VII Colóquio Internacional Marx Engels Centro de Estudos Marxistas Mesa redonda: Trabalho-educação e luta de classe Coordenador: José Rodrigues Comunicação: Uma educação para além do capital é uma educação para além do trabalho? UFF Mestrado em Educação Maria Clara A. C. Fernandes Janeiro 2012 Uma educação para além do capital é uma educação para além do trabalho? Princípio educativo em Gramsci e Mészáros. O antiamericanismo é antes cômico que estúpido. A respeito do ‘conformismo’ social... o alarma dado por certos intelectuais é apenas cômico... ...mas agrada utilizar precisamente a palavra ‘conformismo’ para chocar os 1 imbecis. (MANACORDA, 1990, p.11) Esta epígrafe foi escolhida por Manacorda para iniciar o livro sobre o princípio educativo de Gramsci, no intuito de fazer uma provocação. Numa leitura rápida e desatenta, ou seja, numa leitura que não leva em consideração o contexto histórico cultural de Gramsci e o conhecimento da totalidade de sua obra, esta citação solta no texto parece um paradoxo, ou até mesmo um erro do editor. Imediatamente, podemos formular a seguinte pergunta: Gramsci defende o americanismo2 e o conformismo social? É possível que a resposta seja sim e não, simultaneamente. Marx, apesar de não ter se dedicado especificamente sobre o tema da educação em si, apresenta uma dimensão pedagógica, que se apresenta ao longo de toda a sua obra, é o seu próprio método, e dá suporte ao princípio educativo em Gramsci. Através da teoria que surge na cabeça, mas parte da realidade concreta, relacionada ao método, Marx e Gramsci demonstram o esforço necessário em produzir um conhecimento que sirva para a possibilidade transformação social. Assim, há uma preocupação, tanto de Marx quanto de Gramsci, mesmos em contextos históricos distintos, de fazer uma diferenciação bem marcada e contrária de suas teorias diante de posições abstratas e individualistas que limitam ou impossibilitam a necessidade de uma transformação social real. As revoluções burguesas e a modernidade propuseram tal transformação, mas não foi possível realizá-la por completo, pois o modo de produção capitalista era o 1 Esta citação é a epígrafe do livro de Mario A. Manacorda O princípio educativo em Gramsci. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990. Manacorda cita uma frase de Antônio Gramsci. 2 Organização da produção capitalista nos Estados Unidos conhecida como taylorismo. horizonte limitador das utopias iluministas, de igualdade e liberdade, por exemplo. Assim, há, ao mesmo tempo, uma aceitação e uma crítica do pensamento pedagógico contemporâneo por cada um dos autores, que reconhecem os progressos humanos advindos das revoluções burguesas e da própria revolução industrial, mas sem perder de vista as contradições sociais que as sustentam. O vínculo com a classe operária, com a perspectiva de luta de classes, é o que salva a teoria e a prática revolucionárias do idealismo e individualismo, possibilitando uma proposta concreta e internacional. Para que se compreenda o que sugere Gramsci em sua epígrafe contundente argumenta-se que ele aceita e rejeita ao mesmo tempo a cultura, cultura entendida por ele como organização da sociedade. Defende um americanismo não americano. A pedagogia gramsciana, que está também entrelaçada à política, se contrapõe frontalmente ao autoritarismo jesuítico e não à autoridade em si, e ao libertarismo rousseauniano e não à liberdade humana. Também defende e relaciona a instrução tradicional com a moderna quanto ao conteúdo, em contraponto a inovações artificiais, e novos métodos que não promovem novas atitudes. A relação que Gramsci estabelece entre autoritarismo e libertarismo, não vem acompanhada da qualidade jesuítica nem rousseauniana, que caracterizam estas duas formas de desenvolvimento humano dicotômicamente, e unilateralmente, no sentido da relação mecânica entre autoridade e liberdade, portanto, de maneira abstrata. A pedagogia para o “novo homem” deve admitir tanto o libertarismo como o autoritarismo de forma concreta, ou seja numa relação dialética entre um e outro. Para Gramsci autoritarismo e libertarismo são importantes na conformação do “novo homem”. Alguns sinônimos destas duas formas da dinâmica do processo de formação humana, que se articulam dialeticamente na escola unitária pensada por Gramsci, aparecem nas cartas e cadernos manuscritos pelo autor como também na interpretação e na tradução de Manacorda da seguinte forma: autoritarismo tem sinônimos tais como conformismo, disciplina, diretivismo, heteronomia, pedantismo e americanismo; e libertarismo também pode ser lido como autonomia, ativismo, espontaneísmo e bohème3. A opinião comum de Gramsci objeta que a escola tradicional era oligárquica não pelo seu método e ensino, nem pela sua tendência a formar homens superiores, mas porque estava reservada apenas a uma élite de futuros dirigentes, a um determinado estrato social. (MANACORDA, 1990, p. 178) 3 Bohéme é a contraposição da indústria européia frente ao taylorismo norte americano. Nesta perspectiva, Manacorda demonstra como Gramsci não rejeita a escola enquanto instituição legítima de organização e transformação social e nem mesmo, aparece em suas reflexões, a escola como um mecanismo limitado unilateralmente pela reprodução dos valores hegemônicos dominantes. O limite da escola não é a escola em si, nem sua forma e conteúdo enquanto organizadora da sociedade, mas o papel social que desempenha no horizonte capitalista, uma alusão a divisão entre trabalho manual e intelectual dicotomizado na formação escolar, processo ao qual Gramsci se contrapõe através da proposta de escola unitária do trabalho. Como demonstrado na epígrafe inicial, Gramsci entende que é tolice separar conformismo e espontaneísmo no processo de formação pedagógica e podemos dizer também política, pois o não conformismo, ou, o espontaneísmo como método educacional e de organização da cultura não é possível de forma absoluta, todo ser humano é educado pela geração anterior e por vários meios desde a escola até a imprensa, portanto, a liberdade da espontaneidade, por si só, não existe, estará sempre sujeita a conformação mesmo em espaços que extrapolam a educação escolar ou formal. Desta forma percebe-se que se coloca como fundamental a intervenção da escola na organização da cultura para uma nova sociedade, a necessidade do industrialismo na formação intelectual, uma relação educativa permanente e coercitiva. É preciso deixar claro a qual conformação se é contrário, e qual conformação é necessária num projeto de transformação social, no caso a conformação de classe e a formação do novo homem, respectivamente. Uma transformação social calcada em perspectivas espontaneístas, tem o risco de cair em uma conformação liberal burguesa, deixando os indivíduos “livres” para a conformação do homem na visão da classe que é hegemônica economicamente e culturalmente. Por isso Gramsci se posiciona e aponta a precariedade do anticonformismo que tem como conseqüência a reprodução dos valores de classe dominante, burgueses, e não contribui na formação e na organização da classe trabalhadora para a transformação social. Assim, parece possível a apropriação do conhecimento científico e a conformação do conhecimento pela classe trabalhadora, no caso o “americanismo” não americano, considerando suas contradições, reconhecendo seus avanços e utilizando-os. Este fragmento do livro demonstra isso: a exigência técnica pode ser pensada como concretamente separada dos interesses da classe dominante, e não apenas isso, mas, além disso, se ela pode ser pensada como ligada aos interesses da classe ainda subalterna (Cd. 9-XIV, p. 50). (Idem, ibidem p. 205) Longe de olhar para os aspectos supraestruturais e exteriores daquilo que ele chama de “americanismo de café”, que não é, ademais, outra coisa que a manifestação do pânico de que se acham presos os estratos sociais destinados a serem esmagados pela “nova ordem”, da qual o desenvolvimento econômico do tipo americano é a premissa, ele olha, pois, precisamente para a base desse desenvolvimento, e reivindica para a classe operária a capacidade de partir dessa base para criar uma civilização realmente “nova”: Não é dos estratos sociais condenados pela nova ordem que se pode esperar a reconstrução, mas sim da classe que cria as bases materiais dessa nova ordem e que deve encontrar o sistema de vida que converta em “liberdade” aquilo que hoje é “necessidade”. (Cd. 3-XX, p.8). (Idem, ibidem p. 199) Uma questão que se coloca aqui é: partir da realidade concreta, e, apontar suas contradições, é negá-la de forma absoluta? Como partir da realidade concreta para a transformação social? Partir da realidade concreta significa reproduzi-la? Considerando todo o trabalho que a sustenta, representado por uma relação histórica entre homem e natureza e dos homens entre si, não é possível apagar ou simplesmente se descolar do processo histórico, é dele que se parte, ainda que o conhecimento surja no pensamento, portanto não se está contra o conformismo ou a indústria, mas sim contra as relações de classe submetidas pelo conformismo e pela indústria burguesas. O princípio educativo é o trabalho que sustenta toda essa história, apontadas devidamente suas contradições. Uma longa citação do livro de Manacorda mostra sua análise entremeada das citações de Gramsci sobre as tarefas da educação escolar: O ensino é uma luta contra o folclore, em favor de uma concepção realista em que se unem dois elementos: a concepção de lei natural e a da participação ativa do homem na vida da natureza, isto é, em sua transformação segundo um objetivo que é a vida social dos homens. Ou seja, essa concepção unifica-se no trabalho, que se baseia sobre o conhecimento objetivo e exato das leis naturas para a criação da sociedade dos homens. (pp. 29-29 bis). (Idem, ibidem, p. 172) ...já aqui ele unifica, os dois elementos no conceito e no fato do trabalho, a atividade “prática” do homem que “enxerta” a ordem social (direitos e deveres) na ordem natural, e cria os primeiros elementos de uma visão do mundo livre de toda bruxaria e magia, e “fornece um ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, de movimento” (mais tarde dirá “dialética”) do mundo. (Idem, ibidem, p. 172) Gramsci defende o trabalho como princípio educativo e a escola como ação educativa direta das exigências da produção. Podemos começar a visualizar a diferença que se impõe entre a “educação para o trabalho” e o “trabalho como princípio educativo”. Este entendimento é necessário para que a proposta de escola unitária, e aqui explicitamente atrelada à política, não caia numa falsa representação democrática (burguesa): A escola profissional existente dá a falsa impressão de ser democrática, porque tendendo a criar novas estratificações sociais, ou seja, permitindo que o operário passe de não qualificado a qualificado, por exemplo, cria aquilo que poderíamos chamar de uma certa mobilidade social: Mas a tendência democrática, intrinsecamente, não pode significar apenas que um operário, não qualificado se torne qualificado, mas que cada “cidadão” possa tornar-se “governante” e que a sociedade o deixe, ainda que “abstratamente”, em condições gerais de poder chegar a esse ponto; a “democracia política” tende a fazer coincidir governantes e governados. (Idem, ibidem) O conformismo que Gramsci defende é um conformismo pelo desenvolvimento total do homem e não um condicionamento prematuro para o trabalho, pois essa escola é discriminatória e seletiva. Outro ponto importante que faz parte desta compreensão da escola unitária é a não separação entre trabalho manual e intelectual, representada pela idéia de escola única do trabalho. Esta escola não é exigência do educador e sim das condições objetivas impostas ao homem pela racionalização do trabalho, às quais se torna impossível se opor. Quando temos o mundo do trabalho como ponto de apoio para o novo mundo que se acha em gestação, não organizamos a educação para o trabalho mas temos o trabalho como princípio organizador, a adequação da cultura à função prática. Mais uma questão que parece ser insolúvel e que sempre retorna nas discussões sobre o tema, e que também foram consideradas por Marx e Gramsci: Pode-se realizar uma reforma cultural, isto é, a elevação cultural dos elementos oprimidos da sociedade, sem uma precedente reforma econômica e uma transformação do teor econômico da vida? (Cd. 8-XXVIII, p. 11) (Depois escreverá: “uma transformação na posição social e no mundo econômico?”) É o problema tantas vezes posto às reflexões dos reformadores, da relação entre educação e sociedade, um problema que também Marx se propunha em sua intervenção perante o Comitê Diretivo da Primeira Internacional, em 1869: (“De um lado, requer-se uma transformação nas condições sociais para criar um sistema de instrução adequado, e de outro lado, requer-se um sistema de instrução adequado para poder modificar as condições sociais” Gramsci responde: Por isso a reforma intelectual está sempre ligada a um programa de reforma econômica, ou melhor, o programa de reforma econômica é o modo concreto com o qual se apresenta toda a reforma intelectual e moral (Ibid). (Idem, ibiden p.208) Podemos concluir que Gramsci defende o trabalho como princípio educativo por esta ser a mediação histórica entre os homens, a natureza e os homens entre si, assim como o conhecimento das leis naturais para a criação da sociedade dos homens. Observamos que Gramsci teve uma leitura atenta da fundamentação ontológica e histórica de Marx sobre o trabalho, pois faz a crítica do trabalho, mas não enquanto princípio formador do ser humano, mas sim no contexto histórico do modo de produção capitalista. Defende também a escola e sua adequação com a vida através da formação de quadros políticos, ou seja, a escola é parte legítima do processo de transformação social. Muitas são as semelhanças entre as preocupações de Gramsci e Mészáros para a emergência e necessidade de uma transformação social estrutural, total, que não se limite ao capital - que abarque todas as esferas da vida humana -, e algumas são as diferenças entre os autores quanto ao papel social da instituição escolar e do trabalho como princípio educativo no processo revolucionário. Assim como quantidade não é sinônimo de qualidade, as poucas diferenças entre os autores, no caso, sobre as concepções de escola e sobre a centralidade da categoria trabalho, podem se tornar grandes diferenças políticas entre eles, este trabalho pretende levantar uma questão que precisa ser melhor estudada, e demanda uma leitura da grande obra “Para Além do Capital” e das principais obras de Gramsci, tendo como lastro trabalho, educação e política. Gramsci nas décadas de 20 e 30 do século XX, e Mészáros na primeira década do século XXI, clamam pela emergência do novo homem e da nova sociedade ambos com princípios socialistas. O primeiro, influenciado pela maior proximidade com a revolução russa tanto histórica quanto individualmente, e o segundo afastado da mesma, mas bem próximo do ininterrupto avanço da produção destrutiva do capital, ameaçando a própria vida humana no planeta devido à destruição sistemática dos meios de sobrevivência, como o meio ambiente. Há concordância na luta por uma educação que rompa com a lógica do capital, entendem que a educação e formação humana são um fenômeno que não é exclusivo da instituição escolar, e a educação para todos atrelada ao trabalho são demandas comuns. A crítica aos ideais mais bem intencionados iluministas, mas utópicos, devido à limitação pelo avanço do capitalismo são a base da diferenciação entre suas teorias e os ideais reformistas, utópicos e burgueses. Vale lembrar que ambos tiveram formação universitária, Gramsci na Universidade de Turim cursou Letras, Meszáros foi assistente de Lukács e lecionou Ciências Sociais e Filosofia no ensino superior, experiências essas que tiveram grande influência na trajetória de vida pedagógica e política dos dois. Mészáros inicia seu livro com três epígrafes, radicalizando e ampliando o conceito de educação quando cita primeiro Paracelso lembrando que a aprendizagem se dá na própria vida, e, em seguida, José Martí com um fragmento que denuncia com razão a escola enquanto cárcere humano. Estas alusões são corretas, mas incompletas, pois sabemos, como a lógica do capital, não só se reproduz na escola, espaço formal de educação humana mas na própria vida, fora da escola, o que nos sugere a própria idéia de Mészáros sobre a incorrigível lógica do capital. A educação que está fora dos muros da escola também é sujeita a conformação instituída pelos valores do capital na sociedade moderna. Para o autor há um processo amplo de internalização dos padrões reprodutivos do capital, e as instituições formais de educação são uma parte importante do sistema global dessa internalização, sendo uma de suas funções nas nossas sociedades a produção de conformidade e consenso. Aqui Meszáros se também se depara com a grande questão, assim como Marx e Gramsci: para as instituições formais de educação romperem com a lógica do capital é necessário uma mudança da totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida. Ou seja, para mudar a educação é preciso que se mude a sociedade, levando-nos assim para uma saída revolucionária e não reformista. O que deve ser confrontado não é o sistema escolar estabelecido, mas todo o sistema de internalização, que está também para além da escola. A terceira citação que abre o livro de Mészáros, é de Marx e, na verdade, contém e faz um contraponto em relação as duas primeiras, lembrando e trazendo para a reflexão aquilo que nas anteriores está incompleto, que os homens são produtos da educação, mas que são os próprios homens quem a modifica. Parece que Mészáros sugere escapar do controle exercido pelo capital escapando da educação formal, da escola, ou da educação institucionalizada. A questão é que a lógica do capital abrange também outros âmbitos da vida que não só os da educação formal, e esta questão Mészáros não desenvolve, defende a educação para além da escola, mas não fica claro como isso se daria. Ampliar a concepção de educação não elimina seus aspectos reprodutivistas fora do ambiente escolar. Um exemplo da concepção ampliada de educação do autor é mostrada na seguinte passagem: Nunca é demais salientar a importância estratégica da concepção mais ampla de educação, expressa na frase: “a aprendizagem é a nossa própria vida”. Pois muito do nosso processo contínuo de aprendizagem se situa felizmente, fora das instituições educacionais formais. Felizmente porque estes processos não podem ser manipulados e controlados de imediato pela estrutura educacional formal legalmente salvaguardada e sancionada. (MÈSZÁROS, 2008, p.53) O autor supervaloriza e isola as instituições formais de educação, as escolas, como reprodutoras dos valores do capital e da alienação, como se no mundo da vida, fora das escolas estes mesmos valores também não fizessem parte de nossa formação. Numa citação mais adiante, Mészáros, de forma vaga, e aqui podemos relembrar a crítica de Gramsci ao espontaneísmo, tenta exemplificar onde os jovens podem encontrar alimento intelectual: Os jovens podem encontrar alimento intelectual, moral e artístico noutros lugares. Pessoalmente fui muito afortunado por, aos oito anos de idade, contar com um professor notável. Não na escola, mas quase por acaso. (Idem, ibiden p.54) Mészáros nos mostra uma filosofia com aspectos espontaneístas, se recordarmos as considerações anteriores de Gramsci sobre o princípio educativo. A idéia de educação para além da escola nos apresenta conceitos tais como auto mediação, auto controle, auto realização, autogestão, auto educação, mas não sinaliza como se daria esse processo, enfatizando que ele não será possível através da organização escolar, e sim de uma concepção ampla para o desenvolvimento contínuo da consciência socialista. É possível observar o esforço dialético de Mészáros quando tenta relacionar indivíduo e sociedade, mas se limita a ampliar a idéia de educação em contraponto a escola como se esta tivesse por característica própria ser uma mediação alienada, restando apenas a automediação como possibilidade de desalienação. Em todo o livro, o autor praticamente não fala da escola e sim da educação socialista, mas fica difícil compreender como se dará esse “desenvolvimento contínuo” da consciência socialista. Mészáros também busca uma saída para a velha questão: para mudar a educação tem que mudar a sociedade, e para mudar a sociedade tem que mudar a educação. A questão da alienação é bem colocada pelo autor como alienação do trabalho, mas para se escapar dela nega o trabalho como princípio mediador e também como princípio educativo como propõe Gramsci. Por conta de sua negação contundente ao sistema metabólico do capital e a urgência do tempo, diante da destruição avassaladora, se direciona no sentido de defender o tempo livre como alternativa hegemônica do trabalho, uma contabilidade do tempo de trabalho diversa: substituição do trabalho necessário pelo tempo de trabalho disponível. Essa substituição deve ser consciente através da educação social. Nesta passagem o autor dá um resumo conciso de sua defesa do tempo disponível: Ou, para expressar de um modo diverso a mesma correlação dialética, somente pela adoção consciente do tempo disponível como o princípio operacional orientador e praticamente efetivo de nossa vida é possível entrever o desenvolvimento de um sujeito social capaz de controlar de forma apropriada a produção e a reprodução societária da ordem hegemônica alternativa. (Idem, ibiden) A questão é que tempo de trabalho disponível, ou seja, tempo livre de trabalho também pode ser uma atividade alienada e submetida ao capital. A redução da jornada de trabalho, apesar de ser uma luta legítima do trabalhador no contexto da luta de classes, não se dá de forma que automaticamente permita uma consciência alternativa, pode, inclusive, prejudicar o trabalhador com aumento do desemprego, mais exploração, ou acúmulo de vários trabalhos. Também pode haver aumento do tempo de trabalho disponível e manutenção das relações sociais capitalistas de exploração do trabalho. Mészáros de forma brilhante faz a crítica do capital e também a crítica da escola, mas parece que se soma aos autores que deslocam o trabalho como categoria central, como mediação primordial, aspecto materialista que dá a base real a teoria de Marx. Não é o não trabalho, e sim, a mudança nas relações sociais de trabalho e o mesmo como principio educativo para uma nova sociedade, é o que pode nos dar suporte para uma política educacional que sustente a mudança social no contexto presente. O autor de “Educação para além do capital.” trabalha de forma dialética a relação entre indivíduo e sociedade, mas esta relação permanece abstrata quando foge a escolarização, e ao trabalho como princípio da formação humana, apontando o desenvolvimento de uma consciência moral socialista através de indivíduos sociais com valores exigidos e elaborados por eles mesmos, indivíduos autônomos e responsáveis. Vê o problema e defende a saída pelo tempo criativo de trabalho disponível: A alternativa hegemônica de trabalho é a instituição de uma contabilidade do tempo radicalmente diversa, sinônima das exigências humanamente enriquecedoras da contabilidade socialista. Apenas sobre essa base é possível entrever as práticas produtivas em pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais ricos. Isso só é possível por meio de uma substituição radical da tirania historicamente predominante do tempo de trabalho necessário pela adoção consciente e o uso criativo do tempo disponível como princípio orientador da reprodução societária. (Idem, ibiden p.98) Podemos concordar, de certa forma, como já foi delimitado neste trabalho, que Marx e Gramsci têm de forma fragmentada em suas obras concepções sobre educação e escola, mas que possuem uma dimensão pedagógica e um princípio de formação humana em suas teorias, tendo como ponto de apoio a categoria trabalho. Já em Mészáros, no seu livro sobre educação fica ainda mais difícil perceber a dimensão pedagógica e o princípio de formação na prática quando este deságua na própria vida e substitui a centralidade do trabalho por tempo disponível. Bibliografia MANACORDA, Mario Alighiero. O Princípio Educativo em Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. MÉSZÁROS, Istvan. A Educação Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2008.