VI COPEDI- CONGRESSO PAULISTA DE EDUCACAO INFANTIL E II CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCACAO INFANTIL TITULO: Abordagem de projetos de trabalho na educação infantil: um percurso de formação de professores no contexto de uma creche universitária EIXO: 3 AUTORA: Flaviana Rodrigues Vieira RESUMO: O presente relato pretende elucidar a trajetória da consolidação de uma pratica em relação à construção da abordagem de projetos de trabalho com crianças pequenas em uma instituição de educação infantil publica ligada à Universidade de São Paulo. Parte da descrição de um percurso formativo vivenciado por professores e coordenação pedagógica como forma de destacar alguns elementos para reflexão sobre a importância da formação em serviço na busca pela qualidade de atendimento às crianças. As inferências construídas ao longo do caminho assinalam como os professores foram construindo e consolidando no seu espaço de registro e planejamento uma pedagogia da escuta que concebe a criança como protagonista do seu processo de ensino/aprendizagem. Nessa perspectiva, acreditamos que as discussões e ações desencadeadas pelo processo puderam corroborar para o desenvolvimento de um profissional reflexivo, pesquisador de sua pratica em consonância com a articulação dos saberes essenciais para sua atuação. INTRODUCAO O professor de educação infantil é aquele que media as experiências da criança pequena de modo a contribuir para seu desenvolvimento e aprendizagem, propiciando diferentes situações no campo cognitivo, afetivo e emocional. Permite, a partir de suas intervenções didáticas, a expressão das crianças em suas múltiplas linguagens para aprender sobre si, sobre o outro e sobre o mundo que a cerca. Esse profissional possui uma riqueza de saberes que deve ser integrada ao conjunto de saberes que elabora cotidianamente. Assim, torna-se um pesquisador e investigador, capaz de avaliar as múltiplas formas de aprendizagem que fomentam sua prática cotidiana. Partindo da perspectiva da importância da formação em serviço e seu papel para o desenvolvimento desse profissional critico reflexivo, o relato refere-se à uma experiência formativa que levou à construção da abordagem de projetos com crianças pequenas na Creche/Pré-Escola Oeste, uma das creches pertencentes ao programa de creches da Universidade de São Paulo. O programa hoje com quase 30 anos de historia consagrou-se como pioneiro de praticas no que diz respeito ao atendimento com qualidade de crianças. Nasce como uma concepção diferenciada em relação ao contexto histórico no campo da educação infantil da época, uma vez que se firmava como um espaço de garantia para os direitos das crianças, antes de ser um direito para as mães trabalhadoras da universidade. A Divisão de Creches, nome do setor responsável pela supervisão das creches dentro da universidade, desde o inicio da implementação da primeira creche, tem investido na formação em contexto dos profissionais que nela atuam. Esse investimento (financeiro, de infra- estrutura, de suporte e supervisão com diferentes profissionais) é fator determinante para a busca permanente de uma qualidade no atendimento. Em relação aos profissionais que atuam nas creches, principalmente no que se refere aos professores, há muitas diferenças em relação à formação inicial. No âmbito da Educação Infantil tem se criado um debate cada vez maior sobre a formação inicial e os programas de formação continuada dos professores. Passados mais de dez anos da publicação e vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/ 96 que estabelece os requisitos necessários para a formação do professor, a discussão referente ao profissional que atua diretamente com as crianças tem mobilizado políticas publicas e cursos de formação inicial em todo o Brasil. A partir de inúmeras discussões e debates no campo da formação de professores, sabemos que é no lócus do contexto cotidiano das creches, o espaço onde o profissional deve se formar articulando os saberes de sua formação inicial. Assim, em um formato vivo e dinâmico contemplando os saberes da prática confrontados e/ou dialogados com os saberes pedagógicos, que a formação realmente faz sentido, fortalecendo ainda mais sua importância quando envolve as crianças e suas famílias. As últimas décadas tem sido fortemente marcadas pelas discussões em torno da formação de professores. O modelo de racionalidade técnica, característico dos anos 70 passa a ser substituído pelos argumentos de uma racionalidade prática que considera os professores como profissionais reflexivos, investindo na valorização e no desenvolvimento dos saberes docentes e na consideração destes como pesquisadores e intelectuais críticos. Neste novo cenário, alguns termos e expressões surgem nos debates em torno da formação de professores: epistemologia da prática, professor-reflexivo, prática reflexiva, professor pesquisador, saberes docentes, conhecimentos e diferentes competências. Esses novos termos se incorporaram nos amplos debates sobre a Educação. Os enfoques, conceitos e termos existentes passaram a ser discutidos e analisados, sendo problematizados por diversos estudiosos no Brasil. A pratica é considerada como ponto de partida e de chegada do trabalho de formação. Uma das idéias mais decorrentes é a de Zeichner (1998) e sua contribuição de um novo paradigma de formação de professores, em que este se perceba como profissional reflexivo, capaz de buscar e construir o saber no cotidiano de seu fazer pedagógico, desenvolvendo uma pratica transformadora, bem como um processo continuo de reflexão na e sobre a ação. Para o autor há ainda a necessidade de uma reflexividade coletiva, da compreensão do contexto institucional em que atua e da apreensão critica da realidade mais ampla. No contexto do neoliberalismo, o conceito de professor reflexivo é muitas vezes transformado em um simples termo, perdendo sua potencialidade para elevação do estatuto profissional e a melhoria da educação. O fator determinante para os rumos planejados para a formação é o envolvimento dos professores visando um trabalho coletivo, atendendo às demandas diárias da prática em cada grupo de crianças e, ao compartilhar idéias e socializar o trabalho com os parceiros, ser possível compor um trabalho de qualidade. De acordo com Tardif (2002), por exemplo, o profissional da educação mobiliza um capital de saberes, de saber-fazer e de saber-ser que cresce constantemente, acompanhando a experiência e a reflexão sobre a experiência. Nesta perspectiva, de acordo com Nóvoa: A formação deve estimular uma perspectiva criticoreflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformaçao participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. (NÓVOA, 1994, p.25) Para Formosinho (2002) vem se reconhecendo a importância dos contextos no desenvolvimento profissional dos professores. Todas as pesquisas e investigações apontam para a necessidade do suporte organizacional ao desenvolvimento profissional dos professores. A autora também descreve o sentido de desenvolvimento profissional da seguinte forma: O desenvolvimento profissional é um processo vivencial não puramente individual, mas um processo em contexto. O desenvolvimento profissional conota uma realidade que se preocupa com os processos (levantamento das necessidades, participação dos professores na definição da ação), os conteúdos concretos aprendidos (novos conhecimentos, novas competências), os contextos de aprendizagem de processos (metacogniçao), a relevância para as praticas (formação centrada nas praticas) e o impacto na aprendizagem dos alunos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 1998, p.06) A formação em contexto refere-se a uma dimensão organizacional, da formação em serviço, do espaço destinado à formação dos professores com dialogo sobre a sua prática. O professor é considerado sujeito da sua formação e está envolvido no processo desde a fase de levantamento de necessidades; participa do planejamento, acompanha e avalia o processo. Dessa forma, o contexto e as necessidades de constante reflexão originadas pela prática são pensados de uma forma mais abrangente, permitindo ao professor a interlocução com diferentes saberes. Motivação para iniciar a pratica A Creche/Pré-Escola Oeste ao longo de sua historia foi buscando formas de poder construir uma pratica pautada nos princípios de uma pedagogia da escuta, reconhecendo a criança como sujeito de direitos. Nesse percurso, a ideia de desenvolver projetos com as crianças nasceu a partir de discussões entre professores e coordenação sobre as modalidades organizativas do trabalho pedagógico. Os momentos de formação em serviço foram fundamentais para desencadear uma série de debates, encaminhamentos e ações que dizem respeito a alguns itens presentes no Projeto Político Pedagógico da instituição: a construção de uma rotina flexível, a gestão do tempo e espaço que concebe o cuidar/educar como ações indissociáveis no contexto da educação infantil, a concepção de criança e infância com o respeito do individual dentro do coletivo e, principalmente, a construção da ideia de um currículo emergente no qual adultos e crianças fossem co-autores do processo de ensino/aprendizagem. Para a construção dos pressupostos que temos hoje em relação ao desenvolvimento dos projetos trilhamos um longo caminho e as reflexões foram desencadeadas a partir da leitura de diferentes autores. Entre os anos de 1994 e 2000 o trabalho pedagógico da Creche/Pré-Escola Oeste sofreu varias transformações e construções. O trabalho realizado na formação em serviço permitiu o aprofundamento inicial nas áreas do conhecimento e também em relação à didática: Língua Portuguesa, Matemática, Artes Visuais e plástica e a Musica. Nessa época tínhamos poucas bibliografias sobre o assunto. As reflexões sobre os projetos na Creche não aconteceram simultaneamente entre os módulos I (creche) e modulo II (pré-escola), devido às demandas emergenciais de cada modulo e a dificuldade de encontrar literatura sobre o trabalho com crianças de 0 a 3 anos. Era preciso construir uma ‘identidade didática’ para a Creche/Pré-Escola Oeste entendida como um todo e não separada por módulos. Antes de iniciarmos os projetos discutimos, construímos e consolidamos uma pratica que concebe o tempo da criança e sua singularidade. Como nortear o planejamento acerca dos interesses das crianças? O que é um planejamento flexível e dialético? Quais as diferenças em torno dos projetos? Quais os autores que podemos dialogar para apoiar nossos pensamentos em relação aos projetos? As reuniões de equipe constituíram-se como fóruns para os debates, leituras e reflexões. Alguns momentos específicos da execução do planejamento eram registrados com vídeos e gravações e eram levados para discussão coletiva. Alguns exemplos desse processo podem ser descritos para melhor elucidar o processo de construção. Nos grupos de crianças de 0 a 3 anos havia uma dificuldade em compreender como enxergar as ‘pistas’ dos interesses das crianças no decorrer das atividades. Além disso, o planejamento era dividido por linguagens: artes, jogo simbólico, musica e movimento. Para cada dia da semana havia uma linguagem eleita e cada educador era responsável por uma sequencia de atividades em torno daquela linguagem. E com as crianças de 4 a 6 anos os professores estavam realizando projetos mais pontuais com começo, meio e fim alocados em torno de uma única linguagem. Algumas leituras dos textos do autor Loris Malaguzzi e a pedagogia centrada nas cem linguagens da criança começaram a fazer toda a diferença nessa trajetória. Ao compreender os pressupostos de um trabalho pautado na escuta das crianças e sua forma de expressão singular começamos a delinear a forma como pensávamos os projetos. Como trabalhar com todas as linguagens de forma simultânea? Como chegar a uma temática? No grupo das crianças do berçário as professoras perceberam que as crianças gostavam das figuras do macaco e do gato presentes em um livro, assim desencadearam uma série de atividades com varias linguagens em torno dessas figuras. Eram musicas que apareciam as palavras macaco e gato, brincadeiras com o movimento desses animais, leitura de poesias entre outras. Os professores começaram a engajar-se em um estudo investigativo, na postura de pesquisadores de sua pratica. Após a avaliação do percurso discutimos sobre a escolha da temática, não se trata de um tema gerador, mas a necessidade de uma temática ampla que pudéssemos identificar no dia a dia das crianças. A cada nova descoberta no grupo de professores como um todo, os resultados eram socializados em formações continuadas. Aos poucos, fomos dialogando com outros autores e com a nossa pratica, levantávamos duvidas e pesquisávamos na ação direta com as crianças. Nas varias leituras realizadas sobre os projetos de trabalho constatamos que a concepção de aprendizagem parte dos mesmos pressupostos: criar condições para que as crianças possam aprender a aprender, ter vez e voz, bem como ser um sujeito ativo no seu processo de aprendizagem. Nessas buscas sobre os projetos, percebemos que dependendo do autor existiam diferenças na estrutura, encaminhamento e desenvolvimento do trabalho. O encanto com os projetos de trabalho de Reggio Emilia partiu da leitura do livro As cem linguagens da criança- A abordagem de Reggio Emilia na Educação da Primeira Infância. Na época conhecemos esse projeto educacional, a estrutura da escola, a concepção de ensino-aprendizagem, o veiculo didático e a forma como trabalhavam com projetos. Visitamos também a exposição das Cem linguagens realizada em São Paulo que havia percorrido o mundo. A cada dia nos identificávamos mais com a forma como construíam os projetos. Até mesmo o formulário para registro do planejamento sofreu alterações de modo a atender nossas expectativas, construímos a pauta de observação para nos apoiar na escolha da temática e aprofundamos nossas convicções sobre a leitura e interpretação das ‘pistas’ das crianças como fomento para o planejamento. Essas ‘pistas’ nomeamos na Creche como ‘dicas’ e cada professor hoje consegue definir claramente o que significa esse conceito na sua pratica. Pressupostos teóricos acerca da abordagem de projetos Dentro do contexto da educação infantil muitos estudos tem tratado a abordagem de Projetos. Neste tipo de modalidade organizativa do trabalho pedagógico as crianças realizam estudos em profundidade sobre determinada temática, um problema geral ou particular, um conjunto de perguntas inter-relacionadas ou eixo. Dentro deste processo são capazes de construir conhecimento e produzir cultura, através das expressões em diferentes linguagens. Os projetos são desenvolvidos em um modelo orgânico e integrado de currículo emergente. O projeto pode ser iniciado com o processo de observação minuciosa dos interesses, questões e ideias das crianças, transformando-as em experiências concretas de aprendizagem. Além disso, o processo investigativo ocorre em forma espiral de experiências diretas e de exploração com destaque à brincadeira, imaginação, fantasia e criatividade. As experiências vividas no projeto são entendidas como experimentação. Para que as experiências de fato se concretizem é preciso que os ambientes educativos criem condições de um processo de investigação, a fim de que as crianças possam perceber problemas, levantar sugestões, fazer inferências e interpretações, formar suas próprias ideias sobre o problema. Postula, assim, a gênese do trabalho com projetos1 que pode ser considerado como uma das mais fortes expressões da proposta de educação pela experimentação e pela investigação defendida por Dewey. De acordo com Pinazza (2007) para Dewey os projetos possibilitam a apresentação de problemas que devam ser resolvidos por reflexão e experimentação pessoal. A experiência não é a simples sensação, fruto do contato direto com os objetos, não recebemos passivamente as impressões sobre os objetos. De acordo com Pinazza (Ibid, 2007) para Dewey, por exemplo, as experiências efetivam-se pelas relações que as pessoas estabelecem com os objetos e seus atributos em um processo de discriminações e identificações por meio da experimentação. A verdadeira experiência esta na combinação “daquilo que as coisas nos fazem, modificando nossos atos, favorecendo alguns deles e resistindo e embaraçando a outros e daquilo que nelas podemos fazer produzindo-lhes novas mudanças” (DEWEY, 1959, p. 29) O valor de uma experiência baseia-se em dois princípios da continuidade e da interação. Aquele que vive uma experiência não permanece o mesmo, recolhe algo da 1 A pedagogia de projetos tem em Dewey seu principal percussor. Suas idéias foram disseminadas como oposição às tradições pedagógicas vigentes. Nasce, assim, uma nova concepção de educação que tem como foco a criança e sua experiência. experiência passada e modifica de algum modo a qualidade do que vem depois. Dewey admite que cada experiência é uma força em movimento. A experiência penetra na pessoa, influencia na formação de atitudes, do desejo, do propósito e seleciona experiências que criam experiências subseqüentes. (Ibid, 2007) O grande pintor Matisse já dizia que é preciso viver a vida inteira como no tempo em que era criança. A premissa do trabalho do professor da primeira infância poderia considerar alguns aspectos como observar o mundo com os olhos das crianças, sentir, experimentar, parar o tempo, descobrir, permitir-se brincar. É preciso ser sujeito da experiência, vive-la intensamente. A experiência é um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. Fazer experiência com algo que nos toque significa abrir as portas para o novo, permitir que algo nos transforme. Somente o sujeito da experiência está aberto à sua própria transformação. A experiência não é um caminho determinado é justamente uma abertura para o desconhecido O desenvolvimento dos projetos na Creche Na Creche/Pré-Escola Oeste a construção da ideia de um projeto de trabalho desencadeou-se por um conjunto de discussões em torno da alguns elementos tais como a compreensão das modalidades organizativas do trabalho pedagógico, a gestão do tempo e espaço, o planejamento flexível e recriado e a documentação pedagógica acerca dos processos vivenciados. A compreensão sobre o trabalho com projetos construiu-se coletivamente à luz de autores que tratavam, sobretudo do protagonismo da criança no percurso do processo de ensino/aprendizagem e do papel do professor como pesquisador de sua pratica tendo como foco o olhar e escuta sensível diante das vozes das crianças. A seguir os passos do desenvolvimento do projeto: Registros iniciais: a construção da pauta de observação A construção da pauta de observação para os registros iniciais dos interesses das crianças realizou-se nos momentos de reuniões entre professores e coordenação. Havia uma necessidade de especificarmos nosso olhar para a compreensão do movimento que as crianças estavam demonstrando. Discutimos sobre a possibilidade de se criar um instrumento que pudesse conter as observações iniciais de cada professor sobre as suas primeiras impressões em relação aos interesses das crianças. Elencamos algumas perguntas especificas para aguçar o olhar investigativo no momento do registro. Esse momento constitui-se como uma fase fundamental para começarmos a traçar as primeiras ideias dos projetos dentro dos grupos. Momentos de orientação pedagógica Após a escrita dos registros iniciais conseguimos organizar na instituição os momentos de orientação pedagógica para as discussões especificas em torno dos projetos em andamento. Nesses encontros coordenação e professores discutem cada item registrado na pauta para tentarmos delinear o percurso inicial do projeto. A partir dos registros e discussão conseguimos eleger uma temática possível, um fio condutor para o projeto que será desenvolvido. Planejamento inicial/atividades disparadoras A próxima etapa após a discussão sobre a temática do projeto é o planejamento inicial das primeiras atividades, que podemos nomear em alguns momentos, como atividades disparadoras. As atividades iniciais com foco na temática já discutida permitem avaliar a relevância dos registros iniciais e da própria temática. Nesse momento também enviamos cartas às famílias tratando a temática do projeto e convidando para varias formas de participação. Planejamento recriado/flexível Ao longo dos anos as equipes de professores e coordenação foram trabalhando em conjunto para desenhar e formatar a folha de planejamento da instituição. A folha de planejamento constitui-se para o professor um espaço para seu exercício de escrita e reflexão sobre o processo que esta sendo vivenciado pelas crianças. Os professores se organizam em torno de folhas avulsas de planejamento e não em um caderno fechado, justamente para permitir a liberdade e fluidez para a escrita. A cada registro da avaliação da atividade realizada e o planejamento da próxima o foco do professor esta centrado na interlocução com as ‘pistas’ que as crianças foram oferecendo de muitas formas durante o projeto. Dessa forma, a folha de planejamento consegue traduzir o percurso de cada professor no desenvolvimento do projeto, permite ainda explicitar se o processo esta centrado nas crianças e na valorização e legitimação do que apresentam ou se é um documento que traduz a rigidez de um planejamento linear por parte do professor. Valorização das experiências diretas Na realização dos projetos valorizamos as experiências diretas das crianças, a forma como conseguem construir diferentes conexões entre as diversas vivencias ao longo do processo. A nossa preocupação esta centrada no conjunto de experiências que podemos proporcionar às crianças, nessa perspectiva não temos como foco um produto final do projeto, um resultado fechado e sim um conjunto de experiências e vivencias significativas para o grupo. Assim, acreditamos que o projeto segue seu ritmo próprio em forma de espiral de experiências. Expressão a partir de diferentes linguagens A temática do projeto é abrangente e no decorrer do percurso as crianças podem se expressar a partir de diferentes linguagens. Nos dias destinados ao projeto do grupo, a sala é organizada com propostas diversas e simultâneas relacionadas à temática trabalhada, dessa forma as crianças escolhem como irão se expressar. As linguagens são vistas como um todo e não fragmentadas. Nesse sentido valorizamos a agencia da criança e a construção de seu percurso individual dentro do projeto. Espaço evocativo A cada proposta alguns elementos do projeto passam a configurar de forma permanente o espaço da sala de modo a propiciar para as crianças uma forma de evocar eventos passados e assim reviver as historias vividas. Além disso, também se constituem como elementos que instigarão outras perguntas e conexões por parte do grupo. Atividades de culminância O projeto pode ser de curta ou longa duração, geralmente os projetos são de longa de duração e durante a trajetória podemos ter uma serie de atividades de culminância. São momentos chave dentro do projeto, mas que em si desencadeiam outras propostas. Um exemplo de atividade de culminância refere-se à as exposições dos projetos para toda a comunidade. Na organização do calendário estão previstas exposições para todos os projetos dos grupos. Nesse momento toda a comunidade da Creche, crianças e adultos, podem ter a oportunidade de conhecer as trajetórias dos projetos de cada grupo, trata-se apenas da escolha de algumas narrativas mais importantes do processo, pois os projetos ainda estão em andamento. O papel documentação pedagógica O processo de documentação tem o potencial de promover a interlocução de diversos autores, crianças, professores, famílias e comunidades. Além disso, a possibilidade de tornar visível a qualidade dos processos de ensino aprendizagem. É nessa interlocução que as narrativas de aprendizagens das crianças são construídas. Um ponto fundamental para consolidarmos a pratica da abordagem de projetos refere-se à documentação das narrativas de aprendizagem das crianças. No exercício do dialogo com as narrativas infantis aprendemos como as crianças idealizam e narram estratégias inteligentes e imprevistas para dar sentido ao mundo. Documentar essas historias vivenciadas no contexto da instituição de educação infantil seria uma forma de legitimar, de dar visibilidade para aquilo que estão vendo, pensando, descobrindo, experimentando, ouvindo, sentindo, valorizar o que chamamos de cultura da infância. É justamente no ato de documentar e dialogar com as diferentes narrativas que o professor se forma, desenvolve o seu pensamento reflexivo para assim nos aproximar do modo mais singular que é o pensamento infantil. Algumas considerações finais Na trajetória de formação que envolveu professores e equipe de coordenação, os projetos transformaram-se em uma forma de aprender cada vez mais a escutar as crianças. O professor passou a buscar elementos de uma pratica investigativa para apoiar suas reflexões acerca dos processos vividos. Dessa forma, a co-autoria dos projetos é revelada na escrita no momento do planejamento. Adultos e crianças engajam-se em uma aventura quando se inicia um processo, pois não sabemos ao certo qual será o lugar de chegada. Dessa forma, podemos afirmar que o professor trona-se sujeito de uma nova experiência, assim como a criança. Na Creche/Pré-Escola Oeste os projetos são vivenciados por toda a comunidade. Nos painéis de cada sala temos revelada toda a trajetória das crianças permitindo que todos possam acompanha-la. A exposição no saguão da Creche também permite esse encontro com as narrativas construídas pelos grupos e esse dia é celebrado com um almoço coletivo com as crianças e suas famílias para marcar a abertura oficial da exposição. Ao longo do percurso também são construídos portfólios individuais em alguns grupos ou portfólios mais coletivos, que se transformam em uma memória viva dentro da instituição. O relato dessa experiência nos permite considerar que o projeto pedagógico esta sempre em constante mudança. Revela ainda as narrativas de aprendizagens dos professores envolvidos com suas inquietações sobre o fazer pedagógico e para isso é preciso reconhecer o espaço da formação em serviço como fomento para essas mudanças. Referenciais bibliográficos: BRUNER, Jerome. A cultura da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. _______________ Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. 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