Capítulo 8 - Instituto Fuchs

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Capítulo 8
ARTROPLASTIAS
Subcapítulo 8.2 Total
8.2.4 Articulação femoropatelar
Rogério Fuchs
Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho – 2007/2008
Médico Ortopedista do Hospital Novo Mundo e Hospital Vita-Batel, Curitiba/PR
Thiago Fuchs
Médico residente do serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de
Clínicas / Universidade Federal do Paraná
Capítulo 8
ARTROPLASTIAS
Subcapítulo 8.2 Total
8.2.4 Articulação femoropatelar
Rogério Fuchs
Thiago Fuchs
Introdução
Fatores históricos
Anatomia e cinemática da articulação femoropatelar (FP)
Considerações sobre substituição patelar
Artrose femoropatelar isolada
Desenho dos implantes
Obesidade
Subir escadas
Sexo
Artrite reumatóide
Técnica cirúrgica
Complicações
Instabilidade patelar
Fratura de patela
Ruptura do aparelho extensor
Soltura do implante e desgaste do polietileno
Outras complicações
Literatura sobre substituir ou não a patela nas ATJ
Capítulo 8
Artroplastias
Rogério Fuchs
Thiago Fuchs
Articulação femoropatelar
Introdução
A patela é um guia seguro em relação ao sucesso ou falha nas artroplastias
totais do joelho (ATJ). Os pacientes que não apresentam sintomas
peripatelares ou complicações patelares, normalmente nos mostram resultados
muito satisfatórios pós-ATJ. Em contrapartida, os pacientes que se queixam de
sintomas peripatelares ou outras complicações, com freqüência têm problemas
latentes relacionados à técnica cirúrgica, desenho dos componentes, ou
ambos.
Os desenhos atuais dos componentes protéticos não refletem a cinemática
normal, onde o instrumental e as técnicas alteram significativamente a
anatomia da articulação fêmoro-patelar (FP) numa grande percentagem de
pacientes.
Nós devemos então realizar um bom balanço do aparelho extensor e utilizar
componentes que forneçam uma boa congruência e área de contato dentro do
arco de movimento fisiológico, com grandes chances de observarmos
resultados satisfatórios após ATJ, minimizando os sintomas ou complicações
patelares, independentemente se a patela será ou não substituída 1.
Os esforços para se conseguir uma cinemática fêmoro-patelar normal e
minimizar as complicações patelares, têm levado a um melhor entendimento
das ATJ.
Fatores históricos
Os primeiros desenhos das próteses totais de joelho não incluíam a
substituição do componente patelar e mostravam sintomas e queixas fêmoropatelares em torno de 40-58% dos pacientes2. Estes sintomas precoces
associados à articulação fêmoro-patelar eram tratados com patelectomia e / ou
realinhamento de partes moles, com resultados insatisfatórios. Os pacientes
que apresentavam artrite reumatóide e eram submetidos à ATJ sem
substituição patelar também tinham muitas queixas residuais na FP, e com isto
os desenhos subseqüentes das próteses incorporaram a substituição da patela
nas ATJ3.
Em 1974, um componente patelar de polietileno foi introduzido na prótese de
“Insall-Burstein total knee replacement / Zimmer,Warsaw,Indiana,USA”. Após
isto muitos cirurgiões passaram a utilizar a substituição patelar routineiramente.
Porém, mais uma vez, as complicações da substituição passaram a ser
relatadas em estudos científicos e se mostraram de interesse de todos. As
taxas iniciais das complicações variavam de 4 a 50% e incluíam: fratura da
patela, ruptura do aparelho extensor, osteonecrose, soltura asséptica,
instabilidade / luxação patelar, desgaste do componente patelar, síndrome do
“clunck” patelar e falências catastróficas4,5.
O aumento das taxas de complicações com a substituição patelar, em primeiro
lugar, levou ao conceito de substituição seletiva da patela nas ATJ 6,7, pois
muitas destas complicações eram secundárias ao procedimento de substituição
patelar, e parecia muito razoável que a patela não deveria ser substituída de
rotina. Em segundo lugar, houve uma reavaliação do desenho dos
componentes, pois alguns componentes apresentavam mais complicações que
outros.
Finalmente, e mais importante ainda, as técnicas cirúrgicas tornaram-se mais
cuidadosas e criteriosas. Cuidados com instrumental, tamanho dos
componentes, alinhamento do joelho, rotação dos componentes femoral e tibial
e balanço ligamentar, tornaram-se rotina nos procedimentos cirúrgicos,
seguindo-se diversos estudos sobre anatomia e cinemática, para melhor
entendimento da articulação FP.
Anatomia e cinemática da articulação FP
A patela atua como um suporte dinâmico de alavanca transmitindo as forças
geradas pelo aparelho extensor através do joelho e provém mais de 50% de
aumento na força de extensão comparada com a força pós-patelectomia8.
Durante a marcha normal, a força de reação medida é de 0,5 a uma vez o peso
corporal. Esta força aumenta para três a quatro vezes o peso corporal ao subir
escadas e mais de oito vezes com a hiperflexão do joelho9.
Estas forças são distribuídas através de uma relativa e pequena área de
contato numa patela normal. Quando realizamos uma ATJ, ocorre um adicional
decréscimo na área de contato com conseqüente aumento no estresse póscontração. O estudo de Matsuda et al, mostrou que a substituição da patela
diminui a área de contato em maior grau quando comparada à não substituição
da patela10.
Diversos outros estudos também mostraram evidências que a não substituição
da patela leva a uma cinemática mais próxima do normal do que quando se faz
a substituição patelar, tendo sido analisado diversos tipos de próteses e
componentes11,12,13,14.
Estes estudos das áreas de contato mostram que as medidas excedem o ponto
de fracasso do polietileno. Baseado nisto, seria esperado que a incidência de
falência do componente bem como o desgaste excessivo, seria muito mais alta
em relação ao que observamos na prática clínica. Isto implica que as condições
de laboratório não refletem com acurácia as situações “in vivo”. Estes estudos
biomecânicos não levam em conta a remodelação dos tecidos moles e o
“pseudomenisco” que muito comumente forma-se após uma ATJ. É provável
que algum grau da carga seja transmitido a estes tecidos moles, podendo
efetivamente diminuir a carga sobre o polietileno.
Os estudos da mobilidade da articulação FP têm mostrado com consistência
algum grau de alteração na cinemática pós-ATJ15.
Considerações sobre substituição patelar
A literatura sobre substituição ou não da patela nas ATJ tem feito diversas
recomendações sobre como manejar a patela16. As tabelas 8.1 e 8.2 mostram
as diversas indicações para cada situação.
Tabela 8.1
Indicações tradicionais para substituir a patela (Fig. 8.1)
- pacientes mais idosos
- dor anterior no joelho ou outras alterações FP
- alterações radiográficas FP
- artropatia inflamatória (A.R, etc)
- obesidade
- mau “tracking” patelar - intra-operatório
- história de subluxação ou luxação patelar
- melhora para subir escadas
- menor dor pós-operatória
- componente femoral ou sulco troclear não anatômico
- grande perda da cartilagem patelar – observação intra-operatória
Fig. 8.1 – RX joelho – axial a 30° = ATJ com substituição da patela – Fonte Hospital
Novo Mundo (HNM) / Curitiba-PR
Tabela 8.2
Indicações tradicionais para não substituir a patela (Fig. 8.2)
- pacientes mais jovens
- pacientes magros e baixos
- artrose ou artrite não inflamatória
- cartilagem patelar preservada – observação intra-operatória
- bom “tracking” patelar - intra-operatório
- tamanho e espessura da patela inadequada para substituir
- componente femoral com sulco troclear anatômico para patela nativa
Fig. 8.2 – RX joelho – axial a 30° = ATJ sem substituição da patela – Fonte HNM
Estas indicações acima são relativas, podendo variar de acordo com cada
paciente e seletivamente, pois existem diversos estudos na literatura
mostrando indicações não absolutas nem para um lado, nem para outro lado
(substituir ou não substituir a patela).
Artrose fêmoro-patelar isolada (Fig. 8.3)
O joelho com artrose fêmoro-patelar isolada coloca alguns problemas
desafiadores ao ortopedista. Muitas vezes existe história de trauma na patela
ou algum tipo de instabilidade patelar associada.
Diversos procedimentos cirúrgicos têm sido descritos para o tratamento da
artrose FP isolada, tais como: desbridamento condral, realinhamento ósseo ou
de partes moles do aparelho extensor, patelectomia parcial ou total, artroplastia
FP e mesmo ATJ.
Fig. 8.3 – Artrose FP isolada – Fonte HNM
No passado, as artroplastias FP (Fig. 8.4) não mostraram bons resultados. Nos
últimos anos houve novo interesse nesta cirurgia, uma vez que resultados
promissores têm sido reportados, onde a indicação em artrose pós-traumática
apresenta melhores resultados que nos pacientes com artrose por seqüela de
instabilidade, pois nestes casos normalmente necessitamos realizar
procedimentos associados (liberações / realinhamentos do aparelho extensor /
etc.)17,18.
Fig. 8.4 – Artroplastia FP – pér-operatório – Fonte Dr. Fulkerson – Curso de FP / SBCJ
/ Florianópolis/SC-2004
Existem alguns artigos na literatura mostrando resultados satisfatórios a curto e
médio prazo no tratamento da artrose FP isolada com ATJ substituindo os três
componentes (fêmur/tíbia/patela), porém com porcentagem considerável de dor
residual e também subluxação patelar19,20 (Fig. 8.5, 8.6, 8.7, 8.8, 8.9).
Fig. 8.5 – Artrose FP isolada = RX pré-operatório = Frente / perfil joelho – Fonte HNM
Fig. 8.6 – Artrose FP isolada = RX pré-operatório = axial joelho – Fonte HNM
Fig. 8.7 – ATJ – Artrose FP isolada – Flexo-extensão pér-operatória sem luxação da
patela – Fonte HNM
Fig. 8.8 – ATJ – Artrose FP isolada – RX pós-operatório – frente – Fonte HNM
Fig. 8.9 – ATJ – Artrose FP isolada – RX pós-operatório – perfil – Fonte HNM
Thompson et al em 200121 relataram os resultados de ATJ sem substituição da
patela em artrose FP isolada, em pacientes idosos (média de 73 anos) e
seguimento médio de 20 meses, concluindo que a ATJ sem substituição patelar
neste grupo de pacientes (idosos), é uma opção efetiva e com resultados
funcionais satisfatórios.
Desenho dos implantes
O desenho dos implantes utilizados nas ATJ pode influenciar a decisão de
substituir ou não a patela. Nos primeiros implantes, pouca importância foi dada
ao sulco troclear do componente femoral, apresentando significativas taxas de
problemas fêmoro-patelares pós-ATJ. A partir de 1983 foram criados implantes
com sulco troclear mais suave e mais profundo, melhorando a estabilidade e o
“tracking” patelar. O alinhamento rotacional correto dos componentes e a
colocação um pouco mais lateral do componente femoral, também
proporcionaram melhores resultados no “traking” patelar das ATJ, tanto com
substituição ou não da patela22,23,24.
Obesidade
A relação entre obesidade e resultados das ATJ, foi estudada por diversos
autores. Os pacientes obesos mostraram maiores taxas de sintomas pósoperatórios tanto em pacientes com substituição ou não da patela, pois existe
uma maior sobrecarga na articulação FP, dificuldade para levantar de cadeiras
e subir escadas25,26,27.
Subir escadas
O ato de subir escadas normalmente é utilizado nas avaliações funcionais pósATJ.
Alguns estudos mostram diferenças nos resultados finais, sendo que na não
substituição da patela os pacientes relatam maior dificuldade para subir
escadas26,28. Entretanto, outros estudos prospectivos e randomizados, mostram
diferenças não significativas ao subir escadas, na substituição ou não da
patela29,30.
Com isto, podemos observar que os resultados são variáveis em relação ao ato
de subir escadas, e é possível que a substituição ou não da patela sozinha,
não seja a responsável por esta diferença de resultados.
Sexo
O sexo do paciente foi identificado como sendo uma importante variável a ser
considerada quando decidimos se substituímos ou não a patela. Num estudo
controlado e randomizado, Feller et al27 encontraram diferenças significativas
entre os resultados da substituição e não substituição da patela. A média geral
dos escores para as pacientes do sexo feminino, tende a ser menor que para
os pacientes do sexo masculino, em ambos os grupos (substituída ou não a
patela).
Artrite reumatóide (AR)
A artrite inflamatória com muita freqüência tem sido uma indicação quase
absoluta para a substituição de rotina da patela nas ATJ, por causa dos
mediadores inflamatórios da cartilagem e a sinovite envolvendo o aparelho
extensor. No estudo de Bhan et al31, 139 joelhos com A.R. que foram
submetidos à ATJ sem substituição patelar e com seguimento médio de 5,8
anos, apresentaram resultados satisfatórios em relação a todos os parâmetros
de avaliação, com 8,5% de dor residual anterior no joelho, sendo necessário a
colocação do componente patelar somente em dois joelhos durante este tempo
de seguimento. Entretanto, quando examinamos a literatura com mais cuidado,
observamos que a AR não é uma indicação absoluta de substituição patelar,
porém muitos autores recomendam a substituição patelar, por causa dos
melhores resultados funcionais e melhores índices de avaliação em estudos
comparativos26,32,33.
Técnica cirúrgica
A técnica cirúrgica não adequada, provavelmente é ainda o principal fator na
maioria dos casos de complicações fêmoro-patelares, bem como a persistência
dos sintomas pós-ATJ. Os objetivos principais ao agirmos sobre a articulação
FP são: o balanço correto do aparelho extensor e um bom alinhamento e
orientação de todos componentes. Isto é verdadeiro tanto na substituição como
na não substituição da patela. Diversos detalhes da técnica cirúrgica ajudam a
conseguirmos estes objetivos.
Durante a artrotomia, tanto as inserções do vasto medial, retinácula medial e
cápsula, devem ser marcadas com uma ou duas pequenas incisões
transversais, para que no fechamento da incisão possamos aproximar os
bordos dos tecidos de maneira mais adequada e anatômica possível,
estabelecendo-se um balanço mais apropriado dos tecidos moles.
Após a artrotomia, a liberação do ligamento FP lateral leva à retração lateral da
patela mais adequada, melhorando a exposição, o “tracking” patelar evitando o
tensionamento das partes moles, conforme descrito por Krackow KA1 (Fig.
8.10). Isto é necessário para fletir o joelho a 90° e também é desejável para
everter a patela se a sua substituição for realizada.
Fig. 8.10 – Liberação ligamento FP lateral, levando a melhor exposição – Fonte
“Krackow KA, in patella in total knee artroplasty”
Se há limitação do arco de movimento antes da ATJ, estas manobras podem
colocar em tensão a inserção do tendão patelar na tuberosidade anterior da
tíbia (TAT). Para evitar danos à inserção do tendão patelar na TAT, pode ser
necessário algum procedimento no quadríceps (“snip”) ou mesmo realizar a
osteotomia da TAT descrita por Whiteside. Pode ser útil também, a colocação
de um pino na TAT que servirá de proteção do tendão, evitando sua avulsão na
TAT.
O posicionamento adequado do componente femoral afeta substancialmente o
“tracking” patelar14,34. A rotação externa do componente femoral relativa aos
côndilos posteriores é desejável, entretanto isto pode variar entre pacientes e
também entre o sexo masculino e feminino. Devemos sempre evitar a rotação
interna do componente femoral para evitar o “tilt” da patela, com conseqüente
impacto e subluxação lateral (Fig. 8.11).
Fig. 8.11 – Rotação do componente femoral
A lateralização relativa do componente femoral também é desejável, para
melhor “tracking” patelar. Devemos evitar colocar o componente femoral em
flexão, bem como em posição mais anterior, para não causar aumento nas
forças FP.
O componente tibial também deve ser colocado com alguns graus de rotação
externa, para melhor “tracking” patelar (Fig. 8.12).
Fig. 8.12 – Rotação do componente tibial
Se a substituição da patela for realizada, vários detalhes são cruciais para
otimização dos resultados. Deve-se tentar manter a mesma espessura patelar
do pré-operatório ou reduzí-la em um a dois milímetros35. Usar um paquímetro
para medição antes e após a ressecção, para assegurar uma ressecção
adequada (Fig. 8.13).
Fig. 8.13 – Espessura patelar – ressecção adequada pér-operatório – Fonte HNM
A ressecção óssea simétrica também é importante para um apropriado balanço
do mecanismo extensor do joelho. As ressecções com substituições
assimétricas ocorrem entre 5-10% dos casos, mesmo nas mãos de cirurgiões
experientes, e isto pode estar relacionado com alta porcentagem de pacientes
sintomáticos36 (Fig. 8.14, 8.15).
Fig. 8.14 – Ressecção simétrica da patela – Fonte HNM
Fig. 8.15 – Ressecção assimétrica da patela – Fonte HNM
O uso do eletrocautério tem sido indicado para demarcar os bordos da faceta
medial e lateral como guia de ressecção e também tem efeito de denervação.
Normalmente são utilizados guias patelares para a ressecção, porém outra
maneira alternativa bastante usada é a ressecção livre (“feita à mão”),
utilizando-se como referência a inserção do tendão quadricipital e tendão
patelar37.
Deve-se utilizar o maior componente patelar possível para boa cobertura da
superfície óssea e posicioná-lo mais no bordo medial da superfície de corte
para melhor excursão da patela.
O tecido sinovial na região do pólo superior da patela deve ser ressecado para
evitar a formação de nódulo de fibrose levando à possível “clunk” patelar,
principalmente se componentes com estabilização posterior forem usados.
Nos últimos anos o componente patelar com três “pegs” é usado com mais
frequência, uma vez que o componente com “peg” grande e único está
associado a maior incidência de fratura da patela. Também praticamente foi
abandonado o uso de componente patelar com “metal-back” por causa dos
altos índices de complicações.
A avaliação do “tracking” patelar deve ser feita como o garrote desinsuflado,
pois quando está insuflado, pode alterar a excursão da patela sobre a tróclea
femoral38. Se for observada alteração importante no “tracking” patelar,
devemos rever o corte femoral e o tibial, pois a colocação destes componentes
em rotação interna afeta consideravelmente o “tracking” patelar. Estas
observações devem ser feitas antes da colocação final dos componentes, uma
vez que ainda é possível corrigir o que for necessário. Se julgarmos que os
componentes estão corretamente colocados e algum grau de alteração na
excursão patelar for ainda encontrado, sem auxílio do polegar para segurar a
patela e com o garrote já desinflado, devemos então realizar a liberação da
retinácula lateral da patela. Nesta liberação, se possível devemos tentar
preservar a artéria genicular lateral superior, para evitarmos complicações do
tipo necrose avascular ou fratura. Se ainda persistir algum grau de excursão
patelar não satisfatória, podemos então realizar sutura com tensionamento ou
imbricação da retinácula medial e vasto medial39.
Complicações
A maioria das complicações fêmoro-patelares nas ATJ, podem ser atribuídas
direta ou indiretamente a erros da técnica cirúrgica39. Com um bom
alinhamento e rotação dos componentes e um bom balanço de partes moles do
aparelho extensor, a incidência de complicações diminui consideravelmente.
As duas áreas de maior interesse para diminuição das complicações fêmoropatelares estão relacionadas à técnica cirúrgica apropriada e a melhora no
desenho dos componentes40,41.
A tabela 8.3 mostra os problemas relacionados à técnica cirúrgica nas
complicações do aparelho extensor42.
Tabela 8.3
Fator
Componente tibial muito anterior
Interlinha articular inferior
Componente femoral muito medial
Rotação interna do comp. femoral
Rotação interna do comp. tibial
Comp. patelar central ou lateral
Aumento da espessura com substituição
Substituição patelar assimétrica
Ressecção óssea excessiva
Efeito
Aumenta a tensão patelar
“
“
“
Luxação patelar medial
“Mau-tracking” patelar
“
“
“
“
“
“
“
“
/ dor
Aumenta a tensão patelar
Na tabela 8.4 podemos ver os efeitos do desenho dos componentes sobre o
alinhamento patelar e o “tracking” patelar42.
Tabela 8.4
Sulco troclear raso
Eixo de rotação fixo
Rotação irrestrita
Implante patelar com “peg” grande e central
Implante patelar com dois “pegs”
“Pegs” de fixação pequenos
Implante patelar sem cimento
Implante patelar anatômico ou com “metal-back”
Podemos ter também fatores relacionados ao paciente que afetam o aparelho
extensor nas ATJ, como mostra a tabela 8.542.
Tabela 8.5
Artrose fêmoro-patelar
Obesidade
Joelho valgo
Osteotomia prévia
Luxação patelar crônica
Artrose pós-traumática
Osteoporose
Num estudo de Sharkey et al43 sobre revisões pós-ATJ, quase 12% das reoperações foram feitas por causa de problemas no aparelho extensor. A
prevalência destas complicações tem diminuído nos últimos anos, porém
permanece em torno de 4%44.
A dor anterior no joelho, instabilidade patelar, fratura, ruptura do aparelho
extensor e também vários outros problemas, podem afetar os resultados nas
ATJ42.
Instabilidade patelar (Fig. 8.16)
Fig. 8.16 – Subluxação patelar – Fonte HNM
Subluxação ou “mau-tracking” da patela são encontrados com alguma
freqüência no exame clínico do paciente ou em radiografias de rotina, mesmo
assintomáticos, porém estes fatores podem ser causas de dor. Existe
correlação entre a inclinação (“tilt”) patelar pré-operatória com a posição pósoperatória. Implantes com sulco troclear raso, eixo de rotação fixo ou rotação
irrestrita têm muita associação com alta prevalência de subluxação ou luxação
patelar. Diversos aspectos da técnica cirúrgica são diretamente relacionados
com instabilidade patelar, tais como: rotação interna do componente femoral
e/ou tibial, alinhamento do joelho em valgo excessivo, colocação do
componente patelar muito lateral, translação medial do componente femoral,
espessura excessiva da patela pós-substituição, e componente femoral muito
grande em relação a cortical anterior do fêmur.
Devemos fazer uma avaliação cuidadosa para determinar a etiologia da
instabilidade, e tratar diretamente a causa do problema. Implantes em má
posição são tratados de maneira mais adequada com a revisão dos
componentes. A falta de balanço adequado de partes moles pode ser
manejada com liberação da retinácula lateral e avanço do vasto medial, ou
seja, realinhamento proximal do aparelho extensor. Podemos também realizar
o realinhamento distal da TAT, porém pode ser criada uma deformidade
compensatória, alterando a cinemática patelar, predispondo à ruptura do
aparelho extensor.
Fratura de patela
A prevalência de fratura de patela relatada varia entre 0,3 a 11% 45. As fraturas
de patela são associadas a trauma, comprometimento vascular, mau
alinhamento dos implantes, obesidade, ressecção óssea excessiva, nível de
atividade elevado, grande arco de movimento, desenho do implante patelar,
“peg” central e muito largo, revisões em ATJ e osteoporose. A prevalência de
fratura de patela é mais alta após substituição do que não substituição, mais
alta após revisões do que nas cirurgias primárias e mais alta em homens do
que em mulheres45. A osteonecrose da patela com subseqüente fragmentação
e reabsorção é relatada como complicação em ATJ onde é feita a liberação da
retinácula patelar lateral. Porém no estudo de Ritter et al 46, onde em 30 ATJ
bilaterais, num lado foi feita a liberação e no outro lado não, não foram
observadas diferenças em cintilografias e não houve fratura de patela.
As fraturas de patela podem ser tratadas conservadoramente, com um período
curto de imobilização, até que os sintomas dolorosos desapareçam.
Tratamento cirúrgico precoce é indicado nas fraturas associadas à lesão do
aparelho extensor. Quando for possível, podemos fazer a implantação de outro
componente patelar nas fraturas já consolidadas (Fig. 8.17, 8.18).
Fig. 8.17 – Fratura patela - Fonte HNM
Fig. 8.18 – Fratura patela – troca do componente patelar – 1 ano PO – Fonte HNM
Ruptura do aparelho extensor
A ruptura do aparelho extensor pode ocorrer no tendão patelar ou no tendão
quadricipital, bem como na região do acesso cirúrgico nas lesões mais
recentes do pós-operatório imediato. Podem também estar associadas às
fraturas da patela.
As rupturas do tendão quadricipital são associadas às doenças sistêmicas e a
detalhes da técnica cirúrgica. Num estudo de 24 pacientes, co-morbidades
foram encontradas nos pacientes com ruptura, incluindo o uso de corticóide
sistêmico, diabetes, insuficiência renal crônica, gota, Parkinson, obesidade
mórbida e múltiplas infiltrações intra-articulares47. A queda ou atividade
vigorosa estavam também associadas com a ruptura do tendão quadricipital na
maioria destes 24 pacientes. Os fatores cirúrgicos que podem contribuir com a
ruptura incluem liberação da retinácula lateral, múltiplas cirurgias anteriores e o
acesso tipo “quadríceps snip”. O tratamento pode ser através de excisão do
tecido desvitalizado e sutura direta no tecido ósseo reavivado da patela. O
reforço da área de reparo com enxerto biológico de semitendíneo ou mesmo
enxertos sintéticos podem proteger a reparação com possibilidade de
reabilitação mais precoce e adequada (Fig. 8.19 e 8.20). Se for necessário,
pode-se utilizar uma órtese por seis semanas no pós-operatório para proteção
e ganho progressivo da mobilidade articular.
Fig.8.19 – Lesão aparelho extensor após queda no 15° dia PO – pér-operatório – Fonte
HNM
Fig. 8.20 – Desbridamento da lesão / reparo direto / reforço com ligamento sintético de
poliéster – Fonte HNM
Os fatores associados à ruptura do tendão patelar (Fig. 8.21) incluem a
dificuldade de exposição nos joelhos mais rígidos, liberação extensa do tendão
patelar durante a cirurgia, manipulação para tratamento de limitação de
mobilidade, revisão em ATJ e realinhamento distal no tratamento das
instabilidades por “mau-tracking” patelar48.
Fig. 8.21 – Lesão tendão patelar – pér-operatório - Fonte HNM
Estas lesões são difíceis de tratar, podendo muitas vezes levar ao insucesso.
Sutura direta ou o uso de âncoras não apresentam bons resultados. Nas lesões
agudas, podemos realizar o reparo e reforço com enxertos biológicos
(autólogos / homólogos) ou sintéticos. A reconstrução tardia pode ser feita com
enxertos homólogos de tendão de Aquiles e até utilizar os enxertos parciais ou
totais de aparelho extensor (Fig. 8.22, 8.23, 8.24).
Fig. 8.22 – Reconstrução tardia do aparelho extensor com enxerto de tendão patelar
(TP) homólogo – preparo leitos ósseos e enxerto – Fonte HNM
Fig. 8.23 – Fixação final do enxerto TP homólogo na patela e TAT – Fonte HNM
Fig. 8.24 – RX controle PO imediato / perfil - enxerto TP homólogo - Fonte HNM
Soltura do implante e desgaste do polietileno
A soltura do implante ou o desgaste do polietileno podem estar relacionados à
técnica cirúrgica ou ao desenho dos implantes.
Os fatores que implicam na soltura do implante incluem a fixação em osso
deficiente, má posição do componente, “mau-tracking” patelar, osteonecrose,
ressecção óssea assimétrica, alteração na altura da interlinha articular,
osteólise, falha no crescimento ósseo em implantes não cimentados, implantes
com “metal-back” e obesidade49 (Fig. 8.25,8.26)
Fig. 8.25 – Soltura componente patelar – Fonte HNM
Fig. 8.26 – Desgaste polietileno patelar em implante com “metal-back” – Fonte HNM
A taxa de soltura do implante patelar é menor que 1%, segundo a literatura.
Num paciente com soltura ou desgaste, devemos procurar por um erro na
posição do implante. O problema mais comum está no mau alinhamento
rotacional causando “mau-tracking” e subseqüente soltura do implante patelar.
Deformação e desgaste de componente patelar “all-poly” são comumente
vistos durante as revisões de ATJ. As altas cargas na articulação FP
combinadas com a falta de congruência entre o implante patelar, o sulco
troclear e o sulco intercondilar do componente femoral resultam em
deformação e desgaste. Normalmente esta deformação e desgaste, são
raramente motivos para revisões na ausência de “mau-tracking” patelar ou
soltura do componente tibial ou femoral, pois os pacientes apresentam pouca
sintomatologia. Em contrapartida, o desgaste nos componentes com “metalback”, leva também ao desgaste do componente femoral, com a formação de
debris metálicos. Estes debris resultam em dor, derrame articular e crepitações
palpáveis e audíveis nos movimentos de flexo-extensão do joelho, sendo
motivo para um maior número de revisões em ATJ.
No tratamento da soltura ou desgaste do implante, podemos agir de maneira
conservadora (expectante) naqueles pacientes assintomáticos e que não
apresentam instabilidade patelar ou soltura dos outros componentes.
Na presença de sintomas (dor / derrame articular / limitação funcional) temos
as opções de revisão do componente patelar quando houver estoque ósseo
suficiente para colocação de outro implante (Fig. 8.27, 8.28, 8.29) ou
simplesmente fazermos a retirada do implante solto e regularização da
superfície patelar residual, com possibilidade de bons resultados funcionais
(Fig. 8.30, 8.31)
Fig. 8.27 – Soltura implante patelar em ATJ primária com 2 anos PO – Fonte HNM
Fig. 8.28 – Troca do componente patelar – RX perfil – 3 anos PO – Fonte HNM
Fig. 8.29 – Troca do componente patelar – Rx axial – 3 anos PO – Fonte HNM
Fig. 8.30 - Soltura do implante patelar / osteonecrose – RX axial – ATJ primária com 2
anos de PO – Fonte HNM
Fig. 8.31 – RX axial PO – retirada do componente patelar – 7 anos PO – Fonte HNM
Outras complicações
A síndrome do “clunk” patelar pode aparecer principalmente nos implantes com
estabilização posterior, e é resultado da formação de nódulo de fibrose na
junção do pólo superior da patelar com o tendão quadricipital. A ressecção
aberta ou artroscópica, normalmente apresenta resultados satisfatórios.
Patela baixa pós-ATJ pode ser causa de dor levando a impacto contra o
polietileno do componente tibial.. A retração do tendão patelar com patela baixa
e a hipertrofia da gordura retro-patelar podem ser causas de dor no pós-
operatório de ATJ. A ressecção da gordura hipertrofiada e a liberação e/ou
alongamento do tendão patelar tem sido recomendado para o tratamento, com
resultados efetivos.
A síndrome da faceta lateral da patela (Fig. 8.32) pode aparecer quando
fazemos a substituição patelar e colocamos o componente mais medialmente.
Como uma parte da faceta lateral fica sem cobertura, pode-se ter impacto
ósseo desta faceta contra o componente femoral, causando dor e/ou derrame
articular. A maneira para se evitar isto, é a ressecção parcial da faceta lateral
por ocasião da ATJ primária. Caso este diagnóstico se apresente no pósoperatório, podemos também realizar a ressecção parcial da faceta lateral, com
resultados satisfatórios.
Fig. 8.32 – RX joelho – axial – Síndrome faceta lateral da patela
Literatura sobre substituir ou não a patela nas ATJ
A substituição ou não da patela, permanece ainda como um tópico controverso
até os dias de hoje, pois existem muitos estudos a favor e contra a substituição.
Há uma larga variação na prática, com opção de substituição de rotina,
substituição seletiva ou não substituição50,51. Os estudos mais antigos52,53
referentes à não substituição patelar, mostravam dor residual numa
porcentagem significativa, porém não havia grupos controles. Com o passar
dos anos e com a modificação do desenho dos implantes, os resultados desta
opção de não substituição modificaram, mostrando não haver diferença
significativa em relação à dor e aos níveis funcionais dos pacientes na
avaliação a longo prazo54.
Hasegawa & Ohashi55 num estudo com 78 joelhos em ATJ onde a patela não
foi substituída e com seguimento médio de 12 anos, relataram não haver
diferenças em relação à dor patelar residual ou subluxação nos pacientes com
artrose ou A.R. Somente três pacientes (quatro joelhos) queixavam-se de dor
residual anterior, porém todos mostravam subluxação patelar, e questionam a
necessidade de substituição patelar de rotina, se a patela é congruente e bem
alinhada.
Mayman et al56, num estudo prospectivo e randomizado de 100 pacientes que
tiveram substituição ou não da patela, com seguimento de oito a dez anos,
encontraram maior dor residual ao caminhar e subir escadas no grupo que a
patela não foi substituída, porém na análise do grau de satisfação (muito
satisfeitos / satisfeitos) não houve diferença entre os dois grupos.
Burnett et al57 avaliaram 100 joelhos (90 pacientes) com estudo prospectivo,
controlado e randomizado para receber ou não o componente patelar e
seguimento mínimo de dez anos.
Não foram encontradas diferenças
significativas entre os dois grupos em relação às taxas de revisões, escores da
“Knee Society”, escores funcionais, satisfação do paciente, dor anterior
residual, problemas fêmoro-patelares e alterações radiográficas.
Carvalho Jr et al58 avaliaram 30 ATJ com e sem substituição patelar num
seguimento médio de 30,7 meses e demonstraram que na análise do
desempenho, não houve diferença estatisticamente significativa nos dois
grupos. Em relação ao estado prévio da articulação FP também não houve
correlação com os resultados.
Barbosa et al59 apresentaram estudo retrospectivo de 43 pacientes (46 joelhos)
submetidos à ATJ primária divididos em quatro grupos, sendo que nos três
primeiros a patela foi substituída, e o último grupo (controle) a patela foi
substituída. O tempo de seguimento médio foi de 28,9 meses, com avaliação
segundo os critérios do HSS. Os resultados mostraram não existir diferença
estatisticamente significativa na utilização ou não do componente patelar,
independentemente do grau de artrose da articulação FP no pré-operatório.
Nizard et al60 num estudo de meta-análise de dados comparativos entre
substituição e não substituição da patela, de maneira randomizada e controlada
encontraram 12 estudos para avaliação entre janeiro/1966 e agosto/2003. Em
relação à dor residual anterior e o ato de subir escadas, o grupo que não foi
substituída a patela mostrou piores resultados. Não foram observadas
diferenças entre os grupos em relação aos escores da “International Knee
Society”, HSS e satisfação do paciente. Em relação aos achados, eles mostram
que é difícil uma conclusão definitiva, pois existem muitas variáveis, como o
desenho dos componentes, experiência do cirurgião e aspectos técnicos da
cirurgia, podendo influenciar nos resultados finais.
Burnett et al61 num estudo de ATJ bilateral, prospectivo e randomizado,
avaliaram 32 pacientes (64 joelhos), com seguimento mínimo de dez anos.
Todos receberam o mesmo tipo de prótese, sendo as duas cirurgias realizadas
em dois tempos (estagiadas). Durante a primeira cirurgia os joelhos eram
randomizados para receber ou não o componente patelar, e na segunda
cirurgia recebiam o tratamento oposto. Dois pacientes do grupo onde a patela
não foi substituída e um paciente do grupo onde a patela foi substituída
necessitou de revisão por complicações fêmoro-patelares. Os resultados foram
equivalentes para todos os parâmetros de avaliação.
Com o melhor entendimento das causas dos problemas fêmoro-patelares, têm
surgido técnicas mais apuradas e melhores desenhos dos implantes. Temos
visto com clareza que a patela, de maneira geral, é o reflexo do sucesso dos
procedimentos das artroplastias do joelho. A ocorrência de complicações
patelares, como a dor residual anterior, “mau-tracking” e instabilidade, indica
certo sub-dimensionamento da técnica cirúrgica, do desenho dos implantes, ou
de ambos. Isto explica porque a substituição patelar isolada é associada a altas
taxas de complicações com persistência dos sintomas, o porquê que a
colocação de implante patelar após cirurgia prévia onde a patela não havia sido
substituída também é associada a sintomas recorrentes e também o porquê de
a patelecectomia após fragmentação patelar falha no alívio dos sintomas.
Em contrapartida, uma excursão patelar adequada e a ausência de sintomas
peri-patelares são fortes indícios de um procedimento bem sucedido.
O que nos parece mais lógico até o presente momento, é a substituição
seletiva da patela, onde procuramos analisar as queixas dos sinais e sintomas
patelares pré-operatórios, o “tracking” patelar nos diversos graus de mobilidade
e o grau de comprometimento da superfície articular no pér-operatório,
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