181 Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(3):181-188 ARTIGO ORIGINAL O Entendimento do Paciente sobre Hipertensão Arterial: uma Análise com Base no Risco Cardiovascular The Patient’s Knowledge about Hypertension: an Analysis Based on Cardiovascular Risk Helbert do Nascimento Lima1, Anderson Ricardo Roman Gonçalves1, Amanda Lewandowski da Silva2, Aline Fachin Olivo2, Thais Yuri Miura2, Lisiane Martins2 Universidade da Região de Joinville – Departamento de Medicina – Joinville, SC – Brasil Universidade da Região de Joinville – Curso de Medicina – Joinville, SC – Brasil 1 2 Resumo Fundamentos: O autoconhecimento da hipertensão arterial pode contribuir para seu melhor controle; no entanto, desconhece-se o quanto esse conhecimento é influenciado pela gravidade da própria doença. Objetivo: Avaliar o conhecimento de sujeitos com hipertensão arterial sistêmica sobre a própria doença com base no risco cardiovascular. Métodos: Estudo transversal, qualiquantitativo, com utilização de entrevista semiestruturada aplicada em 113 sujeitos com hipertensão, acompanhados em uma Unidade Básica de Saúde de Joinville, SC, Brasil. Dados socioeconômicos, antropométricos, laboratoriais e valores de pressão arterial foram considerados em cada grupo de risco cardiovascular, estratificados com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Resultados: A média de idade foi 57,8±10,0 anos, 64,0% de mulheres. A idade mais avançada, maior valor da pressão arterial sistólica e tempo de hipertensão, bem como a maior presença de diabetes, dislipidemia e tabagismo foram mais prevalentes no grupo de maior risco cardiovascular. O conhecimento envolvendo os fatores de risco e modificação do estilo de vida não foi diferente entre os grupos de risco cardiovascular. Apenas o conhecimento sobre as complicações associadas à hipertensão arterial foi menor no grupo de muito alto risco cardiovascular (p<0,001). Conclusão: O grupo de maior risco cardiovascular é aquele que evidencia maior desconhecimento sobre as complicações associadas à hipertensão arterial sistêmica. Palavras-chave: Hipertensão; Doenças cardiovasculares; Educação em saúde; Educação de pacientes como assunto Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Background: The patient’s knowledge about hypertension can contribute to the best control of it; however, the influence on such knowledge by the seriousness of the disease is unknown. Objective: Assessing the knowledge of individuals with arterial hypertension about their own disease based on the cardiovascular risk. Methods: Cross-sectional, quali-quantitative study, using semi-structured interview made with 113 individuals with hypertension, followed-up in a Basic Health Unit of Joinville, SC, Brazil. Social and economic, anthropometric, laboratorial data and blood pressure values were considered in each cardiovascular risk group, stratified based on the VI Brazilian Guidelines on Hypertension. Results: The mean age was of 57.8+10.0 years, 64.0% being women. The most advanced age, highest systolic blood pressure and hypertension time, as well as the higher rate of presence of diabetes, dyslipidemia and smoking were more predominant in the group with the highest cardiovascular risk. The knowledge about the risk factors and change in lifestyle was not different between the cardiovascular risk groups. Only the knowledge about the complications related to arterial hypertension was not as extensive in the group with very high cardiovascular risk (p<0.001). Conclusion: The group with the highest cardiovascular risk is the one showing the poorest knowledge about the complications related to hypertension. Keywords: Hypertension; Cardiovascular diseases; Health education; Patient education as topic Correspondência: Helbert do Nascimento Lima Rua Paulo Malschitzki, 10 – Bom Retiro – 89219-710 – Joinville, SC – Brasil E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20150027 Artigo recebido em 08/06/2015, aceito em 30/06/2015, revisado em 06/07/2015. 182 Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial Introdução Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma das doenças crônicas não transmissíveis de maior impacto no Brasil1. Cerca de 30,0% da população adulta brasileira é portadora de HAS, e a prevalência deve ainda aumentar com o crescente envelhecimento populacional2,3. Por outro lado, estima-se que menos de 30,0% dos indivíduos com HAS apresentem valores controlados da pressão arterial (PA)2,4. Apesar de alguns estudos apontarem que o melhor controle da HAS está associado ao maior conhecimento que os indivíduos têm sobre a doença5,6, pouco se sabe se o grau de conhecimento é influenciado pelo nível do risco cardiovascular (RCV) apresentado pelo indivíduo com HAS. ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS Considerando que a HAS se apresenta •HAS – hipertensão arterial de maneira assintomática na maior parte sistêmica dos pacientes, a adesão às medidas •IMC – índice de massa farmacológicas e não farmacológicas corpórea constitui-se um dos grandes desafios do •PA – pressão arterial tratamento dessa doença7. O aumento •RCV – risco cardiovascular do conhecimento em relação à HAS •UBS – Unidade Básica de tem sido associado com uma melhor Saúde adesão medicamentosa 8, a melhores respostas a programas de intervenção comportamental9 e melhor controle da PA6,10,11. Além disso, o conhecimento sobre os fatores de risco para a ocorrência de doenças cardiovasculares tem se correlacionado a indivíduos com um maior nível de escolaridade12. A habitual estratificação do RCV que é feita nos indivíduos com HAS tem como objetivo avaliar o risco para complicação clínica associada à HAS e definição de alvos terapêuticos a serem buscados13. No entanto, os estudos sobre o impacto do conhecimento da HAS sobre o seu controle não têm avaliado se o nível do conhecimento é modificado com base no RCV apresentado pelo paciente5,10,14-16. O presente estudo teve como objetivo avaliar o nível de conhecimento de pacientes hipertensos atendidos em uma unidade básica de saúde (UBS) com base na estratificação de RCV. Métodos Trata-se de um estudo descritivo, qualiquantitativo e transversal, realizado entre os meses de março e agosto de 2013, em Unidade Básica de Saúde (UBS) de Joinville, SC, Brasil. A população do estudo foi composta por Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original sujeitos de ambos os sexos, maiores de 18 anos e com diagnóstico de hipertensão prévia já em tratamento na própria UBS. A UBS em que foi realizado o estudo abrange uma população adulta, com mais de 20 anos, de 15 583 indivíduos, segundo dados locais da Secretaria Municipal de Saúde. Durante o período do estudo, os sujeitos foram incluídos de maneira consecutiva, após consulta médica de rotina, durante os seis meses de inclusão, com uma amostra não probabilística final composta por 113 indivíduos. O término de inclusão de sujeitos foi determinado com base na saturação teórica dos dados17 e presença de equilíbrio entre o número de participantes para cada grupo de RCV. Não houve recusas de sujeitos para participação no estudo e, considerando que todos os dados foram adequadamente coletados, não houve exclusão de participantes. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVILLE sob o nº 13514613.0.0000.5366 e todos os sujeitos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A entrevista e a coleta de dados ocorreram em sala reservada por um dos pesquisadores. Foram coletados os seguintes dados: estado civil, anos de escolaridade, tempo estimado do diagnóstico de HAS e nível econômico com base na Classificação Econômica Brasil18. Além disso, coletados dados referentes a comorbidades e fatores de risco associados a HAS para estratificação do RCV. Para a pressão arterial, considerou-se a média das duas últimas medidas registradas no prontuário do paciente, bem como o peso e a altura. Os resultados dos exames laboratoriais realizados até três meses prévios à data de inclusão também foram registrados. Considerando que os pacientes já estavam em tratamento medicamentoso, o que poderia dificultar a classificação do RCV com base nos níveis pressóricos, adotou-se o número de medicamentos para estratificar quanto ao estágio da HAS. Assim, pacientes em uso de um, dois, três ou mais antihipertensivos foram classificados, respectivamente, em estágio I, II e III de HAS com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13. No entanto, no caso de a média da pressão arterial demonstrar uma classificação superior ao número de medicamentos anti-hipertensivos, o valor médio da pressão arterial foi aquele considerado. De acordo com os fatores de risco ou complicações associadas à HAS e o estágio da PA, o RCV global foi estratificado em: baixo, médio, alto e muito alto risco. O conhecimento sobre HAS foi verificado por meio de entrevista semiestruturada previamente elaborada pelos Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original pesquisadores. Foram formuladas oito perguntas abertas que permitiam ao paciente se expressar sobre o assunto (Quadro 1). As entrevistas foram gravadas para posterior transcrição e análise. Análise estatística As questões 1, 2 e 3 foram analisadas utilizando-se análise do conteúdo, e as respostas agrupadas por frequência dentro de subcategorias previamente definidas para o presente estudo, conforme proposto por Minayo19 e Bardin20. Já as questões 4, 5, 6, 7 e 8 foram analisadas quanto ao seu conteúdo e categorizadas como corretas Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial ou incorretas/não sabe com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13. Os indivíduos pertencentes ao grupo de RCV baixo e médio foram agrupados em um mesmo grupo devido ao menor número de sujeitos pertencente ao grupo de baixo risco (n=17). As variáveis qualitativas foram expressas em frequências e porcentagens e as variáveis quantitativas em médias e desvios-padrão. Quando apropriado foi utilizado o teste do qui-quadrado e teste exato de Fisher para avaliar as variáveis qualitativas e o teste Kruskal-Wallis para avaliar as variáveis quantitativas. Os dados foram analisados utilizando-se o programa SPSS versão 19. Quadro 1 Perguntas utilizadas para avaliação do conhecimento sobre HAS 1. O que é pressão alta para você? 2. Como você ficou sabendo que tinha pressão alta? 3. O que você acha dos remédios para tratar a pressão? 4. O que pode causar pressão alta? 5. O que pode acontecer se você não tratar a pressão alta? 6. O que você deve cuidar na alimentação para controlar mais a pressão alta? 7. Você acha que o excesso de peso pode influenciar no tratamento da pressão? 8. Você acha que a pressão alta é para a vida toda? Resultados Entre os 113 indivíduos estudados, 64,0% eram do sexo feminino, com média de idade 57,8±10 anos. Cor branca predominante (96,5%) e 69,0% apresentavam união civil estável. As características gerais de cada grupo de RCV são apresentadas na Tabela 1. Entre os grupos de RCV houve diferença significativa com relação à média de idade, média da pressão arterial sistólica e tempo do diagnóstico de HAS. Já com relação às complicações associadas à HAS e aos demais fatores de risco, a presença de diabetes, dislipidemia e tabagismo foi significativamente diferente entre os grupos. Apesar de não haver diferença significativa entre o índice de massa corporal (IMC) entre os grupos de RCV, a média do IMC encontrada foi >25 kg/m². Os resultados dos exames laboratoriais de rotina demonstraram que os valores médios de glicose, colesterol total e colesterol LDL foram significativamente diferentes entre os grupos de RCV. Na questão 1, as respostas válidas foram agrupadas e quantificadas em seis subcategorias: sintomas, eventos cardiovasculares, alteração psicológica/emocional, fatores de risco para HAS, fatores circulatórios e inespecíficos. Nesta questão, a maior frequência de resposta dos indivíduos com baixo/médio RCV (27,0%) foi relacionada à subcategoria alteração psicológica/emocional (ansiedade, nervosismo, irritação). As frequências nas demais subcategorias foram: 21,0% para fatores de risco para HAS (sedentarismo, excesso de sal, velhice, alimentação errada); 21,0% para fatores circulatórios (sangue grosso/pesado, má circulação do sangue, uma força no coração); 12,5% relacionadas a sintomas (aceleração no coração, tontura, dor de cabeça, calorão); 12,5% para eventos cardiovasculares (derrame, veia entupida no coração) e 6,0% inespecíficos (tomar remédio, coisa perigosa, algo não funciona bem). Apenas 6,0% das respostas relacionaram a pergunta 1 com os valores de pressão arterial neste grupo de RCV. 183 184 Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original Tabela 1 Características da população estudada por grupos de risco cardiovascular (n=113) Baixo/Médio risco n=49 Alto risco n=32 Muito alto risco n=32 Valor p Sexo masculino n (%) 13 (26,5) 16 (50,0) 12 (37,5) 0,098a Idade (anos) média±DP 54,7±9,0 58,9±10,2 60±12,3 0,016c Brancos n (%) 49 (100,0) 31 (97,0) 29 (91,0) 0,082b Casado n (%) 47 (76,0) 23 (72,0) 19 (59,0) 0,249a Escolaridade média±DP 6,5±3,0 5,6±3,5 5,8±4,1 0,173d IMC (kg/m²) média±DP 29,2±5,0 30,2±5,3 28,8±5,2 0,480c PAS (mmHg) média±DP 132,7±14,3 143,6±20,2 141,7±21,0 0,012d PAD (mmHg) média±DP 83,1±9,1 86,3±12,4 84,6±15,0 0,526d < 5 anos 27 (55,0) 11 (34,0) 10 (31,0) 5-10 anos 14 (29,0) 6 (19,0) 9 (28,0) >10 anos 8 (16,0) 15 (47,0) 13 (41,0) B1, B2 e C1 42 (68,0) 18 (56,0) 24 (75,0) C2, E e D 20 (32,0) 14 (44,0) 8 (25,0) Não Fuma 42 (68,0) 14 (44,0) 11 (34,0) Atual/Ex 20 (32,0) 18 (56,0) 21 (66,0) 0 (0,0) 20 (62,5) 11 (34,0) <0,001a Dislipidemia n (%) 25 (51,0) 26(81,0) 19 (59,0) 0,022a HF DCV n (%) 6 (12,0) 8 (25,0) 10 (31,0) 0,102a AVE n (%) 0 (0,0) 0 (0,0) 6 (19,0) Cardiopatia n (%) 0 (0,0) 0 (0,0) 11 (35,0) DRC n (%) 0 (0,0) 0 (0,0) 7 (25,0) DAP n (%) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,0) Glicose (mg/dL) 96,7±16,2 146,1±67,6 132,9±69,3 <0,001d Colesterol total (mg/dL) 199,1±30,2 211,1±55,3 182,4±43,5 0,002c HDL (mg/dL) 48,7±11,6 48,5±14,3 46,5±9,2 0,701d LDL (mg/dL) 120,3±26,4 102,3±35,2 102,3±24,4 0,008c Triglicerídeos (mg/dL) 151,6±75,3 181,4±120,6 164,2±105,4 0,737d TFGe (ml/min/1,73m²) 81,2±20,3 83,9±17,3 74,5±19,2 0,132d Variáveis Tempo de HAS n (%) 0,028a Classe econômica n (%) 0,273a Tabagismo n (%) Diabetes n (%) 0,004a Exames média±DP teste do qui-quadrado; b teste exato de Fischer; c ANOVA; dteste de Kruskal-Wallis IMC – índice de massa corporal; PAS – pressão arterial sistólica; PAD – pressão arterial diastólica; HAS – hipertensão arterial sistêmica; HF DCV – história familiar para doença cardiovascular; AVE – acidente vascular encefálico; DRC – doença renal crônica; DAP – doença arterial periférica; HDL – lipoproteína de alta densidade; LDL – lipoproteína de baixa intensidade; TFGe – taxa de filtração glomerular estimada; DP – desvio-padrão a Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial Já no grupo de alto RCV, a maior frequência de respostas (28,0%) foi associada a fatores de risco para HAS (obesidade, alimentação errada, sal, idade). As frequências nas demais subcategorias foram: 25,0% para fatores circulatórios, 19,0% para sintomas, 16,0% para alteração psicológica/emocional, 6,0% para eventos cardiovasculares e 6,0% para inespecíficos. No grupo de muito alto RCV, as respostas mais frequentes estavam na subcategoria evento cardiovascular (29,0%), principalmente doença cardíaca e/ou acidente vascular encefálico. Curiosamente, neste grupo, a subcategoria mais frequente ─ evento cardiovascular ─ era também um achado prevalente neste grupo, que os classificava como de muito alto RCV. As frequências nas demais subcategorias neste grupo foram: 24,0% para alteração psicológica/emocional, 19,0% para fatores circulatórios, 14,0% para sintomas e 14,0% para fatores de risco para HAS. Nenhum dos sujeitos dos grupos de alto e muito alto RCV relacionou a pergunta 1 com valores de pressão arterial. Não houve diferença significativa nas frequências encontradas em cada uma das subcategorias das respostas obtidas nesta questão entre os grupos de RCV (p>0,05). Entre todos os participantes, 11 (22,0%) do grupo de baixo/médio RCV, 8 (25,0%) do alto RCV e 9 (28,0%) do grupo de muito alto RCV não forneceram quaisquer respostas à pergunta 1. Quanto à pergunta 2, a maioria dos pacientes (79,5% baixo/médio risco, 84,0% alto risco e 81,0% muito alto risco) teve o diagnóstico de HAS estabelecido em ambiente de saúde (posto, pronto atendimento ou hospital), devido à presença de algum sintoma (cefaleia ou tontura): 58,0% no grupo de baixo/médio RCV, 41,0% no grupo de alto RCV e 51,0% no grupo de muito alto RCV. Em relação à pergunta 3, referente às medicações para HAS, a maioria descreveu um sentimento positivo/de confiança quanto ao efeito benéfico da medicação entre os grupos de RCV (78,5% baixo/médio risco, 84,0% alto risco e 78,0% muito alto risco). Porém foram encontradas algumas respostas negativas que sugeriam o descrédito da medicação. As questões que foram analisadas com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13 estão apresentadas na Tabela 2. Não houve diferença significativa quanto ao conhecimento dos fatores de risco que podem causar HAS entre os grupos de RCV (pergunta 4), percebendo-se percentual elevado de desconhecimento nos diferentes grupos. Tabela 2 Frequência das respostas da população estudada referentes às questões sobre HAS, por grupos de risco cardiovascular Baixo/Médio RCV (n=49) n (%) Perguntas O que pode causar pressão alta? O que pode acontecer se você não tratar a pressão alta? O que você deve cuidar na alimentação para controlar mais a pressão alta? Você acha que o excesso de peso pode influenciar na pressão alta? Você acha que a pressão alta é para toda a vida? Alto RCV Muito Alto RCV (n=32) (n=32) Valor p* n (%) n (%) Correto 28 (57,0) 18 (56,0) 14 (44,0) Errado/Não Sabe 21 (43,0) 14 (44,0) 18 (56,0) Correto 49 (100,0) 30 (94,0) 20 (62,5) 0 (0,0) 2 (6,0) 12 (37,5) 48 (98,0) 29 (91,0) 30 (94,0) 1 (2,0) 3 (9,0) 2 (6,0) Sim (correto) 43 (88,0) 26 (81,0) 25 (78,0) Não (errado) 6 (12,0) 6 (19,0) 7 (22,0) Sim (correto) 34 (69,0) 22 (69,0) 20 (62,5) Não (errado) 15 (31,0) 10 (31,0) 12 (37,5) Errado/Não Sabe Correto Errado/Não Sabe 0,456 <0,001 0,341 0,491 0,796 HAS – hipertensão arterial sistêmica; RCV – risco cardiovascular; *Teste do qui-quadrado 185 186 Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original Quanto às complicações associadas à HAS, houve maior conhecimento entre os indivíduos de baixo/médio RCV em relação aos de muito alto risco. Já com relação ao excesso de peso e ao percentual elevado de conhecimento sobre o assunto, porém sem diferença significativa entre os grupos. Quanto à cronicidade da HAS, cerca de 1/3 de todos os grupos de RCV acreditava que a doença não era para toda a vida. Em análise posterior foi avaliado o conhecimento sobre a influência do peso no controle da HAS (pergunta 7) entre os indivíduos com IMC ≥30 kg/m² (aproximação da mediana do IMC de 29). Os indivíduos de maior peso apresentaram maior conhecimento sobre a influência da obesidade no controle da PA (n=47; 94,0% com IMC ≥30 kg/m2 vs. n=47; 75,0% com IMC <30 kg/m2 (p=0,013). Foram avaliadas também as respostas corretas às questões de 4 a 8 (analisadas com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13) entre os indivíduos que apresentavam pressão arterial controlada (≤140/90 mmHg, 59,0% da amostra), não tendo sido encontrada diferença significativa (Tabela 3). Tabela 3 Entendimento sobre hipertensão arterial de acordo com os grupos com e sem controle da PA Todas as respostas corretas Perguntas 4 a 8 Pressão arterial controlada (n=67) Pressão arterial não controlada (n=46) Sim n (%) 21 (31,0) 11 (24,0) Não n(%) 46 (69,0) 35 (76,0) Valor p* 0,516 * teste do qui-quadrado; PA – pressão arterial Discussão Acredita-se que este seja o primeiro estudo brasileiro a avaliar a associação do nível de conhecimento com base no RCV apresentado entre indivíduos com HAS. O presente estudo revelou um baixo nível de conhecimento sobre os fatores de risco associados à ocorrência de HAS, independente do grupo de risco CV. Apenas o conhecimento sobre as consequências relacionadas ao abandono do tratamento da HAS apresentou-se significativamente maior entre os indivíduos de menor RCV. Considerando a estratificação de RCV proposta pelas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13 os indivíduos com maior RCV no presente estudo eram mais idosos, com maior prevalência de tabagismo, dislipidemia, diabetes, bem como condições clínicas associadas à HAS. Essas características eram esperadas, uma vez que a HAS é uma doença crônica cuja prevalência aumenta com o envelhecimento populacional21. Apesar de existir uma correlação inversa entre o nível de escolaridade e a prevalência de doenças crônicas, tais como diabetes e HAS15,22, bem como a presença de fatores de risco modificáveis15,22, o nível de escolaridade não se relacionou com o RCV nos indivíduos com HAS, no presente estudo. Da mesma forma, o nível econômico não demonstrou correlação com maior RCV. Tais achados podem estar relacionados com a homogeneidade dessas variáveis (nível de escolaridade e nível econômico) na amostra estudada, uma vez que pertenciam a uma área urbana formada por pessoas de baixa renda. Embora exista maior prevalência de PA controlada (58,0%, Tabela 3), a média do IMC em todos os grupos de RCV foi acima do alvo desejado13, demonstrando ser uma importante questão dentro dos fatores de risco modificáveis desta amostra. As questões analisadas quanto ao seu conteúdo (questões de 1 a 3) evidenciaram que a HAS é compreendida nas categorias de RCV com base nos fatores que podem transitoriamente aumentar a PA (ansiedade e estresse, no grupo de menor RCV) ou de suas consequências (evento cardíaco, no grupo de maior RCV). Interessante notar que nenhum participante associou a HAS a valores definidos de PA e houve grande associação da descoberta da HAS com a presença de sintomas. Considerando que a presença de sintomas não necessariamente está associada aos valores de PA nos indivíduos com HAS crônica, a dificuldade e um maior incentivo da população local para verificar sua pressão, Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original mesmo na ausência de sintomas, devem ser analisados em trabalhos futuros. Já com relação às medicações, houve alto índice de postura positiva frente ao uso das mesmas, apesar de o presente estudo não ter avaliado a adesão. Estudos realizados em populações de baixa renda nos Estados Unidos também demonstraram que fatores psicológicos, tais como estresse e nervosismo, poderiam ser os causadores de HAS, porém de caráter intermitente, entendendo assim a HAS como uma doença crônica23. Dressler e Santos24, em sua revisão sobre as dimensões culturais e sociais da HAS no Brasil, apontam também o modelo dos fatores estressores e psicológicos no entendimento da causa da HAS entre os brasileiros. No entanto, no presente estudo, percebeu-se que esse modelo se modifica com o aumento do RCV associado à HAS. Para os indivíduos com muito alto RCV, muitos já com uma condição clínica associada à hipertensão, a consequência da HAS (infarto ou acidente vascular encefálico) foi associada como significado da HAS para estes sujeitos. Entre as perguntas analisadas quantitativamente e comparadas entre os grupos de RCV, apenas o conhecimento relacionado às complicações da HAS foi significativamente diferente entre os grupos. Curiosamente os indivíduos com muito alto RCV apresentavam menor conhecimento sobre as complicações associadas à HAS. Este achado aponta que podem existir falhas na comunicação entre a equipe assistencial e o paciente no que diz respeito à informação relacionada a sua doença, principalmente no paciente já com evento cardiovascular. Muitos pacientes podem se manter sem o conhecimento necessário de sua doença por falta de um espaço acolhedor para expor suas dúvidas23. O conhecimento sobre a doença apresentado pelo indivíduo portador de HAS tem sido associado com melhor controle dos níveis de PA 6,10,11,15. De forma semelhante, o maior nível de conhecimento sobre HAS tem sido associado a uma melhor adesão medicamentosa ao tratamento 8,15. Apesar de o presente estudo não ter avaliado a adesão, a presença de PA controlada (≤140/90 mmHg), mesmo em maior percentagem em relação a outros estudos2,4, não demonstrou associação a um maior nível de conhecimento sobre HAS em análise posterior. Curiosamente, o maior número de indivíduos que reconheciam a obesidade como um fator prejudicial ao controle da PA, encontrava-se no grupo com maior IMC. Este achado sugere que o conhecimento não é apenas o Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial único elemento necessário para propiciar uma mudança de hábito, no que se refere à obesidade, controle de dieta e implementação de atividade física regular. O presente estudo apresenta algumas limitações e características metodológicas que devem ser consideradas em relação à validação externa dos resultados. Para que houvesse um número equilibrado de participantes em cada grupo de RCV, os autores necessitaram previamente às análises das respostas, estratificar os sujeitos da amostra com base no seu RCV. Dessa forma não houve “cegamento” dos pesquisadores com relação ao grupo de risco a que pertencia cada sujeito. No entanto, considerando que a análise do conteúdo foi limitada à comparação das frequências das subcategorias sem outras inferências relacionadas ao conteúdo do discurso, acredita-se que a falta de “cegamento” não tenha comprometido os resultados. Outro fator que pode limitar a extrapolação dos dados foi o emprego do número de anti-hipertensivos para classificar o estágio de pressão arterial. Sabe-se que os valores para cada estágio de HAS são arbitrários e a classificação empregada tem sua melhor utilização naqueles pacientes sem tratamento medicamentoso. No entanto, para se estimar os valores prévios ao início do tratamento medicamentoso arbitrou-se o número de medicações como uma forma de estimar o estágio de pressão inicial. Cabe lembrar que a estratificação global de risco cardiovascular não considera apenas os valores de pressão arterial, e para os casos em que o valor médio de pressão indicava um estágio de pressão arterial maior ao da medicação, utilizou-se o primeiro. Também considerando que os grupos de risco mais sensíveis aos valores de pressão arterial, baixo e médio risco foram agrupados, acredita-se que tenha sido possível minimizar quaisquer vieses de seleção. Além disso, apesar de as perguntas formuladas no presente estudo terem sido embasadas e adaptadas de outros trabalhos 5,16-18 formulados para avaliar o conhecimento a respeito de HAS, uma vez que não se dispõe de questionário brasileiro padronizado e validado para tal, mesmo assim as questões não foram previamente testadas em outros estudos. Reconhece-se que a metodologia empregada neste estudo não explorou abrangentemente as expectativas ou ideias que os sujeitos da pesquisa poderiam expor com relação a sua doença, uma vez que apenas nas primeiras três perguntas tal metodologia de análise do discurso foi empregada. Por outro lado, a escolha por se manter o emprego de entrevista semiestruturada e analisar as respostas como corretas ou incorretas, permitiu uma maior confiabilidade 187 188 Lima et al. Autoconhecimento da Hipertensão Arterial dos pesquisadores quanto ao real entendimento da HAS com base nas perguntas realizadas. Isto porque o pesquisador esclarecia as perguntas quando percebia qualquer dúvida na compreensão do entrevistado, mantendo sua imparcialidade. Dessa forma, através dessa metodologia, o risco de respostas sem uma real compreensão por parte do sujeito com reconhecida baixa escolaridade foi minimizada frente ao uso de questionários fechados, instrumento habitualmente empregado. Conclusão O conhecimento sobre os fatores de risco e aspectos relacionados à modificação do estilo de vida é semelhante Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188 Artigo Original entre indivíduos hipertensos de diferentes RCV. Apenas o conhecimento sobre as complicações associadas à HAS demonstrou ser menor entre os indivíduos hipertensos com maior RCV. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. 2. Rosário TM, Scala LC, França GV, Pereira MR, Jardim PC. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres, MT. Arq Bras Card. 2009;93(6):672-8. 3. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. Arq Bras Card. 2008;91(1):29-35. 4. Pereira M, Lunet N, Azevedo A, Barros H. Differences in prevalence, awareness, treatment and control of hypertension between developing and developed countries. J Hypertension. 2009;27(5):963-75. 5. Han HR, Chan K, Song H, Nguyen T, Lee JE, Kim MT. 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