DO DIÁLOGO À CONSCIENTIZAÇÃO: APRENDENDO A LER O MUNDO UMA CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE AO PROJETO DE EXTENSÃO “FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA ESCOLA: UMA REFLEXÃOAÇÃO COM ALUNOS E PROFESSORES DAS 8ª SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL DO COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR JOSÉ ALOÍSIO ARAGÃO - COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UEL” Gilmar Aparecido Altran1 Resumo: Diante do interesse de alguns alunos do curso de Filosofia da UEL em refletir sobre o ensino de Filosofia na Educação Básica, especificamente no Ensino Fundamental, os professores da área de Filosofia e Educação (Departamento de Educação) propuseram um projeto de extensão que pudesse atender tal demanda. Todavia, um projeto de extensão, proposto pelo Departamento de Educação, deveria englobar a participação também das alunas do Curso de Pedagogia2, da mesma instituição, na área afim ao curso: filosofia e educação. Nasceu assim o Projeto de Extensão “Filosofia e Filosofia da Educação na escola: uma reflexão-ação com alunos e professores das 8ª séries do ensino fundamental do Colégio Estadual Prof. José Aloyseo Aragão, Colégio de Aplicação da UEL”. Palavras-chave: Filosofia. Filosofia da Educação. Diante do interesse de alguns alunos do curso de Filosofia da UEL em refletir sobre o ensino de Filosofia na Educação Básica, especificamente no Ensino Fundamental, os professores da área de Filosofia e Educação (Departamento de Educação) propuseram um projeto de extensão que pudesse atender tal demanda. Todavia, um projeto de extensão, proposto pelo Departamento de Educação, deveria englobar a participação também das alunas do Curso de Pedagogia3, da mesma instituição, na área afim ao curso: filosofia e educação. Nasceu assim o Projeto de Extensão “Filosofia e Filosofia da Educação na escola: uma reflexão-ação com alunos e professores das 8ª séries do ensino fundamental do Colégio Estadual Prof. José Aloyseo Aragão, Colégio de Aplicação da UEL”. 1 Professor de Filosofia da Educação – UEL/Londrina-Pr. Mestre em Educação pela UNESP – Marília – SP. [email protected] 2 Único Curso de Graduação ofertado pelo Departamento. 3 Único Curso de Graduação ofertado pelo Departamento. 2 Os objetivos do projeto constituem-se em realizar uma experiência com a disciplina de filosofia no ensino fundamental numa perspectiva interdisciplinar; fomentar o entendimento e a compreensão do conhecimento filosófico junto as demais disciplinas em sua íntima relação com a formação da subjetividade do aluno nos seus variados aspectos: intelectual, afetivo, social e moral; apresentar as contribuições da disciplina de filosofia para a compreensão da educação e para a vida escolar; oportunizar os alunos dos cursos de Filosofia e de Pedagogia com um contato real com a escola numa experiência bem articulada entre a filosofia e a educação; motivar os futuros professores, hoje estagiários, de “filosofia para crianças” e adolescentes a criarem materiais didáticos apropriados aos novos contextos escolares, conhecerem as novas modalidades de ensino de filosofia existentes e de fazerem uso de materiais inovadores para o ensino desta disciplina e., finalmente, motivar os alunos do curso de Pedagogia a tratarem dos temas da Filosofia diretamente relacionados com a prática pedagógica e a vida escolar. Diante do quadro exposto acima, o projeto atua em dois campos: 1) o ensino de filosofia no Ensino Fundamental da Educação e Básica, cuja coordenação está a cargo da Profª. Dra. Leoni Maria Padilha Henning, com a participação dos alunos do Curso de Filosofia. 2) grupo de estudos, coordenado pelo Prof. Gilmar Aparecido Altran, cuja temática abrabge a área de Filosofia e Educação, juntamente com as estagiárias do Curso de Pedagogia. O campo de atuação 02 será objeto de análise nesse artigo. Aqui é necessário observar dois pontos: a) As atividades acontecem em dois momentos: 1) grupo de estudo com estagiários e 2) grupo de estudos com professores do Colégio. b) a temática eleita para as discussões é o Diálogo, selecionada por compreender as necessidades apresentadas pelos professores do Colégio e o propósito do projeto; Para dar suporte teórico necessário a tais discussões foi escolhido o autor brasileiro Paulo Freire, dada a sua contribuição no trato de tal tema. Para ele, a marca de cada pessoa está vinculada a partir da realidade em que vive, com os múltiplos determinantes que influenciam sua formação enquanto pessoa. Pessoa esta que habita um determinado espaço e que se relaciona, consigo mesmo, com as demais pessoas e com a natureza, de um modo geral. Pode, pela tradição e cultura que herda, pensar e sonhar uma outra história, ou então, acomodar-se a essa mesma história. 3 Paulo Freire foi um educador que adquiriu importância e destaque no cenário nacional e internacional, pareceu não estar disposto e fazer de sua história, uma história marcada pela acomodação diante de um mundo caracterizado pela injustiça social, pelo analfabetismo, pela exclusão cultural e econômica4. Seu pensamento e sua ação fizeram-se transformar num homem que se compreendeu como um ser que podia, de alguma forma, contribuir para que a história dos homens e das mulheres tivesse uma outra página. Escolheu o caminho da educação. Ensinou e aprendeu. Continua a ensinar. Na vastidão de seu pensamento, disseminado pelos livros publicados, palestras conferidas, aulas, etc., é possível delimitar, para o propósito desta discussão, dois aspectos diálogo e conscientização - que permitem contribuir para as discussões sobre a questão do diálogo. Isto porque, para Paulo Freire, essa temática torna-se central em sua compreensão do fenômeno educativo e a partir dele, tanto homem como mulher, pelo diálogo, chegam à consciência de ser-no-mundo. Para ele o contexto social e político de uma dada sociedade estão profundamente envolvidos com a questão da linguagem. Reflexão e ação se relacionam intimamente e a compreensão do mundo5 implica necessariamente numa práxis. Esta ação reflexiva não permite que homens e mulheres assumam uma postura quietista e, portanto, espectadora da história. Já em seus primeiros livros6 aborda, também, uma outra questão que se torna central em sua obra: a dimensão dialógica do e no processo educativo. Dialogar para ele significa mais que uma conversa, um bate papo, uma troca de informações, uma exposição sobre um determinado assunto, etc. Significa um encontro dos homens7, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo (Freire, 2000, p.78). O objetivo desta dimensão no pensamento freireano está em promover a compreensão do mundo, nomeá-lo, portanto dar-lhe uma identificação lingüística. 4 Situações estas que estão presentes nos seus diferentes livros, sendo objeto constante de sua crítica e busca por uma teoria educativa que levasse as pessoas a se compreenderem enquanto partícipes da história deles mesmos. 5 Compreensão esta que, numa perspectiva freireana, corresponde ao fato do sujeito (homem/mulher) saber fazer a leitura do mundo de um modo consciente. Consciência esta que se caracteriza não apenas pelo ato de tomar conhecimento da realidade. A tomada de consciência abrange a apropriação de uma análise crítica deste ou daquele fato, ou mesmo de um conjunto de fatos; postula, além do desvelamento das razões de ser de uma situação ou várias situações, uma ação transformadora, uma mudança, onde esses sujeitos passam saber ler o mundo e modifica-lo, segundo a capacidade criadora da consciência livre. 6 Educação e atualidade brasileira (2001), Educação como prática da liberdade (2000) e Pedagogia do oprimido (2000). 7 Em Pedagogia da Esperança (1999) Freire, num reencontro com a Pedagogia do Oprimido (p.13), retoma as expressões usadas quando da referência às pessoas humanas. Reconhece que, se referindo apenas ao homem, de modo amplo, indicando homem e mulher, acaba por acentuar a questão da ideologia machista predominante na sociedade de então. Por vezes essa mesma ideologia ainda se faz presente na sociedade atual, persistindo na literatura corrente. 4 O diálogo, numa situação de aprendizagem, em torno dos problemas situados e vividos pelos alfabetizandos e pelas alfabetizandas produz diferentes perspectivas de leitura do mundo, de compreensão de inserção no mesmo. Um exemplo disso pode ser retomado das experiências com o método de alfabetização para adultos. Segundo Freire: A conclusão dos debates gira em torno da dimensão da cultura como aquisição sistemática da experiência humana. E que esta aquisição, numa cultura letrada, já não se faz via oral apenas, como nas iletradas, a que falta a sinalização gráfica. Daí passa-se ao debate da democratização da cultura, com que se abrem as perspectivas para o início da alfabetização.Todo este debate é altamente criticizador e motivador. O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e escrever. Prepara-se para ser agente deste aprendizado. E consegue fazê-lo, na medida mesma em que a alfabetização é mais do que o simples domínio psicológico e mecânico das técnicas de escrever e de ler. É o domínio dessas técnicas, em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se entende. É comunicar-se graficamente. É uma incorporação. Implica, não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas, desgarradas de um universo existencial – coisas mortas ou semimortas – mas numa atitude de criação e recriação. (2000, p. 118-119): Outro dado relevante foi a experiência pessoal, trazendo à tona constantemente uma de suas discussões com os trabalhadores e trabalhadoras, participantes dos núcleos ou centros sociais do SESI do Recife, demonstra uma situação de aprendizado que marcou profundamente seu modo de refletir, compreender e apreender os fenômenos. Ao discutir questões próprias entre pais, mães, filhos e filhas, ao defender a questão do diálogo entre estes como substituição dos castigos de cunhos mais violentos e, ao citar Piaget como referência acadêmica, se deparou com uma inquietante inferência de um dos presentes: num tom simples, mas claro, deu-lhe, segundo o próprio educador, uma lição que se tornou inesquecível: salientando as palavras bonitas e bem postas de Freire, reconheceu a simplicidade de algumas e a dificuldade de compreensão de outras. No conjunto conseguiu o entendimento da mensagem de Freire. Todavia retrucou mostrando que seu discurso, mesmo sendo bem feito, não lhes cabia, pois não viviam uma mesma situação existencial. Havia uma distância que é mais bem exemplificada nas indagações feitas a Freire em torno de suas diferenças: as condições de moradia, do poder aquisitivo, de limites de espaço, do cansaço do trabalho braçal, das situações que a vida, por sua dureza e penúria, lhes impossibilitava de sonhar. Contrapôs sua vida a vida do educador Freire, de sua família e de suas condições de existência. Reconheceu a importância e o papel de Freire. Mas mostrou o quanto não podiam 5 estar numa mesma situação. Havia sim uma relação, que Freire buscava recusar e superar: a relação vertical no processo educativo. Percebeu então, nesta experiência, que seu discurso carecia de uma dimensão que o levasse a entender e apreender o outro lado. O diálogo só é possível se houver uma relação horizontal, de compreensão, de troca, de respeito... Existe, portanto, uma conexão íntima entre as que pessoas que compõem o processo educativo, que não pode ser desprezada, forjada e nem usado como relação de dominação. A análise de seu pensamento ressalta o caráter meticuloso e apaixonante com que se dedica a pensar o processo educativo. Ao realizar um diagnóstico dos problemas educacionais encontrados na educação brasileira8, faz a proposição de encaminhamentos para a superação e a solução destes. Afirma e reafirma constantemente sua crença na vocação ontológica do homem e da mulher para o ser mais, para o resgate da capacidade e esperança de sonhar, criar e recriar o mundo que habitam. Situado num ambiente marcado pela pobreza, marginalização histórica e um alto índice de analfabetos – a sociedade brasileira, especialmente a região do nordeste – Freire, a partir de um estudo mais detalhado sobre a sociedade brasileira e sua educação, elabora um programa de alfabetização de adultos através dos círculos de cultura popular adultos que viria a ser motivo de muitas discussões. Conhecido mundialmente pela Pedagogia do Oprimido e pelo Método Paulo Freire, seu pensamento persiste no cenário educativo, sendo constantemente objeto de pesquisas, teses e também motivando a elaboração de programas de alfabetização e currículos escolares. Seu objetivo maior foi conscientizar homens e mulheres a se comprometerem e a se engajar numa luta pela transformação social e pela libertação diante do poder opressor. Para ele a apropriação da cultura letrada torna-se um fator imprescindível. Todavia, não ignora o saber popular, contido na realidade campesina de alfabetizandos a alfabetizandas, como gostava de salientar. Ao contrário, este saber é tomado como ponto de partida para o processo de aprendizagem das letras. Seu método, que alfabetizava em 40 dias, provoca interesse e revolta. O grande problema, segundo ele, se verifica na forma como a educação é oferecida ao povo. Opõe-se a concepção de educação vigente à sua época (década de 1950 e início da década de 1960 – historicamente determinada por políticas respaldadas por ideais elitistas), considerando-a bancária, pois permite que mulheres e homens continuem na condição de nãohumano. Coisificam-se a todo instante, pois a educação se constitui num ato mecânico, 8 Tema de sua tese (1958) de concurso para a Universidade do Recife. Especialmente no livro Educação como prática da liberdade (publicado inicialmente em 1967), ele aprofunda o levantamento destes problemas. Em 2001, numa homenagem ao educador, é lançado em forma de livro sua tese, com o título: Educação e atualidade brasileira. 6 caracterizado pelo depósito dos conhecimentos, por parte dos professores e professoras, cabendo aos alunos e alunas à memorização, arquivamento, etc. Um receptáculo dos mesmos conhecimentos, propriedade dos professores. Partindo desta constatação, propõe uma educação que, sendo prática da liberdade, conduz à libertação do ser humano em face à condição opressora em que se encontra. Nesta, a relação entre professores/as e alunos/as ganham uma nova dimensão: são pessoas que constituem um processo e vivem constantemente numa situação de seres de busca, de humanização, numa prática intencional, visando a libertação autêntica no mundo para transformá-lo como resultado da ação e reflexão sobre a situação em que se encontram. Entende esse processo como práxis, pois ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (Freire: 2000, p. 68) Assim, ao dar as bases de uma educação como prática da liberdade, conclui que a essência da educação é o diálogo. Da prática dialógica vem a conscientização do ser humano em seu mundo. A palavra ganha uma centralidade indispensável na relação do homem/mulher com o homem/mulher, do homem/mulher com o mundo e do homem/mulher com si mesmos. Portanto não pode ser privilégio de alguns, não pode ser verdadeira se estiver apenas de um lado na relação entre estes. Esta parece ser uma questão de suma importância, na perspectiva freireana de busca por soluções para os problemas educacionais e culturais presentes no Brasil de então. A pessoa é essencialmente aberta ao diálogo, ser-no-mundo e, portanto, este mundo em que vive não existe por acaso, mas é produto da ação humana. Negar essa situação é estabelecer um estado de coisificação a homem e mulheres. Para Freire esta era a característica da pedagogia da classe dominante (elite e burguesia). Essa realidade, ao constituir-se opressora, investe contra homens e mulheres condicionando-os, modificando sua vocação para o ser... o ser mais. A desumanização ocorre em face às injustiças por parte dos opressores que, por o serem, são violentos, são mais, portanto também são desumanizados. Já os oprimidos, que nesta leitura, são menos, o são porque são levados (pela pedagogia dominante) a coisificar-se. A questão do homem, da humanização é expressa por ele da seguinte maneira: A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela 7 humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores a esta, o de ser menos. (Freire, 2000, p. 30) A superação não se dá na perspectiva dos oprimidos assumirem o papel idealístico dos opressores. Se o problema se resolvesse com a alteração dos pólos na relação opressores/oprimidos, bastaria tão somente uma simples troca de papéis. Todavia a libertação tanto da condição opressores, como da condição de oprimidos não aconteceria e, portanto, o ato de humanizar-se também não se concretizaria. Assim, os opressores, de posse concreta e de domínio do seu mundo, pautados por uma concepção materialista da existência, onde o dinheiro e as posses são a medida de todas as coisas e o lucro, o objetivo principal, jamais iriam concordar em abandonar tal situação. Para a consciência opressora, a humanização também faz parte de suas posses, se constitui num direito que lhes pertence, mas de modo exclusivo. Por isso se constitui dominadora, pois isso lhes traz prazer e satisfação. Também é necrófila, pois para dominar coisifica as pessoas e a realidade, não permitindo que a vida, em toda a sua extensão, se realize. Por outro lado, os oprimidos, sem um processo de conscientização, retomam/hospedam-se no idealismo do opressor, nas atitudes fatalistas (docilidade, visão mágica/mítica). São condicionados a aceitar e viver numa situação de imersão, uma condição alienante, mas ainda considerada como verdadeira. Isto significa que são conduzidos a assumir o ideal do homem ilustre, de classe superior, promovendo a autodesvalia, o sentimento de inferioridade, de ser menos. Situar-se na condição de obediência à linguagem [mundo] do patrão. Paulo Freire vê, assim, a necessidade dos oprimidos em libertarem-se. Propõe uma concepção de educação inovadora para as questões de sua época: a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta não é possível uma relação dialógica, indispensável à congnoscibilidade dos sujeitos 8 cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível. (Freire, 2000, p. 68) A concepção problematizadora ou mesmo libertadora, de caráter reflexivo, exige o desvelamento da realidade. O ato de criar é um ato político que implica numa ação direta no mundo em que se vive. Portanto pensa um ser humano que emerge de uma situação de acomodação e passa a querer fazer parte do mundo em que vive, a tomar decisões, escrever sua história, enfim conscientizar-se de seu papel no mudo. Afirma ele: Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais serão desafiados. Tanto mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com os outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (Freire, 2000, p. 68) Desse modo a educação problematizadora se faz na dimensão da inconclusão do ser humano, num permanente processo de busca, de abertura, de procura. Não aceita a fatalidade e também não poder ser proposição do opressor. Necessita partir do oprimido. Se o objetivo é a busca pela restauração da humanidade de todos, tanto dos oprimidos, quanto dos opressores – libertação contínua, quem melhor que os oprimidos para compreender o significado da sociedade opressora, sentir seus efeitos e o significado da necessidade da libertação? Para Paulo a libertação não é um acaso. Exige conhecimento e reconhecimento da condição de oprimidos e de hospedeiros da consciência opressora. Nesse sentido, a palavra, o diálogo, a ação devem converter-ser numa ação conscientizadora, evitando o ativismo e o engodo populista de quem quer propor “uma libertação para” e não uma que parta dos oprimidos. O dado pronto acabado, [por exemplo, o ser humano considerado definitivamente educado], segundo essa proposta não existe. Cada homem, junto com outros homens, pode a cada tempo, em cada espaço, aprender e a reaprender os significados das coisas, dos fenômenos, etc. Portanto a existência do diálogo é fundamental neste processo. Conclui: O diálogo é esse encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o 9 direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que esse assalto desumano continue. (Freire, 2000, p. 78) Portanto a questão do diálogo ganha centralidade na proposição que Freire dá á questão levantada por ele: a humanização do homem e da mulher. Propõe o resgate da credulidade no ser humano, na sua capacidade de intervir, porque é crítico, aberto ao diálogo, pode expressar o pensar verdadeiro. Um pensar que toma a realidade como um conjunto de fatores que, por sua vez, se realiza no processo e, como escreve: “banha-se” permanentemente de temporalidade cujos riscos não teme (Freire, 2000: p. 82) Como ninguém se educa por si mesmo, mas em conjunto, o saber é valorizado. Um saber que parte de todos, advém de todos, tanto alunos como professores, educandos como educadores. Educam-se juntos. Nesta perspectiva de superação da educação bancária, enfatiza o caráter humanizador de sua proposta. Promover a humanização tem se tornado um elemento imprescindível na sua constante busca e luta por uma sociedade diferente. Por isso libertadora. Para ele: Os homens... ao terem a consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com o mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens ao contrário do animal, não somente vivem, mas existe, e sua existência é histórica. (Freire, 2000, p. 89) Isto implica na visão freireana sobre a linguagem. Entende que esta não pode ser desvinculada do processo social e político que se encontra. Possui também uma singularidade: produz ações que são estratégias utilizadas por homens e mulheres no desvelamento dos problemas encontrados neste mesmo contexto social e político. Reflexão e ação se constituem como dimensões da linguagem e são compreendidas de forma recíproca. Assim a linguagem significa um envolvimento com o agir humano no mundo, em busca de sua compreensão, apreensão e mudança. Caso houver algum tipo de dano a qualquer uma dessas dimensões, inevitavelmente ter-se-ia um comprometimento da outra, tornando o processo inviabilizado. Freire parte da compreensão de que o ser humano é sujeito. Seu papel no mundo se caracteriza pelo controle e pala mudança dos rumos de sua história, que não é individual, mas coletiva. Agindo no mundo, a partir da compreensão deste ele (o ser humano) transforma sua vida, seu destino. O aspecto crucial, portanto é o modo como se dá esta compreensão. A 10 conscientização é um processo de reconquista da própria linguagem onde homens e mulheres se percebem como seres que sentem a necessidade de aprender a ler o mundo, apreender o significado da palavra, no contexto em que ela é originada e sua relação existencial com as outras palavras. Esta compreensão está bastante evidente nos trabalhos iniciais de Freire e que persiste em sua trajetória. As palavras ou temas geradores propostos no Método de Alfabetização – Método Paulo Freire – acabam sempre possuindo um significado existencial para o grupo de alfabetizandos (as). Este significado tem a ver com o contexto de onde brotam os problemas vividos por estes (as) educandos (as). A base desta compreensão é uma teoria semântica específica onde a definição do significado se dá como algo que não é inerente à palavra. Esta possui apenas uma existência semântica potencial, que se torna real em contato com o contexto específico em que ela está inserida. O valor semântico da palavra, seu significado passa a depender das origens, valores, problemas, etc. encontrados/resgatados pelos (as) alfabetizandos (as) a partir das especificidades das condições locais e temporais, isto é, da história dessas pessoas. A relação entre linguagem, interação e realidade, amplamente compreendida em seus aspectos político, cultural, econômico e social, podem ser representadas pela dimensão dialógica ou antidialógica. O diálogo provoca um aumento da consciência do mundo, consciência esta que altera a interação das pessoas no mundo em que vivem enquanto que o antidiálogo gera a alienação, uma forma de opressão ao ser humano no seu projeto de humanizar-se. Para Freire a linguagem possui um papel fundamental no processo de conscientização, que é um processo onde as pessoas (segundo ele os oprimidos) conquistam e até reconquistam a capacidade de ler o mundo, isto é, uma conquista/reconquista da própria linguagem com o objetivo de constituir-se sujeito de sua realidade e de sua vocação ontológica, munidos de instrumentos, mecanismos e condições de definir sua inserção na história. O ato de nomear o mundo, dar significados às palavras, só pode existir/coexistir numa situação concreta. Tal significação não é restrita à palavra somente no âmbito se sua existência semântica (enquanto potência), mas se torna real a partir de um contexto real específico, marcado por situações cotidianas envoltas em conflitos existenciais. A pedagogia Freireana torna isso bastante claro. Ao propor um método de alfabetização pautado pelo diálogo, a partir de temas ou palavras que geram outras palavras e possibilidades de reflexão e compreensão observadas no âmbito das realidades vividas pelos/as alfabetizandos/as, acaba por relacionar de modo íntimo e singular a questão da linguagem e da realidade. 11 Com propósito de salientar a dimensão dialógica, quando Freire elabora e aplica em Angicos –Rn, o método de alfabetização de adultos e posteriormente a toma como ponto referencial em seus livros, pode-se perceber, ainda que num ensaio, que a abordagem freireana oferece um terreno fértil para pensar o processo educativo resgatando o processo dialógico com o objetivo maior de resolução dos problemas educacionais e, como resultado, permeia o processo de formação humana, possibilitando a prática da educação libertadora/problematizadora. Estaríamos talvez, numa perspectiva atual, resgatando a metodologia Socrática, utilizando para isso as contribuições de Freire. Assim o projeto de extensão “Filosofia e Filosofia da Educação na escola: uma reflexão-ação com alunos e professores das 8ª séries do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão - Colégio de Aplicação/UEL” avança no sentido de proporcionar aos estudantes da Universidade, bem como aos professores do Colégio um contato maior com os estudos freireanos. Referências bibliográficas DUROZOI, G., ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. 2. ed., tradução: Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1996. FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6. ed. Notas de Ana Maria Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ____. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ____. Pedagogia do oprimido. 29. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ____. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2001.