O Entendimento do Paciente sobre Hipertensão Arterial: uma

Propaganda
181
Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(3):181-188
ARTIGO ORIGINAL
O Entendimento do Paciente sobre Hipertensão Arterial:
uma Análise com Base no Risco Cardiovascular
The Patient’s Knowledge about Hypertension: an Analysis Based on Cardiovascular Risk
Helbert do Nascimento Lima1, Anderson Ricardo Roman Gonçalves1, Amanda Lewandowski da Silva2,
Aline Fachin Olivo2, Thais Yuri Miura2, Lisiane Martins2
Universidade da Região de Joinville – Departamento de Medicina – Joinville, SC – Brasil
Universidade da Região de Joinville – Curso de Medicina – Joinville, SC – Brasil
1
2
Resumo
Fundamentos: O autoconhecimento da hipertensão arterial pode contribuir para seu melhor controle; no entanto,
desconhece-se o quanto esse conhecimento é influenciado pela gravidade da própria doença.
Objetivo: Avaliar o conhecimento de sujeitos com hipertensão arterial sistêmica sobre a própria doença com base
no risco cardiovascular.
Métodos: Estudo transversal, qualiquantitativo, com utilização de entrevista semiestruturada aplicada em
113 sujeitos com hipertensão, acompanhados em uma Unidade Básica de Saúde de Joinville, SC, Brasil. Dados
socioeconômicos, antropométricos, laboratoriais e valores de pressão arterial foram considerados em cada grupo
de risco cardiovascular, estratificados com base nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial.
Resultados: A média de idade foi 57,8±10,0 anos, 64,0% de mulheres. A idade mais avançada, maior valor da
pressão arterial sistólica e tempo de hipertensão, bem como a maior presença de diabetes, dislipidemia e tabagismo
foram mais prevalentes no grupo de maior risco cardiovascular. O conhecimento envolvendo os fatores de risco
e modificação do estilo de vida não foi diferente entre os grupos de risco cardiovascular. Apenas o conhecimento
sobre as complicações associadas à hipertensão arterial foi menor no grupo de muito alto risco cardiovascular
(p<0,001).
Conclusão: O grupo de maior risco cardiovascular é aquele que evidencia maior desconhecimento sobre as
complicações associadas à hipertensão arterial sistêmica.
Palavras-chave: Hipertensão; Doenças cardiovasculares; Educação em saúde; Educação de pacientes como assunto
Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org)
Background: The patient’s knowledge about hypertension can contribute to the best control of it; however, the influence on such
knowledge by the seriousness of the disease is unknown.
Objective: Assessing the knowledge of individuals with arterial hypertension about their own disease based on the cardiovascular risk.
Methods: Cross-sectional, quali-quantitative study, using semi-structured interview made with 113 individuals with hypertension,
followed-up in a Basic Health Unit of Joinville, SC, Brazil. Social and economic, anthropometric, laboratorial data and blood pressure
values were considered in each cardiovascular risk group, stratified based on the VI Brazilian Guidelines on Hypertension.
Results: The mean age was of 57.8+10.0 years, 64.0% being women. The most advanced age, highest systolic blood pressure and
hypertension time, as well as the higher rate of presence of diabetes, dyslipidemia and smoking were more predominant in the group
with the highest cardiovascular risk. The knowledge about the risk factors and change in lifestyle was not different between the
cardiovascular risk groups. Only the knowledge about the complications related to arterial hypertension was not as extensive in the
group with very high cardiovascular risk (p<0.001).
Conclusion: The group with the highest cardiovascular risk is the one showing the poorest knowledge about the complications
related to hypertension.
Keywords: Hypertension; Cardiovascular diseases; Health education; Patient education as topic
Correspondência: Helbert do Nascimento Lima
Rua Paulo Malschitzki, 10 – Bom Retiro – 89219-710 – Joinville, SC – Brasil
E-mail: [email protected]
DOI: 10.5935/2359-4802.20150027
Artigo recebido em 08/06/2015, aceito em 30/06/2015, revisado em 06/07/2015.
182
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
Introdução
Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma das doenças
crônicas não transmissíveis de maior impacto no Brasil1.
Cerca de 30,0% da população adulta brasileira é
portadora de HAS, e a prevalência deve ainda aumentar
com o crescente envelhecimento populacional2,3. Por
outro lado, estima-se que menos de 30,0% dos indivíduos
com HAS apresentem valores controlados da pressão
arterial (PA)2,4.
Apesar de alguns estudos apontarem que o melhor
controle da HAS está associado ao maior conhecimento
que os indivíduos têm sobre a doença5,6, pouco se sabe
se o grau de conhecimento é influenciado pelo nível do
risco cardiovascular (RCV) apresentado
pelo indivíduo com HAS.
ABREVIATURAS E
ACRÔNIMOS
Considerando que a HAS se apresenta
•HAS – hipertensão arterial
de maneira assintomática na maior parte
sistêmica
dos pacientes, a adesão às medidas
•IMC – índice de massa
farmacológicas e não farmacológicas
corpórea
constitui-se um dos grandes desafios do
•PA – pressão arterial
tratamento dessa doença7. O aumento
•RCV – risco cardiovascular
do conhecimento em relação à HAS
•UBS – Unidade Básica de
tem sido associado com uma melhor
Saúde
adesão medicamentosa 8, a melhores
respostas a programas de intervenção
comportamental9 e melhor controle da PA6,10,11. Além
disso, o conhecimento sobre os fatores de risco para a
ocorrência de doenças cardiovasculares tem se
correlacionado a indivíduos com um maior nível de
escolaridade12.
A habitual estratificação do RCV que é feita nos
indivíduos com HAS tem como objetivo avaliar o risco
para complicação clínica associada à HAS e definição de
alvos terapêuticos a serem buscados13. No entanto, os
estudos sobre o impacto do conhecimento da HAS sobre
o seu controle não têm avaliado se o nível do conhecimento
é modificado com base no RCV apresentado pelo
paciente5,10,14-16. O presente estudo teve como objetivo
avaliar o nível de conhecimento de pacientes hipertensos
atendidos em uma unidade básica de saúde (UBS) com
base na estratificação de RCV.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo, qualiquantitativo e
transversal, realizado entre os meses de março e agosto
de 2013, em Unidade Básica de Saúde (UBS) de Joinville,
SC, Brasil. A população do estudo foi composta por
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
sujeitos de ambos os sexos, maiores de 18 anos e com
diagnóstico de hipertensão prévia já em tratamento na
própria UBS. A UBS em que foi realizado o estudo
abrange uma população adulta, com mais de 20 anos, de
15 583 indivíduos, segundo dados locais da Secretaria
Municipal de Saúde. Durante o período do estudo, os
sujeitos foram incluídos de maneira consecutiva, após
consulta médica de rotina, durante os seis meses de
inclusão, com uma amostra não probabilística final
composta por 113 indivíduos. O término de inclusão de
sujeitos foi determinado com base na saturação teórica
dos dados17 e presença de equilíbrio entre o número de
participantes para cada grupo de RCV. Não houve
recusas de sujeitos para participação no estudo e,
considerando que todos os dados foram adequadamente
coletados, não houve exclusão de participantes.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da UNIVILLE sob o nº 13514613.0.0000.5366 e
todos os sujeitos participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
A entrevista e a coleta de dados ocorreram em sala
reservada por um dos pesquisadores. Foram coletados
os seguintes dados: estado civil, anos de escolaridade,
tempo estimado do diagnóstico de HAS e nível
econômico com base na Classificação Econômica Brasil18.
Além disso, coletados dados referentes a comorbidades
e fatores de risco associados a HAS para estratificação
do RCV.
Para a pressão arterial, considerou-se a média das duas
últimas medidas registradas no prontuário do paciente,
bem como o peso e a altura. Os resultados dos exames
laboratoriais realizados até três meses prévios à data de
inclusão também foram registrados. Considerando que
os pacientes já estavam em tratamento medicamentoso,
o que poderia dificultar a classificação do RCV com base
nos níveis pressóricos, adotou-se o número de
medicamentos para estratificar quanto ao estágio da HAS.
Assim, pacientes em uso de um, dois, três ou mais antihipertensivos foram classificados, respectivamente, em
estágio I, II e III de HAS com base nas VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão13. No entanto, no caso de a
média da pressão arterial demonstrar uma classificação
superior ao número de medicamentos anti-hipertensivos,
o valor médio da pressão arterial foi aquele considerado.
De acordo com os fatores de risco ou complicações
associadas à HAS e o estágio da PA, o RCV global foi
estratificado em: baixo, médio, alto e muito alto risco.
O conhecimento sobre HAS foi verificado por meio de
entrevista semiestruturada previamente elaborada pelos
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
pesquisadores. Foram formuladas oito perguntas abertas
que permitiam ao paciente se expressar sobre o assunto
(Quadro 1). As entrevistas foram gravadas para posterior
transcrição e análise.
Análise estatística
As questões 1, 2 e 3 foram analisadas utilizando-se análise
do conteúdo, e as respostas agrupadas por frequência
dentro de subcategorias previamente definidas para o
presente estudo, conforme proposto por Minayo19 e
Bardin20. Já as questões 4, 5, 6, 7 e 8 foram analisadas
quanto ao seu conteúdo e categorizadas como corretas
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
ou incorretas/não sabe com base nas VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão13. Os indivíduos pertencentes
ao grupo de RCV baixo e médio foram agrupados em
um mesmo grupo devido ao menor número de sujeitos
pertencente ao grupo de baixo risco (n=17).
As variáveis qualitativas foram expressas em frequências
e porcentagens e as variáveis quantitativas em médias e
desvios-padrão. Quando apropriado foi utilizado o teste
do qui-quadrado e teste exato de Fisher para avaliar as
variáveis qualitativas e o teste Kruskal-Wallis para avaliar
as variáveis quantitativas. Os dados foram analisados
utilizando-se o programa SPSS versão 19.
Quadro 1
Perguntas utilizadas para avaliação do conhecimento sobre HAS
1. O que é pressão alta para você?
2. Como você ficou sabendo que tinha pressão alta?
3. O que você acha dos remédios para tratar a pressão?
4. O que pode causar pressão alta?
5. O que pode acontecer se você não tratar a pressão alta?
6. O que você deve cuidar na alimentação para controlar mais a pressão alta?
7. Você acha que o excesso de peso pode influenciar no tratamento da pressão?
8. Você acha que a pressão alta é para a vida toda?
Resultados
Entre os 113 indivíduos estudados, 64,0% eram do sexo
feminino, com média de idade 57,8±10 anos. Cor branca
predominante (96,5%) e 69,0% apresentavam união civil
estável. As características gerais de cada grupo de RCV
são apresentadas na Tabela 1.
Entre os grupos de RCV houve diferença significativa
com relação à média de idade, média da pressão arterial
sistólica e tempo do diagnóstico de HAS. Já com relação
às complicações associadas à HAS e aos demais fatores
de risco, a presença de diabetes, dislipidemia e tabagismo
foi significativamente diferente entre os grupos. Apesar
de não haver diferença significativa entre o índice de
massa corporal (IMC) entre os grupos de RCV, a média
do IMC encontrada foi >25 kg/m².
Os resultados dos exames laboratoriais de rotina
demonstraram que os valores médios de glicose,
colesterol total e colesterol LDL foram significativamente
diferentes entre os grupos de RCV.
Na questão 1, as respostas válidas foram agrupadas e
quantificadas em seis subcategorias: sintomas, eventos
cardiovasculares, alteração psicológica/emocional, fatores
de risco para HAS, fatores circulatórios e inespecíficos.
Nesta questão, a maior frequência de resposta dos
indivíduos com baixo/médio RCV (27,0%) foi relacionada
à subcategoria alteração psicológica/emocional (ansiedade,
nervosismo, irritação). As frequências nas demais
subcategorias foram: 21,0% para fatores de risco para HAS
(sedentarismo, excesso de sal, velhice, alimentação errada);
21,0% para fatores circulatórios (sangue grosso/pesado, má
circulação do sangue, uma força no coração); 12,5% relacionadas
a sintomas (aceleração no coração, tontura, dor de cabeça,
calorão); 12,5% para eventos cardiovasculares (derrame, veia
entupida no coração) e 6,0% inespecíficos (tomar remédio,
coisa perigosa, algo não funciona bem). Apenas 6,0% das
respostas relacionaram a pergunta 1 com os valores de
pressão arterial neste grupo de RCV.
183
184
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
Tabela 1
Características da população estudada por grupos de risco cardiovascular (n=113)
Baixo/Médio risco
n=49
Alto risco
n=32
Muito alto risco
n=32
Valor p
Sexo masculino n (%)
13 (26,5)
16 (50,0)
12 (37,5)
0,098a
Idade (anos) média±DP
54,7±9,0
58,9±10,2
60±12,3
0,016c
Brancos n (%)
49 (100,0)
31 (97,0)
29 (91,0)
0,082b
Casado n (%)
47 (76,0)
23 (72,0)
19 (59,0)
0,249a
Escolaridade média±DP
6,5±3,0
5,6±3,5
5,8±4,1
0,173d
IMC (kg/m²) média±DP
29,2±5,0
30,2±5,3
28,8±5,2
0,480c
PAS (mmHg) média±DP
132,7±14,3
143,6±20,2
141,7±21,0
0,012d
PAD (mmHg) média±DP
83,1±9,1
86,3±12,4
84,6±15,0
0,526d
< 5 anos
27 (55,0)
11 (34,0)
10 (31,0)
5-10 anos
14 (29,0)
6 (19,0)
9 (28,0)
>10 anos
8 (16,0)
15 (47,0)
13 (41,0)
B1, B2 e C1
42 (68,0)
18 (56,0)
24 (75,0)
C2, E e D
20 (32,0)
14 (44,0)
8 (25,0)
Não Fuma
42 (68,0)
14 (44,0)
11 (34,0)
Atual/Ex
20 (32,0)
18 (56,0)
21 (66,0)
0 (0,0)
20 (62,5)
11 (34,0)
<0,001a
Dislipidemia n (%)
25 (51,0)
26(81,0)
19 (59,0)
0,022a
HF DCV n (%)
6 (12,0)
8 (25,0)
10 (31,0)
0,102a
AVE n (%)
0 (0,0)
0 (0,0)
6 (19,0)
Cardiopatia n (%)
0 (0,0)
0 (0,0)
11 (35,0)
DRC n (%)
0 (0,0)
0 (0,0)
7 (25,0)
DAP n (%)
0 (0,0)
0 (0,0)
1 (3,0)
Glicose (mg/dL)
96,7±16,2
146,1±67,6
132,9±69,3
<0,001d
Colesterol total (mg/dL)
199,1±30,2
211,1±55,3
182,4±43,5
0,002c
HDL (mg/dL)
48,7±11,6
48,5±14,3
46,5±9,2
0,701d
LDL (mg/dL)
120,3±26,4
102,3±35,2
102,3±24,4
0,008c
Triglicerídeos (mg/dL)
151,6±75,3
181,4±120,6
164,2±105,4
0,737d
TFGe (ml/min/1,73m²)
81,2±20,3
83,9±17,3
74,5±19,2
0,132d
Variáveis
Tempo de HAS n (%)
0,028a
Classe econômica n (%)
0,273a
Tabagismo n (%)
Diabetes n (%)
0,004a
Exames média±DP
teste do qui-quadrado; b teste exato de Fischer; c ANOVA; dteste de Kruskal-Wallis
IMC – índice de massa corporal; PAS – pressão arterial sistólica; PAD – pressão arterial diastólica; HAS – hipertensão arterial sistêmica;
HF DCV – história familiar para doença cardiovascular; AVE – acidente vascular encefálico; DRC – doença renal crônica; DAP – doença
arterial periférica; HDL – lipoproteína de alta densidade; LDL – lipoproteína de baixa intensidade; TFGe – taxa de filtração glomerular
estimada; DP – desvio-padrão
a
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
Já no grupo de alto RCV, a maior frequência de respostas
(28,0%) foi associada a fatores de risco para HAS
(obesidade, alimentação errada, sal, idade). As frequências
nas demais subcategorias foram: 25,0% para fatores
circulatórios, 19,0% para sintomas, 16,0% para alteração
psicológica/emocional, 6,0% para eventos
cardiovasculares e 6,0% para inespecíficos.
No grupo de muito alto RCV, as respostas mais
frequentes estavam na subcategoria evento cardiovascular
(29,0%), principalmente doença cardíaca e/ou acidente
vascular encefálico. Curiosamente, neste grupo, a
subcategoria mais frequente ─ evento cardiovascular ─
era também um achado prevalente neste grupo, que os
classificava como de muito alto RCV. As frequências nas
demais subcategorias neste grupo foram: 24,0% para
alteração psicológica/emocional, 19,0% para fatores
circulatórios, 14,0% para sintomas e 14,0% para fatores
de risco para HAS. Nenhum dos sujeitos dos grupos de
alto e muito alto RCV relacionou a pergunta 1 com valores
de pressão arterial.
Não houve diferença significativa nas frequências
encontradas em cada uma das subcategorias das
respostas obtidas nesta questão entre os grupos de RCV
(p>0,05). Entre todos os participantes, 11 (22,0%) do
grupo de baixo/médio RCV, 8 (25,0%) do alto RCV e
9 (28,0%) do grupo de muito alto RCV não forneceram
quaisquer respostas à pergunta 1.
Quanto à pergunta 2, a maioria dos pacientes
(79,5% baixo/médio risco, 84,0% alto risco e 81,0% muito
alto risco) teve o diagnóstico de HAS estabelecido em
ambiente de saúde (posto, pronto atendimento ou
hospital), devido à presença de algum sintoma (cefaleia ou
tontura): 58,0% no grupo de baixo/médio RCV, 41,0% no
grupo de alto RCV e 51,0% no grupo de muito alto RCV.
Em relação à pergunta 3, referente às medicações para
HAS, a maioria descreveu um sentimento positivo/de
confiança quanto ao efeito benéfico da medicação entre
os grupos de RCV (78,5% baixo/médio risco, 84,0% alto
risco e 78,0% muito alto risco). Porém foram encontradas
algumas respostas negativas que sugeriam o descrédito
da medicação.
As questões que foram analisadas com base nas VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão13 estão apresentadas na Tabela 2.
Não houve diferença significativa quanto ao conhecimento
dos fatores de risco que podem causar HAS entre os grupos
de RCV (pergunta 4), percebendo-se percentual elevado de
desconhecimento nos diferentes grupos.
Tabela 2
Frequência das respostas da população estudada referentes às questões sobre HAS, por grupos de risco cardiovascular
Baixo/Médio RCV
(n=49)
n (%)
Perguntas
O que pode causar pressão alta?
O que pode acontecer se você não
tratar a pressão alta?
O que você deve cuidar na
alimentação para controlar mais a
pressão alta?
Você acha que o excesso de peso
pode influenciar na pressão alta?
Você acha que a pressão alta é para
toda a vida?
Alto RCV Muito Alto RCV
(n=32)
(n=32)
Valor p*
n (%)
n (%)
Correto
28 (57,0)
18 (56,0)
14 (44,0)
Errado/Não Sabe
21 (43,0)
14 (44,0)
18 (56,0)
Correto
49 (100,0)
30 (94,0)
20 (62,5)
0 (0,0)
2 (6,0)
12 (37,5)
48 (98,0)
29 (91,0)
30 (94,0)
1 (2,0)
3 (9,0)
2 (6,0)
Sim (correto)
43 (88,0)
26 (81,0)
25 (78,0)
Não (errado)
6 (12,0)
6 (19,0)
7 (22,0)
Sim (correto)
34 (69,0)
22 (69,0)
20 (62,5)
Não (errado)
15 (31,0)
10 (31,0)
12 (37,5)
Errado/Não Sabe
Correto
Errado/Não Sabe
0,456
<0,001
0,341
0,491
0,796
HAS – hipertensão arterial sistêmica; RCV – risco cardiovascular; *Teste do qui-quadrado
185
186
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
Quanto às complicações associadas à HAS, houve maior
conhecimento entre os indivíduos de baixo/médio RCV
em relação aos de muito alto risco. Já com relação ao
excesso de peso e ao percentual elevado de conhecimento
sobre o assunto, porém sem diferença significativa entre
os grupos. Quanto à cronicidade da HAS, cerca de
1/3 de todos os grupos de RCV acreditava que a doença
não era para toda a vida.
Em análise posterior foi avaliado o conhecimento sobre
a influência do peso no controle da HAS (pergunta 7)
entre os indivíduos com IMC ≥30 kg/m² (aproximação
da mediana do IMC de 29). Os indivíduos de maior peso
apresentaram maior conhecimento sobre a influência
da obesidade no controle da PA (n=47; 94,0% com
IMC ≥30 kg/m2 vs. n=47; 75,0% com IMC <30 kg/m2
(p=0,013).
Foram avaliadas também as respostas corretas às
questões de 4 a 8 (analisadas com base nas VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão13) entre os indivíduos que
apresentavam pressão arterial controlada (≤140/90 mmHg,
59,0% da amostra), não tendo sido encontrada diferença
significativa (Tabela 3).
Tabela 3
Entendimento sobre hipertensão arterial de acordo com os grupos com e sem controle da PA
Todas as respostas corretas
Perguntas 4 a 8
Pressão arterial controlada
(n=67)
Pressão arterial não controlada
(n=46)
Sim n (%)
21 (31,0)
11 (24,0)
Não n(%)
46 (69,0)
35 (76,0)
Valor p*
0,516
* teste do qui-quadrado; PA – pressão arterial
Discussão
Acredita-se que este seja o primeiro estudo brasileiro a
avaliar a associação do nível de conhecimento com base
no RCV apresentado entre indivíduos com HAS. O
presente estudo revelou um baixo nível de conhecimento
sobre os fatores de risco associados à ocorrência de HAS,
independente do grupo de risco CV. Apenas o
conhecimento sobre as consequências relacionadas ao
abandono do tratamento da HAS apresentou-se
significativamente maior entre os indivíduos de menor
RCV.
Considerando a estratificação de RCV proposta pelas
VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão13 os indivíduos
com maior RCV no presente estudo eram mais idosos,
com maior prevalência de tabagismo, dislipidemia,
diabetes, bem como condições clínicas associadas à HAS.
Essas características eram esperadas, uma vez que a HAS
é uma doença crônica cuja prevalência aumenta com o
envelhecimento populacional21.
Apesar de existir uma correlação inversa entre o nível de
escolaridade e a prevalência de doenças crônicas, tais
como diabetes e HAS15,22, bem como a presença de fatores
de risco modificáveis15,22, o nível de escolaridade não se
relacionou com o RCV nos indivíduos com HAS, no
presente estudo. Da mesma forma, o nível econômico
não demonstrou correlação com maior RCV. Tais achados
podem estar relacionados com a homogeneidade dessas
variáveis (nível de escolaridade e nível econômico) na
amostra estudada, uma vez que pertenciam a uma área
urbana formada por pessoas de baixa renda.
Embora exista maior prevalência de PA controlada
(58,0%, Tabela 3), a média do IMC em todos os grupos
de RCV foi acima do alvo desejado13, demonstrando ser
uma importante questão dentro dos fatores de risco
modificáveis desta amostra.
As questões analisadas quanto ao seu conteúdo (questões
de 1 a 3) evidenciaram que a HAS é compreendida nas
categorias de RCV com base nos fatores que podem
transitoriamente aumentar a PA (ansiedade e estresse,
no grupo de menor RCV) ou de suas consequências
(evento cardíaco, no grupo de maior RCV).
Interessante notar que nenhum participante associou a
HAS a valores definidos de PA e houve grande associação
da descoberta da HAS com a presença de sintomas.
Considerando que a presença de sintomas não
necessariamente está associada aos valores de PA nos
indivíduos com HAS crônica, a dificuldade e um maior
incentivo da população local para verificar sua pressão,
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
mesmo na ausência de sintomas, devem ser analisados
em trabalhos futuros. Já com relação às medicações,
houve alto índice de postura positiva frente ao uso das
mesmas, apesar de o presente estudo não ter avaliado a
adesão.
Estudos realizados em populações de baixa renda nos
Estados Unidos também demonstraram que fatores
psicológicos, tais como estresse e nervosismo, poderiam
ser os causadores de HAS, porém de caráter intermitente,
entendendo assim a HAS como uma doença crônica23.
Dressler e Santos24, em sua revisão sobre as dimensões
culturais e sociais da HAS no Brasil, apontam também o
modelo dos fatores estressores e psicológicos no
entendimento da causa da HAS entre os brasileiros. No
entanto, no presente estudo, percebeu-se que esse modelo
se modifica com o aumento do RCV associado à HAS.
Para os indivíduos com muito alto RCV, muitos já com
uma condição clínica associada à hipertensão, a
consequência da HAS (infarto ou acidente vascular
encefálico) foi associada como significado da HAS para
estes sujeitos.
Entre as perguntas analisadas quantitativamente e
comparadas entre os grupos de RCV, apenas o
conhecimento relacionado às complicações da HAS foi
significativamente diferente entre os grupos.
Curiosamente os indivíduos com muito alto RCV
apresentavam menor conhecimento sobre as complicações
associadas à HAS. Este achado aponta que podem existir
falhas na comunicação entre a equipe assistencial e o
paciente no que diz respeito à informação relacionada a
sua doença, principalmente no paciente já com evento
cardiovascular. Muitos pacientes podem se manter sem
o conhecimento necessário de sua doença por falta de
um espaço acolhedor para expor suas dúvidas23.
O conhecimento sobre a doença apresentado pelo
indivíduo portador de HAS tem sido associado com
melhor controle dos níveis de PA 6,10,11,15. De forma
semelhante, o maior nível de conhecimento sobre HAS
tem sido associado a uma melhor adesão medicamentosa
ao tratamento 8,15. Apesar de o presente estudo não
ter avaliado a adesão, a presença de PA controlada
(≤140/90 mmHg), mesmo em maior percentagem em
relação a outros estudos2,4, não demonstrou associação a
um maior nível de conhecimento sobre HAS em análise
posterior.
Curiosamente, o maior número de indivíduos que
reconheciam a obesidade como um fator prejudicial ao
controle da PA, encontrava-se no grupo com maior IMC.
Este achado sugere que o conhecimento não é apenas o
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
único elemento necessário para propiciar uma mudança
de hábito, no que se refere à obesidade, controle de dieta
e implementação de atividade física regular.
O presente estudo apresenta algumas limitações e
características metodológicas que devem ser consideradas
em relação à validação externa dos resultados. Para que
houvesse um número equilibrado de participantes em
cada grupo de RCV, os autores necessitaram previamente
às análises das respostas, estratificar os sujeitos da
amostra com base no seu RCV. Dessa forma não houve
“cegamento” dos pesquisadores com relação ao grupo
de risco a que pertencia cada sujeito. No entanto,
considerando que a análise do conteúdo foi limitada à
comparação das frequências das subcategorias sem
outras inferências relacionadas ao conteúdo do discurso,
acredita-se que a falta de “cegamento” não tenha
comprometido os resultados.
Outro fator que pode limitar a extrapolação dos dados
foi o emprego do número de anti-hipertensivos para
classificar o estágio de pressão arterial. Sabe-se que os
valores para cada estágio de HAS são arbitrários e a
classificação empregada tem sua melhor utilização
naqueles pacientes sem tratamento medicamentoso. No
entanto, para se estimar os valores prévios ao início do
tratamento medicamentoso arbitrou-se o número de
medicações como uma forma de estimar o estágio de
pressão inicial. Cabe lembrar que a estratificação global
de risco cardiovascular não considera apenas os valores
de pressão arterial, e para os casos em que o valor médio
de pressão indicava um estágio de pressão arterial maior
ao da medicação, utilizou-se o primeiro. Também
considerando que os grupos de risco mais sensíveis aos
valores de pressão arterial, baixo e médio risco foram
agrupados, acredita-se que tenha sido possível minimizar
quaisquer vieses de seleção.
Além disso, apesar de as perguntas formuladas no
presente estudo terem sido embasadas e adaptadas de
outros trabalhos 5,16-18 formulados para avaliar o
conhecimento a respeito de HAS, uma vez que não se
dispõe de questionário brasileiro padronizado e validado
para tal, mesmo assim as questões não foram previamente
testadas em outros estudos. Reconhece-se que a
metodologia empregada neste estudo não explorou
abrangentemente as expectativas ou ideias que os sujeitos
da pesquisa poderiam expor com relação a sua doença,
uma vez que apenas nas primeiras três perguntas tal
metodologia de análise do discurso foi empregada. Por
outro lado, a escolha por se manter o emprego de
entrevista semiestruturada e analisar as respostas como
corretas ou incorretas, permitiu uma maior confiabilidade
187
188
Lima et al.
Autoconhecimento da Hipertensão Arterial
dos pesquisadores quanto ao real entendimento da HAS
com base nas perguntas realizadas. Isto porque o
pesquisador esclarecia as perguntas quando percebia
qualquer dúvida na compreensão do entrevistado,
mantendo sua imparcialidade. Dessa forma, através
dessa metodologia, o risco de respostas sem uma real
compreensão por parte do sujeito com reconhecida baixa
escolaridade foi minimizada frente ao uso de questionários
fechados, instrumento habitualmente empregado.
Conclusão
O conhecimento sobre os fatores de risco e aspectos
relacionados à modificação do estilo de vida é semelhante
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):181-188
Artigo Original
entre indivíduos hipertensos de diferentes RCV. Apenas
o conhecimento sobre as complicações associadas à HAS
demonstrou ser menor entre os indivíduos hipertensos
com maior RCV.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de
pós-graduação.
Referências
1.
Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM,
Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable
diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet.
2011;377(9781):1949-61.
2. Rosário TM, Scala LC, França GV, Pereira MR, Jardim PC.
Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial
sistêmica em Nobres, MT. Arq Bras Card. 2009;93(6):672-8.
3. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR,
Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em
hipertensos de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. Arq
Bras Card. 2008;91(1):29-35.
4. Pereira M, Lunet N, Azevedo A, Barros H. Differences in
prevalence, awareness, treatment and control of hypertension
between developing and developed countries. J Hypertension.
2009;27(5):963-75.
5. Han HR, Chan K, Song H, Nguyen T, Lee JE, Kim MT.
Development and evaluation of a hypertension knowledge
test for Korean hypertensive patients. J Clin Hypertens
(Greenwich). 2011;13(10):750-7.
6. Almas A, Godil SS, Lalani S, Samani ZA, Khan AH. Good
knowledge about hypertension is linked to better control of
hypertension; a multicentre cross sectional study in Karachi,
Pakistan. BMC Res Notes. 2012;5:579.
7. Hajjar I, Kotchen TA. Trends in prevalence, awareness,
treatment, and control of hypertension in the United States,
1998-2000. JAMA. 2003;290(2):199-206.
8. Kim EY, Han HR, Jeong S, Kim KB, Park H, Kang E, et al.
Does knowledge matter? Intentional medication nonadherence
among middle-aged Korean Americans with high blood
pressure. J Cardiovasc Nurs. 2007;22(5):397-404.
9. Given CW, Given BA, Coyle BW. Prediction of patient attrition
from experimental behavioral interventions. Nurs Res.
1985;34(5):293-8.
10. Powers MJ, Jalowiec A. Profile of the well-controlled, welladjusted hypertensive patients. Nurs Res. 1987;36(2):106-10.
11. Winkleby MA, Flora JA, Kraemer HC. A community-based
heart disease intervention: predictors of change. Am J Public
Health. 1994;84(5):767-72.
12. Lynch EB, Liu K, Kiefe CI, Greenland P. Cardiovascular disease
risk factor knowledge in young adults and 10-year change in
risk factors: the Coronary Artery Risk Development in Young
Adults (CARDIA) Study. Am J Epidemiol. 2006;164(12):1171-9.
13. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de
Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;
95 (1 supl. 1):1-51. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):553.
14. Kjellgren KI, Svensson S, Ahlner J, Säljö R. Hypertensive
patients’ knowledge of high blood pressure. Scand J Prim
Health Care. 1997;15(4):188-92.
15. Di Chiara T, Scaglione A, Corrao S, Argano C, Pinto A,
Scaglione R. Association between low education and higher
global cardiovascular risk. J Clin Hypertens (Greenwich).
2015;17(5):332-7.
16. Barreto MS, Reiners AAO, Marcon SS. Conhecimento sobre
hipertensão arterial e fatores associados à não adesão à
farmacoterapia. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(3):484-90.
17. Fontanella BJ, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação
em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas.
Cad Saude Publica. 2008;24(1):17-27.
18. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de
Classificação econômica Brasil. São Paulo: ABEP; 2014.
19. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 4a ed. São Paulo: Hucitec;1996.
20. Bardin L. Análise do conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.
21. Ala L, Gill G, Gurgel R, Cuevas L. Evidence for affluencerelated hypertension in urban Brazil. J Hum Hypertens.
2004;18(11):775-9.
22. Redondo A, Benach J, Subirana I, Martinez JM, Muñoz MA,
Masiá R, et al. Trends in the prevalence, awareness, treatment,
and control of cardiovascular risk factors across educational
level in the 1995-2005 period. Ann Epidemiol. 2011;21(8):555-63.
23. Kronish IM, Leventhal H, Horowitz CR. Understanding
minority patients’ beliefs about hypertension to reduce gaps
in communication between patients and clinicians. J Clin
Hypertens (Greenwich). 2012;14(1):38-44.
24. Dressler WW, Santos JE. Dimensões culturais e sociais da
hipertensão no Brasil: uma revisão. Cad Saude Publica.
2000;16(2):303-15.
Download