol, a solução de etanol foi substituída por água e os animais foram tratados sub-cronicamente por 23 dias com topiramato (40 mg/Kg/mL) ou solução salina, 60 min após a administração de topiramato, os animais foram submetidos ao teste de CA e, 24 h depois, ao teste do TNF. 48 Um outro grupo de animais, também abstinentes ao etanol de longo prazo (21 dias), após a substituição do etanol por água, foram tratados por 21 dias com topiramato (40 mg/Kg/mL) ou solução e, 60 min após a última administração, foram avaliados no teste do LCE. Figura 6. Esquema representativo da administração subcrônico de topiramato (23 dias) após 21 dias de abstinência ao etanol. Após o consumo crônico de etanol, seguiu-se o período de retirada do etanol, cujos animais foram submetidos, nos tempos aqui determinados, aos seguintes testes comportamentais: labirinto em cruz elevado (LCE), campo aberto (CA) e natação forçada (TNF). 3.6. Análise Estatística Todos os dados foram analisados utilizando GraphPad InStat 3.0 e Statistica 7.0. Todos os dados são expressos como média ± SEM. Os dados foram analisados pelo teste t de Student, ANOVA de uma via seguido do teste post-hoc (o teste de Tukey). Os dados referentes ao efeito do topiramato em animais abstinentes ao etanol (Etapa 3 do desenho experimental) foram avaliados através da ANOVA de duas vias (variáveis independentes: abstinência ao etanol e tratamento com topiramato), seguida do teste de posthoc de Duncan, conforme detalhado nas legendas das figuras. As diferenças foram consideradas significativas quando P<0,05. 49 4. RESULTADOS Diante dos objetivos propostos, a presente tese foi desenvolvida em três grandes etapas, onde a primeira investigou-se o efeito comportamental do topiramato em animais naive. Na segunda propõe-se um modelo para investigar os efeitos da retirada do etanol em ratos, enquanto que na terceira, investigou-se o efeito comportamental do topiramato em animais abstinentes. 4.1 Efeito comportamental do topiramato em animais naive O efeito de substâncias de referência para a ação do tipo ansiolítica está representado na figura 4 assim como para ação antidepressiva na figura 5. A replicação do comportamento ansiolítico induzido pelo diazepam (1 mg/Kg/mL), em ratos submetidos ao LCE, é de grande importância, pois valida as condições experimentais utilizadas neste estudo. Da mesma forma, padronizou-se o TNF com antidepressivo clássico nortriptilina (30 mg/Kg/mL), que reduziu o tempo de imobilidade dos ratos submetidos ao teste, indicando um perfil de resposta do tipo antidepressivo. Para validar as condições experimentais do LCE, o diazepam foi injetado em ratos naive. A análise dos dados através do Teste t de Student indicou um aumento significativo na exploração dos braços abertos no teste de LCE pelos animais tratados com diazepam comparado com os animais controle. Ocorreu um aumento significativo no tempo gasto em (Figura 7A; t=5,63, df=12, *P<0,05), e no número de entradas nos braços abertos (Figura 7B; t=2,79, df=12, *P<0,05). Além disso, o tratamento com diazepam não afetou o número de entradas nos braços fechados (Figura 7B; P>0,05). (A) 200 Número de entrada nos braços Tempo nos braços abertos (s) 50 * 150 100 50 0 Salina Diazepam (B) 20 * Salina Diazepam 15 10 5 0 Aberto Fechado Figura 7. Efeito do tratamento com diazepam em ratos naive submetidos ao teste labirinto em cruz elevado. Neste teste os seguintes parâmetros foram avaliados; (A) tempo nos braços abertos e (B) frequência de entradas nos braços abertos e fechados. As barras representam a média ± SEM de 6–8 animais por grupo. *P<0.05 vs. grupo controle (teste t de Student). Para validar as condições experimentais do TNF a nortriptilina foi injetada em ratos naive. Como indicado pelo teste t de Student, os animais que receberam este antidepressivo exibiram menor tempo de imobilidade do que o grupo tratado com veículo (Figura 8; t=3,18, df=11, P<0,05) e maior tempo na escalada (t=3,23, df=11, P<0,05). Não foram observados efeitos significativos no tempo de natação entre os grupos. * Tempo (s) 150 Salina Nortriptilina 100 * 50 0 Imobilidade Escalada Natação Figura 8. Efeito do tratamento com nortriptilina 30 mg/kg, vo, em ratos naive submetidos ao teste da natação forçada quanto aos tempos de: imobilidade, natação e escalada. As barras representam a média ± SEM de 7-8 animais por grupo. *P<0,05 vs. salina (teste t de Student). 51 Prosseguiu-se este estudo, avaliando inicialmente os efeitos do tratamento agudo e subcrônico com topiramato em ratos naive na ansiedade e depressão experimental. Como mostrado na figura 9, a análise dos resultados por ANOVA seguido pelo teste post-hoc de Tukey indicou que o tratamento com topiramato 40 mg/kg causou aumento estatisticamente significativo no tempo gasto (Figura 9A; F(2,36)=5,43; P<0,05) e no número de entradas (Figura 9B; F(2,36)=4,26; P<0,05) nos braços abertos do LCE, sugerindo um efeito do tipo ansiolítico para dose de 40 mg/kg. Não foram observadas diferenças no número de entradas nos braços fechados do LCE (Figura 9C; F(2,36)=1,07; P>0,05) considerando nenhuma alteração da atividade locomotora confirmada pelos parâmetros comportamentais do CA. Não foram observadas alterações no comportamento dos animais tratados com topiramato 10 mg/kg em comparação com os tratados com solução salina no teste do LCE. * 200 150 100 50 0 Nº Entradas nos braços fechados Tempo nos braços abertos (s) 250 Nº Entradas nos braços abertos (B) (A) 10 * 8 6 4 2 0 (C) 10 8 Salina Top 10 mg/kg Top 40 mg/kg 6 4 2 0 Figura 9. Efeito da administração aguda de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o.) em ratos naive submetidos ao teste de LCE: tempo gasto nos braços abertos (A), entradas nos braços abertos 52 (B), e entradas nos braços fechados (C). As barras representam a média ± SEM de 10-14 animais por grupo. *P<0,05 (ANOVA, teste de Tukey). A fim de avaliar o efeito de diferentes doses do topiramato sobre a atividade locomotora espontânea dos animais, ratos tratados com topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o) foram expostos ao CA. ANOVA seguida pelo teste de Tukey, não demonstrou qualquer alteração na distância total percorrida durante 15 minutos ou a cada bloco de 5 minutos de observação no CA. A administração aguda (Figura 10A) e sub-crônico (Figura 10B) de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o.) não apresentou qualquer alteração significativa na distância percorrida em comparação com o grupo que recebeu solução salina. Tratamento agudo 20 15 10 5 0 Distância percorrida (m) Distância percorrida (m) 10 5 0 Salina Top 10 mg/kg 20 Top 40 mg/kg 15 10 5 0 (D) (C) 15 0 Tratamento sub-crônico. (B) Distância percorrida acumulada (m) Distância percorrida acumulada (m) (A) 5 10 Tempo (min) 15 20 15 Salina Top 10 mg/kg Top 40 mg/kg 10 5 0 0 5 10 15 20 Tempo (min) Figura 10. Efeito agudo (A, C) e sub-crônico (B, D) da administração de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o) em ratos naive no teste de campo aberto. Distância total percorrida durante 15 minutos (A, B) e a distância percorrida a cada 5 minutos (C, D). Os resultados são expressos como média ± SEM de 8-14 animais por grupo (ANOVA, teste de Tukey). Objetivando estudar o efeito das diferentes doses de topiramato na depressão experimental, avaliando o tempo de imobilidade os ratos foram submetidos ao teste da natação forçada. A análise por ANOVA seguido pelo teste post-hoc de Tukey no teste de TNF indicou que o tratamento agudo com topiramato 40 mg/kg, mas não a 10 mg/kg, reduziu significativamente o tempo 53 de imobilidade em comparação com o grupo tratado com solução salina (Figura 11A; F(2,19)=4,31; P<0,05). Estes dados sugerem um efeito do tipo antidepressivo para a dose de 40 mg/kg de topiramato. Já o tratamento subcrônico com topiramato (10 e 40 mg/kg, vo) não produziu qualquer alteração no tempo de imobilidade no TNF (Figura 11B; F(2,37)=0,46, P>0,05). (B) Tratamento sub-crônico Tratamento agudo 200 150 100 50 0 * Tempo de imobilidade (s) Tempo de imobilidade (s) (A) 200 Salina Top 10 mg/kg Top 40 mg/kg 150 100 50 0 Figura 11. Efeito agudo (A) e sub-crônico (B) da administração de topiramato (10 e 40 mg/kg, v.o) no teste da natação forçada. O parâmetro avaliado foi o tempo de imobilidade dos animais. Os resultados estão representados média ± SEM de 7-8 animais por grupo. *P<0,05 (ANOVA, teste de Tukey). 4.2. Padronização do protocolo de abstinência ao etanol A partir de agora será investigado os comportamentos relacionados à ansiedade, atividade locomotora, memória e depressão no protocolo de abstinência ao etanol a curto e longo prazo em vários testes. Visando investigar aos efeitos comportamentais dos ratos abstinentes em curto prazo ao etanol, o teste t de Student indicou uma redução significativa na exploração nos braços abertos no teste de LCE pelos animais abstinentes ao etanol comparando com os que receberam solução salina. Ocorreu uma diminuição significativa no percentual de tempo gasto (Figura 12A; t=2,68, df=12, P<0,05) e no número de entradas nos braços abertos (Figura 12A; t=2,59, df=12, P<0,05). Além disso, a abstinência ao etanol não afetou o número de entradas nos braços fechados neste teste (Figura 12B; P>0,05). 54 (B) 50 40 30 20 * 10 0 Controle Abstinente Número de entrada nos braços Tempo nos braços abertos (s) (A) Controle 12 Abstinente 10 8 6 4 * 2 0 Aberto Fechado Figura 12. Comportamento de ratos abstinentes ao etanol a curto prazo (72 h) submetidos ao labirinto em cruz elevado. (A) tempo nos braços abertos e (B) número de entradas nos braços. As barras representam a média ± SEM de 6–8 animais por grupo. *P<0.05 vs. grupo controle (teste t de Student). Como conclusão do experimento anterior, pode-se observar que os animais abstinentes ao etanol (72h após a retirada) apresentaram comportamento do tipo ansiogênico em comparação aos não abstinentes, conforme demonstrado pela redução na exploração nos braços abertos do LCE. A atividade locomotora e coordenação motora de ratos abstinentes foram avaliadas no CA e rota-rod. O teste t de Student não apresentou qualquer alteração na distância percorrida acumulada durante 15 minutos de observação em animais em abstinência ao etanol em curto e longo prazo (Figura 13; P>0,05). Utilizando o teste do rota-rod, também não foram detectadas diferenças estatísticas na coordenação motora dos ratos abstinentes ao etanol comparado ao grupo controle salina, sugerindo, assim, não existir alterações motoras devido à retirada em curto e longo prazo do etanol (Figura 14; p>0,05). Distância percorrida acumulada (m) 55 30 Controle Abstinente 25 20 15 10 5 0 5 Dia 19 Dia Figura 13. Comportamento de ratos abstinentes a curto (5 dias) e longo prazo (19 dias) ao etanol submetidos ao campo aberto. Distância percorrida acumulada durante 15 minutos. As Tempo na barra de rotação (s) barras representam a média ± SEM de 6-8 animais por grupo. 200 Controle Abstinente 150 100 50 0 2 8 14 20 26 32 38 Velocidade (rpm) Figura 14. Comportamento de ratos abstinentes a longo prazo submetidos ao teste do rota-rod. Latência para a primeira queda na barra rotativa do rota-rod. Os dados representam médias ± SEM de 6-8 animais por grupo. A Figura 15 ilustra o impacto causado pela retirada do etanol no desempenho dos ratos no teste de reconhecimento de objetos. Os ratos controle apresentaram um aumento estatisticamente significante no índice de reconhecimento na sessão de teste em comparação com a sessão de treino (Figura 15; t=3,55, df=12, P<0,05), sugerindo que a memória de reconhecimento foi adquirida durante esta tarefa. No entanto, para os ratos abstinentes ao etanol, foi observado prejuízo significativo na evocação da 56 memória. De fato, na sessão de teste, o índice de reconhecimento de objetos dos ratos abstinentes não diferiu estatisticamente dos valores alcançados Indice de reconhecimento durante a sessão de treino (Figura 15; t=0,57, df=12, P>0,05). 0.8 * Treino 24 h 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0.0 Controle Abstine nte Figura 15. Efeitos da retirada a longo prazo do etanol sobre os índices de reconhecimento em ratos abstinentes ou não ao etanol submetidos ao teste de reconhecimento de objetos. As barras representam a média ± SEM de 6-8 animais por grupo. *P<0,05 vs. sessão de treino (teste t de Student). Visando investigar os efeitos comportamentais de ratos abstinentes ao etanol no teste de natação forçada. O Teste t de Student indicou um efeito significativo. De fato, os ratos abstinentes mostraram aumento do tempo de imobilidade (Figura 16; t=6,17, df=12, P<0,05), e diminuição do tempo de natação (Figura 16; t=2,46, df=12, P<0,05) em comparação com os controles. Não houve diferença significativa no tempo de escalada entre ratos controle e abstinentes (Figura 16; P>0,05). Em conjunto, estes dados sugerem que os ratos abstinentes em longo prazo (23 dias da retirada) mostraram um comportamento do tipo depressivo no TNF. 57 250 200 Tempo (s) Controle Abstinente * 150 100 * 50 0 Escalada Imobilidade Natação Figura 16. Comportamento de ratos abstinentes a longo prazo ao etanol submetidos ao teste da natação forçada. Neste teste, os seguintes parâmetros comportamentais avaliados foram tempo de imobilidade, de natação e de escalada. As barras representam a média ± SEM de 6-8 animais por grupo. *P<0,05 (teste t de Student). 4.3 Efeito comportamental do topiramato em animais abstinentes ao etanol Os ratos abstinentes em curto prazo (72h após a retirada) exibiram alterações significativas no teste de LCE, como observado na redução do tempo gasto nos braços abertos (Figura 17A; ANOVA de duas vias, efeito da abstinência ao etanol: F(1,37)=4,27, P=0,04; efeito da administração de topiramato: F(1,37)=14,98, P=0,0004) e o número de entradas nos braços abertos (Figura 17B; ANOVA de duas vias, efeito da abstinência ao etanol: F(1,37)=4,43, P=0,04; efeito da administração de topiramato: F(1,37)=8,45; P=0,006), sugerindo um comportamento do tipo ansiogênico. O tratamento agudo com topiramato 40 mg/kg bloqueou os efeitos ansiogênicos da retirada do etanol (Figura 17A). Vale ressaltar que o topiramato 40 mg/kg por si só aumentou a exploração nos braços abertos do aparato, sugerindo, assim, um efeito de tipo ansiolítico (Figura 17A) em animais não abstinentes. Além disso, o tratamento agudo com topiramato não afetou o número de entradas nos braços fechados do LCE em ratos abstêmios ou não (Figura 17C). 58 Tratamento agudo 200 * # 150 100 * 50 0 (C) Nº Entradas nos braços abertos (B) 250 Nº Entradas nos braços fechados Tempo nos braços abertos (s) (A) Tratamento agudo 14 12 10 * * 8 6 4 2 0 Tratamento agudo 14 12 10 8 H2O/Salina H2O/Top 40 mg/kg Etanol/Salina Etanol/Top 40 mg/kg 6 4 2 0 Figura 17. Efeitos da administração aguda de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes ou não ao etanol submetidos ao teste do LCE: tempo gasto nos braços abertos (A), entradas nos braços abertos (B) e entradas nos braços fechados (C). Os resultados são expressos como média ± SEM de 10 animais por grupo. *P <0,05 vs. H2O/Salina, e #P <0,05 vs. Etanol/Salina (ANOVA de duas vias, teste de Duncan). Os ratos abstinentes em longo prazo não exibiram alterações significativas no teste de LCE (Figuras 18A, 18B e 18C) em comparação com os animais não abstinentes. No entanto, a administração crônica de topiramato 40 mg/kg provocou efeitos de tipo ansiolítico em ambos os grupos (Figura 18A; ANOVA de duas vias, efeito da administração de topiramato: F(1,33)=6,47, P=0,015; Figura 18B, ANOVA de duas vias, efeito da administração de topiramato: F(1,33)=10,68; P=0,0025). Além disso, os ratos tratados subcronicamente com topiramato não exibiram alteração significativa no número de entradas nos braços fechados do LCE (Figura 18C). Tratamento sub-crônico 250 200 * 150 100 50 0 Nº Entradas nos braços fechados Tempo nos braços abertos (s) (A) (C) * Nº Entradas nos braços abertos 59 (B) Tratamento sub-crônico 14 12 10 * * 8 6 4 2 0 Tratamento sub-crônico 14 12 10 8 H2O/Salina H2O/Top 40 mg/kg Etanol/Salina Etanol/Top 40 mg/kg 6 4 2 0 Figura 18. Efeito da administração sub-crônica de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes ou não ao etanol submetidos ao teste do LCE: tempo gasto nos braços abertos (A), entradas nos braços abertos (B) e entradas nos braços fechados (C). Os resultados são expressos como média ± SEM de 10 animais por grupo. ⃰P <0,05 vs. H2O/Salina, e #P <0,05 vs. Etanol/Salina (ANOVA de duas vias, teste de Duncan). No teste de CA, a ANOVA de duas vias revelou que os ratos abstinentes em curto ou longo prazo não apresentaram diferenças significativas no comportamento locomotor em comparação com os não abstinentes ao etanol (Figura 19A e 19B). O tratamento agudo ou sub-crônico com topiramato 40 mg/kg não afetou significativamente a distância percorrida acumulada durante os 15 minutos de observação (Figura 19A; tratamento agudo: F(1,33)=1,38; P>0,05); Figura 19B; tratamento sub-crônico: F(1,33)=3,92; P>0,05). (A) Tratamento agudo Distância percorrida acumulada (m) Distância percorrida acumulada (m) 60 25 20 15 10 5 0 (B) Tratamento sub-crônico 25 20 H2O/Salina H2O/Top 40 mg/kg Etanol/Salina Etanol/Top 40 mg/kg 15 10 5 0 Figura 19. Efeito agudo (A) e sub-crônico (B) da administração de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes a curto e longo prazo ou não abstinentes ao etanol no teste de campo aberto. Distância percorrida total durante 15 minutos de observação. Os resultados são expressos como média ± SEM de 6-8 animais por grupo. No teste da natação forçada, a ANOVA de duas vias mostrou um comportamento tipo depressivo em ratos abstinentes em longo prazo (Figura 20; efeito da abstinência ao etanol: F(1,39)=4,09; P=0,04). Foi observado um aumento significativo no tempo de imobilidade de ratos abstinentes em comparação com os animais não abstinentes (Figura 20). É importante ressaltar que o tratamento sub-crônico com topiramato não reverteu o comportamento depressivo dos ratos em abstinência, nem produziu qualquer Tempo de imobilidade (s) alteração no tempo de imobilidade em ratos não abstinentes (Figura 20). 250 200 150 * H2O/Salina H2O/Top 40 mg/kg Etanol/Salina Etanol/Top 40 mg/kg 100 50 0 Figura 20. Efeito da administração sub-crônica de topiramato (40 mg/kg, v.o.) em ratos abstinentes a longo prazo ou não abstinentes ao etanol no tempo de imobilidade no teste da natação forçada. Os resultados são expressos como a média ± SEM de 10-11 animais por grupo. *P <0,05 vs. H2O/Salina (ANOVA de duas vias, teste de Duncan). 61 6. DISCUSSÃO Este estudo dedicou-se a investigar se o tratamento com topiramato altera comportamentos relacionados à ansiedade, à depressão e à locomoção em ratos naive e abstinentes ao etanol. A tese foi desenvolvida em três etapas: na primeira, investigou-se os efeitos do tratamento agudo e sub-crônico com topiramato em ratos naive sobre a ansiedade e depressão experimental. Posteriormente, foi validado um protocolo de abstinência ao etanol a curto e longo prazo, visando investigar os comportamentos relacionados à ansiedade, atividade locomotora, memória e depressão. Na terceira etapa, investigou-se o efeito da administração aguda e sub-crônica de topiramato no LCE, no CA e teste da natação forçada em ratos abstinentes (em curto e longo prazo) ao etanol. Em síntese, o topiramato é um antiepiléptico que atua facilitando a neurotransmissão GABAérgica (White et al., 2000), inibindo os canais de cálcio, diminuindo a excitabilidade dos canais de sódio (Taverna et al., 1999) e reduzindo a atividade do glutamato por indução de um efeito inibitório nos receptores do tipo AMPA/cainato (Gryder e Rogawski, 2003). Considerando o papel dos receptores GABAA na modulação dos estados de ansiedade (Mohler, 2012) e o potencial antidepressivo de antagonistas de receptores de glutamato não metabotrópicos (Musazzi et al., 2013), o topiramato poderia apresentar potencial efeito ansiolítico e antidepressivo. Neste trabalho, pôde-se observar que a administração aguda de topiramato produziu comportamento tipo ansiolítico no teste do LCE, de modo semelhante ao descrito para o diazepam. E, quando tratados cronicamente com topiramato (23 dias), os ratos ainda apresentaram um aumento da exploração nos braços abertos no LCE, embasando, assim, um efeito do tipo ansiolítico após a administração em curto e longo prazo em ratos naive. O efeito do tipo ansiolítico do topiramato já foi evidenciado em estudos utilizando roedores. De fato, Hargreaves e McGregor (2007) mostraram redução significativa da ansiedade com o tratamento agudo de topiramato 20 mg/Kg em ratos no LCE e teste de emergência (teste que utiliza o mesmo princípio da caixa claro-escuro). Khan e Liberzon (2004) descreveram que o 62 topiramato induz uma atenuação do sobressalto acústico em um modelo animal de transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, foi observado um aumento significativo na exploração dos braços abertos no LCE em ratos (Molina-Hernández et al., 2010; Molina-Hernández et al., 2013) e em camundongos por Farook et al. (2007). Portanto o efeito do tipo ansiolítico apresentado pelo topiramato nesta etapa está de acordo com a literatura. É importante ressaltar que os dados mostraram que a administração crônica de topiramato induz efeito do tipo ansiolítico de forma semelhante ao que foi encontrado após administração aguda. Em relação aos efeitos subcrônicos do topiramato na ansiedade, os dados aqui apresentados são pioneiros na pesquisa pré-clínica e reforçam o potencial ansiolítico após a administração repetida com topiramato em ratos naive. Considerando que a possível alteração na locomoção espontânea pode enviesar a interpretação do comportamento dos ratos no LCE, os ratos foram avaliados no teste de CA nas mesmas condições experimentais. A administração aguda ou sub-crônica de topiramato não afetou a locomoção espontânea dos ratos naive, em concordância com a literatura (Alaverdashvili et al., 2005; Bourin et al., 2009; Molina et al., 2010) Nesta mesma etapa, a administração aguda do topiramato 40 mg/Kg aumentou o tempo de imobilidade no teste da natação forçada. Estes dados sugerem que o topiramato induziu ações do tipo antidepressivas, semelhantes à nortriptilina, um antidepressivo tricíclico. O efeito do tipo antidepressivo da administração aguda do topiramato tem sido relatado na literatura para roedores, nas mesmas doses aqui testadas. Hargreaves e McGregor (2007) mostraram um comportamento do tipo antidepressivo significativo no teste de da natação forçada em ratos machos tratados com topiramato 80 mg/Kg, de modo semelhante, os efeitos antidepressivos também foram relatados por Molina-Hermandez et al. (2010) em ratos tratados agudamente com topiramato 20 e 30 mg/kg no DRL-72. O DRL-72 é utilizado como um teste comportamental sensível aos efeitos agudos de antidepressivos (Cryan et al., 2002). Efeitos do tipo antidepressivo do topiramato agudo (16 e 32 mg/kg) também foram descrito para ratos no teste de natação forçada (Bourin et al., 2009). 63 No entanto, no presente estudo, o efeito do tipo antidepressivo do topiramato em ratos naive desapareceu quando foi realizada a administração sub-crônica desta droga por 21 dias. Considerando a literatura, efeitos distintos foram relatados para tratamento sub-crônico com topiramato em roedores. Semelhante ao encontrado no presente trabalho, foi reportado por MolinaHernandez et al. (2014), que o topiramato (10 mg/kg) não afetou o tempo de imobilidade em ratas no teste de natação forçada, mesmo após 14 dias de administração. Diferentemente, Nowakowska et al. (2009) não observaram qualquer redução significativa do tempo de imobilidade após a administração aguda de topiramato 15 mg/kg. Entretanto, este mesmo estudo, só foi possível observar os efeitos antidepressivos do topiramato após 14 e 21 dias de tratamento, enquanto que nenhuma ação foi observada após tratamento agudo (Nowakowska et al., 2009). Com base nos resultados atuais, a ausência de efeito antidepressivo após administração sub-crônica de topiramato não parece ser devido à tolerância por indução enzimática, uma vez que as ações ansiolíticas também foram observadas mesmo nas administrações repetidas deste fármaco. Possivelmente, a ausência de efeitos do tipo antidepressivo durante o tratamento sub-crônico é mediada por mudanças adaptativas que ocorrem na neurotransmissão central pela exposição repetida de topiramato. Na segunda etapa deste trabalho, pôde-se observar que a abstinência ao etanol em curto e longo prazo, após consumo forçado durante 21 dias, foi consistentemente efetiva em induzir comportamentos semelhantes aos observados em humanos abstinentes. De fato, 72h após a retirada, os ratos exibiram comportamento ansiogênico, enquanto que déficits de memória e comportamento do tipo depressivo ainda estavam presentes após longos períodos de abstinência. Além disso, nenhuma alteração na atividade espontânea e coordenação motora foram observadas em ratos abstinentes submetidos ao protocolo aqui proposto quando comparados com animais controles. Estudos clínicos mostram que pacientes abstêmios ao etanol, exibem sintomas de ansiedade após a retirada e que os sintomas diminuem, na maioria dos casos, após quatro a cinco semanas sem o uso do etanol (Wetterling e Junghanns, 2000; Driessen et al., 2001; Haynes et al., 2005). O 64 aumento da ansiedade na abstinência também é evidenciado em estudos préclínicos utilizando roedores tratados cronicamente com etanol e que, após um curto período sem a droga, foram submetidos a diferentes modelos animais de ansiedade, como os testes no LCE, caixa claro-escuro, de interação social, de agressividade (Wilson et al., 1998; Gatch et al., 1999; Knapp et al., 2005; Cabral et al., 2006; Overstreet et al., 2006; Zhang et al., 2007). Nestes estudos, o consumo crônico de etanol foi realizado utilizando-se diferentes protocolos experimentais, como por exemplo, administração de vapor de ar em uma atmosfera controlada (Zhao et al., 2007) e inclusão de etanol a uma dieta líquida como única fonte de alimentação (Wilson et al., 1998; Gatch et al., 1999; Knapp et al., 2005; Cabral et al., 2006). Fazendo um comparativo com outros estudos sobre os efeitos da retirada do etanol na ansiedade, Kliethermes (2005), discrimina vários fatores relevantes para a indução de um estado ansiogênico decorrente da retirada, como: período de exposição ao etanol (de 4 até 42 dias), vias de administração e até mesmo as linhagens de ratos (Wistar, Sprague-Dawley, Long-Evans, Lister) empregados nos estudos. Nesta revisão, Kliethermes também destaca estudos que observaram comportamentos do tipo ansiogênico no LCE após curto período de retirada (6 a 12 h) e após longos períodos (por exemplo, 28 dias) (Valdez et al., 2002; Valdez et al., 2004). Contudo, há testes em que períodos prolongados de exposição ao etanol também apresentaram eficácia na indução de comportamentos relacionados à ansiedade no LCE. Por exemplo, Pandey e colaboradores observaram comportamentos relacionados à ansiedade 24h após a retirada do etanol – em ratos cuja exposição à droga foi de 15 dias (Pandey et al., 1999; Pandey et al., 2003). Utilizando concentrações de etanol semelhantes às utilizadas neste estudo, Cabral et al.(2006) encontraram um aumento significativo da ansiedade em ratos devido a retirada (48h) após a exposição crônica (21 dias). Zhao e colaboradores (2011), em um estudo com administração diária de etanol por 28 dias, também observaram um aumento significativo da ansiedade em ratos após 72h de retirada. Isto posto, observa-se que os resultados encontrados no modelo de retirada aqui proposto estão de acordo com a literatura, e sugerem sinais de ansiedade evidenciados no LCE durante a abstinência. 65 Os animais submetidos a 5 e 19 dias de abstinência ao etanol não apresentaram qualquer alteração na distância percorrida acumulada durante 15 minutos de observação no CA. Simultaneamente, esses dados podem ser fortalecidos pelo fato de que a abstinência ao etanol em curto prazo, também não promoveu alterações na frequência de entradas nos braços fechados do LCE (Figura 12). Portanto, a ausência de alterações motoras devido à abstinência descarta um possível viés na avaliação da ansiedade no LCE. Em concordância com os achados apresentados neste trabalho, alguns estudos também encontraram comportamento de ansiedade em ratos abstêmios, sem qualquer alteração na atividade locomotora dos animais (Coleman et al., 2014; Guccione et al., 2013; Kumar et al., 2013). Por outro lado, alguns estudos evidenciarem redução da atividade locomotora em ratos abstinentes submetidos à administração crônica de etanol (Kampov-Polevoy et al., 2000; Gatch et al., 2000; Jung et al., 2000). Em relação à avaliação da coordenação motora em animais abstinentes, também não foram detectadas diferenças estatísticas nos ratos abstinentes ao etanol comparados aos controles, quando submetidos ao teste do rota-rod. Em concordância, Oliveira et al. (2014) e Verleye et al. (2009) não encontraram deficiência na coordenação motora em roedores no rota-rod 48 h após a retirada do etanol. Estes achados sugerem que a retirada do etanol após exposição crônica não afeta a coordenação motora dos animais. Em relação à memória, neste estudo foi observada diminuição significativa na memória de reconhecimento de objetos de ratos abstinentes após exposição crônica ao etanol. Os ratos controle apresentaram um aumento significativo no índice de reconhecimento de objetos na sessão de teste em comparação com a sessão de treino, sugerindo que a memória de reconhecimento foi adquirida durante esta tarefa. No entanto, para os ratos abstinentes ao etanol, foi observado prejuízo na evocação desta memória, uma vez que, na sessão de teste, o índice de reconhecimento de objetos dos ratos abstinentes não diferiu da sessão de treino. A memória é didaticamente dividida em aquisição, formação, conservação e evocação de informações (Izquierdo et al., 2002). A aquisição representa a aprendizagem, enquanto que a formação e a conservação estão relacionadas com a memória de longa duração e imediata. A evocação, por outro lado, é a 66 recordação, a lembrança daquilo que foi aprendido anteriormente (Squire, 2004). Com relação ao etanol, estudos mostram que há uma associação entre processos neurodegenerativos e o consumo dessa droga, com ação direta sobre os tecidos ou indireta sobre vários sistemas de neurotransmissores, incluindo acetilcolina, dopamina, peptídios opióides e aminoácidos excitatórios (Boehm et al., 2004) ou por meio da presença de metabólitos tóxicos, estimulando a produção de espécies reativas de oxigênio, bem como redução das defesas antioxidantes (Das e Vasudervan, 2012), gerando comprometimento de algumas funções cerebrais (Reynolds et al., 2007). Dessa forma, o consumo crônico de álcool está associado com um aumento na incidência de degeneração do sistema nervoso central (Brooks, 2000). As consequências do álcool sobre o sistema nervoso central podem ocorrer em qualquer nível do neuroeixo. Em dependentes crônicos, os danos cerebrais são caracterizados pela atrofia cerebral ou no cerebelo, e comprometimento da função neuronal no hipocampo e córtex frontal (Bleich et al., 2003). Os etilistas apresentam deficiências cognitivas e motoras, déficits colinérgicos e demência (Brooks, 2000; Harper e Matsumoto, 2005). Déficits de memória têm sido observados em ratos abstinentes sujeitos a distintas tarefas, tais como o labirinto aquático de Morris, labirinto de Barnes ou teste de reconhecimento de objetos (Cagetti et al, 2004; Kuzmin et al, 2012; Zhao et al, 2013). Estas alterações cognitivas possuem um paralelo com a neurotoxicidade do etanol, gerando perda neuronal do hipocampo (Lukoyanov et al., 2000; Cagetti et al., 2004; Zhao et al., 2013). Além disso, o papel desempenhado pelo hipocampo no desempenho da tarefa comportamental é amplamente discutido na literatura (Cohen e Stackman, 2014). Esses achados reforçam a visão de que, possivelmente, um dano no hipocampo resultante da exposição ao etanol poderia ser a base das deficiências cognitivas apresentadas pelos ratos abstinentes no presente trabalho. Em relação aos efeitos comportamentais dos ratos abstinentes em longo prazo ao etanol, animais em retirada apresentaram aumento do tempo de imobilidade e diminuição do tempo de natação em comparação com os controles quando submetidos ao teste de nado forçado. Estes dados sugerem 67 que os ratos abstinentes em longo prazo (23 dias da retirada) apresentam um comportamento do tipo depressivo. Estes dados embasa o fato de que o modelo aqui proposto de retirada do etanol é sensível para detectar os efeitos em longo prazo da abstinência ao etanol. O estado depressivo é encontrado repetidamente em proporções elevadas entre os indivíduos que procuram tratamento com transtornos relacionados ao álcool (Tomasson e Vaglum, 1995; Kessler et al., 1997). Os sintomas do tipo depressivo induzidos pelo consumo crônico de etanol e sua retirada têm sido observados em alguns estudos pré-clínicos utilizando ratos ou camundongos tratados cronicamente com etanol (Burda-Malarz et al., 2014; Pang et al., 2013; Briones e Woods, 2013; Smith e Lynch, 2012; Walker et al., 2010). De fato, o comportamento do tipo depressivo induzido pelo consumo crônico de etanol e a sua retirada foram investigados em alguns estudos com roedores submetidos a procedimentos diversos como: concentração de etanol, tempo e modo de tratamento e período de abstinência. Vale a pena ressaltar que reduções significativas no nível de BDNF periférico em pacientes com dependência ao etanol diagnosticados com depressão maior já foram observadas (Köhler et al 2013). Briones e Woods (2013) em seu estudo relataram diminuição significativa dos níveis de proteína BDNF, redução do volume do hipocampo e comportamento anedônico em ratos que receberam tratamento crônico com etanol durante o período de abstinência. Neste contexto, propõe-se que o comportamento do tipo depressivo observado no presente estudo poderia estar em parte associado à redução do hipocampo e diminuição do BNDF causado pela exposição crônica ao etanol. Na terceira etapa deste trabalho, investigou-se o efeito da administração aguda e crônica de topiramato na ansiedade, depressão e locomoção em ratos abstinentes (a curto e longo prazo) ao etanol. A administração aguda com topiramato reverteu o comportamento de ansiedade dos animais abstinentes em curto prazo. Da mesma forma, a administração sub-crônica de topiramato produziu ações significativas do tipo ansiolítico mesmo em ratos abstinentes em longo prazo. 68 Evidências clínicas apontam o efeito ansiolítico do topiramato na abstinência ao etanol (Blodgett et al., 2014; Kranzler et al., 2014).Porém, apenas um estudo pré-clínico relatou os potenciais efeitos ansiolíticos do topiramato em animais abstinentes ao etanol. Cagetti et al. (2004) constatou que o topiramato (10-20 mg/Kg) foi eficaz em aliviar alguns dos sintomas de abstinência produzida em ratos em regime intermitente da exposição crônica ao etanol no teste de LCE (Cagetti et al., 2004). Neste contexto, o topiramato foi eficaz na redução da ansiedade em ratos abstinentes. Além disso, neste trabalho, os ratos abstinentes a curto ou longo prazo não apresentaram diferenças significativas no comportamento locomotor em comparação com não abstinentes ao etanol. Esses dados podem ser fortalecidos pelo fato de que a abstinência ao etanol também não promoveu alterações na frequência de entradas nos braços fechados do LCE. De acordo com a literatura, não há achados que apontam para ações sedativas do topiramato nas doses testadas neste trabalho (Hargraeves e McGregor, 2007; Molina-Hermandez et al., 2010; Molina-Hernandez et al., 2014). Portanto, a ausência de alterações motoras, descarta um possível viés na avaliação da ansiedade no LCE e do efeito ansiolítico do topiramato. Estas observações são bastante relevantes para confirmar que o topiramato na retirada do etanol apresentaram efeitos específicos sobre os comportamentos de ansiedade em ratos. Algumas especulações podem ser feitas a fim de sugerir um possível mecanismo de ação pelo qual o topiramato induz os seus efeitos comportamentais. O sistema GABAérgico está altamente relacionado com a regulação de emoções, assim é possível que os efeitos ansiolíticos do topiramato sejam mediados através da ativação da neurotransmissão GABAérgica (White et al., 1997; White et al., 2000). Embora não haja estudos disponíveis ligando o efeito antiglutamatérgico do topiramato para suas ações ansiolíticas, um crescente corpo de evidências (Bergink et al., 2004; Garakani et al., 2006; Vaquero-Lorenzo et al., 2008) sugere que a neurotransmissão glutamatérgica pode estar envolvida nos mecanismos biológicos subjacentes a resposta ao estresse e transtornos relacionados à ansiedade. Neste ponto de vista, drogas com ação antiglutamatérgica, tais como topiramato, poderiam ser candidatos promissores 69 para o tratamento da ansiedade (Riaza et al., 2012). Entretanto, investigações adicionais são necessárias para compreender se o bloqueio da neurotransmissão de glutamato contribui para os efeitos ansiolíticos do topiramato. Outro possível sistema envolvido nas ações do topiramato é o sistema do neuropeptídeo Y (NPY). O NPY é um dos neuropeptídeos com maior concentração no SNC, sendo co-armazenado com vários neurotransmissores clássicos como noradrenalina e GABA, modulando também receptores glutamatérgicos NMDA (Tollefson, 2000). Achados da literatura apontam para o papel desempenhado pelo NPY na patogênese dos transtornos de humor e de ansiedade (Eaton et al., 2007). Evidências suportam um efeito ansiolítico (Serova et al., 2014; Serova et al., 2013) e antidepressivo (Duman et al., 2014) do NPY. Concomitantemente, outras pesquisas apoiam um papel para o NPY na mediação das ações ansiolíticas e antidepressivas do topiramato. Hernandez-Molina et al. (2010) mostraram um efeito sinérgico entre o topiramato e NPY em reduzir a ansiedade e comportamentos relacionados com o humor. Husum et al. (2003) sugeriram que o tratamento crônico com topiramato restaura para os níveis normais a neurotransmissão NPYérgica de células imunorreativas no hipocampo de ratos deprimidos. De forma similar ao topiramato, um estudo farmacológico observou que o tratamento crônico com drogas benzodiazepínicas induz aumento da expressão do receptor Y1 na amígdala (Oberto et al., 2000). Em adição, as principais projeções neuronais para o núcleo basolateral da amígdala são glutamatérgicas, e, provavelmente, atuam sob controle da atividade inibitória do NPY (Gutman, 2009). Além disso, o NPY atua controlando a neurotransmissão de noradrenalina e do CRF, reduzindo a excitabilidade em áreas do cérebro relacionadas com a resposta ao estresse (Hastings et al., 2004; Heilig, 2004; Sah e Geracioti, 2012). Ainda, segundo Heilig (2004), o balanço entre CRF e NPY na amígdala é determinante para os estados de ansiedade/medo de um animal. Além disso, estudos sugerem que o NPY tem um significativo papel na resposta neurobiológica ao etanol, incluindo o consumo, dependência e retirada (Carvajal et al., 2006). 70 Em resumo, o tratamento sub-crônico com topiramato pode aumentar a expressão do NPY, assim contribuindo para o alívio dos comportamentos relacionados com a ansiedade em ratos naive e abstinentes. Neste trabalho, pôde-se observar que os animais abstinentes em longo prazo apresentaram comportamentos relacionados com a depressão, uma vez que foi observado aumento do tempo de imobilidade no teste da natação forçada em comparação com ratos não abstinentes. No entanto, a administração em longo prazo de topiramato 40 mg/Kg não foi capaz de reverter o comportamento do tipo depressivo de ratos abstinentes etanol, da mesma forma como não induziu efeito do tipo antidepressivo em ratos naive. Vale ressaltar que não existem trabalhos pré-clínicos publicados no banco de dados PUBMED (revisão realizada em junho 2015) sobre os efeitos do topiramato no comportamento tipo depressivo em ratos abstinentes ao etanol. Os estudos clínicos demonstraram que o topiramato pode atuar como terapia adjuvante para o tratamento da dependência de etanol, uma vez que é bem tolerado e eficaz na redução do desejo pelo consumo da droga, bem como nos sintomas de depressão e a ansiedade presentes durante a fase da retirada (Johnson et al., 2004; Paparrigopoulos et al., 2011). Um relevante número de pesquisas também tem evidenciado o uso do topiramato como terapêutica adjuvante para transtorno bipolar resistente ao tratamento como os medicamentos: lítio, carbamazepina, bupropiona ou valproato (Vieta et al. 2000; McIntyre et al., 2000; Vieta et al., 2003; Lykouras e Hatzimanolis, 2004; Roy et al., 2006). Em todas essas pesquisas o topiramato demonstrou resultados promissores. Apenas um estudo com a depressão maior foi realizado de forma que o topiramato também foi promissor como adjuvante no tratamento da depressão quando associado a fluoxetina, citalopram ou sertralina (Mowla e Kardeh et al., 2011). Um único estudo clínico vem mostrando efeito antidepressivo para topiramato. Nickel et al. (2005) realizou um estudo, randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, tratamento com topiramato durante 10 semanas, com 64 indivíduos do sexo feminino a partir da população em geral, que preencheram os critérios para transtorno depressivo maior. 71 O estudo demonstrou que o topiramato foi eficaz na redução dos sintomas depressivos e na melhoria da qualidade de vida em mulheres depressivas. No presente estudo, o efeito do topiramato foi testado em ratos machos, o que poderia explicar a ausência de efeito antidepressivo após o tratamento crônico. No entanto, a pouca informação proveniente de estudos clínicos com o topiramato na depressão maior limita afirmar que a ausência de efeito antidepressivo decorrente do tratamento sub-crônico pode ser cogitada como um efeito falso-negativo. Outra possibilidade que visa explicar a ausência do efeito do topiramato crônico também pode ser explicada pelo fato deste fármaco ter sido testado sozinho e não como adjuvante, como a maioria das pesquisas clínicas tem relatado. Vale ressaltar que o teste da natação forçada é amplamente utilizado para prever a atividade antidepressiva de drogas em humanos. O tempo de imobilidade dos roedores neste teste é reduzido pela maioria dos antidepressivos tricíclicos e incluindo antidepressivos atípicos, inibidores da MAO e inibidores da recaptação de 5-HT (Porsolt et al., 1977; Bourin et al., 1991) e a sua eficácia está correlacionada de forma significativa com seu potencial na clínica (Willner, 1984). No entanto, este modelo animal também tem algumas limitações representadas pela possibilidade de obter resultados falsos positivos ou negativos (Borsini e Meli, 1988; Detke e Lucki, 1996). Nguyen et al. (2014) relataram que tratamento agudo com um antihistamínico dextrometorfano diminuiu a duração de imobilidade no teste da natação forçada, mas que este efeito desapareceu após a administração crônica. Baseado no efeito tipo antidepressivo para o topiramato encontrado nos animais naive, sugere-se então que o efeito encontrado possa ter sido um falso positivo, que desaparece com o tratamento crônico assim como ocorre com o anti-histamínico (Nguyen et al., 2014). Portanto, é pouco provável que a redução induzida por topiramato agudo no tempo de imobilidade de ratos seja de fato devido à ação antidepressiva. Neste contexto, seria de relevância avaliar os efeitos do topiramato em um modelo de depressão mais bem validado, como é o desamparo aprendido já que o mesmo responde para uma vasta gama de tratamentos clinicamente eficazes e esse modelo apresenta uma ampla seletividade, em que somente fármacos com características 72 antidepressivas conseguem restabelecer o déficit no comportamento de escape (Pryce et al., 2011). A ausência de efeito antidepressivo decorrente do tratamento crônico com topiramato também pode ser cogitada como sendo um efeito falso positivo do teste. 73 7. CONCLUSÃO Em conclusão, o modelo experimental proposto para as nossas condições experimentais, de retirada do etanol foi sensível para investigar os efeitos da abstinência ao etanol em curto e longo prazo. Este modelo baseia-se no consumo forçado de etanol adicionado à água potável durante 21 dias. Após 72 horas de abstinência ao etanol, ocorre o aumento da ansiedade, sem afetar a locomoção. Além disso, déficit de memória e comportamento do tipo depressivo foi observado em ratos abstinentes em longo prazo. Ao todo, o modelo proposto reproduz em ratos abstinentes os sintomas mais prevalentes e relevantes que foram observados na clínica. Além de que, este modelo serve como uma ferramenta para a investigação do efeito do topiramato no tratamento de sintomas da abstinência ao etanol. O topiramato induz um efeito ansiolítico após a administração aguda e crônica em ratos naive e abstinentes ao etanol, estando de acordo com os achados clínicos. Também foi visto que, a administração aguda do topiramato provoca efeitos antidepressivos em ratos naive, porém ele se dissipa após tratamento crônico. Além disso, o topiramato não foi bem sucedido em aliviar o comportamento tipo depressivo de ratos em abstinência ao etanol. Tomados em conjunto, os resultados desta pesquisa oferecem evidências adicionais, a partir de uma abordagem pré-clínica, de que o topiramato parece ser uma opção terapêutica interessante para o tratamento da ansiedade, inclusive àquela provocada pela retirada do etanol. 74 8. REFERÊNCIAS Abi-Dargham, A., Krystal, J. H., Anjilvel, S., Scanley, B. E., Zoghbi, S., Baldwin, R. M., Innis, R. B. (2014). Alterations of benzodiazepine receptors in type II alcoholic subjects measured with SPECT and [123I] iomazenil.Am J Psychiatry. 1998 Nov;155(11):1550-5 Accortt, E. E., Freeman, M. P., Allen, J. J. (2008). Women and major depressive disorder: clinical perspectives on causal pathways. Journal of Women's Health, 17(10), 1583-1590. Alaverdashvili, M., Kubová, H., Mareš, P. (2005). Motor performance and behavior of immature rats are not compromised by a high dose of topiramate. Epilepsy & Behavior, 7(2), 222-230. American Psychiatric Association (2000). 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Subjective preference for lamotrigine or topiramate in healthy volunteers: relationship to cognitive and behavioral functioning. Epilepsy & Behavior, 8(1), 181-191. Wetterling T., Junghanns K. (2000). Psychopathology of alcoholics during withdrawal and early abstinence. European Psychiatry, 15(8), 483488. White A. M., Williams P. A., Ferraro D. J., Clark S., Kadam S. D., Dudek F. E., Staley K. J. (2006). Efficient unsupervised algorithms for the detection of seizures in continuous EEG recordings from rats after brain injury. Journal of neuroscience methods, 152(1), 255-266. 98 White H. S, Brown SD, Woodhead JH, Skeen GA, Wolf HH (1997) Topiramate enhances GABA- mediated chloride flux and GABA-evoked chloride currents in murine brain neurons and increases seizure threshold. Epilepsy Research 28: 167-179 White H. S., Brown S. D., Woodhead J. H., Skeen G. A., Wolf H. H. (2000). Topiramate modulates gaba‐evoked currents in murine cortical neurons by a nonbenzodiazepine mechanism. 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Effects of topiramate on anxiety related behaviors in ethanol abstinent rats. 46º Brazilian Congress of Pharmacology and Experimental Therapeutics SBFTE, 2014, Fortaleza. 3- Junqueira-Ayres, D.D.; Soares-Rachetti, V.P.; Gavioli, E.C.. Effects of topiramate on anxiety related behaviors in alcohol abstinent rats. 9º World Congress of the International Brain Research Organization – IBRO, 2015, Rio de Janeiro, Brazil. LISTA DE ARTIGOS SUBMETIDOS À PUBLICAÇÃO 1- Junqueira-Ayres, DD; Silveira, MA; Pinto, IAS; André, E; Tirapelli, CR; Padovan, CM; Gavioli, EC; Soares-Rachetti, VP.. Topiramate reduces anxiety in naïve and in early and protracted ethanol abstinent rats. Behavioural pharmacology: submitted, 2015. 2- Junqueira-Ayres, DD; Ayres, ASFSJ; Lobão-Soares, B; Soares-Rachetti, VP; Gavioli, EC.. Behavioral effects of short and long-term ethanol withdrawal in wistar rats. Journal of psychopharmacology: submitted, 2015.